corrupção

Percepção de servidores sobre corrupção no governo aumenta na pandemia

Pesquisa sobre ética e corrupção no serviço público federal, realizada pelo Banco Mundial, ouviu mais de 22 mil funcionários da União

Weslley Galzo / O Estado de S. Paulo

A crise provocada pela pandemia de covid-19 no País estimulou casos de corrupção e a conduta antiética no serviço público. A conclusão consta de pesquisa desenvolvida pelo Banco Mundial com base na percepção de servidores públicos que atuam no governo de Jair Bolsonaro. Para 55,4% dos trabalhadores, situações como interferência política nas decisões organizacionais se mantiveram iguais ou cresceram neste período. Ao mesmo tempo, mais da metade (51,7%) respondeu não se sentir seguro o suficiente para denunciar condutas ilícitas. 

A “Pesquisa sobre Ética e Corrupção no Serviço Público Federal” ouviu 22.130 funcionários públicos de maneira remota, entre abril e maio deste ano, para traçar o perfil da corrupção nos órgãos da União, como ministérios e secretarias. 

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Embora boa parte dos participantes do levantamento tenha preferido não responder a perguntas sobre atos antiéticos no seu ambiente de trabalho, cerca de 50,6% dos entrevistados afirmam ter notado aumento de conflitos de interesse entre a iniciativa privada e o setor público.

O período analisado pela pesquisa coincide com as primeiras denúncias de irregularidades do governo do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia. Abril e maio deste ano foram os primeiros meses de trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado.

Na semana de encerramento da pesquisa, os senadores da CPI ouviram Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação, do Ministério da Saúde. Mayra foi a responsável pelo desenvolvimento da plataforma TrateCov – o aplicativo acabou retirado do ar após denúncias de que o protocolo sugerido indicava uso de cloroquina para pacientes de todas as idades, com diferentes sintomas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o medicamento é comprovadamente ineficaz contra a covid-19.

Abril e maio deste ano foram os primeiros meses de trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado. Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Além de Mayra, a CPI ouviu o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, que relatou ter feito uma oferta, recusada, de 100 milhões de doses da vacina Coronavac ao Ministério da Saúde. As declarações à CPI evidenciam a percepção de interferência política relatada pelos entrevistados no levantamento coordenado pelo Banco Mundial.

Outro aspecto apresentado pela consulta foi o aumento da falta de transparência e prestação de contas no processo de decisão sobre contratações e compras feitas com dinheiro público, um problema apontado por cerca de 22,4% dos entrevistados. Para 22,2%, houve aumento do lobby entre os setores público e privado durante a pandemia.

Entraves. Além de traçar o panorama da corrupção na administração pública federal, a pesquisa mostrou a existência de entraves nas estruturas dos órgãos que desestimulam os servidores a denunciar casos antiéticos, e até crimes, presenciados por eles.  Dos que responderam que não se sentem seguros o suficiente para denunciar condutas ilícitas, 58,7% afirmaram já ter observado práticas irregulares e 33% disseram nunca ter visto condutas não recomendadas no ambiente de trabalho.

"Servidores relatam altos níveis de insegurança ao denunciar atos de corrupção, o que pode ser atenuado por capacitação em programa de integridade", diz trecho do relatório do Banco Mundial. "Ter acesso a programas  de integridade está relacionado a um menor sentimento de insegurança, sendo um  importante instrumento para criação de uma cultura anticorrupção", recomenda.

Nos últimos 3 anos, período que compreende a gestão Bolsonaro, um terço dos entrevistados declarou ter testemunhado ao menos um ato antiético. No mesmo período, 52,1% garantiram não ter visto irregularidades, enquanto 14,5% preferiram não responder.

Os dados foram reunidos com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU), do Ministério da Economia, e da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Na lista dos que presenciaram algum caso de corrupção ou desvio de função, a maior parte indica ter observado comportamento antiético na formulação de políticas, projetos ou programas (37,7%) ou em compras e contratações de serviços e obras (35,3%).

Uma série de reportagens do Estadão sobre o orçamento secreto revelou como o governo Bolsonaro tem distribuído recursos da União por meio das emendas de relator do Orçamento – as chamadas RP-9 –, sem critérios técnicos, a um grupo de parlamentares, principalmente às vésperas de votações de interesse do Palácio do Planalto. O caso também ficou conhecido como  “tratoraço” porque boa parte dos repasses é destinada à compra de maquinário agrícola e tratores usados em obras nos  redutos eleitorais dos aliados de Bolsonaro.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,percepcao-de-servidores-sobre-corrupcao-no-governo-aumenta-na-pandemia,70003895600


Felipe Salto: Orçamento do país não pode ter dono

Emendas de relator deveriam se restringir à correção de erros e omissões

Felipe Salto / O Estado de S. Paulo

Adam Smith, na Teoria dos sentimentos morais (1759), escreveu que “a regra geral se forma por se descobrir, a partir da experiência, que se aprovam ou desaprovam todas as ações de determinada espécie, ou circunstanciadas de certa maneira”. Isto é, a prática e os valores precedem as leis. As emendas de relatorgeral do Orçamento desvirtuam uma regra geral fundamental: o respeito ao dinheiro público. É o patrimonialismo redivivo.

O Poder Executivo envia ao Congresso a proposta orçamentária. As únicas hipóteses para emendas parlamentares são: a anulação de despesas e a correção de erros e omissões. Está no parágrafo 3.º do artigo 166 da Constituição: “As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: (...) II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa (...); ou III – sejam relacionadas: a) com a correção de erros ou omissões; ou b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.”

As emendas individuais e de bancada tornaram-se impositivas, respectivamente, em 2015 e 2019 (Emendas à Constituição – ECS n.ºs 86 e 100). No caso das individuais, garantiu-se 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL, conceito usado para medir a arrecadação) em 2017, sendo metade obrigatoriamente para a saúde. Já as emendas de bancada estadual correspondem a 1% da RCL. As emendas individuais, conforme a EC n.º 95, de 2016, são corrigidas pela inflação acumulada em 12 meses até junho (regra do teto).

Antes, o Executivo podia contingenciá-las. Hoje, há uma blindagem do valor reservado já no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), que só pode ser reduzido na mesma proporção em que o Executivo cortar as suas despesas discricionárias (não obrigatórias).

Desde 1989, o Congresso reestimava as receitas calculadas pelo Executivo alegando “erro” de projeção. Isso abria espaço para emendas ao Orçamento, depois contingenciadas parcialmente por decreto. Ocorre que o teto de gastos reduziu a eficácia desse jogo. A Instituição Fiscal Independente (IFI) tem mostrado, há vários anos, a contenção das despesas discricionárias requerida para cumprir o teto. Começouse a buscar saída para emendar o Orçamento escapando das amarras do teto. Reestimar a receita já não serviria na presença de despesas próximas do teto.

A solução foi ampliar o escopo das emendas de relator-geral do Orçamento, promovendo inclusive revisões para baixo em projeções de gastos obrigatórios, como ocorreu em 2021. O papel do relator é central; coordena as alterações no Ploa em todas as etapas. Para isso, dialoga permanentemente com o Executivo. As emendas de relator deveriam se restringir à correção de erros e omissões, com amparo na Constituição. Uma brecha da Resolução do Congresso n.º 1, de 2006, tem permitido a extrapolação do texto constitucional.

