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Caio Gomez/CB/D.A Press

Nas entrelinhas: fusões partidárias fortalecerão ainda mais o Centrão

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Temos atualmente 28 partidos. Formalmente, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com um deputado, requer a fusão com o Patriota (quatro deputados) para formar o partido Mais Brasil. Solidariedade (quatro deputados) pede a incorporação do Partido Republicano da Ordem Social, o PROS (três deputados). O Podemos (12 deputados) solicita a incorporação do Partido Social Cristão, o PSC (seis deputados). Mas a movimentação mais importante é a federação ou fusão do PP (47 deputados) e do União Brasil (59 deputados), que resultará na formação da maior bancada da Câmara, com 106 deputados.

Dos 28 partidos e federações que concorreram nas eleições passadas, apenas 13 receberão recursos do Fundo Partidário em 2023, 15 não elegeram deputados federais, nem obtiveram votos suficientes para alcançar a chamada cláusula de desempenho. Os partidos que sobreviveram estão canibalizando os demais. As maiores bancadas na Câmara são do PL, de Jair Bolsonaro, com 99 deputados, e da federação PT-PV-PCdoB, com 81 deputados, que protagonizam a polarização entre o governo Lula e a oposição.

A fusão ou formação de uma federação do PP, liderado pelo ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), com o União Brasil, sob comando do deputado Luciano Bivar (PE) e o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, consolida a hegemonia do Centrão no Congresso, alicerçado no controle sobre a distribuição de emendas do relator no Orçamento da União.

Essa hegemonia no Congresso cria condições mais favoráveis para o Centrão arrancar concessões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja na ocupação de cargos do governo, seja na aprovação de seus projetos, que geralmente caminham lado a lado. Além disso, o controle sobre as emendas, ao lado das mordomias e privilégios dos detentores de mandatos, além dos recursos dos fundos partidário e eleitoral, desequilibrarão a disputa nas eleições municipais.

Outras fusões e incorporações também deverão ocorrer e compor um espectro partidário mais reduzido e de perfil político mais claro. Considerando o perfil das legendas, a direita mais ideológica será representada pela aliança do PL com o Republicanos, sob forte influência do ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja capacidade de transferência de votos nas eleições ficou provada em 2018, 2020 e 2022.

MDB e PSD, com 42 deputados cada, são as forças mais importantes de centro e centro-direita, respectivamente, o que deixa muito pouco espaço para o surgimento de um partido social-liberal, ao centro. PSB, PDT e a Federação Rede-PSol ocupam o espaço da centro-esquerda, ao fazer aliança com Lula. A federação PSDB-Cidadania, com 18 deputados, saiu muito enfraquecida da eleição e vive uma indefinição em relação ao rumo a tomar, uma vez que a opção de ampliação da federação com o Podemos não se consolidou e o projeto da “terceira via” subiu no telhado, com a participação de Simone Tebet no governo Lula. Além disso, suas bancadas se deslocaram da centro-esquerda para a centro-direita.

Crescer ou crescer

Quando Lula se refere à “cooperativa de partidos”, está passando recibo de que essa movimentação pode se tornar uma dor de cabeça nesse começo de mandato. A grande maioria do Congresso se move por interesses, velhas práticas como o patrimonialismo, o fisiologismo e o clientelismo estão vivíssimas. Tudo converge para as emendas de relator, nas quais os verdadeiros autores não são conhecidos. Mesmo nos partidos mais programáticos, o transformismo se impôs durante a gestão de Lira, reconduzido ao cargo com amplíssima maioria. Não existe mais “baixo clero” porque, agora, quem manda são suas principais lideranças, muitas das quais desconhecidas do grande público.

Nesse contexto, Lula navega em meio à calmaria que antecede a borrasca. Haverá uma queda de braço entre o governo e a oposição, na qual o Centrão será o fiel da balança. A mão pesada do governo sempre influencia as votações, ainda mais com um presidente recém-eleito, mas isso depende da preservação da popularidade de Lula, que venceu por estreita margem e enfrenta uma oposição radical nas redes sociais, que já demonstrou ser capaz de ganhar as ruas.

A maior ameaça à governabilidade é a situação da economia, principalmente o baixo crescimento, que inviabiliza as promessas de campanha de Lula. As medidas tomadas pelo governo até agora, tanto na área econômica — como a cobrança de impostos sobre combustíveis — quanto na área social — caso do novo Bolsa Família —, não têm sustentabilidade enquanto a taxa de juros estiver em 13,75%.

