corrupção

Cristovam Buarque: A tristeza de Felipe, a paralisia do Artur e a minha vergonha

Uma amiga falou que até recentemente seu neto Felipe, de seis anos, gostava de assistir às notícias nos telejornais e perguntar sobre elas. Há pouco tempo, disse que perdeu o interesse porque ficava triste com o que via. A simplicidade dessa criança é um exemplo eloquente do mal que estamos fazendo na formação do Brasil.

Que sociedade está surgindo em uma realidade que assusta crianças de seis anos de idade, como se elas estivessem no meio de uma guerra?

O que sentem nossas crianças ao assistirem a tiroteios, ao saberem das mortes de pessoas, inclusive de menores de idade, que estavam na trajetória de balas perdidas que invadem escolas, cruzam ruas, chegam nas salas e até mesmo na barriga de uma mãe grávida ferindo o bebê de nome Artur, antes dele nascer, condenando-o talvez à morte ou a sobreviver paraplégico desde o nascimento?

O que sentem ao ver, dia após dia, canos de esgoto descarregando dinheiro de propinas roubadas, que se não tivessem sido desviadas teriam evitado a tragédia a que assistimos?

Aos seis anos, Felipe ainda não percebe essa lógica maldita, mas os adolescentes já conseguem entender o significado das palavras e as correlações entre elas. Certamente não ficam apenas tristes, devem cair no desencanto ou pior ainda, no desprezo aos políticos que deveriam ser seus líderes.

Pior é saber que os tristes, ao verem o espetáculo na televisão, fazem parte de uma casta privilegiada. Milhões não apenas assistem, estão dentro do inferno da ausência de paz, no risco das balas, do desemprego, da falta de escolas, cultura e perspectiva.

Dividido, sem coesão nem rumo, o Brasil naufraga e leva com ele nossas crianças que, sem barcas, não conseguem atravessar o “mediterrâneo invisível” que as levaria ao futuro: a escola em paz e com carinho. Cada dia o país demonstra odiá-las, porque despreza o futuro delas e de toda nação brasileira.

Síria, Iraque, Afeganistão e outros países têm gerações perdidas pela guerra que deixa suas crianças e adolescentes sem escolas, assistindo aos adultos na incansável tarefa de destruírem suas pátrias. O Brasil é maior, tem mais recursos, é mais tolerante com suas maldades, mas estamos trabalhando fortemente para seguirmos nesta direção: saindo da crise para a decadência e desta para a desagregação.

O desencanto dos adolescentes e jovens, a tristeza do Felipe e a paralisia de Artur são gritos para aqueles que, apesar da eloquência, não chegam aos ouvidos aos quais são dirigidos, pedindo apenas duas coisas: um tempo de coesão, sem corrupção na política, com compaixão social, e um rumo histórico com sentimento nacional.

Nosso maior problema é a surdez de sentimentos, esta forma maior de corrupção na política.

E, surdamente, sem ouvir os gritos, pomos a culpa na realidade, como se a política não fosse para modificá-la. Por isso minha vergonha por sentir a impotência diante da tragédia construída pela vontade egoísta ou a omissão incompetente, vergonha diante de Felipe e Artur, aos quais peço desculpas.

 


O Globo: Sentimento de impunidade ainda estimula corrupção

Prisão de Geddel Vieira, por tentar obstruir a ação da Justiça, é uma das provas de que investigados por corrupção não se atemorizam diante dos organismos de Estado

Editorial

Desde o começo das investigações do mensalão, em 2005, passando pela condenação de mensaleiros, em 2012, chegando à Lava-Jato, lançada em 2014, até hoje, transcorreram 12 anos, e mesmo assim poderosos ainda continuam a ser presos em nítido delito. Isso, mesmo que haja correntes que considerem parcelas do Ministério Público e do Judiciário, envolvidas neste enfrentamento da corrupção, a reencarnação dos radicais jacobinos da Revolução Francesa e suas guilhotinas, ou a ressurreição de Torquemada, o frade da Inquisição espanhola responsável por despachar para sessões de tortura e fogueiras, alegadamente purificadoras, hereges, judeus, homossexuais etc.

Se eles espalharam o terror na França do final do Século XVIII e na Espanha medieval, no Brasil dos tempos que correm não assustam denunciados por corrupção. O ex-ministro Geddel Vieira é o mais recente exemplo em pessoa de que, apesar de denúncias de que agentes públicos perseguiriam suspeitos por sobre leis e a Constituição, os tais perseguidos não demonstram qualquer pudor em continuar na delinquência.

Geddel foi preso segunda-feira, por determinação da Justiça, a pedido do Ministério Público e da Polícia Federal, acusado de pressionar a mulher de Lúcio Funaro, Raquel, para que sondasse o marido, preso, sobre a intenção dele de fazer acordo de delação premiada com o MP. Manobra com o objetivo evidente de criar obstrução à Justiça. Outro motivo de preocupação deGeddel era, eé, o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, também trancafiado. Temer concorda, a julgar pela gravação de Joesley Batista.

A razão é que Geddel, segundo denúncias, se beneficiou de um esquema montado por Eduardo Cunha, com o aval da presidente Dilma Rousseff, na área do fundo de investimentos do FIFGTS, na Caixa Econômica, para cobrar propinas de empresários, um dinheiro a ser gerenciado pelo operador Funaro.

Cabe registrar que Geddel ostentava esta desenvoltura para erguer obstáculos às investigações mesmo depois de o presidente Temer ser obrigado a afastá-lo da Secretaria de Governo quando o colega de Ministério, Marcelo Calero, da Cultura, o denunciou por fazer forte pressão para que o Iphan, da jurisdição de Calero, licenciasse um prédio em área preservada em Salvador. Nele, Geddel adquirira um imóvel. Nenhuma sanha persecutória de procuradores ou policiais federais o demoveu de nada.