Ocorre que, desde 2019 (já ocorria antes em menor intensidade), essas emendas do relator começaram a acolher demandas de parlamentares e do próprio Executivo. O relator passou a emendar o Orçamento por meio de um carimbo específico (o “RP-9”), uma forma de identificar essas mexidas e garantir os acordos a posteriori. A pulverização e o tamanho alcançados levaram aos alertas da imprensa, inicialmente do


Ministra Rosa Weber, vice-presidente do STF. Foto: SCO/STF
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Ministra Rosa Weber, vice-presidente do STF. Foto: SCO/STF
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Ministra Rosa Weber, vice-presidente do STF. Foto: SCO/STF
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Estadão, em matérias do jornalista Breno Pires. Na IFI, publicamos dois trabalhos sobre isso no âmbito do Orçamento de 2021.

A decisão da ministra Rosa Weber, nos últimos dias, limita o RP-9. Está correta. Não há critérios objetivos para a gestão desses vultosos recursos e as combinações entre governo e relator-geral estão muito distantes dos olhos da sociedade. Por que um município recebeu mais em RP-9 do que outro? Hoje, com dados públicos, é impossível responder a questões como essa.

O tipo de negociação aí embutida deve merecer as atenções de todos nós. A PEC dos Precatórios, por exemplo, foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados. O rombo no teto de gastos poderá ficar entre R$ 92 bilhões e R$ 95 bilhões em 2022. Uma parte relevante iria para o relator-geral distribuir no âmbito do Ploa. Os fatos estão aí. O quadro é potencialmente grave.

O orçamento das emendas de relator-geral está em torno de R$ 17 bilhões em 2021. Há gastos do Ministério do Desenvolvimento Regional, do Fundo Nacional de Saúde, dentre outros. Para 2022, as contas preliminares da IFI indicam emendas de relator na casa de R$ 15 bilhões, caso se aprove a PEC dos Precatórios.

Se o RP-9 passou a ser um instrumento novo na relação entre o Executivo e o Legislativo, ele tem de ser regulamentado. Deve haver regras para realizar tais despesas, e com transparência, ou voltaremos à idade da pedra lascada na gestão fiscal. Alternativamente, restrinja-se a emenda de relator.

Raymundo Faoro escreveu, em Os donos do poder: “A comunidade política conduz (...) os negócios, como negócios privados seus, na origem, como negócios públicos depois (...). O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo (...)”.

O Orçamento não pode ter donos.

*Diretor-executivo e responsável pela implantação da IFI

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,orcamento-nao-pode-ter-dono,70003893114


Moro busca MBL e nomes ligados a Huck para ampliar grupo político em 2022

Ex-ministro já atua para formar grupo político que dê sustentação à sua potencial candidatura ao Planalto

Pedro Venceslau, Brenda Zacharias e Luiz Vassallo / O Estado de S. Paulo

Prestes a se filiar ao Podemos, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro já atua nos bastidores para formar um grupo político próprio que dê sustentação à sua potencial candidatura ao Palácio do Planalto. Afastado do debate nacional desde que deixou o governo e foi atuar em uma empresa de consultoria nos Estados Unidos, Moro procura interlocução em várias frentes simultâneas para se destacar no congestionado campo da terceira via.

O ex-juiz tenta arregimentar apoio nas bases “lavajatistas”, incluindo grupos que lideraram as manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), como o Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre (MBL).

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Com a saída do apresentador Luciano Huck da disputa presidencial, o ex-ministro quer explorar a condição de possível “outsider” da eleição. Moro tenta construir pontes com economistas e teve conversas com quadros que eram próximos ao apresentador da TV Globo, como Armínio Fraga. O objetivo é expandir sua narrativa para além do combate à corrupção e fazer uma sinalização ao mercado. Outro nome que está no radar de Moro é o de Persio Arida

Identificação. “Neste processo, uma das coisas que eu defendo é que não tem que ter nenhum veto a nenhum pré-candidato, a nenhuma força política que queira trabalhar pela unidade. Se ele procurar, claro, vamos dialogar”, disse o presidente do Cidadania, Roberto Freire. Na semana passada, Moro esteve com o presidenciável do partido, o senador Alessandro Vieira (SE).

Freire era um dos interlocutores próximos de Huck. Assim como Moro, Vieira é identificado com a pauta do combate à corrupção, o que facilitaria uma eventual composição. Mas, apesar da disposição ao diálogo, Freire faz ponderações sobre a candidatura de Moro. “A agenda dele tem um certo peso na sociedade, a questão da luta contra a corrupção. Mas não é suficiente para representar (o País). Os problemas brasileiros são muito maiores do que isso, embora isso (a corrupção) seja um problema. Ele é um grande eleitor, mas não sei se será um grande candidato.”

No caso do MBL, a disposição é explícita. “Precisamos de um nome viável para unir a terceira via. O nome do Moro vai além do lavajatismo. Ele tem preocupações sociais e com a estabilidade econômica. Estar com Moro é uma possibilidade. Podemos convergir no ano que vem”, disse a porta-voz do MBL, Adélia Oliveira. 


Foto: Podemos/Divulgação
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Foto: Lula Marques / AGPT
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
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Foto: Podemos/Divulgação
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Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
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Foto: Podemos/Divulgação
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Deputados e lideranças do MBL estarão no ato de filiação do ex-ministro ao Podemos, nesta quarta-feira, 10, em Brasília e, em contrapartida, Moro confirmou presença no Congresso Nacional do movimento, no dia 20.

Outros temas. Para o evento de filiação, Moro redigiu um discurso que deve apenas passar por pontuais ajustes da equipe de marketing do Podemos. O Estadão apurou que o texto não bate apenas na tecla do combate à corrupção, mas deve tratar de economia, educação e saúde. O ex-ministro tem dito a integrantes do partido e de sua equipe de campanha que deve privilegiar o debate sobre justiça social.

Agenda própria. Segundo aliados, Moro está 100% focado neste momento em fazer política, mas tem operado com uma agenda própria e de forma discreta. O ex-ministro, de acordo com correligionários, sabe que precisa ampliar o leque partidário de apoio para além do Podemos, uma legenda com recursos limitados do Fundo Partidário e do fundo eleitoral e pouco tempo de exposição no horário eleitoral de TV e rádio. 

Futura legenda a ser criada a partir da fusão entre o DEM e o PSL, o União Brasil, que deve ter seu registro formal em janeiro, foi procurado por Moro. O principal interlocutor do ex-ministro na legenda em formação é o deputado Junior Bozzella (SP), vice-presidente nacional do PSL e presidente do partido em São Paulo. O parlamentar chegou a organizar um grupo de parlamentares pró-Moro dentro da agremiação e, nos últimos 45 dias, tem conversado quase diariamente com o ex-ministro. 

“O União Brasil nasce com o objetivo de construir a terceira via. Moro nutre as melhores condições para quebrar a polarização”, disse Bozzella. Há, porém, fortes resistências dentro do novo partido. 