Com um crescimento do PIB de 2,9% em 2022, o mercado começa a projetar uma inflação da ordem de 4,9% para este ano, bem abaixo do último Boletim Focus, que era de 5,9%. Se isso ocorrer, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, estará na berlinda novamente, porque a taxa de juros se tornará uma ameaça ainda maior ao governo Lula. Não por acaso, a artilharia petista novamente se voltou contra ele, porém, sua blindagem é o Centrão.

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PCB protagonizou luta pela democracia | Imagem: Caio Gomez

Nas entrelinhas: PCB, da luta armada à defesa da democracia

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Biógrafo do jornalista Carlos Castelo Branco (Todo aquele imenso mar de liberdade) e do senador Teotônio Vilela (Senhor República), o escritor e jornalista político Carlos Machi lança hoje o seu mais novo livro: Longa jornada até a democracia (Fundação Astrojildo Pereira), o primeiro volume de uma história dos 100 de fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), desde as ideias que lhe dariam origem, em 1922, até a realização do VI Congresso, em dezembro de 1967. Será às 19h, no Beirute, tradicional reduto de estudantes, jornalistas e boêmios de esquerda, na Asa Sul do Plano Piloto de Brasília.

Quem imagina uma obra apologética e maniqueísta, irá se surpreender. O livro conta a história do PCB como quem prepara o peixe com um olho no gato e o outro na frigideira. O duplo olhar de Marchi contextualiza o papel do PCB na história do Brasil e, ao mesmo tempo, mostra as contradições de seus dirigentes com a antiga União Soviética, e entre eles próprios. Um processo no qual uma das vítimas foi o próprio fundador do partido, o jornalista e escritor Astrojildo Pereira, que caiu em desgraça após uma viagem a Moscou, em 1930, mesmo depois de capitular diante dos dirigentes do Comintern, que consideravam muito próxima uma revolução comunista no Brasil.

Carlos Marchi lançará livro Longa Jornada até a Democracia, em Brasília

Livro Longa Jornada até a Democracia, de Carlos Marchi, será lançado em São Paulo

Havia, sim, uma revolução em gestação, mas era a de 1930, liderada por Getúlio Vargas, com adesão dos líderes tenentistas. Entretanto, não obteve apoio de Luiz Carlos Prestes, que havia se aproximado dos comunistas. Astrojildo lhe entregara uma mala de obras marxistas durante o exílio do comandante da Coluna Prestes na Bolívia. Por pura ironia, Prestes voltaria ao Brasil anos depois, para fazer a tal revolução, enquanto Astrojildo amargava o ostracismo político: vendia bananas e escrevia críticas literárias e ensaios sobre a sociedade brasileira.

O livro tem um olhar crítico sobre a atuação de Prestes, sem embargo de reconhecer seu papel decisivo na história do Brasil. O líder comunista teve o destino do país nas mãos em 1930, quando recusou o comando da Revolução, e em 1945, quando saiu da cadeia e decidiu apoiar Vargas, na redemocratização. Quando o ex-ditador voltou ao poder, eleito em 1950, os comunistas lhe fizeram oposição. Só foram defendê-lo depois do suicídio, em agosto de 1954.

A tórrida paixão entre Prestes e Olga Benário, a judia alemã treinada pelos serviços de inteligência do Exército Vermelho e escalada para fazer sua segurança, chamava atenção. Era um casal improvável: ele, baixinho; ela, muito alta — razão pela qual a volta de Prestes de Moscou para o Brasil foi uma longa viagem, que durou quatro meses e virou lua de mel. Percorreram várias capitais europeias, atravessaram o Atlântico até Nova York, de onde desceram para Montevidéu. A entrada clandestina no Brasil, com escalas em Buenos Aires e Florianópolis, foi rocambolesca.

Aggiornamento

Marchi põe o holofote nas divergências na cúpula do Comintern sobre a linha a ser adotada por Prestes e no papel de um agente inglês infiltrado no grupo de revolucionários que o assessorava. O alemão Johann De Graaf, que era oficial do Exército Vermelho, desembarcou no Brasil com o nome falso de Franz Paul Gruber. Foi encarregado de montar uma caixa-forte que explodiria com os documentos de Prestes e os planos da insurreição, mas isso não aconteceu. Johann manteve os serviços de inteligência britânicos informados sobre tudo e chegou a receber uma carta de agradecimento de Vargas. Olga, grávida quando foi presa com Prestes, foi deportada para a Alemanha. Morreu num campo de concentração nazista, onde nasceu Anita Leocádia Prestes.