Os lulopetistas também não se atemorizaram com a descoberta do mensalão, nem com a Lava-jato em seu início. José Dirceu, por exemplo, preso na Papuda, cumprindo pena de mensaleiro condenado, continuou a receber propina do petrolão.

Constata-se, portanto, que denúncias contra agentes públicos em ações contra a corrupção têm mais de tática de advogados de defesa do que de substância efetiva. O sentimento de impunidade continua presente.

Fonte: https://oglobo.globo.com/opiniao/sentimento-de-impunidade-ainda-estimula-corrupcao-21553568

 


Luiz Carlos Azedo: O joio e o trigo

Os mais enrolados são os políticos acusados dos chamados crimes conexos, como corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude em licitações

O ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, ao divulgar a lista de políticos investigados pela Operação Lava-Jato com direito a foro privilegiado, fez aquilo que mais se discutia nos bastidores do mundo político e jurídico de Brasília: a separação do joio do trigo. Entre os nove ministros, 29 senadores, 42 deputados e três governadores da lista que divulgou ontem, todos contra os quais pesa apenas a acusação de falsidade ideológica têm grandes possibilidades de terem seus processos arquivados, alguns porque a punibilidade já estaria extinta, dependendo da idade do investigado e o disposto no Código Penal. Estão na lista de Fachin os ex-presidentes Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, ex-ministros e outros políticos sem mandato, cujos casos tiveram os sigilos levantados.

Os mais enrolados são os políticos acusados dos chamados crimes conexos, como corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude em licitações. Ou seja, o ministro estabeleceu uma fronteira entre os suspeitos de receberem doações eleitorais do caixa dois da Odebrecht durante a campanha de 2010 e os envolvidos em superfaturamento de obras, desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro. Para se compreender a diferença entre uma situação e outra, podemos comparar, por exemplo, os casos do senador Humberto Costa (PT-PE), que é acusado de corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude em licitações, com o do ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS), acusado apenas de falsidade ideológica.

O caso mais emblemático talvez seja o do ministro da Cultura, Roberto Freire, contra o qual Fachin não abriu inquérito. “Considerando a data do fato, a pena máxima prevista para o delito do artigo 350 do Código Eleitoral, a idade do investigado e o disposto nos artigos 107, inciso IV; 109, inciso III; e 115, todos do Código Penal, antes de decidir sobre a instauração do inquérito, importa colher a manifestação do Procurador-Geral da República sobre eventual extinção da punibilidade do delito narrado”, determinou. Estão na mesma situação os senadores Marta Suplicy (PMDB-SP), José Agripino (DEM-RN), Lídice da Mata (PSB-BA) e Garibaldi Alves (PMDB-RN); e os deputados Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), Paes Landim (PTB-PI) e Heráclito Fortes (PSB-PI).

Entre os políticos com foro privilegiado, também são acusados de falsidade ideológica os senadores Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Jorge Viana (PT-AC), Vanessa Grazziotin (PCdoB-MA), Katia Abreu (PMDB-TO), Eduardo Alves de Amorim (PSC-SE), Maria do Carmo Alves (DEM-SE), Fernando Bezerra (PSB-PE), Ricardo Ferraço (PMDB-ES); os deputados Jutahy Júnior (PSDB-BA), Maria do Rosário (PT-RS), Felipe Maia (DEM-RN), Ônix Lorenzoni (DEM-RS), Vicente Paulo da Silva (PT-SP), Arthur Maia (PPSW-BA), João Paulo Papa (PSDB-SP), Vander Loubert (PT-MS), Paulo da Costa (PP-CE), Rodrigo Garcia (DEM-SP), Cacá Leão (PP-BA), Celso Russomano (PRB-SP), Daniel Vilela (PMDB-GO), Beto Mansur (PRB-SP). De qualquer forma, eleitoralmente falando, todos terão grandes dificuldades, mesmo que escapem dos processos.

Prescrição

Falsidade ideológica é omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. No caso, caixa dois eleitoral. A pena prevista é reclusão, de 1 a 5 anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 a 3 anos, e multa, se o documento é particular. Em setembro de 2014, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o deputado federal Marçal Filho pelo crime de falsidade ideológica, na modalidade documento particular, previsto no artigo 299 do Código Penal (CP).

Embora a pena do parlamentar na Ação Penal (AP) 530 tenha sido fixada em dois anos e seis meses de reclusão e ao pagamento de multa de 15 salários mínimos, a punibilidade foi considerada extinta em razão da prescrição da pretensão punitiva. O ministro revisor, Luiz Roberto Barroso, verificou que a falsificação de documento ocorreu em fevereiro de 1998, mas a denúncia só foi recebida em setembro de 2006. “Entre o fato delituoso e o recebimento da denúncia, transcorreram-se mais de oito anos, por essa razão, julgo extinta a punibilidade dos acusados em face da prescrição punitiva, restando prejudicada a condenação”, concluiu.

Luiz Carlos Azedo é jornalista


Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-joio-e-o-trigo/


A moral é o cerne da Pátria

"A moral é o cerne da Pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública."