Procurado, Moro não quis se pronunciar.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,moro-busca-mbl-e-nomes-ligados-a-huck-para-ampliar-grupo-politico-em-2022,70003893295


Catarina Rochamonte: PEC 5 - A ira vingativa dos corruptos

A resistência dos que defendem o MP será testada ante o projeto indecoroso de Paulo Teixeira

Catarina Rochamonte / Folha de S. Paulo

A tentativa de submeter o Ministério Público ao controle de políticos, aleivosia posta em curso na Câmara Federal, mostra o grau de confiança a que chegaram no Brasil aqueles que combatem o combate à corrupção.

Apelidada de “PEC da vingança —devido à evidente intenção de retaliação nela contida—, a PEC 5/2021 fere a independência e a autonomia institucional ao aumentar a ingerência política no CNMP. O corregedor, responsável pela condução de processos disciplinares contra promotores e procuradores, passaria a ter fortes vínculos políticos, consolidando com isso a cultura de impunidade dos poderosos que sempre vigorou no Brasil, embora tenha sido excepcionalmente confrontada pela Operação Lava Jato.

O autor do indecoroso projeto é o deputado petista Paulo Teixeira, com aval monolítico do seu partido. O centrão, através do presidente da Câmara, Arthur Lira, está no comando, dando as cartas num jogo sujo combinado com o presidente Bolsonaro. Nessa combinação, o relator da PEC, deputado Paulo Magalhães, conseguiu piorar o que já era ruim.

Mais uma vez, bolsonaristas e petistas convergem com o habilidoso oportunismo do centrão, que tem demonstrado grande força, mas não tem projeto de poder próprio; só um plano de domínio parasitário. Com Bolsonaro reeleito ou com Lula eleito, tal parasitismo continuará a ser praticado com mais conforto e tranquilidade, caso a PEC 5 seja aprovada.

A vitória dessa excrescência nas duas Casas do Congresso não é certa. Apesar do despudor com que conduz o processo —havendo, inclusive, mentido sobre um acordo com procuradores—, Arthur Lira não conseguiu liquidar logo a fatura na Câmara, tendo sido obrigado a adiar a votação para esta terça-feira (19).

O recuo no tratoraço vingativo deveu-se à resistência tanto no conjunto da sociedade civil quanto entre parlamentares que defendem a integridade do Ministério Público. Que tal resistência persista até a vitória final, que é rejeição integral dessa PEC abusiva.

*Doutora em filosofia, pós-doutoranda em direito internacional e autora do livro 'Um Olhar Liberal Conservador sobre os Dias Atuais'


Bruno Carazza: O arco do fracasso

Um passeio por um monumento à corrupção

Bruno Carazza / Valor Econômico

A confiança cega na tecnologia às vezes nos coloca em perigo. Aproveitando a “semana do saco cheio” na escola dos filhos, uma folga no trabalho e a queda nos índices de transmissão de covid-19, partimos de Belo Horizonte para um passeio de uma semana entre Petrópolis e Paraty, no Rio.

Depois de três dias de chuva na Cidade Imperial, coloquei no Google Maps o destino final do Caminho Velho da Estrada Real e simplesmente fui seguindo as indicações do percurso mais curto.

Após serpentearmos a Serra dos Órgãos pela BR-040, o aplicativo determinou que pegássemos a BR-493 à direita na entrada de Duque de Caxias. Por exatos 71,8 km, trafegamos por uma via duplicada, em ótimo estado de conservação, plana, com poucas curvas - e praticamente deserta.

Se este escriba fosse um pouco mais zeloso, poderia ter se informado sobre as condições da estrada que iria percorrer. Basta iniciar a digitação no Google da expressão “Arco Metropolitano” que o site de buscas já completa automaticamente: “é perigoso”. Chegando a Paraty, todas as pessoas para as quais contamos o trajeto percorrido criticaram nossa imprudência.

Felizmente nossa travessia ocorreu sem sobressaltos, mas a experiência de dirigir quilômetros e quilômetros no melhor estilo “Brasil visto de baixo” por uma das rodovias menos seguras do país me inspirou a conhecer melhor sua história.

O Arco Metropolitano do Rio de Janeiro foi uma das principais obras de infraestrutura executada pelo ex-governador Sérgio Cabral, com forte apoio do governo federal nas administrações Lula e Dilma. A ideia de construir um grande anel viário para desafogar o trânsito na capital fluminense, conectando as rodovias Rio-Santos (BR-101, ao sul), Dutra (BR-116), Washington Luís (BR-040), Rio-Teresópolis (BR-116) e Rio-Vitória (BR-101, ao norte), remonta à década de 1970, mas só começou a sair do papel no tempo das vacas gordas do boom das commodities e da euforia com o pré-sal.

Incluído na primeira edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007, o então chamado Arco Rodoviário previa ligar, até o final de 2010, o porto de Itaguaí ao Complexo Petroquímico do Rio (Comperj) em Itaboraí, construído pela Petrobrás. O valor orçado foi de R$ 756 milhões, suficiente para duplicar 48km de vias federais já existentes, além da abertura de um trecho virgem de 74km.

Em 1º de julho de 2014, quando a “mãe do PAC”, Dilma Rousseff, já no final do seu primeiro mandato, inaugurou a obra ao lado do governador Luiz Fernando Pezão (Cabral havia renunciado pouco antes), apenas o trecho entre Duque de Caxias e Itaguaí estava concluído - justamente o trajeto que eu percorri na semana passada. Àquela altura, já tinham sido consumidos quase R$ 2 bilhões de recursos públicos, em valores da época. Até hoje a obra total não foi concluída.

Para além das planilhas orçamentárias que pesquisei ao chegar em casa, vou me ater ao que vi no caminho. Não sou engenheiro, mas não há no terreno nenhuma característica aparente que possa justificar aditivos contratuais que tenham praticamente triplicado o custo inicialmente previsto. A região entre a BR-040 e a Rio-Santos é uma imensa planície, praticamente desabitada, que deve ter exigido muito menos trabalho de terraplanagens, construção de viadutos e desapropriações do que normalmente as estradas em áreas montanhosas e densamente povoadas exigem.

Também chama a atenção no Arco Metropolitano a surreal sequência de postes de iluminação com painéis solares no seu canteiro central. Segundo auditoria da Controladoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, foram contratadas 4.310 unidades alimentadas por energia fotovoltaica. Considerando os 71,8km da rodovia, é um poste a cada 30 metros nos dois lados da pista - contratados, em valores de 2014, ao preço unitário de R$ 22,5 mil.

O que poderia demonstrar um cuidado especial com o conforto dos motoristas noturnos ou a sustentabilidade ambiental do empreendimento converteu-se em retrato do fracasso da segurança pública fluminense: passados sete anos da inauguração do sistema de iluminação, é difícil encontrar um exemplar com o jogo completo de painéis, fiação, lâmpadas e baterias, quando não é o caso de o poste inteiro ter sido levado por quadrilhas especializadas nesse tipo de crime.

Relatório produzido pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) no mês de julho chama a atenção para o fato de que o Arco Metropolitano registrou um aumento de 20% nas ocorrências de roubo de cargas entre janeiro e maio deste ano, frente a uma redução de 12% no Estado como um todo. Essa talvez seja uma explicação para o reduzido número de caminhões que encontrei. A esperança da entidade é que a concessão do trecho à iniciativa privada, prometida pelo governo federal para 2022, traga mais segurança ao transporte na região.