Ao longo do livro, o foco de Marchi é o progressivo “aggiornamento” do PCB, da opção pela armada, em 1935, ao compromisso com a democracia, na Declaração de Março de 1958. Como bom repórter, revela, em primeira mão, a localização do “aparelho” no qual foi realizado o 6º Congresso do PCB, em São Paulo, em 1967, quando o partido adotou a linha de ampla frente democrática para a redemocratização do país e rechaçou a opção pela guerrilha urbana contra o regime militar, defendida pelo líder comunista Carlos Marighela e alguns dirigentes históricos do PCB, sem a menor chance de dar certo.

Contraditoriamente, na preparação do congresso, o dirigente comunista Salomão Malina, ex-integrante da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e herói da tomada de Montese, na Itália, durante a II Guerra Mundial (recebeu a Cruz de Combate de 1ª Classe), perdeu os dedos da mão direita e teve o pulmão perfurado ao desativar uma granada defeituosa. Em coma, foi operado clandestinamente no Hospital das Clínicas de São Paulo.

Sapador, Malina estava encarregado de garantir a fuga de Prestes caso o congresso fosse localizado pelos órgãos de segurança do regime militar. Mais tarde, seria o último secretário-geral do partido e, em 1991, apoiaria a mudança do nome e da sigla do PCB para PPS, atual Cidadania.

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CB 61 + 1, quando os fatos mudam | Imagem: reprodução

Nas entrelinhas: CB 61 + 1, quando os fatos mudam

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A exposição comemorativa do Correio Braziliense sobre os 62 anos de Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil, reúne as capas deste jornal desde a inauguração da nova capital do país, em 1960, quando circulamos pela primeira vez. É um mosaico da trajetória histórica das estruturas do poder central e suas ações, para os quais a cidade foi projetada e construída, graças à audácia de Juscelino Kubitschek e à genialidade de Lucio Costa e Oscar Niemeyer.

CB 61 1 mostra um ciclo completo da vida política, econômica e cultural do Brasil, a partir de seus protagonistas no planalto central, que se tornou o polo dinâmico do Centro-Oeste, mas também a evolução e o comportamento de uma sociedade inicialmente formada por peões e funcionários públicos, que, pouco a pouco, se tornou muito mais complexa, até se transformar na grande metrópole cosmopolita atual e um fator da integração territorial nacional. Duas gerações de candangos, compreendidos como os cidadãos naturais de Brasília, produziram uma espécie de síntese do nosso processo civilizatório, mais ou menos como imaginava o fundador da Universidade de Brasília (UnB), Darcy Ribeiro.

Os fatos políticos ao longo desses 62 anos foram todos devidamente registrados pelo Correio Braziliense, que acompanhou os bastidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, bem como a reação da sociedade às decisões dos poderosos, ao longo da história. As manchetes e fotografias publicadas nesse período são flagrantes da História do Brasil, revisitada a cada aniversário da cidade ou fato político relevante do presente, para os quais o fio da história nos permite melhor compreendê-los.

O falecido historiador britânico Tony Judt, que lecionou em Cambridge, Oxford, Berkeley e New York University, inspirou-se em John Maynard Keynes para escrever a coletânea de ensaios Quando os fatos mudam, cujo título tomamos emprestado para a coluna. A frase completa é: “Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião. E o senhor, o que faz?”

Os textos oriundos de suas intervenções públicas na imprensa foram compilados por sua viúva, a historiadora Jennifer Homans, e publicadas postumamente nessa obra. Embora datadas, as preocupações por ele levantadas se atualizam e permanecem como espécie de fios condutores a auxiliarem a compreensão de um mundo que parece, a cada dia, se desfazer em pedaços. Judt faleceu em 2010, aos 62 anos, como um dos maiores intérpretes do século XX, com destaque para o monumental pós-guerra. Uma História da Europa desde 1945. Quase todos os assuntos que abordou, de alguma maneira, influenciaram a trajetória do nosso país.