Ulysses Guimarães


Alberto Aggio

Alberto Aggio: Não haverá saída fácil

Quem argumenta que a crise que assola o País tem no governo Temer sua principal causa parece ter vivido fora do Brasil por, pelo menos, uns dez anos

Quem argumenta que a crise que assola o País tem no governo Temer sua principal causa parece ter vivido fora do Brasil por, pelo menos, uns dez anos. Por alguma razão, ideológica ou incógnita, desconhece o que se passou aqui. A profundidade da crise econômica – com o desemprego beirando a casa de duas dezenas de milhões, as finanças dos Estados em calamidade pública e a insegurança generalizada – tem nos levado, perigosamente, muito próximos à situação de insolvência vivida pela Grécia em passado recente. Este desastre, considerado o maior da nossa História, não foi obra de um governo que, fora a interinidade, alcança pouco mais de quatro meses.

A crise deriva diretamente das medidas adotadas pelos governos do PT, especialmente o de Dilma Rousseff. Quando o mundo já prognosticava que o modelo nacional-desenvolvimentista, com o Estado centralizando o investimento e promovendo os “campeões nacionais”, era um projeto ultrapassado ante os ditames da globalização e nefasto a um desenvolvimento mais equilibrado e competitivo, a então presidente Dilma adotou precisamente essa opção, provocando desequilíbrio financeiro, recessão e desemprego, com toda a sua carga de desorganização da economia.

Os efeitos da crise econômica e as revelações de um sistema mafioso de poder que promoveu no Estado e nas empresas públicas um nível de corrupção inaudito encheram de indignação uma sociedade cada vez mais informada. E ela desceu às ruas. O projeto de Dilma e do PT tornou-se, então, insustentável e seu principal aliado, o PMDB de Michel Temer – que havia ajudado (e muito) a reeleger Dilma –, foi se distanciando do núcleo de poder (que, na verdade, pouco frequentou) e resolveu abandonar o governo. Não é verdade que Temer não tenha a legitimidade do voto. Ele foi eleito com Dilma e com o voto dos petistas. Talvez se possa dizer, ao contrário, que foi o PMDB que reelegeu Dilma.

Após o impeachment e a assunção definitiva de Michel Temer, o País pôde começar a se reorganizar. Mas os déficits e as disfunções acumuladas revelaram-se de tal monta que se tornou evidente que a travessia até bom porto, com a recuperação do crescimento e o estabelecimento de um clima de diálogo entre as forças políticas, seria cheia de obstáculos e necessitaria de paciência e sobriedade.

Declaradamente, o de Temer é um governo de transição cujo objetivo central é rearranjar o País para chegar de maneira mais equilibrada a 2018. É a tal travessia, pinguela, corda bamba, seja lá o nome que se queira dar. Para isso o apoio de uma base parlamentar é essencial e configura seu principal ativo político.
Mas a dimensão política não gira em torno de si, sem substância e projetos para superar a crise. É imperativo realizar reformas e algumas delas estão sendo aprovadas pelo Congresso, com mudanças maiores ou menores. Contudo esse andamento não é pacífico nem portador de estabilidade absoluta. Os mais afoitos diagnosticarão crises terminais a cada turbulência e não faltará quem faça uma exumação da “Nova República” com o intuito de defender o que não defendeu na ultrapassagem do regime civil-militar para uma nova ordem política democrática, lá pelos idos de 1986/88.

É notório, todavia, que o governo Temer não conseguiu extirpar a crise ética. A composição do pessoal governante do Executivo vem apresentando diversos problemas em razão da trajetória anterior do seu “núcleo duro”, quase todo ele comprometido com problemas de corrupção herdados do período petista. Ministros foram substituídos, evidenciando, em alguns casos, que o problema é mais grave e profundo: trata-se da resiliência do velho patrimonialismo, que teima em solapar a res publica, razão pela qual multidões saíram às ruas desde 2013.

Não à toa, em 2016 as manifestações massivas de rua elegeram esse como seu alvo preferencial. As que visaram a atacar aspectos das reformas que o governo está pondo em marcha foram pouco massivas e, regra geral, descambaram para a violência. O que é negativo para o debate político em torno das reformas, que não têm consenso assegurado nem dentro da base governista.

Mas há uma mudança que merece atenção. Embora a Lava Jato permaneça como fator ineliminável da conjuntura política e ação exemplar de intransigência republicana que deve ser saudada, a imperiosidade das reformas tornou mais evidente para a opinião pública a necessidade de se repensar um projeto para o País. Em suma, que o País se encontra numa encruzilhada histórica e há necessidade de um aggiornamento democrático do capitalismo brasileiro, alterando os fundamentos da relação entre Estado e sociedade. Nesse cenário desafiador, só a política poderá ajudar-nos a suplantar dificuldades, preconceitos e vazios diante de um País em ruínas e que vive sob ameaça de crispação, com uma esquerda “desarmada” e perdida entre a inércia do corporativismo e um maximalismo retórico e anacrônico.

As saídas não serão fáceis e não estarão exclusivamente nas ações da Lava Jato. O imperativo das reformas atualizou a conjuntura e não se poderá fugir dele, sob pena de adiarmos a resolução dos problemas do País e reproduzirmos um sistema político sabidamente em colapso. Pode ser que as reformas não sigam nem a velocidade nem a organicidade desejada, mas parece não haver outro caminho.

2017 não se anuncia como um ano com turbulências mais débeis do que foi 2016. Por ora não se divisa nem sarneyzação nem dilmização de Temer. A consigna “diretas já” não é mais que uma retórica preguiçosa e inútil, que não enfrenta os desafios que o País tem diante de si. A partir de uma posição de intransigência democrática e republicana, a Nação precisa se unir e realizar essa travessia, procurando construir, ao mesmo tempo, novos horizontes para os brasileiros.