A construção do Arco Metropolitano ficou a cargo das construtoras Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Christiani-Nielsen, OAS, Camargo Corrêa, Oriente e Delta. Denúncias de superfaturamento e desvios de recursos públicos na sua construção estão presentes em inúmeros depoimentos e acordos de delação premiada firmados nas várias fases da Operação Lava Jato.

Apesar de a corrupção ainda figurar como uma das maiores preocupações do brasileiro em todas as pesquisas de opinião realizadas, o tema não aparece nos discursos e pronunciamentos de praticamente todos os pré-candidatos à Presidência.

Por meio de mudanças na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de diversos projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional e da inação de entidades de controle como Ministério Público, Tribunais de Contas, Polícia Federal e Controladoria-Geral da União, celebrou-se o sonhado “acordo nacional, com o Supremo, com tudo” de Romero Jucá (será que ele voltará no ano que vem?).

Nos tribunais das redes sociais, qualquer pessoa que critique o desmonte do sistema de combate à corrupção no Brasil é logo condenado como lavajista, antidemocrático e fascista.

Pelo menos eu e minha família sobrevivemos ao Arco Metropolitano do Rio de Janeiro, um exemplo de nosso fracasso.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/o-arco-do-fracasso.ghtml


Carlos Pereira: Um controle desequilibrado

Um Ministério Público ‘incontrolável’ garante o equilíbrio entre Poderes

Carlos Pereira / O Estado de S. Paulo

Existem vários modelos estáveis de democracia, da mais majoritária (com poucas restrições às preferências de uma maioria parlamentar) à mais consensualista (com vários pontos de veto capazes de proteger interesses minoritários). 

Não se pode dizer qual modelo é o melhor. O importante é que exista equilíbrio entre os mais variados componentes do sistema.

Os founding fathers da democracia brasileira de 1988 constituíram um sistema político essencialmente consensualista, com vários elementos de proteção, tais como separação de Poderes, federalismo, multipartidarismo e, o que aqui interessa, independência do Judiciário e do Ministério Público

Para contrabalançar e gerar governabilidade, os legisladores delegaram uma grande quantidade de poderes ao presidente para que ele tivesse condições de atrair suporte político majoritário, mesmo em um ambiente fragmentado. 

Neste desenho, cumpre papel fundamental para o equilíbrio do jogo a existência de um MP e Judiciário independentes. Um MP “incontrolável” teria condições de controlar chefes do Executivo poderosos. Naturalmente que essa escolha não é destituída de custos. A falta de controle pode levar a potenciais excessos e desvios. Mas esse foi o preço que o legislador constituinte decidiu pagar. 

Preferências podem ser alteradas, já que constituições não são “camisas de força”. Mas deve-se atentar para os custos dessa alteração.

O controle externo do MP já existe em alguns países. Mas os elementos que garantem o equilíbrio do sistema são diferentes dos daqui. Portanto, o que funciona lá não necessariamente vai funcionar aqui.

A indicação de membros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do seu corregedor pelo Legislativo, bem como a possibilidade desse conselho passar a rever atos do MP, como proposta na PEC 5/21, certamente aumentará o controle sobre os membros do MP, desestimulando potenciais excessos e desvios. 

Mas não podemos esquecer o outro dado da moeda. Na medida em que um presidente constitucionalmente poderoso tem condições de montar maiorias legislativas, serão essas maiorias que terão capacidade de interferir na composição do CNMP e, por consequência, na própria atuação do MP. 

Se o problema é a falta de controle do MP, poder-se-ia criar um controle exógeno que fosse exercido pela minoria parlamentar de oposição. Um controle exercido por uma maioria parlamentar, proposto na PEC 5/21, é uma “bomba atômica” que tem o potencial de dessensibilizar o equilíbrio de todo o sistema político em prol do Executivo. 

Professor titular FGV EBAPE, Rio

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,um-controle-desequilibrado,70003871511


Grandes obras de Bolsonaro: facilitar a corrupção e criar feudos bárbaros no país

Gestão esvaziou a fiscalização das leis ambientais e incentivou grileiros e garimpeiros

Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro não foi capaz de inaugurar muito mais do que pinguelas, bicas e metros de asfalto. Mas tem grandes obras na sua ficha corrida. Ataca e enfraquece instituições de controle do poder público e privado. Mais do que isso, favorece uma espécie de feudalização do país.

Desmoraliza e manipula a Polícia Federal. Limitou na prática o poder do Coaf de dar alertas sobre falcatrua financeira, com a colaboração do Judiciário, aliás. Colocou paus mandados na Procuradoria-Geral. Com sua conivência, o sistema político, esquerda inclusive, se aproveita de uma reforma necessária do Ministério Público (MP) a fim de facilitar a interferência em investigações. Se não for contido, nomeará uma bancada no Supremo. A família Bolsonaro procura ainda criar um sistema de espionagem agregado ao departamento de propaganda, o tal gabinete do ódio.

Essa obra de destruição conta com a conivência do sistema político, desde 2015 interessado em controlar, em causa própria, o MP contaminado pelo salvacionismo dos lacerdistas e autoritários da Lava Jato.

Além disso, os líderes do semiparlamentarismo podre em vigor desde 2015 procuram se eternizar no poder por outros meios. Não tem a ver diretamente com as obras de Bolsonaro, mas convém prestar um pouco de atenção nisso.

Há uma nova fase da fragmentação que criou tantos pequenos partidos negocistas, comandadas não raro por chefetes ou líderes de gangue. É a feudalização dos lordes e duques das emendas. O aumento torto do poder sobre o Orçamento e outros financiamentos públicos da política privada facilitam a reeleição de quem domina a distribuição desses recursos. Quanto maior essa privatização, maior pode ser indiferença dos chefetes a partidos e a pressões sociais. A decadência ou o fim das legendas maiores facilitou a feudalização.

A terra arrasada favorece as cargas da cavalaria do bolsonarismo, outros entrincheiramentos de interesses.

Bolsonaro não destruiu o grosso da lei ambiental, embora tenha esvaziado instituições do setor. Mais do que isso, incentivou o descaramento de agro ogro, grileiros, garimpeiros e hordas similares, que ocuparam tanto terras de fato como o terreno político-institucional. Se o país voltar a ter um governo, será difícil repelir essas invasões bárbaras.

Aconteceu algo parecido com a religião na política. A tentativa evangélica de ter mais representação é legítima; fazer da religião um assunto de Estado é outra história, assim como a apropriação de dinheiros públicos pela empresa pentecostal. Os evangélicos bolsonaristas querem ocupar parte do Estado por meio de cotas religiosas e solapando a laicidade.

Militares querem não apenas impor sua ideologia cafona, reacionarismos lavados na água suja das ideias de um filósofo de YouTube. Querem também ou principalmente dinheiro, com o que estão animados desde que Michel Temer lhes abriu as porteiras e Bolsonaro lhes deu o que pastar.

Privatização mais antiga, as empresas se entrincheiram nas suas proteções fiscais, tarifárias e de todo o sistema que protege as firmas maiores de competição. De “reformas”, quiseram saber das que esfolam o povo e que as deixam em paz, sem novos impostos, o ponto central do programa “Ponte para o Futuro”, tocado desde 2015.