Novo olhar

A exposição do Correio Braziliense cobre duas gerações, pelas quais passaram a renúncia de Jânio Quadros, o golpe militar que destituiu João Goulart em 1964, a implantação do regime militar, o chamado milagre econômico, a liquidação da oposição armada, o avanço da oposição democrática, a crise do modelo de capitalismo de Estado, a campanha das Diretas Já, a eleição de Tancredo Neves, a transição à democracia com Sarney, a hiperinflação, o esgotamento do modelo de substituição de importações, a abertura comercial e o impeachment de Collor, o combate à inflação e as privatizações do governo de Fernando Henrique Cardoso, o esgotamento das políticas liberais e a ascensão de Lula, a derrocada de Dilma Rousseff e a reforma trabalhista de Michel Temer, a eleição de Jair Bolsonaro e a volta dos militares ao poder.

Esse um resumo brevíssimo, mas que lições podemos tirar desses fatos para que os erros não se repitam e o legado positivo desse ciclo histórico sirva de ponte para o futuro? Essa é a reflexão que um olhar atento à exposição das capas de Correio pode provocar. As notícias do Correio, ao longo desses 62 anos, são revisitadas porque marcam o nosso presente, porém, a interpretação dos fatos ocorridos não deve ser a mesma de quando aconteceram.

Judt nos mostra que, em muitos momentos da história, fatos singulares foram decisivos para mudanças inimaginadas por seus protagonistas. A Segunda Guerra Mundial, por exemplo, representou uma ruptura com toda a ordem mundial anterior, com desdobramentos duradouros. Agora, estamos diante de uma nova ruptura global, cujos desdobramentos são imprevisíveis, tanto quando era a Guerra da Ucrânia quando a antiga União Soviética foi dissolvida. A ordem econômica global, por exemplo, passa por mudanças que podem resultar em duas institucionalidades econômicas distintas, uma liderada pelos Estados Unidos, outra pela China, com as quais o Brasil objetivamente terá de se relacionar. Somente isso mudará nossa inserção nas cadeias de comércio e na economia mundial.

Nesse período de 62 anos, no plano político, o evento mais marcante foi o ciclo de 20 anos do regime militar, cuja herança ainda está viva na memória daqueles que viveram sob o autoritarismo. Quem imaginaria os desdobramentos da eleição de Jânio Quadros, em 1960, quando Brasília foi inaugurada? Em alguns momentos da atual conjuntura, temos a sensação de que a história se repete. Entretanto, para que isso ocorra, seria preciso que nada houvesse mudado; por exemplo, que Brasília — não somente suas estruturas de poder — não tivesse se transformado numa metrópole complexa, com uma sociedade vibrante e democrática, em sintonia com o futuro.

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Correio Braziliense: Eleição na Câmara vai ditar o rumo de projetos no Congresso

Disputa entre Baleia Rossi e Arthur Lira para a Presidência da Casa Legislativa definirá se o parlamento continuará com o esforço reformista, que marcou a gestão de Rodrigo Maia, ou abrirá espaço para a pauta de costumes, valorizada pelo Planalto

Sarah Teófilo e Renato Souza, Correio Braziliense

A depender de quem ocupar as cadeiras de presidente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, uma mudança de rumos poderá ser vista no Congresso a partir de fevereiro de 2021. Depois de um 2020 trágico, o Legislativo decidirá quem comandará as Casas pelos próximos dois anos, em meio a um cenário delicado nos âmbitos sanitário, econômico, político e social.

Dois caminhos mostram-se traçados, em especial na Câmara: de um lado, a manutenção de uma pauta reformista e liberal, e do outro, o surgimento, com mais força, de matérias da chamada “pauta de costume”, até o momento contida, muitas vezes, pelo atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é quem pauta as matérias para análise. Depois de ter sido impossibilitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de concorrer à reeleição, assim como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), as movimentações têm sido intensas para viabilizar uma sucessão.

Na quarta-feira, Maia e 11 partidos definiram o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) como o candidato que representará o grupo que pretende ser independente do governo e vai rivalizar com Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão e preferido do Planalto para comandar a Casa Legislativa em 2021. A aliança em torno de Baleia Rossi tem respaldo até de partidos de esquerda, como o PCdoB e PT, e do PSL. Essa duas últimas legendas compõem as maiores bancadas da Casa.

Arthur Lira também busca viabilizar uma vitória. Apesar do esforço de mostrar que não levará adiante as pautas de costume, um aceno importante de Bolsonaro ao seu eleitorado, Lira deve ceder para agradar o Palácio do Planalto se for o próximo presidente da Câmara. No âmbito econômico, analistas afirmam que Lira não tem o mesmo perfil reformista e liberal de Rodrigo Maia, embora valorize as pautas ligadas a esses temas.

