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Míriam Leitão: O dia da vitória da máquina pública

Depois de um dia histórico, a discussão de quem ganhou a briga política é menos importante. É importante pensar no acerto da máquina pública brasileira. Instituições centenárias, Butantan e Fiocruz que, ao longo de suas vidas, ampliaram a expectativa de vida do brasileiro que e lutaram contra o obscurantismo para implantar fazer uma medicina sanitária e preventiva no Brasil.

Uma grande vitória do país e muitos recados para Bolsonaro

Contra a Covid-19, venceram porque foram atrás de parceria com a China, contra a visão do presidente de ficar contra o país asiático. O Butantan fez parceria com gigante farmacêutica chinesa Sinovac, e a Fiocruz negociou com a AstraZeneca, que depois de receber dois milhões da India, que ainda aguarda, vai preparar as próximas doses importando o IFA, que também será mandada pela China. Com a transferência de tecnologia por parte da Astrazeneca deve começar a produzir no segundo semestre ou no primeiro ano que vem. 

Outra visão positiva da máquina pública foi a reunião da Anvisa. Havia temor no resultado porque houve aparelhamento político na agência, o contra almirante que presidente o órgão foi indicado pelo presidente Bolsonaro depois de ter participado de ato antidemocrático sem máscara ao lado do presidente. Portanto eram temores fundados. Mas a máquina pública, a agência foi  autônoma.

Ao longo dos votos, defenderam a ciência e uso da máscara e combateram remédios ineficazes como o que o governo denomina de “tratamento precoce”. O Brasil tem seis milhões de doses. E mais quatro milhões prontas no Butantan à espera de autorização. É preciso lutar para termos mais. Poderíamos estar em outra situação se o negacionismo do presidente não tivesse contaminado o governo. O comando do Itamaraty, por exemplo, não participou dos esforços de trazer a vacina.


O Globo: Vacinação contra Covid-19 é antecipada para esta segunda no Brasil

Ministério da Saúde entrega doses da CoronaVac aos estados e autoriza começo da imunização em todo o país após encontro com governadores no aeroporto de Guarulhos

Dimitrius Dantas, O Globo

SÃO PAULO — O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou durante evento que marcou o início da distribuição da CoronaVac aos estados e que a vacinação poderá começar já a partir desta segunda-feira, às 17h. O ministro participou de um evento conjunto com governadores antes do envio das doses da vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech em parceria com o Instituto Butantan.

Teste:  Quem é você na fila da vacina?

A antecipação da vacinação, que estava prevista para começar na quarta-feira, era um pedido dos governadores ao Ministério da Saúde.

— Hoje ainda distribuiremos todas as vacinas aos estados e hoje ainda podemos colocar a ideia de, ao final do expediente, os estados começarem no município principal do estado, a vacinar. Cada dia é importante. — disse o ministro durante o evento.

VacinasSaiba a distribuição de doses da CoronaVac por estado no Brasil

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que no domingo realizou um evento que marcou a primeira vacinação no Brasil, não foi ao evento e foi representado pelo seu vice, Rodrigo Garcia (DEM).

Durante o evento, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), também cobrou o Ministério da Saúde para que se comprometa com a reposição das doses da vacina e a possibilidade de utilização do primeiro lote para outros públicos. Até o momento, o Instituto Butantan não possui autorização para distribuir as doses que são produzidas no Brasil, apenas as vacinas importadas da China.

ImunizaçãoSaiba tudo sobre os efeitos colaterais, eficácia e plano de vacinação

Em sua resposta, o ministro da Saúde afirmou que a antecipação das outras fases da vacinação não seria possível.

Neste evento, foram distribuídas 4,5 milhões de doses aos estados, divididos de acordo com a população de cada unidade federativa. Outras 1,5 milhão de doses, proporção que pertence a São Paulo, ficaram no estado e já começaram a ser aplicadas neste domingo.

Ao todo, as 6 milhões de doses permitem a vacinação de 3 milhões de pessoas, já que cada pessoa precisa ser vacinada duas vezes.

Após o evento, o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, destacou que, no momento, ainda há poucas doses.

— Agora depende de disponibilidade de vacinas, que o Ministério vai definir. O importante é a sociedade entender que existem poucas doses — afirmou.

Governadores comemoram início da vacinação

Nas redes sociais, governadores celebraram o começo da campanha de imunização com a distribuição das doses da CoronaVac, mas também cobraram a autorização e produção de mais doses da vacina.

Segundo o governador do Maranhão, Flávio Dino, o objetivo deve ser começar a fabrigação de mais doses no Brasil no Instituto Butantan, no caso da CoronaVac, e na Fiocruz, no caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca.

— O início da vacinação é uma grande conquista. Mas é fundamental a viabilização urgente de mais vacinas, pois o número inicial é muito pequeno. Alternativa mais viável é a fabricação no Brasil, pelo Butantan e pela Fiocruz. Foco deve ser esse agora — escreveu o governador do Maranhão, Flávio Dino.

A maioria dos governadores, entretanto, apenas comemoram o envio das doses para seus respectivos estados. Cláudio Castro, por exemplo, governador em exercício do Rio reafirmou que as cidades do estado já poderão começar a sua campanha de vacinação. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, afirmou que a primeira vacina será aplicada aos pés do Cristo Redentor.