Conter essa feudalização, renovar a ideia moribunda de República, será muito difícil, até porque o problema não para por aí. Por exemplo, está também na insubordinação das polícias ou no domínio cada vez mais tranquilo do território por milícias e facções (muita vez em conluio com a polícia), uma invasão bárbara desde cedo apoiada pelos Bolsonaro.​

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/10/grandes-obras-de-bolsonaro-facilitar-a-corrupcao-e-criar-feudos-barbaros-no-pais.shtml


Paulo Fábio Dantas Neto: A volta do mantra da corrupção

Pauta da corrupção avança para retomar, agora e em 2022, o lugar de destaque que teve em 2018

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia e Novo Reformismo

A pauta da corrupção avança a passos largos para retomar, agora e principalmente em 2022, o lugar de destaque que teve nas eleições de 2018. Políticos de vários matizes, ao se aproximar a hora eleitoral, pisam sôfregos ou distraídos nos escombros produzidos por aquele confronto devastador entre mocinhos da moral e da nova política e vítimas heroicas de um suposto golpe contra o partido do social.

Se a política fosse só o terreno da reta razão, essa reincidência espantaria, pela estupidez. Primeiro o lulo-petismo, depois o lava-jatismo, perderam o protagonismo para a serpente filo-fascista que se beneficiou daquela guerra entre santos com pés de barro. Nem a hipocrisia de direita, nem o cinismo de esquerda escaparam de efeitos não previstos da artilharia pesada disparada pelo bolsonarismo em 2018, usando munição de um arsenal montado em porões milicianos da antipolítica populista. Milícias, até então só digitais, que ocuparam um vácuo deixado pela desmoralização escandalosa, produzida pela Lava-jato, da antipolítica populista-empresarial que imperou no período anterior e que fora a fonte financiadora da farta – e, também, letal - munição oficial disparada contra adversários do governo nas eleições de 2014. Uns e outros terminaram entre os feridos, o lulo-petismo nas urnas de 2016 e 2018 e o lava-jatismo nas esgrimas palaciana, judiciária e interna ao MPF, transcorridas a partir de 2019. Tanto a política da confrontação como a da colaboração com o bolsonarismo tiveram destinos penosos. Penas análogas às cumpridas pela sociedade quase toda que, longe de ser inocente ou neutra, aceitou os termos de um duelo em que todos tinham a perder, exceto a malta ali autorizada pelas urnas a tomar de assalto o governo, desmontá-lo e, com seu bagaço, desferir torpedos contra as instituições.

A anulação de processos contra Lula e as recentes pesquisas de intenção de voto que lhe dão posição privilegiada juntam-se para produzir, na esquerda petista e seus anexos, duas presunções: a de que Lula foi inocentado e a de que a eleição estará ganha, se Bolsonaro estiver na área. A segunda presunção é animada pela rejeição a Bolsonaro e pela não existência, até aqui, de alternativa eleitoral promissora para evitar a reprise do confronto de 2018, que é encarada como uma revanche e assim desejada. Já a primeira presunção parte de um erro de avaliação (que o lulo-petismo parece compartilhar com áreas do chamado centrão), qual seja o de que o lava-jatismo agoniza porque a Lava-Jato morreu. Na verdade, o lava-jatismo está saindo de uma UTI e arma-se para voltar a envenenar o ambiente político, não só contra Lula e o PT, mas contra a política de qualquer partido. Ao contrário do lulo-petismo, o que o espectro justiceiro almeja, como sempre, não é (ou ao menos não é prioritariamente) ganhar eleições, mas detonar soluções políticas.

 Por falar em detonação, trago um tópico. Ficou mais uma vez demonstrado, nos últimos dias, que João Santana, ex-marqueteiro da Dilma-malvadeza Rousseff de 2014, sente-se à vontade pondo sua perícia a serviço de Ciro Gomes, um proverbial incontinente. A incontinência, agora mais adestrada e manejada de modo melhor, como cálculo político, acaba de ser usada para queimar, contra a ex-cliente, pólvora da mesma marca da que ajudou ela mesma a dinamitar Marina Silva naquela eleição. Dilma reagiu com a obviedade que é sua marca costumeira mas a provocação fez também Lula entrar no samba de partido alto (má vontade elitista, dirão lulistas, chamar sua declaração de golpe baixo) interrompendo um ensaio de retorno do samba-canção “Lulinha paz e amor” de 2002.

Está visto que a política da guerra, na qual o moralismo é perito, é uma língua franca. Está longe de ser privilégio do lava-jatismo ou do bolsonarismo. Sempre houve e há cada vez mais gente de esquerda persuadida pela ideia-máxima de Carl Schmitt de que a relação amigo-inimigo resume o sentido da política, na contramão da racionalização constitucional liberal-democrática. A política da guerra, ideologicamente ecumênica, produz enredos folhetinescos, capazes de estimular o colunismo político, como mostram os numerosos comentários sobre o affaire Ciro x PT.  Dentre eles menciono duas interpretações díspares.

Lendo o colunista Bernardo de Melo Franco temos acesso à interpretação que agrada ao PT: a de que o movimento do "egocêntrico Ciro" (quem poderia lhe lançar a primeira pedra?) é mais uma das suas tentativas, até aqui inúteis, de ser simpático à direita para superar Bolsonaro e ir ao segundo turno contra Lula. Já lendo Vera Magalhães somos apresentados à interpretação oposta à do desejo do PT: a ofensiva da dupla Ciro/João Santana teria buscado, com êxito, tirar Lula da zona de conforto para com isso perseguir o objetivo de tomar o seu lugar no segundo turno contra Bolsonaro. Para o primeiro colunista foi só mais do mesmo. Para a segunda, algo que pode funcionar, no caso, como a lei do ex. Cada leitor pode fazer sua aposta, baseada em palpite ou em preferência.

Apostas e profecias à parte, faço um comentário transversal: assim como a possível candidatura lava-jatista de Sergio Moro pelo Podemos, a lavagem de roupa suja entre Ciro Gomes e o PT contribui para recolocar o tema da corrupção no centro da peleja eleitoral, como esteve em 2018. Melhor para o país seria deixar esse foco na penumbra, onde está de 2019 para cá, quando passamos a ter noção prática de problemas e perigos maiores. Mas as tentações são imensas e acometem mais gente, além do impetuoso e voluntarista Ciro Gomes. Demagogos cortejam o tema como galinha de ovos eleitorais de ouro e, na outra ponta da torcida, imprudentes arriscam-se em jogadas ousadas no Congresso. Dançar sobre o cadáver da Operação Lava-Jato nesse momento pré-eleitoral, como se faz no caso da PEC que modifica a composição do Conselho Nacional do Ministério Público, é cutucar com vara curta a bem viva propensão faxineira, que tem expressão eleitoral, apesar da desmoralização da república de Curitiba. Por mais plausíveis que sejam as mudanças pretendidas, o momento não parece oportuno. Como se sabe, apóstolos do extermínio da tradição política vendem gato por lebre e há quem compre por valor de face.