Em relação às pautas de interesse do Planalto, Rossi e Lira sinalizam para caminhos opostos. Em caso de uma vitória do emedebista, a tendência seria manter uma agenda reformista e independente do governo. Se a Presidência estiver nas mãos do pepista, o alinhamento será grande com o Planalto, que terá maior facilidade de emplacar matérias de interesse, em especial temas controversos da “pauta de costumes”. Em qualquer cenário, vale frisar, os analistas acreditam que as pautas relativas à pandemia terão prioridade.

Sócio da Hold Assessoria Legislativa, o cientista político André César afirma que se o bloco alinhado com o atual presidente da Câmara vencer, deve-se esperar uma continuidade no esforço de aprovar reformas estruturantes. “A tributária pode ter chance; a administrativa, também. Tem, ainda, a PEC emergencial e outras matérias, como a de autonomia do Banco Central, e a Lei do Gás”, pontua. Segundo o analista, as pautas reformistas continuarão sendo debatidas com o roteiro já traçado.

No caso de vitória de Lira, César acredita que também haverá o discurso de reformas, mas essa iniciativa chegará atrasada, pois o roteiro já foi traçado. É possível que Lira queira reorganizar a ordem de prioridades estabelecida ao longo de 2020. A expectativa maior será em relação à “pauta de costumes”, componente ao qual o Planalto tem muito apreço. Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro sinalizou seus interesses no Congresso, ao dizer que uma possível mudança na Casa Legislativa, alinhada com o governo, permitiria aprovar o excludente de ilicitude, espécie de salvo conduto para policiais militares que matarem durante operações de segurança. “(Com a vitória de Lira), haverá reforço nesta agenda que o Maia, de certa forma, conseguiu segurar”, diz André César.

Pandemia
Ainda que haja diferenças importantes entre Rossi e Lira na Presidência da Câmara, em qualquer cenário, a pauta relativa à pandemia deve receber prioridade. É como avaliam André César e a professora de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart. Ela frisa, também, que o governo federal, em termos de agenda econômica e políticas públicas, tende a querer gastar pouco, ao mesmo tempo em que pretende mobilizar a pauta de costumes. Segundo ela, o debate moral segue uma estratégia política. “Porque gasta pouco, entrega pouco e não tensiona com o mercado”, explica.

De acordo Mayra Goulart, falta interesse ao governo tensionar por qualquer agenda — seja econômica, seja de costumes. Na avaliação da professora, quando o presidente fala, por exemplo, de excludente de ilicitude, trata-se de uma “bravata”. “É o tipo de coisa que já foi apresentada antes, e caiu sem muita briga por parte do governo. É mais bravata, é fácil de falar. Você agrada as suas bases conservadores, mas, ao final, não aprova nada, não acontece nada”, afirma.

O analista político do portal Inteligência Política Melillo Dinis acredita, por sua vez, que a pauta econômica será prioridade, independentemente da vitória de Rossi ou Lira. “Maior do que a vontade de cada grupo, todos nós estaremos submetidos a uma grande pressão — a pandemia. Por mais que ele (Bolsonaro) seja separado da realidade, a realidade vai bater à porta”, argumenta. No caso de vitória do bloco de Maia, Dinis acredita que o processo de contenção do governo federal continuará. Já em caso de vitória de Lira, a quem ele chama de “gestor de conveniências”, haverá sinal verde para movimentar a pauta de costumes.

Professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Calmon ressalta por que essas eleições do Congresso são fundamentais para o Planalto. De acordo com ele, Bolsonaro enviou diversas propostas ao Congresso que foram ignoradas. “Com a eleição de um aliado na Presidência da Câmara, essas propostas poderiam ganhar novo fôlego, assim como outras que estão praticamente prontas, mas, ainda, não foram encaminhadas pelo Palácio do Planalto porque se julgava que teriam pouca chance de aprovação em uma Câmara sob a liderança de Rodrigo Maia”, pontua.

O cientista político reitera que, com Lira, o governo deve enviar propostas que integram a “pauta de costumes”, assim como reformas do sistema político/eleitoral e do sistema penal/judiciário. Calmon acredita que o Planalto também deve aproveitar para enviar reformas nas relações federativas, “alterando o atual equilíbrio e restringindo a autonomia dos estados e municípios”. “E reformas econômicas, especialmente aquelas voltadas para redução do tamanho do Estado e imposição de austeridade fiscal”, diz.