Alberto Aggio é historiador e professor titular da UNESP


fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,nao-havera-saida-facil,10000097018


Revista Politica Democrática: A cultura da corrupção na sociedade brasileira

A corrupção está tão disseminada em nosso cotidiano, que virou uma instituição cultural. É como a propina para se fazer vistas grossas e facilitar o andamento do caso. Nossa sociedade aprendeu a conviver com essa anomalia, não sem a tensão e a revolta dos mais esclarecidos, que sabem perfeitamente que todo atraso, carestia e desordem econômica a tem como causa primária.

Dizer que a corrupção é uma cultura entre nós pode chocar algumas pessoas, cuja primeira opinião é a de se tratar de desvio de caráter. Naturalmente, o caráter é uma variável nessa questão, pois a cobiça – o ganho fácil é algo humano e aqueles que têm uma educação mais frouxa não hesitarão em prevaricar se as condições lhes forem favoráveis.

A índole da cada um pode ser regrada por educação e leis, pois para isso existe a sociedade e, do seu bom desempenho, depende a observação de certas regras de conduta individual, social e de trabalho. A transgressão existirá sempre, mas numa sociedade bem regulada isso se reduz a uma baixa prevalência. O eficiente uso da fiscalização e da supervisão, junto a uma legislação adequada, corrige a maior parte deste problema.

No Brasil, há uma dissonância cognitiva que leva à confusão entre autoridade e autoritarismo, um vício nacional herdado do escravagismo e do coronelismo de aldeia, com práticas que redundam um comportamento antissocial e, por vezes, criminoso, de detentores de poderes econômicos e de posses.

Ora, se a corrupção é endêmica em nosso país, a causa não está no caráter, mas no afrouxamento de todas as instituições na observância da lei, na moralidade e na ética. Em outras palavras, em uma cultura institucionalizada do molhar a mão do guarda, somos levados ao que denominamos de cegueira ética, uma doença crônica social que altera a percepção e o julgamento da maioria das pessoas.

A pressão disso é nefasta e torna a corrupção algo natural, aceitável. De todos esses fatores, resultam uma dissonância cognitiva que distorce a consciência para noções, como moralidade e ética. A autoridade se relativiza, afrouxando o rigor com que regras e leis devem ser seguidas e a cegueira ética se instala. Essa atonia moral leva ao fenômeno da vitimização, para o qual nossa sociedade é especialmente vulnerável.

Em contrapartida, as personalidades antissociais são resistentes a sentirem remorso. Além disso, não admitem culpa e têm todos os seus problemas com a Justiça ou seu grupo projetado nos outros. Eis que muitos são culpados pelos seus crimes, como a sociedade injusta que o criou, seus pais que o reprimiram e as maquinações políticas contra ele. Na política brasileira, isso é bem conhecido. Em vez de um mea-culpa liberador, vemos nossos políticos não admitirem seus erros. Eles culpam adversários políticos e se autoimolando, como membro de uma minoria perseguida – aliás, não raro, violenta.

A corrupção na política é cultura arraigada no espírito nacional e grande incentivo à desvirtuação em todos os níveis. A corrupção generalizada torna todos cúmplices e, assim, o crime se instala sem que o remorso e a culpa criem obstáculos. Carl Gustav Jung, fundador da psicologia analítica, observava que, quando um crime é cometido em nome de um grupo que o incentiva, ou de uma ideologia, ou da fé que o absolve, o indivíduo não se sentirá culpado.

A corrupção extrapola, em muito, a prevalência de personalidades antissociais. Isto porque muitas pessoas com este tipo de comportamento entre nós, especialmente. criminosas, não são antissociais do ponto de vista psiquiátrico, mas sim por pressão cultural do meio em que vivem. Em psiquiatria, denominamos de feno cópias de personalidades antissociais quando as pessoas adquirem essa forma de comportamento por serem pressionadas culturalmente, e não por constituição.

Essa situação vem crescendo assustadoramente entre os jovens, que serão nossos futuros comerciantes, funcionários, dirigentes, políticos e, sobretudo, eleitores. Não basta a educação se também não se forma, em nossas escolas, consciências éticas e verdadeiramente republicanas.

Algo precisa ser feito.


*Autores: Antonio Geraldo da Siva / Fernando Portela Câmara


Maurício Huertas: "Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?"

Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo: Santo, Caju, Feio, Caranguejo e Gripado; Primo, Próximus e Velhinho; Boca-Mole, Botafogo e Angorá.

Parece escalação de time de várzea, mas é a seleção da política nacional envolvida na delação premiada da Odebrecht.

Aqui não tem nada de amadorismo, é profissionalismo total, que envolve o primeiríssimo time da Nação no anti-jogo que começa a ser desvendado a partir do fim-de-semana.

A rodada deste novo Brasileirão está só começando e já teve Lula três vezes réu pedindo música no Fantástico, Renan no tapetão para impedir o rebaixamento e juiz chamado de ladrão depois de poupar o atacante flagrado em impedimento escandaloso na cara do gol. Pode isso, Arnaldo?

Ducha

Ninguém sabe como vai acabar essa disputa que envolve craques e pernas-de-pau, técnicos e cartolas de todas as agremiações.

Mas a regra é clara: que não se olhe a cor da camisa nem o tamanho da torcida para privilegiar alguém nesse bem-vindo sistema eliminatório, o popular mata-mata. Caia quem tiver que cair.

Como até a Arena Corinthians está envolvida em escândalo, é curioso lembrar do tempo em que as Duchas Corona patrocinava o Timão; hoje temos a Lava Jato passando o Brasil a limpo.