— Dia de esperança! O estado do Rio recebe hoje as doses da vacina contra Covid-19. Toda a preparação para a imunização está pronta e as cidades fluminenses poderão começar a proteger a população! — escreveu.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, também confimou o início da vacinação no estado para esta segunda-feira.

—Recebendo as primeiras doses da vacina contra a covid-19 para Minas Gerais. A vacinação pode começar ainda hoje, a partir das 17h — disse.


Jamil Chade: Vacina chega após arrogância e erros homéricos de uma diplomacia limitada

Brasil deixou de aderir inicialmente a uma coalizão global pelas vacinas em abril, que daria prioridade aos brasileiros com vacinas. Optou por uma política que minava a confiança na Coronavac e investiu num pacote negacionista que explica o colapso de Manaus e a dor de milhares de famílias

Aqui jaz os restos conceituais da política externa do governo de Jair Bolsonaro, responsável por isolar o país do grupo das grandes democracias do mundo e destruir a reputação de uma nação. Na lápide da diplomacia do Brasil, essa bem poderia ser a descrição para quem um dia for visitar o memorial dedicado às ideias, projetos e políticas que não sobreviveram à pandemia.

Entre 2020 e 2021, o Brasil foi vítima de um vírus que desconhecia ideologia, a noção de soberania e zombava de fronteiras. Mas só nas últimas semanas, o Governo descobriu que o país está de joelhos diante de uma pandemia que ganha força. Descobriu que está sem imunizante, sem oxigênio, sem plano e sem alternativas. Nada disso, porém, é culpa exclusiva do Sars-Cov-2. Depois de ter politizado a origem do vírus, a máscara e tratamentos, o governo tomou a decisão deliberada de repetir esse roteiro com o imunizante.

A demora e indefinição para começar a vacinação não foram acidentes de última hora. Trata-se de o resultado dramático de decisões políticas adotadas ao longo de meses. O primeiro passo nesse longo processo foi o de não aderir inicialmente ao projeto de uma coordenação global. Em abril de 2020, a OMS iniciou a construção de um sistema que permitiria uma distribuição equitativa da vacina pelo mundo. Uma espécie de fundo de vacinas que permitiria que, uma vez autorizados os produtos, a coalizão garantiria a distribuição do imunizante para todos os países, atendendo inicialmente a 20% das populações de cada nação.

A ideia era simples: se for deixado às forças do mercado ou ao sistema internacional, os países emergentes e pobres poderiam ficar para o fim da fila na vacinação. Exemplos já existiam disso. Quando o H1N1 se abateu sobre o mundo, países ricos foram os primeiros a imunizar suas populações. Quando a vacina chegou aos países pobres, o surto já tinha terminado.

Aids também trouxe uma história similar. Por anos, as economias mais pobres ficaram sem acesso aos tratamentos, enquanto o coquetel já era uma realidade nos EUA e Europa. Quando os remédios finalmente desembarcaram na África, os países mais pobres já somavam 9 milhões de mortes.

Na OMS, técnicos e diretores estavam convencidos de que, na atual pandemia, esses erros não poderiam se repetir. Mas a ordem no Itamaraty era a de não permitir que, durante a pandemia, os organismos internacionais ganhassem força ou fossem os locais de coordenação de uma resposta global. Mergulhado em seu combate contra o “globalismo” que destruiria as identidades nacionais, o Itamaraty ficou de fora de reuniões internacionais e, quando participou, fez questão de usar o palanque para rejeitar qualquer ideia que significasse um reconhecimento da necessidade de um plano global contra o vírus.

Naquele mês de abril de 2020, o Ministério da Saúde informaria que não faria parte da aliança, batizada de Covax. Sua explicação: temos outros acordos bilaterais sendo costurados. Nunca explicaram quais eram esses planos. Pressionado, porém, o Brasil acabou cedendo alguns meses depois e aderiu ao projeto, mas sem grande entusiasmo. Ao fazer seu pedido por vacinas no fundo global, solicitou o mínimo que poderia ser comprado: o equivalente a 10% de sua população. Pelas regras, países poderiam ter solicitado até 50% de sua população.

Hoje, sem apoio internacional suficiente, sem recursos e diante de governos pseudo-nacionalistas como o do Brasil, a aliança sofre para começar a distribuir vacinas. Em Genebra, não são poucos os negociadores que acreditam que um envolvimento mais direto do Brasil no projeto poderia ter convencido outros a aderir e teria transformado a aliança numa realidade imediata.

Se a via multilateral não interessava, a escolha por acordos bilaterais também se mostrou inapta e permeada por considerações ideológicas. Tentando frear a expansão da influência da China no mundo e mais preocupado em atacar o “comunavírus”, o Governo optou por promover uma campanha contra as vacinas chinesas. Diversas empresas, nos últimos meses, relataram como entregaram propostas ao Governo e se surpreenderam com respostas frias por parte do Planalto. No governo federal, a ideia era de apenas a vacina da AstraZeneca seria suficiente.

Enquanto isso, pelo mundo, países tomaram a decisão de evitar a todo custo colocar todas suas apostas em apenas uma ou dois fornecedores de vacinas. Em Bruxelas, por exemplo, a União Europeia fechou acordos com seis empresas diferentes. Nos EUA, mesmo o governo de Donald Trump decidiu estabelecer acordos com seis fornecedores.

