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Juan Arias: A corrupção cria um novo genocídio no Brasil

Os abutres estão se aproveitando da dor da pandemia para engordar suas barrigas. Quantas vidas poderiam ter sido salvas com esse dinheiro?

Não é só o coronavírus que está criando um genocídio no Brasil, pecado do qual o próprio chefe de Estado, Jair Bolsonaro, é acusado por seu comportamento negacionista diante da epidemia. Outro genocídio não menos importante é o da corrupção que infestou todas as instituições do Estado, da política à Justiça, começando pelas próprias igrejas.

Os abutres estão se aproveitando da dor da pandemia para engordar suas barrigas. Quantas vidas poderiam ter sido salvas com esse dinheiro? A corrupção cria morte e dor como um vírus da alma. Quem se apropria do dinheiro público dedicado a criar vida é um genocida.

Dias atrás vi se encherem de lágrimas os olhos de uma mãe de duas meninas, desempregada, ao receber uma cesta básica. E veio aos meus olhos, como um pesadelo dantesco, a fila de políticos, empresários, juízes e até religiosos em uma dança de morte de milhões roubados dos pobres.

Ao mesmo tempo, com dor, vejo aflorarem os pecados dos maiores responsáveis pela Lava Jato chamados a exigir justiça. Vejo a dança de alegria dos corruptos diante do colapso da cruzada contra a corrupção e não sei qual crime é pior.

A verdade é que os pecados daqueles que foram aclamados por terem tido a coragem de desafiar os corruptos poderosos não podem servir de detergente para limpar a sujeira dos corruptos.

É preciso dizê-lo em voz alta: a corrupção que move milhões e até bilhões em um país onde correm rios de dor de milhões de pobres que sofrem porque não podem alimentar seus filhos deve ser punida como assassinato e genocídio.

E são sempre os mesmos, na pandemia e na corrupção, os que mais sofrem e morrem: os negros e afrodescendentes herdeiros da escravidão; os que cresceram sem uma educação que os preparasse para a vida, os indígenas cada vez mais massacrados, os idosos e os doentes incapazes de sobreviver por conta própria.

Durante a pandemia, dois demônios se juntaram no Brasil para criar morte e dor, o do vírus e o da corrupção nascida no próprio coração da tragédia. Um trabalhador que recebe salário mínimo me perguntou: como podem ter alma aqueles que roubam até o dinheiro destinado a salvar vidas? Fiquei me perguntando como podem dormir tranquilos.

E não apenas não parecem ter remorso, mas dançam felizes vendo desabar alguns dos pilares da luta contra a corrupção. Na verdade, observar hoje o regozijo de alguns políticos sobre os quais recai até uma dúzia de processos de corrupção e que continuam em liberdade por sua cumplicidade com magistrados e procuradores ou por suas chantagens a eles é algo que não deixa de causar indignação e repulsa.

Este Brasil que a corrupção está corroendo não é aquele com que os brasileiros sonharam e pelo qual se empenharam e lutaram —um país onde ninguém passasse necessidade, pois é atravessado por rios de riquezas naturais. E que, além disso, tem um povo criativo e capaz, se o deixarem, de produzir riquezas para que todos possam ter o que precisam sem ter de ver a fome aflorar nos olhos de seus filhos.

Sou exagerado? Não. Ainda fico aquém porque nem eu nem a maioria dos meus leitores conhecemos por dentro as entranhas dos dramas da pobreza e até da miséria de milhões de pessoas expostas ao mesmo tempo à violência cruzada do crime organizado e da ausência do Estado.

E enquanto isso, onde estão as vozes dos justos que não ouvimos seus gritos de condenação a tanto genocídio? Onde está aquele punhado de políticos e líderes decentes e não corruptos que não levantam a voz? Onde estão aqueles que foram escolhidos para fazer justiça e defender os mais fracos e que vivem de mãos dadas com os outros poderosos, defendendo mutuamente seus privilégios?

Às vezes me vêm à memória as vozes do Deus da Bíblia quando, na cidade corrupta de Sodoma e Gomorra, não encontrava um único justo capaz de salvar os demais. Ou me lembra o lamento daquele profeta dos descartados e abandonados à própria sorte quando dizia: “Tenho compaixão por eles porque são como ovelhas sem pastor”. Onde estão no Brasil os pastores, os governantes, os políticos, os juízes e até os religiosos capazes de proteger os mais expostos sempre à patada dos lobos?

Se os pecados da Lava Jato não redimem os corruptos, tampouco uma vitória nas urnas autoriza a tirania e a perseguição aos diferentes e mais expostos a serem escravizados. A classe brasileira que está em boa situação, a que nunca passou necessidades e pôde até dar caprichos aos seus filhos, os políticos e juízes corruptos, nunca compreenderá a imensidão da dor acumulada no coração dos que trabalham e não conseguem nem uma vida digna.

É triste para o Brasil, como país, se distinguir por ser um dos países mais corruptos do mundo ao mesmo tempo em que é um dos povos mais religiosos do planeta.

Os evangelhos cristãos dizem que o demônio, para tentar Jesus, o levou ao alto da cidade e, mostrando-lhe todos os reinos a seus pés, lhe disse: “Tudo isso te darei se, prostrando-te, me adorares”; o Brasil aparece hoje rendido à tentação dos demônios da corrupção diante dos quais todas as instituições parecem de joelhos.

E o pior e o mais sarcástico é que este é um país que chegou a ser invejado de fora porque se dizia que “Deus era brasileiro”. Será que voltará a ser algum dia? Recursos não faltam. O que falta é decência aos responsáveis pelo seu destino.