Como nunca antes na história deste país, os amantes do futebol-arte podem ser comparados com os torcedores utópicos e praticantes de uma nova forma de fazer política. Na defesa intransigente da democracia, com um meio-campo criativo para reformar o sistema político-partidário e um ataque fulminante à corrupção.

Crepúsculo do jogo. O tempo passa! (e que o saudoso Fiori Giglioti me perdoe pelo uso indevido dos seus bordões futebolísticos nesse jogo sujo da política) Aguenta coração!

*Mauricio Huertas, jornalista, é diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e apresentador do #ProgramaDiferente


Sérgio Fausto: Esperando a Odebrecht

Não pode haver sociedade decente fora do império da lei, igual para todos

Ao contrário de Godot, personagem do dramaturgo Samuel Beckett, ela chegará: a delação premiada de aproximadamente 50 executivos da Odebrecht e de membros da família que controla a companhia virá à luz nos próximos meses. Não será o dia do Juízo Final para os cerca de 200 políticos que, diz-se, são mencionados nos depoimentos feitos ao Ministério Público. Haverá situações variadas: quem recebeu recursos de caixa 2 e praticou crime de lavagem de dinheiro e/ou corrupção; quem recebeu esses recursos sem cometer tais crimes; quem os cometeu em benefício de financiamento de campanha própria ou de seu partido e/ou de seu enriquecimento pessoal, etc. Caberá à Justiça individualizar cada caso e as penas respectivas, quando couberem, respeitado o devido processo legal. E à sociedade, formar juízo a respeito da responsabilidade de cada um(a) do(a)s acusados(as).

A despeito da diversidade dos casos, as delações da Odebrecht confirmarão a existência de um sistema de corrupção político-empresarial que se entranhou nos partidos e no Estado. Mais: mostrarão que esse sistema operou em governos de várias colorações partidárias, nos níveis nacional, estadual e municipal, e em favor de políticos de diversas siglas, embora o PT tenha sido seu principal articulador e beneficiário. A confirmação do ecumenismo do sistema terá duas consequências importantes: jogará uma pá de cal na ideia da seletividade partidária da Lava Jato e porá o PSDB e outros partidos que se opunham ao governo anterior na posição de acusados, e não de acusadores. A reação do PT à Lava Jato oferece insuperável exemplo de como não enfrentar essa situação.

Compartilho a preocupação de quem teme os efeitos desse anunciado terremoto político sobre o atual governo, que mal começa a resgatar o País do poço cavado pelo anterior. Temo também a eventual inviabilização jurídica e/ou política de lideranças que farão falta ao País pela experiência, pelo conhecimento e pela competência inegáveis que têm.

Na política, à diferença da economia, nem sempre a destruição dos incumbentes leva ao progresso – o economista austríaco Joseph Schumpeter cunhou a expressão “destruição criativa” para se referir ao avanço do progresso técnico no capitalismo pela emergência “disruptiva” de novas empresas e novos empreendedores. A substituição de uma geração de líderes políticos por outra, principalmente quando os partidos não cuidaram antecipadamente da necessária renovação de seus quadros, será complicada.

O maior risco, porém, é que, em nome da governabilidade do País e da estabilidade do sistema político, prevaleça novamente alguma forma de autoproteção dos “donos do poder”. A democracia depende, em última instância, de o povo acreditar que eleições, partidos e congressos não são um jogo que serve apenas aos interesses dos que jogam e pagam o jogo. Essa crença está por um fio. Se desabar, será difícil reerguê-la e o cenário estará pronto para demagogos e messiânicos.

Diante desse risco os intelectuais se veem diante de um desafio. Enquanto a corrupção era um mal imputável exclusivamente às oligarquias atrasadas (Collor e seu operador PC Farias, para dar um exemplo), a vida era mais fácil. Quando as investigações da Lava Jato começaram a revelar que o PT havia organizado um esquema de corrupção nunca antes visto na História deste país – pela escala e pelo comando superior centralizado –, os intelectuais petistas, com poucas exceções, divorciaram-se definitivamente da realidade para atacar com fé cega o Ministério Público, o Judiciário, a imprensa, ou seja, instituições centrais da democracia brasileira. Todas seriam culpadas. Menos o seu partido, vítima de uma “conspiração das elites”.

Os intelectuais petistas de maior bom senso evitaram abraçar teses estapafúrdias – como a das supostas ligações dos procuradores da Lava Jato e do juiz Sergio Moro com o governo americano, imaginariamente interessado em apear o PT do poder para roubar do Brasil as riquezas do pré-sal. Preferiram denunciar a “criminalização da política”, como se os procuradores e o juiz estivessem atentando contra a democracia ao investigar crimes cometidos por políticos do PT e partidos aliados. Esqueceram-se de que quem pratica a corrupção, sendo agente político, é que criminaliza a política, e não quem investiga ou pune essa prática com base em provas produzidas dentro do devido processo.

O sentido de missão revelado pelo juiz e pelos procuradores de Curitiba foi transformado em atributo negativo: seriam “missioneiros”, imbuídos de um cristianismo conservador, ligados à Opus Dei, evangélicos, etc. A “esquerda” passou a estigmatizar um grupo de servidores públicos concursados, bem preparados tecnicamente, empenhados em deslindar um sistema de corrupção comandado por partidos governistas e um oligopólio de grandes empreiteiras. Que beleza!