Na Coreia do Sul, o país garantirá seu abastecimento com três empresas, além de desenvolver projetos de uma vacina nacional com outros 15 laboratórios nacionais. Na China, além de ter quatro vacinas já em negociações com a OMS para conseguir uma aprovação global, o governo fez questão de fechar um acordo com os alemães da BioNTech para um abastecimento extra de 100 milhões de doses. Outros também estão sendo negociados com empresas ocidentais.

Sim, existe uma profunda escassez de vacinas no mundo. Mas é justamente num momento de crise que a capacidade de um país navegar e recorrer a aliados se mostra vital. No caso do Brasil, a aposta se mostrou desastrosa. Quando precisou de ajuda, descobriu que seus parceiros nacionalistas eram, de fato, nacionalistas.

Num dos episódios mais reveladores do amadorismo do Itamaraty, o governo preparou um avião para ir buscar os insumos da Índia, necessários para a vacina da AstraZeneca. Com pires na mão, Bolsonaro escreveu ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. Mas, por enquanto, Nova Delhi rejeitou fazer a entrega ao Brasil, dando (obviamente) prioridade para o início de sua campanha nacional de vacinação.

Opções começam a ser buscadas em Israel e mesmo nos EUA. Mas, ao apagar das luzes do Governo Trump e o desembarque de Joe Biden, o Governo já começa a descobrir a tradução da palavra pária. As opções para pedir ajuda ainda são limitadas. Afinal, a chancelaria fez questão de dedicar parte de seu tempo, esforço e dinheiro dos contribuintes brasileiros nos últimos anos para ofender líderes estrangeiros e queimar pontes que tinham sido construídas por décadas com parceiros internacionais.

O mais irônico e trágico disso tudo é que a história poderia ter sido radicalmente diferente. O Brasil é um dos únicos países do mundo com uma capilaridade no sistema de saúde, experiência, conhecimento científico e capacidade de mobilização para vacinar milhões de pessoas por dia. A crise brasileira, não por acaso, chama a atenção internacional. Nos bastidores da OMS, diretores não escondem o espanto sobre a situação do Brasil. “Vocês são um país com ótimos cientistas, orgulhosos de seu passado de saúde pública. O que ocorreu?”, perguntou um dos líderes da agência no esforço contra a pandemia.

A resposta não se limita à dimensão da incompetência daqueles no poder. O fracasso é um resultado direto de uma política externa que tem como pilar a ideologia, e não os interesses dos cidadãos.

Quando for iniciada, nesta quarta-feira, a maior campanha de vacinação da história do país dependerá num primeiro momento de uma vacina chinesa, justamente aquele que havia sido desprezada, ironizada e evitada pelo governo federal. Independente da ironia de uma cena digna do realismo mágico, a demora do país em começar a vacinação e a falta de imunizantes suficientes não são acidentes. Mas consequência de uma diplomacia que mostrou todos os seus limites e fracassou ao ser confrontado por seu maior teste. Gestos como o de minar a confiança em uma vacina apenas por sua origem ou se negar a promover uma resposta global fazem parte de um pacote negacionista que explica o colapso de Manaus e a dor de milhares de famílias brasileiras. Nesse caso, o impeachment seria insuficiente.

*Jamil Chade é correspondente na Europa desde 2000, mestre em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra e autor do romance O Caminho de Abraão (Planeta) e outros cinco livros.


El País: Vacinas trazem alento ao Brasil em dia de redenção para a ciência e revés político para Bolsonaro

Aprovação de uso emergencial de imunizantes pela Anvisa coroa triunfo simbólico dos cientistas sobre negacionismo, mas vacinação ainda tem obstáculos logísticos e políticos pela frente

Breiller Pires e Carla Jiménez, El País

A decisão da Anvisa, que, neste domingo, aprovou por unanimidade o uso emergencial das vacinas de Oxford e AstraZeneca no Brasil, é celebrada não apenas como um alento diante do recrudescimento da pandemia de coronavírus, mas também como uma vitória do aparato científico sobre o negacionismo e os discursos antivacinas que ecoam até mesmo no Governo federal. Decisiva para o desenvolvimento dos imunizantes contra a covid-19, a ciência foi aclamada, sobretudo, nas análises técnicas e justificativas de votos favoráveis ao aval para o início da vacinação em território brasileiro.

“No nosso vocabulário, não há espaço para negação da ciência nem para a politização das vacinas. Verdadeiramente, não há”, disse Alex Machado Campos, ex-chefe de gabinete de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde, ao proferir o voto que decretou maioria para a aprovação das vacinas. Antes, o diretor da Anvisa elogiou o rigor científico do parecer conduzido pela relatora Meiruze Freitas, que, ao esmiuçar seu relatório, cobrou que autoridades e governos sensibilizem a população sobre a importância de se vacinar. “A vacinação contra a covid-19 ajudará na proteção individual e coletiva. Uma vacina só é eficaz se as pessoas estiverem dispostas a tomá-la”, discursou. Ela ainda criticou a prescrição de medicamentos sem comprovação científica.

Durante a apresentação técnica da análise das vacinas, o gerente geral de Medicamentos e Produtos Biológicos, Gustavo Mendes, destacou que o panorama de “muita tensão pela falta de insumos necessários para o enfrentamento da doença” no Brasil justifica a autorização para o início de aplicação dos imunizantes. Ao longo da reunião, a Anvisa deixou claro que um dos motivos que embasaram a decisão de liberar o uso emergencial é a “ausência de alternativas terapêuticas” para o vírus, contrapondo a tese de “tratamento precoce” —sem comprovação científica— defendida pelo Governo Bolsonaro.