O espectro justiceiro que ronda a pauta eleitoral tem contado, pois, com a colaboração de quem pisa nos escombros distraído, ajudando a reacender as esperanças de quem celebra o arruinamento político de 2018 com simpatia e convicção. Alcoviteiros da fênix lava-jatista há, inclusive, em vários partidos do centro democrático, fora do centrão. Se essa infiltração prevalecer, o discurso de que a corrupção é a mãe de todos os males do Brasil terá cumprido sua missão desagregadora. A insensatez perderá toda medida se moradas possíveis de uma suposta terceira via se tornarem vulneráveis a esse apelo. Poderão até veicular outras pautas, mas a precedência do tema da corrupção tende a deixar os demais assuntos nacionais à sua sombra, sem aprofundamento algum e entregues aos clichês. Se destituídas de orientação programática compatível com a atual tragédia social, com a crise fiscal e gerencial do Estado e com a falta de perspectiva econômica, essas moradas serão, como na inesquecível canção nostálgica, barracos com portas sem trinco e tetos de zinco furados, onde são dependurados trapos partidários descoloridos. Palcos mal iluminados.

Vale fazer a pergunta óbvia: a quem interessa a volta da corrupção ao centro da agenda? Como resposta cabe até palpite quádruplo. Pode interessar a Ciro Gomes, a Sergio Moro, à esquerda de Lula ou a Jair Bolsonaro, sem exclusão prévia de qualquer dessas opções. Mas se a pergunta for oposta (a quem isso não interessa de modo algum?), será difícil negar que não interessa a quem quer que esteja investindo em costura política agregadora para fornecer ao eleitor, em 2022, um cardápio de candidaturas e propostas que lhe permita se comportar mais parecido com 2020 do que com 2018. Essas forças agregadoras precisarão reagir logo à mixórdia que se prepara e que fará do eleitor palhaço de perdidas ilusões. O silêncio e a inércia diante desse perigo iminente podem parecer a esse eleitor (que as espera sem enxergar), mais do que ao analista que as enxerga, um sinal de que essas forças políticas agregadoras simplesmente não existem. Convém agir, antes que o sinal vire fato.

*Cientista político e professor da UFBa

Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/10/paulo-fabio-dantas-neto-volta-do-mantra.html


Ministério Público articula reação à PEC que retira autonomia do órgão

Representantes do MP buscam deputados e marcam protestos pelo país para alertar contra enfraquecimento de investigações

Bernardo Mello, João Sorima Neto e Mariana Muniz / O Globo

RIO, SÃO PAULO e BRASÍLIA — Em protesto contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 05/2021, vista como forma de enfraquecer a autonomia do Ministério Público, promotores e procuradores de 18 estados realizam a partir desta quarta-feira uma série de atos de repúdio em todo o país. Associações e procuradores-gerais ouvidos pelo GLOBO avaliam como pontos mais graves da proposta a elaboração, por parte do Congresso, de um código de ética para o MP; alterações na composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para aumentar a influência do Legislativo, através inclusive da indicação de um corregedor nacional; e a possibilidade de o órgão passar a anular atos de investigação.

A PEC chegou a entrar na pauta de votações na Câmara dos Deputados na semana passada, mas foi retirada por falta de apoio. Representantes do Ministério Público têm buscado chamar atenção para os riscos à independência de investigações, e esperam reverter alguns dos trechos da proposta ainda na Câmara ou, em caso de aprovação pelos deputados, no Senado. Também há chance de judicialização no Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter o eventual desequilíbrio no CNMP pela maior interferência do Congresso.

Entrevista: PEC que eleva peso do Congresso no CNMP 'prejudica sobremaneira a independência', diz procurador-geral de Justiça do Rio

Uma das bases para eventual judicialização é o argumento da paridade entre o CNMP e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ambos criados em 2004 pela mesma legislação. Em 2005, ao reconhecer a constitucionalidade do CNJ, o plenário do STF estabeleceu que se trata de um órgão de controle interno com autonomia institucional e que, portanto, deve ter maioria qualificada de membros da magistratura e sem o poder de interferir em decisões judiciais.

Atualmente, o CNMP tem 14 integrantes, sendo oito indicados pelos diferentes braços do Ministério Público, incluindo o procurador-geral da República (PGR), e outras seis vagas distribuídas pelo Judiciário, Congresso e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na versão final do relator da PEC, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), uma reorganização das vagas deixaria o MP com sete cadeiras no conselho, contra oito escolhidos por outros órgãos — sendo quatro por atribuição do Legislativo.

— Não faz sentido acrescentar duas vagas sob escolha do Congresso no CNMP, sendo uma delas a partir de lista elaborada pelo STF, e retirar uma vaga do MP da União. Se o intuito é aumentar a composição de 14 para 15 cadeiras, seguindo a paridade com o CNJ, então defendemos que esta cadeira seja destinada aos MP estaduais, respeitando assim a maioria qualificada, com nove vagas, para membros da carreira — afirma o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta.PUBLICIDADE

Outro ponto passível de judicialização é a criação de um novo código de ética para o CNMP através de lei complementar aprovada pelo Congresso, estipulando advertência como sanção mínima. O código atual permite sanções mais brandas.

Representantes de associações argumentam que os códigos de ética do CNJ e da própria Câmara são formulados internamente e que, neste caso, haveria possibilidade de contestar no STF tanto o texto da PEC quanto a futura lei complementar.

Apelo a Aras

Segundo Cazetta, há a expectativa de reverter ainda na Câmara ou no Senado a previsão de que o corregedor do CNMP seja um dos membros indicados pelo Congresso, o que fere a autonomia do órgão.

Além disso, outro ponto que pode ser derrubado é o que permite aos procuradores-gerais indicarem dois terços dos membros dos respectivos conselhos superiores, responsáveis pela fiscalização de suas atividades. A ideia é criticada por abrir brecha a uma eventual concentração de poder nos chefes dos MPs. No modelo atual, os conselheiros são eleitos de forma igualitária entre procuradores e promotores.

— A PEC como um todo é horrível para nós. Mas em uma ordem de gravidade, eu diria que entre os pontos mais problemáticos estão a figura do corregedor escolhido pela Câmara, pois seria um corregedor com vínculo político, a reversão de decisões de membros do Ministério Público, e em terceiro a questão do Código de Ética — afirmou Manoel Murrieta, presidente da Associação Nacional de Membros do Ministério Público (Conamp).

A Conamp está à frente da coordenação dos atos previstos para 18 estados entre esta quarta e sexta-feira. Estão programadas manifestações em cidades como Rio, São Paulo, Recife, Manaus e Curitiba. Murrieta disse esperar que o atual PGR, Augusto Aras, “também nos apoie nessa causa”.

Aras, que tem enfrentado sucessivos atritos dentro do Conselho Superior do MPF, divulgou nota na semana passada afirmando que atuou para adiar a votação da PEC, para que as discussões sobre diferentes pontos “possam ser aprofundadas". A nota afirma ainda que Aras tem mantido “interação permanente” com procuradores e promotores “com o propósito de fortalecer o debate em defesa da autonomia do CNMP”. Na avaliação do presidente da Conamp, as declarações apontam que Aras recebeu com “espanto” o avanço da PEC.

O procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, disse em entrevista ao GLOBO esperar que a PEC seja rejeitada pelo Congresso e afirmou que o texto traz “riscos”, como ao prever que o CNMP possa rever atos de investigação. Mattos participará do ato de repúdio na capital fluminense, na manhã desta quarta, na sede da Associação de Promotores do MP do Rio (Amperj).