Se o PSDB quiser um lugar ao sol no lado mais luminoso da política brasileira terá de mostrar que nem todos são iguais. Na avaliação política das culpas e responsabilidades o tribunal terá duas instâncias: a opinião pública e o grosso do eleitorado. Na primeira haverá algum espaço para um debate nuançado sobre o caráter mais ou menos sistêmico ou o grau mais ou menos profundo de práticas de corrupção. No segundo, a exemplaridade, o cortar na carne, a coragem de se arriscar com novas lideranças farão toda a diferença, a depender da extensão e profundidade dos danos causados pelas delações de Odebrecht.

No Brasil oscilamos entre a impunidade e a violência, desigualmente distribuídas. A punição de crimes pela Justiça, respeitado o devido processo legal, é uma das maiores conquistas da civilização. Só se redime quem paga por seus erros. Isso vale para os indivíduos e vale também para um país. Não pode haver democracia, não pode haver sociedade decente, fora do império da lei, igual para todos. Doa a quem doer.

*  Superintendente executivo da Fundação FHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University, é membro do Gacint-Usp


fonte: estadao.com.br


10 Medidas contra a Corrupção: Rubens Bueno defende aprovação do parecer do relator

“Não há motivo para postergar a aprovação e o envio ao plenário do projeto das 10 Medidas contra a Corrupção. Fizemos um amplo debate na comissão e o parecer apresentado pelo relator Onyx Lorenzoni é o que mais se aproxima do ideal”, afirmou nesta terça-feira o líder do PPS na Câmara, deputado federal Rubens Bueno (PR), que vem atuando nas discussões da comissão especial que analisa o projeto de iniciativa popular (PL 4850/16) encaminhado pelo Ministério Público Federal com o apoio de diversos setores da sociedade.

Rubens Bueno ressaltou que a corrupção é um dos principais problemas do país e precisa ser enfrentada com medidas duras. “O que não pode acontecer é a tentativa de desfigurar o projeto. Apoiamos o relatório produzido com a consciência de que alguns pontos ainda poderão provocar mais discussões durante a votação em plenário e na análise no Senado, mas temos que fazer o projeto avançar”, reforçou o deputado.

Com relação ao caixa 2 de campanha, o líder do PPS destacou que a prática precisa ser criminalizada, mas sem qualquer possibilidade de anistia. “Não podemos admitir qualquer tipo de inclusão no texto que permita anistia para políticos que praticaram o caixa 2, como os investigados pela operação Lava Jato”, disse.

Proposta é acatada

O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) acatou proposta de Rubens Bueno e incluiu em seu parecer dispositivo que impede a prescrição de crimes enquanto não for feito o ressarcimento ao erário em todos os casos de sentença condenatória que tenha apurado ilícito que implique desvio, prejuízo, inadimplemento ou malversação de recursos públicos. O mecanismo, que visa fortalecer o cerco aos corruptos, estava previsto no projeto de lei 264/2015, apresentado por Bueno.

Para o líder do PPS, a adoção da medida vai agilizar a recuperação de recursos desviados. “A prescrição não ocorrerá enquanto não houver ressarcimento ao erário. Para que usufrua de qualquer benefício nesse sentido, o autor do crime se apressará a devolver aos cofres públicos o fruto de sua atividade ilícita”, afirmou Rubens Bueno.

Para o deputado, dentre os crimes mais graves que atingem o país estão todos aqueles em que há desvio de recursos públicos. “A sonegação de impostos, o superfaturamento de obras, a malversação de recursos são crimes que têm como cerne o saque ao erário, causando o empobrecimento do país e prejudicando áreas da saúde à educação, da cultura à segurança pública”, destacou.

Parecer

Em seu parecer final, o deputado Onyx Lorenzoni manteve como crime a prática de caixa dois em campanhas eleitorais e a transformação de corrupção de altos valores em crime hediondo. O substitutivo, da maneira como foi apresentado, não permite anistia do crime de caixa dois, como temiam alguns deputados da comissão.

Lorenzoni também acatou a proposta de escalonar o tamanho das penas para crimes de corrupção de acordo com os valores desviados. Assim, a pena de corrupção, que varia hoje de 2 a 12 anos de prisão, poderia chegar a 25 anos quando superar 10 mil salários mínimos.

O relator manteve ainda a proposta original do Ministério Público de aumentar a pena mínima dos crimes relacionados à corrupção, como peculato, concussão, corrupção passiva e corrupção ativa de dois para 4 anos de reclusão – uma maneira de evitar penas alternativas como pagamento de cestas básicas.

Alterações

Lorenzoni alterou a proposta original em vários pontos, em função de críticas de especialistas ouvidos nas audiências públicas da comissão. Uma das mudanças diz respeito aos chamados testes de integridade, que consistem em simular a oferta de propina para ver se o servidor público é honesto ou não.

De acordo com o projeto original, o teste seria obrigatório para policiais. Pela proposta de Lorenzoni, os testes serão usados apenas em processos administrativos e podem ser aplicados a qualquer servidor público.

O relator acatou parcialmente algumas propostas polêmicas sugeridas pelo Ministério Público, como limitar a concessão de habeas corpus apenas para casos de prisão ou ameaça de prisão ilegal. De acordo com o substitutivo, o juiz deve ouvir o Ministério Público apenas se o habeas corpus for interferir nas investigações.

Ele não acatou pontos polêmicos como a possibilidade de prisão preventiva para evitar dissipação de bens desviados ou a fuga do suspeito e o uso de provas ilícitas obtidas de boa-fé. Essas medidas serão analisadas por outra comissão especial, que trata da reforma do Código de Processo Penal.