Miguel Nicolelis, colunista do EL PAÍS e coordenador do projeto Mandacaru, um coletivo de pesquisadores voluntários no combate à pandemia, encara a aprovação em caráter de emergência das vacinas no Brasil como um marco para a ciência global. “É um ponto de partida muito importante, uma vitória da ciência em termos gerais”, diz o neurocientista. “Presenciamos uma ampla colaboração entre a ciência chinesa, que desenvolveu a tecnologia das vacinas com uma agilidade sem precedentes, e a ciência brasileira. Se Butantan e Fiocruz não tivessem sido capacitados ao longo de décadas, não viveríamos esse momento. É uma prova de sucesso do método de colaboração científica sem fronteiras, e de que as instituições de Estado devem ser sempre apoiadas, independentemente de quem governa o país.”

Nas redes sociais, a autorização da Anvisa também foi comemorada sob ares triunfais pela comunidade científica. “Estamos vendo a história ser escrita e transparência é fundamental. Assim como critérios técnicos”, escreveu o pesquisador Atila Iamarino ao elogiar a exposição minuciosa da agência reguladora. “Nós temos a solução que a ciência nos trouxe: vacinas seguras e eficazes.” Segunda pessoa a ser vacinada no Brasil, logo após a enfermeira Mônica Calazans, o também enfermeiro Wilson Paes de Pádua, 57, exaltou o trabalho científico por trás da batalha contra o coronavírus. “Nós temos de lutar pela vacina, lutar pela ciência, para melhorar a saúde e sair dessa pandemia. Eu me sinto muito orgulhoso de fazer parte desse momento histórico.”

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) acompanhou a reunião da Anvisa ao lado de uma comissão científica, congregando, segundo ele, “alguns dos mais renomados cientistas do país”. Assim que foi anunciada a aprovação, Doria publicou um vídeo para comemorar o início da imunização de profissionais da saúde no Estado. “Dia histórico para ciência brasileira”, afirmou o governador. “A vacina do Butantan é uma vitória da ciência. Vitória da vida. Vitória do Brasil.” Para ele, particularmente, uma vitória política sobre o presidente Jair Bolsonaro, com quem passou a travar corrida para exibir a primeira foto de uma pessoa vacinada no país.

O baque do espetáculo midiático protagonizado por Doria, que chegou ao fim do dia com mais de 100 pessoas imunizadas em São Paulo, foi rapidamente acusado pelo Governo. Enquanto o governador paulista posava para as câmeras com a enfermeira Mônica Calazans, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, abria uma coletiva de imprensa irritado com o que qualificou como “jogada de marketing” do rival de Bolsonaro. “Nós poderíamos iniciar a primeira dose em uma pessoa hoje mesmo, num ato simbólico. Em respeito a todos os governadores, não faremos isso. Não podemos desprezar a lealdade federativa”, disse o ministro.

Pazuello ainda fez uma espécie de desabafo, em que cobrou do Instituto Butantan, ligado ao Governo de São Paulo, exclusividade sobre as 6 milhões de doses atualmente disponíveis da Coronavac. Para o ministro, a aplicação de doses neste domingo “está em desacordo com a lei” e acusou “movimentos políticos e eleitoreiros” de capitalizarem com a pandemia. “Ouço calado, o tempo todo, a politização da vacina. A produção do Butantan, por exemplo, foi bancada com recursos do Ministério da Saúde.” Doria, por sua vez, rebateu o ministro, afirmando que não houve investimento da pasta nem nos testes nem na fabricação da Coronavac. “Não há um centavo do Governo Federal na produção da vacina”.

De acordo com o Ministério da Saúde, a distribuição proporcional das vacinas aos Estados começará a partir das 7h desta segunda-feira, e a data inicial da vacinação segue mantida para quarta, 20 de janeiro, apesar do atraso na remessa de 2 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca e do embate político com São Paulo pelo estoque de 6 milhões da Coronavac. Por enquanto, Doria só assegura o envio de 4,7 milhões de doses, pois 1,3 milhão ficam em São Paulo. O governador dedicou grande parte do tempo de coletiva de imprensa para criticar o Governo Bolsonaro e identificá-lo como afeito à morte, uma característica cruel em plena pandemia.

Pazuello, por sua vez, também fará seu ‘marketing’ num ato simbólico às 7 da manhã em Guarulhos, na grande São Paulo, para marcar a distribuição das doses da Coronavac. O ministro espera que, até o fim da semana, a Índia libere o lote retido dos insumos produzidos pelo Serum Institute. O Ministério da Saúde não detalhou como pretende distribuir o percentual de cada Estado nem como será a logística de entrega das vacinas. A única sinalização do Governo é de que o Ministério da Defesa auxiliará o transporte por via aérea.

Ainda na entrevista coletiva, o ministro Eduardo Pazuello afirmou que a China não tem dado celeridade aos trâmites burocráticos para fornecimento de matéria-prima das vacinas ao Brasil. Remessas de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), necessário para a produção tanto do imunizante de Oxford quanto da Coronavac, ainda não chegaram à Fiocruz. Segundo o ministro, o ministério está mapeando essas “resistências” para avançar na produção.O ministro só esqueceu que o Governo Bolsonaro, os filhos do presidente e seus seguidores, tem se notabilizado por ataques à China, inclusive com deboches ao composto desenvolvido pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, pejorativamente chamado de “vachina” pela tropa de choque bolsonarista.