—  O CNMP tem por finalidade justamente não interferir na atividade-fim (do MP). Permitir essa invasão representa um grande retrocesso, atingindo a autonomia do Ministério Público — afirmou.

Em manifestação pelo canal Palavra do PGJ, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, disse ter argumentado a parlamentares paulistas que a proposta na Câmara coloca em xeque a independência funcional do MP. A Procuradoria-Geral de Justiça e a Associação Paulista do Ministério Público promovem ato de repúdio na tarde desta quarta-feira.

—  O Ministério Público enfraquecido significa menos condições de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os direitos sociais — disse Sarrubbo.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/pec-do-ministerio-publico-associacoes-procuradores-gerais-fazem-atos-em-18-estados-preparam-judicializacao-1-25234300


Luiz Carlos Azedo: Sem chance de dar certo

O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Há três contingências do governo Bolsonaro que colocam em xeque sua continuidade. A primeira tem a ver com a política externa; a segunda, com a política propriamente dita; a terceira, com a economia. São situações criadas pelo próprio presidente da República, não por seus adversários. Decorrem de estratégias erradas. Vejamos: (1) a aposta na política ultraconservadora do presidente Donald Trump, com a eleição do democrata Joe Biden para a Presidência dos Estados Unidos, deixou o presidente Jair Bolsonaro sem um grande aliado no Ocidente e na contramão da política mundial, que é globalista; (2) a retórica golpista e a agenda ultraconservadora provocaram seu crescente isolamento político; (3) e a entrega do Orçamento da União ao Centrão inviabilizou a agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes. O resto são consequências.

O isolamento internacional do Brasil, ao contrário do que gostaria Bolsonaro, somente serviu para tornar o Brasil ainda mais dependente da China, nosso principal parceiro comercial. Não seria um grande problema, se a economia chinesa não sofresse os sobressaltos de uma economia capitalista, embora seu regime político seja uma ditadura comunista. No momento, o mercado financeiro internacional vive a expectativa de uma implosão da bolha imobiliária chinesa, de consequências imprevisíveis. A Sinic Holdings Group é mais recente empresa imobiliária chinesa em vias de dar um grande calote, aumentando a tensão criada pela gigante Evergrande, que atravessa momentos difíceis e tem uma dívida de US$ 300 bilhões (R$ 1,6 trilhão).

A Sinic comunicou à Bolsa de Hong Kong que espera não conseguir pagar um título de US$ 250 milhões com vencimento em 18 de outubro, o que pode gerar inadimplência cruzada, pois a empresa tem US$ 694 milhões em títulos e sofreu uma queda de 97% no valor de suas ações. A Modern Land (China) Co., outra incorporadora sediada em Pequim com US$ 1,35 bilhão de títulos em circulação, está pedindo três meses para quitar uma nota com vencimento em 25 de outubro. A Xinyuan Real Estate Co., que tem US$ 760 milhões de títulos, está propondo o que a Fitch Ratings considera uma troca de dívida problemática com vencimento na sexta-feira. A alta do preço do petróleo e a chamada crise dos contêineres, que corresponde a um apagão logístico, também são fatores que repercutem fortemente na desvalorização da moeda brasileira.

Calote e inflação

Na política, a situação é complicada porque a agenda econômica do Centrão não é a mesma do ministro da Economia, Paulo Guedes. A reforma administrativa subiu no telhado, ainda mais porque todo o pessoal do setor de segurança pública, com exceção dos policiais militares, rebelou-se contra a reforma. Policiais federais, policiais rodoviários, agentes penitenciários e policiais civis, que faziam parte da base bolsonarista, estão se insurgindo contra a reforma e fazem forte lobby no Congresso, como os demais servidores civis. Sem cortes nas despesas de pessoal, a opção do governo seria contingenciar as emendas ao Orçamento da União, que estão fora do controle do Executivo e são imexíveis. Quem controla esses investimentos em obras e serviços é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Com isso, o cobertor ficou muito curto para o governo aprovar o Auxílio Brasil, programa social no qual o presidente Bolsonaro aposta sua reeleição. A alternativa de calote nos precatórios (PEC 23) para financiar o programa que substituirá o Bolsa Família também enfrenta forte resistência.O engenhoso relatório do deputado Hugo Motta constitucionaliza o calote, ao ficar um limite anual para os precatórios e sentenças judiciais. O restante entraria na lógica do “devo, não nego; pago quando puder”, segundo o economista Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente(IFI), mantido pelo Senado. O limite proposto no relatório está baseado no valor pago em 2016 (R$ 30,7 bilhões) corrigido pela inflação. Assim, o pagamento de 2022 será de R$ 40,5 bilhões, em vez de R$ 89,1 bilhões.

Uma folga de R$ 48,6 bilhões no teto de gastos em 2022, para financiar a reeleição de Bolsonaro, não passa despercebida e impune pelo mercado. Além de gerar insegurança jurídica, ao virar a mesa nas regras do jogo entre o governo e seus credores, tem impacto direto na inflação, que voltou como nunca antes desde o lançamento do Plano Real. Os números são terríveis: 1,16% em setembro, 6,90% no ano e 10,25% em 12 meses. Luz, ovos, café, carne, frango e açúcar subiram de 20% a 47%. O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-sem-chance-de-dar-certo/

Merval Pereira: Legislativo intervém no Ministério Público

Obstrução é o mecanismo parlamentar para impedir que escândalos como esse tenham sucesso no Congresso

Merval Pereira / O Globo

Aumentar a influência do Poder Legislativo sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio de uma emenda constitucional, representa grave conflito de interesses, marcado pela tentativa de neutralização da autonomia do Ministério Público, uma de suas mais básicas e fundamentais características. Mesmo atendendo a uma necessidade pessoal de muitos parlamentares, ou à simples vingança, a PEC está tendo tramitação difícil, porque a reação da minoria que ainda resiste ao desmonte dos mecanismos de combate à corrupção está forte.

A obstrução é o mecanismo parlamentar para impedir que escândalos como esse tenham sucesso no Congresso, impostos por uma maioria formada pela união espúria de interessados em se blindar de seus crimes. Ou, caso a proposta seja aprovada, para que pelo menos fique gravada na testa de seus apoiadores a marca da vergonha.

Esse desfiguramento do CNMP é mais uma obra do presidente da Câmara, Arthur Lira, que controla o Centrão, em parceria com o PT e todos os partidos ou parlamentares investigados e punidos pelo MP, o que o torna um escândalo. Todas as medidas aprovadas ultimamente por inspiração do Centrão para desmontar a máquina de combate à corrupção tiveram apoio do PT.

Pela proposta, o CNMP passa a ter poderes de até mudar as decisões do MP, e terá mais gente do Congresso em sua composição, o que significa que o espírito de corpo favorecerá que nunca mais políticos sejam punidos. Bolsonaro está fazendo acordos políticos para nomear antecipadamente ministros para o Tribunal de Contas da União (TCU), já desmontou o Coaf, aparelhou todos os órgãos de fiscalização e agora quer manietar o MP.

Hoje existe a possibilidade de o CNMP anular decisões do MP, mas dentro de parâmetros que precisam ser cumpridos, diante de uma composição de membros que não favorece uma corporação específica como os parlamentares. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) diz que o texto original já continha previsões que aumentavam a influência do Poder Legislativo sobre o CNMP, como a transferência de uma vaga hoje destinada ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para o Congresso Nacional e a possibilidade de o corregedor-geral do MP ser escolhido entre membros de fora da carreira, que passariam a ser maioria no conselho.