O relator acrescentou medidas que não estavam previstas na proposta original, como a figura do reportante (denunciante não envolvido no crime), que já existe na legislação de outros países e pode até receber uma recompensa se denunciar crimes. (Com Agência Câmara)


Fonte: pps.org.br


Dora Kramer: Um fantasma na ópera

Eduardo Cunha não foi o primeiro nem será o último político de destaque a ser preso pela operação Lava Jato. Sequer pode ser apontado como aquele que maior poder e/ou volume de informações reuniu na República. As presenças de José Dirceu e Antônio Palocci em Curitiba – chefões da era em que o PT mandava (e principalmente desmandava) no País – dão por si tal testemunho. Pode ser que ele venha a fazer uma delação devastadora que comprometa do baronato ao cardinalato da política? Pode ser que haja vida em Marte. No terreno das possibilidades criam-se, entre outras coisas, fantasmas. Tudo é possível embora nem tudo seja provável.

Para dirimir quaisquer dúvidas, o melhor método é o exame das condições objetivas. A principal delas esteve registrada no placar eletrônico da Câmara no dia 12 de setembro último, quando o então deputado afastado de suas funções legislativas pelo Supremo Tribunal Federal teve o mandato cassado por 450 votos a favor e 10 contra. No início, quando o processo foi aberto no Conselho de Ética, a avaliação preponderante era a de que Eduardo Cunha sairia ileso. Segundo essa versão, teria poderes ilimitados para impedir o andamento dos trabalhos e um embornal de informações a respeito de seus pares tóxico o suficiente para garantir votos a favor da manutenção de seu mandato. No campo da suposição, isso parecia fazer sentido. Mas a realidade tem componentes menos esquemáticos.

No caso, a opinião pública, a revelação de novas e cada vez mais contundentes acusações, o comportamento excessivamente ousado de Cunha, a decisão do STF de afastá-lo do cargo, a impossibilidade de contar com ajuda do governo, o instinto de sobrevivência eleitoral dos deputados, uma série de fatores que desmontou a presunção inicial e produziu um resultado surpreendentemente desfavorável a ele. A prisão menos de quarenta dias depois provocou alvoroço, não obstante fosse algo esperado, líquido e certo. Fez-se o silêncio em Brasília. Pudera, dizer o quê? Lamentar, comemorar? O governo e mundo político em geral não poderiam fazer uma coisa nem outra. Até o PT se manteve discreto, dada sua impossibilidade de falar de corda em casa de enforcado.

Enquanto na capital federal a palavra de ordem era não passar recibo, no restante do País estabeleceu-se a gritaria em torno dos presumidos efeitos de uma delação premiada. Por ora apenas um fantasma nessa ópera composta pela operação Lava Jato. Não que seja um equívoco supor que Cunha faça delação e provoque com ela uma devastação em massa. Mas é preciso medir e pesar as circunstâncias. E estas não lhe são necessariamente favoráveis. Não é ele quem dita as regras muito menos o rumo dos acontecimentos como, de resto, já ficou demonstrado. A faca e o queijo estão nas mãos do Ministério Público e da Justiça.

Ainda que o ex-deputado tenha disposição de delatar não significa que os procuradores se interessem pela contrapartida ou que as condições estabelecidas em lei para a obtenção de benefícios se apliquem a Eduardo Cunha. A força tarefa da Lava Jato trabalha há mais de dois anos, período em que reuniu uma montanha de informações a respeito das quais seguramente o País ainda não sabe da missa a metade. De onde é possível que o ex-deputado não tenha dados que os investigadores considerem novos e/ou necessários ao esclarecimento dos fatos.

Se não pôde controlar seu destino quando presidente da Câmara nem se utilizar do arsenal intimidador de maneira eficiente, não será preso que Eduardo Cunha terá êxito no manejo da figura de assombração. Ademais, terá de ter muito cuidado com o que disser para não piorar sua já sofrível situação.(O Estado de S. Paulo)


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: O bom ladrão

A política se tornou um empreendimento pessoal, familiar e corporativo. A riqueza privada e a vida pública se cruzam e se reforçam reciprocamente

Uma prática comum dos colonizadores ibéricos é que “chegavam pobres às Índias ricas e retornavam ricos das Índias pobres”, nas palavras do Padre Antônio Vieira (1608-1697), o Paiaçu, na língua tupi. Lusitano, passou a vida entre o Brasil (Salvador, Olinda e São Luís) e a Europa (Lisboa e Roma). Ao morrer na Bahia, deixou uma obra que soma 30 volumes. Um de seus sermões mais famosos é o do Bom ladrão, de 1655, proferido na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e sua corte, além dos dignitários do reino, juízes, ministros e conselheiros. Vieira atacou os que se valiam da máquina pública para enriquecer ilicitamente, denunciou escândalos no governo, as gestões fraudulentas e, indignado, criticou a desproporcionalidade das punições nas masmorras do século 17: “Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma viatura, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma força pública, sois governador?”

Depois de conjugar o verbo furtar de várias maneiras durante o sermão — “furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse” —, disparou contra a corte: “São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo”. À época de Vieira, a política era uma via de enriquecimento patrimonial, que, por sua vez, permitia o acesso continuado aos cargos públicos.

Desde então, no Brasil, a política se tornou um empreendimento pessoal, familiar e corporativo. A riqueza privada e a vida pública, dialeticamente, se cruzam e se reforçam reciprocamente.

A fusão entre os negócios privados e a gestão pública é um instrumento de perpetuação no poder. Mas esse mecanismo está em xeque devido à Operação Lava-Jato, cuja escala de combate ao chamado “crime de colarinho branco” não tem precedentes. Graças à Constituição de 1988, que conferiu autonomia ao Ministério Público Federal e fortaleceu os órgãos de controle e coerção do Estado, principalmente à Receita Federal e à Polícia Federal.