Neste domingo, o esforço de bolsonaristas em assumir a paternidade do imunizante era escancarado. “Governo Bolsonaro bancou a vacina do Butantã!”, escreveu em letras maiúsculas o senador Flavio Bolsonaro, filho do mandatário. Uma ironia aos brasileiros que viram seu pai questionar até os efeitos nos sistema imunológico de quem tomasse a Coronavac, incluindo virar “jacaré”.

Para além da vitória de Doria neste domingo, a guerra pública entre ele e Bolsonaro até mesmo durante o dia de uma boa notícia nacional deixa claro que o caminho para a vacinação tem percalços políticos pela frente. O tucano anunciou que enviaria diretamente 50.000 doses da Coronavac a Manaus por não confiar no ministério numa provocação explícita. As frases causam desconforto em quem conhece as engrenagens da saúde pública por entender que não há benefício numa relação tensa entre um Estado que vai responder pela produção de vacinas e o governo federal.

Em que pesem as barreiras políticas e logísticas para a distribuição dos lotes, a vacinação em massa da população brasileira tem pela frente processos ainda mais complexos que a autorização de uso emergencial. Vacinas como a de Oxford e a Coronavac ainda precisam requisitar a aprovação definitiva na Anvisa, algo que não ocorrerá de imediato, já que a agência reguladora informou que há pendências de documentação para a manutenção do aval provisório votado neste domingo. Por outro lado, o país observa um crescimento alarmante dos números de casos e mortes por coronavírus em todas as regiões.

Para Nicolelis, a aprovação das vacinas não pode gerar a ilusão de que o Brasil está próximo de superar a pandemia. “A decisão da Anvisa é uma vitória a ser celebrada, mas existem ações em paralelo que precisam ser tomadas imediatamente”, afirma o cientista, que defende que o país deveria adotar um lockdown nacional, de duas ou três semanas, para frear a onda de novas infecções e ganhar tempo para a imunização gradual, citando o drama vivido pelo Reino Unido —onde a vacinação começou em dezembro, mas o número de contágio ainda não desacelerou de maneira significativa. “O impacto desse avanço sincronizado do vírus pelo Brasil tende a ser pior que o da primeira onda. A vacina vai demorar meses para fazer efeito por aqui e neste momento, temos um percentual mínimo de doses. É hora de reimplementar as medidas restritivas. Não podemos abandonar o barco enquanto a vacina está longe de contemplar a maioria da população.”

MAIS INFORMAÇÕES


Hélio Schwartsman: O papelão do Instituto Butantan

A patacoada do instituto é um desserviço à ciência

O que a onda populista que varre o mundo ensina é que é possível sabotar o sistema sem violar formalmente nenhuma de suas regras. Hugo Chávez não cometeu crime quando reduziu limites às reeleições; Viktor Orbán seguiu os trâmites legais quando redesenhou o Judiciário húngaro para servi-lo.
O corolário disso é que, se o cidadão pode ter seu campo de ação limitado só pelas leis, figuras que desempenham papel-chave no sistema precisam cumprir as regras na forma e no espírito.

A necessidade do "fair play" não está restrita à política. Ela é ainda mais vital na ciência. Se pesquisadores fraudam ou embelezam os dados de seus trabalhos, minam a confiança na própria comunicação da ciência, que é o que a viabiliza como atividade colaborativa e cumulativa.

Se cada cientista tivesse de refazer pessoalmente todos os passos de seus antecessores, nós ainda estaríamos discutindo se a Terra é redonda, não só nas redes sociais, onde todos os delírios são permitidos, mas também na academia.

Faço essas reflexões como um lamento. Foi patética a participação do Instituto Butantan na entrevista coletiva da semana passada, em que se anunciou uma eficácia de 78% para a Coronavac. Na mais honesta entrevista desta semana, quando mais dados foram revelados, ficamos sabendo que a eficácia apurada no estudo foi de 50,4%. Os 78% representavam o recorte de casos que demandaram alguma assistência médica, não o total de sintomáticos.

Até acho que os 78% são um número mais relevante que os 50,4%, mas o "fair play" científico não tolera que se propagandeie o primeiro sem nem mencionar o segundo, como se fez na primeira coletiva. Que um político medíocre e marqueteiro como João Doria tenha aprontado essa é esperado. Que o Butantan, que conhecia os dados, tenha chancelado a patacoada é um desserviço à ciência. Penitencio-me diante do leitor por ter reproduzido os 78% sem questionamento.


Zeina Latif: O próprio umbigo

Decisões autoritárias atendem ao desejo de uns poucos, em detrimento do cidadão

O governador João Doria ganhou a eleição prometendo diminuir o desperdício de recursos públicos, reduzir o papel do Estado e estimular o empreendedorismo. Com esse espírito, tem conseguido aprovar importantes iniciativas na Assembleia Legislativa. Não se pode acusá-lo de estelionato eleitoral ou inação.