No caso de uma vitória da aliança constituída por Maia, Calmon aposta no avanço das reformas econômicas, principalmente a tributária. “Por outro lado, (Maia) questionaria as pautas mais conservadoras, obstacularizando o avanço da agenda de reformas propostas pelo presidente”, avalia.

Senado discreto
No Senado, a disputa talvez fique centralizada entre Davi Alcolumbre e o MDB, que tem alguns nomes no páreo e é favorito na disputa. Os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra (PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (TO), que integram o partido, são possíveis candidatos. O líder da bancada do partido, Eduardo Braga (AM), também tem o nome lembrado, e a senadora Simone Tebet (MS), que se colocou à disposição e diz que o MDB não será oposição ao governo.

Paralelamente aos movimentos do MDB, Alcolumbre tenta viabilizar Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O nome de Antonio Anastasia (PSD-MG), vice-presidente da Casa, também foi citado. Entra na disputa o Muda Senado, grupo composto por 18 senadores de diferentes partidos que, se não lançar candidatura própria, deve apoiar um nome para tirar Alcolumbre de campo.

Para o cientista político André César, o Senado vive uma realidade distinta da Câmara. Não há uma dicotomia clara na disputa entre um nome alinhado ao governo e outro mais independente. Além disso, a tendência é de que se busque um nome mais consensual. Para ele, o grupo Muda Senado deve fazer barulho, mas sem peso, enquanto o governo busca viabilizar uma sequência à gestão Alcolumbre.

“Alcolumbre foi um líder que ajudou na agenda governista, contribuiu para minimizar ruídos, por exemplo o caso do Flávio (Bolsonaro), com as rachadinhas e tudo mais. O que o governo teme é que entre alguém do MDB menos alinhado, como o Eduardo Braga”, afirma. Ainda assim, segundo César, pensando em Braga e Simone Tebet, por exemplo, o cenário ao Planalto é mais propício com Braga que, para o analista, tem um perfil que possibilita uma negociação com o Planalto melhor do que seria no caso da senadora.

O cientista político Melillo Dinis afirma não enxergar mudança substancial no cenário, independentemente do nome que chegará à mesa do Senado. “O Senado não terá protagonismo algum; ficará na esteira do que a Câmara impuser ou do que o Planalto provocar. O Senado gostou desse ‘local’ de reivindicação de governadores. Virou uma Casa de repercussão. Alcolumbre e parte do Senado estavam atrás de construir temas locais, virou um clube de vereadores”, afirma.

O professor Paulo Calmon, da UnB, avalia que o Senado continuará muito influenciado pela sua atuação como Casa revisora. “Ou seja, revendo e corrigindo eventuais excessos ou equívocos ocorridos nas decisões da Câmara e do Palácio do Planalto”, afirma. De acordo com o professor, o Senado “continuará sendo avesso às propostas que geram efeitos importantes no equilíbrio federativo”.

Para ele, o Senado tem um equilíbrio de forças diferente daquele que prevalece na Câmara, e a ascensão de Alcolumbre “decorreu de um movimento de renovação, impulsionado pelo clima da eleição presidencial, e de enfrentamento de um grupo mais experiente de senadores que vinha liderando o Senado ao longo de muitos anos”.

“O momento, agora, é outro e muitos senadores simpáticos a essa ampla renovação mudaram de opinião. Ainda não está claro qual será o desfecho desse novo processo de realinhamento”, opina.

De olho em 2022
O mandato nas presidências do Senado e da Câmara é de dois anos — mais um motivo pelo qual a disputa é tão importante ao presidente Jair Bolsonaro. Os próximos chefes do Parlamento estarão nos cargos nas eleições de 2022, quando Bolsonaro deve disputar a reeleição.

Para o analista político Melillo Dinis, a vitória de Arthur Lira significaria um “salto” mais liso e agradável ao presidente. Ao mesmo tempo, o chefe do Executivo terá que trabalhar, porque não poderá culpar a Câmara por eventuais problemas ou falta de avanço na pauta do Planalto. Já a vitória do outro bloco significa mais dificuldade a Bolsonaro, mas ele continuará culpando a Casa. “O que é uma prática que ele faz com muita qualidade. O presidente é campeão em culpar os outros por seus atos”, afirma.

A professora da UFRJ Mayra Goulart afirma que uma vitória de Lira certamente deve ajudar Bolsonaro, no sentido de evitar o tensionamento e a manter as pautas de costume, que são promessas de campanha do presidente que ele ainda não conseguiu cumprir.