A proposta original, que já era ruim, foi feita pelo deputado petista Paulo Teixeira, mas, para demonstrar que tudo pode piorar, o relator, deputado Paulo Magalhães, do PSD, incluiu dispositivos que não haviam sido discutidos e que, caso aprovados, violarão o próprio desenho institucional do MP. Como exemplo, a previsão de os procuradores-gerais de cada ramo do MP escolherem dois terços dos integrantes de seus respectivos conselhos superiores introduz um modelo hierarquizado que enfraquece a democracia interna, na visão de muitos procuradores.

A intenção da PEC de controlar as decisões do Ministério Público está revelada na proibição de seus membros de “utilização do cargo com o objetivo de interferir na ordem pública, na ordem política, na organização interna, e na independência das instituições e dos órgãos constitucionais”, o que seria uma definição vaga que daria pretexto para uma intervenção do CNMP.

Segundo mais de cem entidades ligadas ao meio ambiente, para cujo trabalho o MP tem sido fundamental, “são princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”. E esses princípios “formam a espinha dorsal do modelo constitucional do Ministério Público”.

A PEC, que pode ir a votação ainda nesta semana, é conhecida como “PEC do Gilmar”, referência ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, no entanto, garante que nada tem a ver com ela. Pode ser que não tenha colocado a mão na massa, mas a inspiração é, sem dúvida, sua ojeriza, tão grande quanto a dos parlamentares atingidos, aos procuradores do Ministério Público de Curitiba que, junto com o ex-juiz Sergio Moro, levaram adiante a Operação Lava-Jato. Gilmar chegou ao ponto de afirmar, dias atrás, que estivemos mais próximos de um golpe durante a Operação Lava-Jato que no governo Bolsonaro.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/legislativo-intervem-no-mp.html


Felipe Salto: Às favas os escrúpulos

Responsabilidade fiscal: defendida no caso dos absorventes, desprezada no caso dos precatórios

Felipe Salto / O Estado de S. Paulo

O relatório sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 23, de autoria do deputado Hugo Motta, constitucionaliza o calote. Essa versão piorada da proposta original do governo fixa um limite anual para os precatórios e sentenças judiciais. O restante entrará na lógica do “devo, não nego; pago quando puder”. Na mesma semana, o presidente vetou a distribuição de absorventes em razão da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mandaram às favas os escrúpulos de consciência que restassem.

A proposta, coassinada pela deputada Tabata Amaral, não cria despesas obrigatórias de caráter continuado e, portanto, não requer medida compensatória. O argumento na hora do veto estava errado. O próprio artigo 6.º do texto aprovado submete a despesa com a compra de absorventes aos chamados contingenciamentos. O dinheiro viria do orçamento do SUS, mas poderia ser congelado, se necessário. O artigo 17 da LRF trata de despesas obrigatórias permanentes. Leonardo Ribeiro, especialista em contas públicas do Senado, logo percebeu a confusão e desmontou essa base do veto.

Vale dizer, o custo da medida é estimado em R$ 119,1 milhões. Já a manobra constitucional dos precatórios abrirá folga de R$ 48,6 bilhões no teto de gastos em 2022. Um ataque à Constituição e ao teto, com direito a calote em despesa obrigatória. E a lei? Ora, deixem-nas para os inimigos...

Para ter claro, essa folga será igual a 405 vezes o custo da distribuição de absorventes para meninas e mulheres pobres. Fere de morte o teto de gastos, como mostrei na coluna de 28 de setembro (O fim do teto de gastos). A distribuição de absorventes, por sua vez, estava rigorosamente dentro do figurino da responsabilidade fiscal.

Sabe-se que a isonomia não é o forte de quem toma decisões sob a lógica do populismo, da desfaçatez, da ignorância, do despreparo e do desconhecimento das leis. Mas o mais grave é a sensibilidade social passar longe dessa velhacaria. Água e óleo. Vale tudo – inclusive ignorar a lei – para espezinhar uma opositora do governo em franca ascensão. Aliás, Tabata Amaral, sua combatividade me representa.

Como em muitas outras ocasiões, o presidente não demonstra empatia pelos que sofrem. O “e daí?” é o mantra macabro a orientá-lo. No domingo, nova dose de irresponsabilidade. Apareceu sem máscara, em Santos, para forçar a entrada na Vila Belmiro, mesmo não vacinado. Faz de propósito. Quer animar os desvairados que ainda ocupam as arquibancadas de seu governo nefasto.

Mas não se enganem. Sobra esperteza tanto quanto falta compaixão. Ninguém chega ao posto máximo da Nação sem sagacidade. Pode, sim, chegar sem alma e sem espírito público, uma vez vendidos ao diabo, mas não sem esperteza. Seu faro indica como garantir certos apoios nas eleições de 2022, mesmo após o fracasso destes três anos: dinheiro para o Centrão. No fim do dia, é preciso pulverizar recursos sobre as bases dos amigos. O que está em jogo é isso. Não é o reajuste do Bolsa Família – a melhor desculpa que se poderia ter, diga-se.

A nova proposta para os precatórios é mais sofisticada, na forma, mas continua a calotear despesas obrigatórias. A engenhosidade está em limitar, em primeiro lugar, a expedição dos precatórios. O limite estará baseado no valor pago de 2016 (R$ 30,7 bilhões) corrigido pela regra do teto (inflação). Assim, o pagamento de 2022 será de R$ 40,5 bilhões, restando R$ 48,6 bilhões para saldar no futuro. Permite-se, ainda, o chamado encontro de contas para anular parte do crescimento exponencial derivado, matematicamente, dessa estratégia.

A ideia é de que as dívidas dos precatoristas com a União possam ser anuladas. A medida evitaria o pagamento em dinheiro pela União e esses acordos estariam fora do limite máximo estipulado. Por exemplo, se uma empresa tem dívida tributária de R$ 10 milhões com o governo e o mesmo valor a receber em precatórios, poder-se-ia anular a dívida pelo crédito em precatórios. O fato é que, mesmo no caso dos governos estaduais – em que o mecanismo proposto dá poder de barganha elevado à União –, sempre haverá o risco de questionamento no Supremo Tribunal Federal.

Essa lambança fiscal representará o fim do teto de gastos, turbinará os juros (ainda mais), elevará a dívida pública e reduzirá as chances de crescimento econômico. A sanha por abrir espaços orçamentários em ano eleitoral já está sendo penalizada, naturalmente, pelas forças de mercado.

É o vale-tudo para amealhar os apoios necessários e viabilizar despesas novas. Enquanto isso, nega-se a dignidade às meninas e às mulheres pobres, sob alegação de risco à responsabilidade fiscal. Sim, a mesma atirada pela janela nesta lambança histórica com os precatórios. Hipócritas.

A esperteza, quando é muita, engole o dono. O governo seguirá na base de dois pesos e duas medidas até outubro do ano que vem. Deve pensar: às favas os escrúpulos de consciência, a ética, a lei e todo o resto. A eles, pouco importa que a mula manque. Como na marchinha de Haroldo Lobo, querem mesmo é rosetar.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,as-favas-os-escrupulos,70003865885