A má notícia é a ação, de legitimidade questionável, de agentes públicos e de grupos do setor privado para bloquear medidas que já passaram por deliberação pública. Uns poucos que defendem seus interesses sem considerar as consequências sobre o restante.

O Complexo Constâncio Vaz Guimarães (Complexo Esportivo do Ibirapuera) ocupa uma área de 92 mil m2 em região valorizada de São Paulo, mas está obsoleto, malconservado e subutilizado. Seriam necessários ao menos R$ 400 milhões para sua recuperação, e seu custo anual aos cofres públicos é da ordem de R$15 milhões.

O governo do Estado decidiu, então, repassá-lo à iniciativa privada, que irá construir novas instalações esportivas e comerciais. Caberá ao poder público buscar o equilíbrio entre o atendimento às finalidades de lazer, esporte e entretenimento, em benefício dos cidadãos, e a viabilidade econômica do empreendimento, para atrair investidores.

Os críticos avaliam o Complexo como um patrimônio cultural e arquitetônico, apesar de, cercado por muros, ser pouco conhecido pela população e não integrado à cidade. O Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu a ação popular e suspendeu a publicação do edital de concessão, contrariando a lei aprovada na Assembleia Legislativa e invadindo a análise do órgão competente – o Condephaat, que negou seu tombamento.

Se assim for, que seja definido quem pagará a conta, não só da reforma e manutenção do Complexo – em respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal –, mas da receita que deixará de ser gerada.

A Justiça de São Paulo, em outra frente, desta vez em assunto municipal, suspendeu a demolição do chamado tobogã do estádio doPacaembu, em resposta a uma ação da associação de moradores do bairro e contrariando o Conselho Municipal de Preservação de Patrimônio Histórico (Conpresp), que autorizou sua demolição, preservando as demais áreas. O tobogã, de 1970, substituiu a concha acústica da década de 1930.

A concessão do estádio à iniciativa privada, aprovada pela Câmara Municipal, prevê a construção de um complexo comercial e poderá trazer novos empreendimentos ao bairro, que sofre as consequências de seu próprio tombamento – muitas casas vazias em área nobre central. A decisão da Justiça poderá inviabilizar o empreendimento.

São decisões autoritárias atendendo ao desejo de uns poucos, mas impedindo um melhor uso de vazios urbanos, em benefício do cidadão, e afastando o investimento privado. Não há como investir em um país com um poder público excessivamente intervencionista e com mudanças de regras do jogo ao sabor de poucos.

Outro exemplo de ação contra a coletividade é a reação de grupos do setor privado à redução de benefícios tributários do ICMS, autorizada pela Assembleia. O plano do governo estabelece um corte médio de 20% dos benefícios para produtos com alíquota inferior a 18%. Apesar de haver formas mais eficientes de proteger os mais pobres, foram mantidas as regras para as cestas básicas de alimento e de remédios genéricos. A alíquota de remédios fora da cesta básica subirá de 12% para 13,3% e de produtos isentos, para 4,14%. A intenção é reduzir a renúncia tributária de R$ 43 bilhões, valor excessivo diante da arrecadação de R$ 150 bilhões do ICMS. Uma soma que compromete o investimento público e as ações sociais. 

A agropecuária, um dos poucos setores que ganharam na pandemia, pressiona e ameaça com “tratoraço” em protesto pelo aumento da tributação de insumos agrícolas. A propósito, foram vendidos no varejo 6.793 tratores com rodas em São Paulo em 2020 – uma alta de 3% em relação a 2019.

Um País difícil, em boa medida por conta de muitos olharem apenas o próprio umbigo.

*CONSULTORA E DOUTORA EM ECONOMIA PELA USP


Bruno Boghossian: Doria fica mal na foto e dá munição a opositores alucinados da vacina

 Doria fica mal na foto e dá munição a opositores alucinados da vacina

Na semana passada, o showman João Doria anunciou que a Coronavac tinha "eficácia de 78% a 100%" contra a Covid-19. "Esse resultado significa que a vacina tem elevado grau de eficiência para proteger a vida dos brasileiros", derramou-se. Já nesta terça-feira (12), o governador João Doria não apareceu para explicar que a taxa global de eficácia do imunizante é de 50,38%.

Sedento pelos dividendos políticos da guerra de imunização travada com Jair Bolsonaro, o tucano decidiu maquiar os dados de uma boa vacina para que ela parecesse ainda melhor. Não funcionou: Doria ficou mal na foto e prestou um desserviço ao país ao dar munição para os alucinados opositores da vacina.

O Instituto Butantan tem um imunizante promissor. A Coronavac é segura, reduz pela metade a chance de desenvolvimento da doença, pode ser produzida em larga escala e tem características que permitem sua distribuição com facilidade. Deveria ser suficiente, mas a política parece ter falado mais alto.

Foi Doria quem criou a ilusão de que a eficácia de 50,38% –acima do sarrafo da Organização Mundial da Saúde– poderia ser considerada decepcionante. Quando apresentou o dado turbinado de 78%, ele mesmo escolheu dizer que "esse resultado" era sinal de que a vacina tinha "elevado grau de eficiência". Um número menor, portanto, corre o risco de ser observado com outros olhos.

O governador paulista deixou a ciência no gabinete no anúncio da semana passada. Contou só metade da história e escondeu uma parcela importante dos dados. Se Doria optou pela manobra ou se foi mal assessorado, a discussão se dará entre o Palácio dos Bandeirantes e o Instituto Butantan. De qualquer modo, a responsabilidade política é só dele.