Há dois tipos de políticos profissionais: os que vivem para a política como bem comum e os que vivem da política como negócio. Ambos têm a política como profissão principal, o que torna essa separação uma fronteira sinuosa. São consequências desse fenômeno os critérios plutocráticos para constituição da camada dirigente dos partidos.

Operadores

Os partidos que têm mais recursos econômicos elegem mais e têm mais poder. Segundo Max Weber, isso facilita a criação de “uma casta de filisteus corruptos”. A captação de votos e recursos valoriza os “operadores” capazes de montar “estruturas” eleitorais com empregos, dinheiro e poder. Promove as carreiras meteóricas, o troca-troca partidário e os escândalos, muitos escândalos. No lugar dos projetos de nação, que deveriam definir os partidos e seus programas, surgem poderosos projetos pessoais de poder e formaçao de fortuna.

Na sexta-feira, a Justiça de São Paulo aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual contra o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, e o ex-tesoureiro do PT e ex-presidente da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) João Vaccari Neto, além de outras 10 pessoas por irregularidades relacionadas a oito empreendimentos imobiliários.

Vaccari está preso desde o começo da Operação Lava-Jato. Era o típico “operador” do PT. É acusado de associação criminosa, falsidade ideológica e violação à lei do condomínio, que diz que é crime contra a economia popular promover incorporação fazendo afirmação falsa sobre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações. Léo Pinheiro é acusado de associação criminosa e estelionato.

A juíza excluiu da ação o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, Fábio Lula da Silva e Igor Ramos Pontes, por entender que a denúncia contra eles, relacionada ao imóvel 164-A do edifício Solaris, foi apresentada pelo Ministério Público Federal e recebida pela 13ª Vara Federal de Curitiba. (Correio Braziliense)


Fonte: pps.org.br


Roberto Freire: Lula no banco dos réus

O recebimento, pelo juiz Sérgio Moro, da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se torna réu pela segunda vez na Operação Lava Jato, agora pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, é um marco e pode representar um divisor de águas nas investigações do maior escândalo da história da República.

Segundo Moro, estão “presentes indícios suficientes de autoria e materialidade” para o acolhimento da denúncia contra Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e ex-dirigentes e executivos da OAS. O MPF aponta que o ex-presidente teria sido o beneficiário direto de quase R$ 4 milhões em propina paga pela empreiteira e proveniente de contratos da Petrobras. O dinheiro teria sido destinado à reforma de um tríplex no Guarujá (SP), além do transporte e armazenamento de bens pessoais de Lula após o encerramento de seu governo.

Ao fim e ao cabo, ao contrário do que alguns mais precipitados imaginavam, a denúncia formulada pelo MPF foi minuciosa e estritamente fundamentada em provas e indícios que permitiram aos procuradores, além de denunciar Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, apontá-lo como o “comandante máximo” de uma engrenagem didaticamente batizada de “propinocracia”. Os investigadores concluíram, em suma, que o grande líder do PT teria chefiado a organização criminosa que assaltou a Petrobras nos últimos 13 anos.

O MPF não foi “midiático”, “espetaculoso” nem apelou à “pirotecnia”. É preciso compreender a dimensão do acontecimento político em curso: tratou-se de uma denúncia contra um ex-presidente da República, o que por si só justifica a decisão dos procuradores de explicar detalhadamente à sociedade o que se passava. A força-tarefa da Lava Jato não poderia apresentar a denúncia como algo de menor importância, simplesmente seguindo o protocolo-padrão. Como pano de fundo, afinal, há uma disputa que é também política e um embate no campo da comunicação – e é preciso enfrentá-lo sem que se deixe de seguir todos os ritos processuais e a legislação.

A presença de Lula no banco dos réus em Curitiba – ele também responde na Justiça Federal de Brasília pela suposta tentativa de obstruir as investigações da Lava Jato – passa a integrar aquilo que venho chamando de marcha da sensatez em curso no Brasil nos últimos meses. Entre as conquistas desse período, estão o impeachment de Dilma Rousseff por crimes de responsabilidade, a posse do presidente Michel Temer em respeito ao que determina a Constituição e a cassação de Eduardo Cunha pela Câmara dos Deputados.

Nesta caminhada em direção a um país mais ético, o Congresso ainda se debruçará sobre as dez medidas contra a corrupção apresentadas pelo MPF em forma de um projeto de lei que conta com o apoio dos brasileiros. É importante rechaçar qualquer tentativa de anista ao crime de caixa 2 eleitoral, como chegou a se especular em decorrência da desastrada tentativa de votação, pela Câmara, de um substitutivo ao PL 1210/2007 nesta semana. A tipificação penal do caixa 2 já consta daquele conjunto de medidas e certamente será votada. Não há, no horizonte, nenhuma perspectiva de aprovação de qualquer anistia.

Voltando a Lula, cabe a todos nós acompanharmos o desenrolar do inquérito que comprovará se a “alma mais honesta” do país – como o próprio chegou a se autodefinir recentemente – praticou os crimes de que é acusado. Os indícios e elementos presentes na peça acusatória aceita por Sérgio Moro são consistentes. Independentemente do desfecho do processo, os brasileiros têm muito a comemorar, especialmente quanto à vitalidade e o bom funcionamento de instituições como o Ministério Público, a Polícia Federal, o Poder Judiciário, além de uma imprensa livre e independente. Neste novo Brasil, felizmente, ninguém está acima da lei. Nem aquele que sempre se julgou inimputável, mas teve de descer do palanque direto para o banco dos réus. (Diário do Poder – 23/09/2016)

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS


Fonte: pps.org.br