Doria apostou alto na Coronavac e forçou o governo federal a correr atrás dos planos paulistas. O tucano fez festa em cada etapa do processo de desenvolvimento do imunizante, mas se omitiu no momento crucial de mostrar os detalhes da vacina. O showman engoliu o governador.


Alon Feuerwerker: Que comece o jogo

Como já foi dito aqui, uma vantagem da disputa política entre o governo federal e o paulista em torno da vacinação contra a Covid-19 é a corrida ter entrado no estágio em que ambos querem mostrar serviço. Bom para a população que precisa ser vacinada. Afinal de contas, que os políticos briguem, mas o cidadão e a cidadã comuns querem mesmo é uma vacina segura e eficiente.

O ministro da Saúde informou que os estados receberão as vacinas três a quatro dias após a chegada delas ao país ou a liberação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) (leia). Que este dia chegue o mais rápido possível. Há muita espuma no debate, mas ainda estamos em tempo, na comparação com outros países da dimensão do nosso.

E temos uma vantagem: uma máquina de vacinação construída e azeitada ao longo de décadas. Basta que a entropia política dê uma folga e as autoridades se concentrem na missão de fazer a coisa acontecer. Pois, ao fim e ao cabo, elas serão julgadas nas urnas de 2022 pelo que fizeram ou deixaram de fazer, e não tanto pelo que se disse delas.

Acabou o pré-jogo, agora a decisão é em campo.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Marco Aurélio Nogueira: Brincando com coisa séria

Não é compreensível o vaivém na questão da eficácia das vacinas. A competição é outra

A cena assemelha-se a uma competição de adolescentes para saber quem atira a pedra mais longe ou que repica mais vezes na água do lago. Só que os personagens são adultos e a brincadeira está mexendo com coisa séria, afeta diretamente a vida de milhões de pessoas.

Se você começar a vacinação no dia 25, eu começo a minha antes, no dia 20. E se você passar para dia 20, eu empurro a minha para o dia 19. E assim segue a valsa, em tom de disputa de fundo de quintal. Triste demais.

O fato é que o País está sem um plano de vacinação pronto e acabado, ao qual o sistema SUS possa se acoplar e funcionar, juntamente com coordenadores estaduais, municipais e federais, de modo a recobrir o território nacional e toda a população, em um prazo de tempo razoável.

Mais importante do que saber quando será dada a primeira dose é saber o cronograma, a disponibilidade das vacinas e a logística. Aí a mula manca. É um silêncio que machuca.

Também não é compreensível, para os leigos sobretudo, o vaivém na questão da eficácia da Coronavac, que já está em fase avançadíssima de aprovação. O governo de São Paulo diz ter passado todos os dados (10 mil páginas) para a Anvisa que, por sua vez, diz ter recebido somente parte deles. A Sinovac e o Butantan afirmam uma eficácia de 78% para casos leves e de 100% para casos graves, o que significaria que a vacina evita a morte. Mas não foram divulgados os dados globais e outras informações importantes. Faltam números do desfecho primário do imunizante, nos quais estão incluídos os recortes populacionais e as faixas etárias, sem os quais a avaliação fica imperfeita. Também não se divulgou a eficácia em idosos.

Tudo indica que a vacina do Butantan será fundamental em termos de proteção e de neutralização das formas mais severas da doença. A briga para definir se sua eficácia é de 78% ou de 65% é completamente irrelevante, mas os gestores parecem acreditar que os números são essenciais em termos de concorrência e mercado. Uma competição esdrúxula, suicida. O que a move é outra coisa. Não é ciência e pesquisa.

A secretaria estadual de Saúde informa que divulgará tudo numa entrevista coletiva convocada para amanhã, dia 12. Isso sugere que ela já tem os dados à mão. Por que então não os apresenta logo e termina com a ansiedade geral da nação? Quem está escondendo o jogo, a Sinovac, o Butantan ou o governo paulista? Ou tudo não passa de problemas com a Anvisa, e seu diretor bolsonarista?

Tudo isso pega muito mal, gera insegurança e desconfiança, mostra falta de pulso e sugere que há mais “política” e malandragem do que seria correto. Politizar nesse grau uma questão tão vital quanto vacinas e vacinação mostra bem o nível a que chegamos


Alon Feuerwerker: Lição de Brasil

De vez em quando é preciso ser otimista. E hoje é um dia assim. Depois da espera, não um, mas dois registros de vacinas contra a Covid-19 foram pedidos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.

Da CoronaVac, parceria entre a chinesa Sinovac e o Butantan, e da AstraZeneca/Oxford, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz. A primeira é a aposta do governo de São Paulo (João Doria). A segunda é a aposta principal do governo federal (Jair Bolsonaro).

Está instalada a competição, começou a corrida. Em disputa, não apenas os imunizantes, mas a estrutura e os instrumentos, principalmente as seringas. Quem vai ganhar ao final? Quem mais eficazmente realizar a missão nos próximos meses. E a vacina que se provar mais efetiva no essencial: imunizar a população contra o SARS-CoV-2, inclusive suas novas variantes.

Restam dúvidas? Que sejam esclarecidas pela Anvisa, perfeitamente equipada para tanto.

O episódio é mais uma lição de Brasil. Sobre nosso país, nunca convém otimismo excessivo sobre as possibilidades, mas tampouco é conveniente ceder ao catastrofismo. É o caso agora. A Covid-19 não vai desaparecer num passe de mágica por aqui, mas não seria sensato supor que ficaríamos para trás enquanto o mundo todo já estivesse se vacinando em massa.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Ricardo Noblat: Vencido pelo vírus, Bolsonaro quer ganhar a guerra da vacina

Credite-se a João Doria (PSDB), governador de São Paulo, a mudança de comportamento do presidente Jair Bolsonaro de sair às pressas em busca de vacinas contra o coronavírus, quanto mais não seja para poder dizer que não ficou para trás.

Doria promete dar início à vacinação no seu Estado antes do fim de janeiro nem que para isso tenha de apelar à justiça. O Ministério da Saúde havia falado em vacinar a partir de abril. Depois em março, em fevereiro, e agora, se tudo der certo, logo.

A vacina chinesa está sendo produzida em larga escala pelo Instituto Butantã, em São Paulo. Por ora, o governo federal não tem uma vacina para chamar de sua, daí o desespero. Precisa dispor de algumas doses para pelo menos tirar fotos.

Durante a 2ª Guerra Mundial, ganhou o nome de “Guerra de Mentira” o período entre 3 de setembro de 1939 e 10 de maio de 1940. A Alemanha nazista invadira a Holanda, Bélgica e França. A França e o Reino Unido declararam guerra à Alemanha.

Foram oito meses sem verdadeiros combates armados. Os dois lados se observavam à distância segura. Quem tinha a iniciativa era a Alemanha. E quando ela finalmente foi para cima derrotou com facilidade o Exército francês, o mais poderoso da época.

Bolsonaro perdeu a guerra contra a pandemia quando se recusou a travá-la, preferindo dar passe livre à Covid-19 para que matasse quem tivesse de morrer. Imagina ganhar a da vacina que não passará de fato de uma guerra de mentira.

O vencedor não será aquele que vacinar por aqui o primeiro brasileiro, mas o que vacinar o maior número possível de brasileiros em prazo regularmente curto. E, nesse caso, como foi mais previdente e acordou cedo, Doria deverá vencê-la.

Nesta quinta-feira, o governo de São Paulo pedirá à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a autorização para o uso emergencial da CoronaVac, a vacina chinesa.  A Anvisa terá dez dias para autorizar ou não sua aplicação.

Se autorizar, Doria terá largado na frente. Se não autorizar, ficará como vítima de Bolsonaro – e o presidente, como principal algoz de um país que se aproxima da marca de 200 mil mortos pelo vírus e de quase 8 milhões de infectados.

O Ministério da Saúde já quis ter o monopólio da vacinação. Como sequer conseguiu comprar seringas e agulhas, passou a admitir que poderá trabalhar em conjunto com clínicas privadas que as adquirirem e que disponham também de vacinas.

Como sempre, quem tiver dinheiro para pagar será vacinado primeiro. O ministério nega que isso possa acontecer. Mas você acredita?


Rodrigo Augusto Prando critica politização em torno da vacina da Covid-19

Em artigo na revista da FAP de dezembro, pesquisador da Mackenzie diz que Doria deu ‘golpe maquiavélico’ em Bolsonaro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O cientista social, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Augusto Prando critica a politização em torno da vacina da Covid-19 no Brasil. “Uma questão eminentemente de saúde pública está sendo politizada no altar da disputa política que o presidente Bolsonaro, já em campo pela reeleição em 2022, vem travando com o governador João Doria, seu concorrente direto”, afirma, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!

Todos os conteúdos da publicação mensal, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Em seu artigo, produzido dias antes de o governo brasileiro anunciar o plano nacional de vacinação em 16 de dezembro, com previsão de começar em fevereiro de 2021 no país, Prando observa que o governador de São Paulo saiu na frente.

“Doria acaba de desfechar golpe maquiavélico no chefe de Estado”, assevera o cientista social. O governador anunciou que, a partir de 25 de janeiro próximo, São Paulo começará a vacinar profissionais da saúde, indígenas, quilombolas e todos aqueles, residentes ou não no Estado, demandaram as dezenas de postos de saúde especialmente montados para atender aos brasileiros.

Quanto à autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), acentua Prando, o governador informou que neste mês passou à agência todas as informações e os protocolos necessários para assegurar que, em 40 dias, a autorização para a vacinação seja concedida, a não ser que haja obstrução política por parte do Planalto. 

Na avaliação do autor do artigo publicado na Política Democrática Online, o cenário que se desenha é bem promissor para o Estado de São Paulo. Ele lembra que a vacina da Fiocruz/Oxford apresentou problemas em seus testes, especificamente no que tange às doses aplicadas nos voluntários, o que demandará mais estudos, atrasando a conclusão dos testes.

“Além disso, a produção desta vacina, segundo noticiado, dependerá da construção de uma fábrica, ou seja, de mais recursos financeiros do governo federal. Tal fato demonstra que os investimentos e a logística envolvidos não permitirão que vacinas estejam disponíveis em curto prazo, como a Coronavac em São Paulo”, observa Prando. Ele também ressalta que governadores e prefeitos, descrentes de qualquer liderança presidencial, já se articulam junto ao Butantã e ao Governo de São Paulo para garantir acesso à “vacina do Doria”. 

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