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RPD || Evandro Milet: Uma agenda para o novo desenvolvimento
Sem ênfase em educação e exportações, o Brasil não conseguiu seguir o exemplo de países como o Japão e a Coreia do Sul, que alcançaram um forte desenvolvimento industrial e tecnológico com sólida atuação do governo
O Brasil passou muitos anos com sua economia fechada, colocando a culpa da falta de desenvolvimento em fatores externos, subsidiando empresas para substituir importações e acreditando que o governo é o grande motor da economia. Grande símbolo desse processo foi o Artigo 219 da Constituição de 1988 estabelecendo que o mercado interno integra o patrimônio nacional e deverá ser incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, […] e a autonomia tecnológica do País. Imaginava-se seguir o exemplo de Japão e Coreia em um desenvolvimento industrial e tecnológico com forte atuação do governo e reserva de mercado para as empresas nacionais. Mas eles tinham duas coisas que nós não tínhamos e, aliás, não temos até hoje: ênfase em educação e exportações.
Problemas que se estendem até hoje: empresas ineficientes, incapazes de competir internacionalmente; baixa produtividade; governo grande, caro, também ineficiente e corrupto; carga tributária alta; despesa maior que receita implicando dívida alta; ambiente de negócios burocratizado e demonizando o lucro; justiça lenta e que não promove segurança.
Uma nova agenda para o desenvolvimento tem de romper com tudo isso. Precisamos de um choque de capitalismo com uma revolução na educação, uma rede focada na proteção social e uma abertura para o exterior – as empresas brasileiras precisam competir internacionalmente.
Mas também o capitalismo de hoje está diferente. Serviços e tecnologia adquiriram peso muito maior, o mercado financeiro criou novos mecanismos que precisamos absorver e a sustentabilidade ambiental é um valor fundamental.
Apesar dos problemas, o Brasil teve um setor com avanços extraordinários, muita tecnologia e sem subsídios: commodities, com agronegócio e mineração. Há certo preconceito contra commodities, como se fossem coisa menor, sendo obrigatória uma agregação de valor nos produtos. A agregação de valor pode ser feita na cadeia, com investimentos privados na logística de ferrovias e portos, insumos e equipamentos, inovação e tecnologia e serviços acoplados, abrindo outras oportunidades de negócios nesses setores. A riqueza gerada pelas commodities e suas cadeias alimenta todas as outras e gera novos espaços de competição na indústria e nos serviços.
O mercado financeiro também abre novas oportunidades. O Brasil nunca teve juros e inflação tão baixos. O investimento em startups, no venture capital e na bolsa, assim como o empreendedorismo em geral, tão comuns nos Estados Unidos, não cresciam no Brasil pela oportunidade das altas taxas de juros reais nas aplicações de renda fixa e pelo financiamento subsidiado para empresas no BNDES. O mercado está em ebulição nesses aspectos e nas oportunidades em privatizações, concessões e PPPs, antes malvistas e agora aceitas pela sociedade.
De outro lado, as taxas de juros internacionais em torno de zero provocam a procura da poupança internacional por investimentos seguros pelo mundo. Toda a infraestrutura brasileira (saneamento, logística, energia, digital) pode sofrer uma revolução com implicações sociais na saúde e no emprego.
Mas os problemas são a insegurança jurídica para investimentos de longo prazo e a incerteza na economia. Quem investe sem saber quais serão a taxa de juros, a inflação e o câmbio nos próximos anos? O equilíbrio fiscal é fundamental para garantir um futuro previsível para investidores.
Para o ambiente de negócios falta uma reforma tributária que reduza burocracia e impostos, uma reforma da justiça para ser mais rápida e mais estável nas suas decisões, e uma reforma administrativa que racionalize a atuação do governo, reduza o custo e elimine as disfuncionalidades do sistema de controle.
Falta atender à grande demanda atual não só dos governos, mas também dos consumidores mundiais, pela preservação do meio ambiente. A importância brasileira nesse tema é tanta que pode nos abrir espaço para exercer um soft power mundial com ótimas repercussões nos negócios em geral e na nova bioeconomia.
Para o pleno desenvolvimento do País, é fundamental a redução das desigualdades sociais com programas focados nos mais pobres e na redução dos problemas que tiram grande parte da população da atividade produtiva. Cabe aqui enumerá-las: evasão escolar, gravidez na adolescência, homicídios, acidentes de trânsito, discriminações em geral e a falta de creches e escolas de tempo integral, o que tira mulheres do mercado de trabalho.
Porém, é possível eleger o maior problema para o desenvolvimento do país: a falta de uma educação de qualidade e igual para todos, pobres e ricos, que coloque o país entre os primeiros do mundo nesse fundamento, com muita tecnologia e inovação.
*Evandro Milet é consultor em inovação e estratégia
Clóvis Rossi: Vietnã ganhou a guerra e a paz
Após derrotarem os EUA, comunistas criaram ditadura capitalista
Quem ganha com os encontros de Donald Trump com o ditador norte-coreano Kim Jong-un? Ganha o Vietnã, o palco das reuniões.
Fácil de explicar: por mais cor de rosa que venham a ser os anúncios oficiais sobre a cúpula dos dois mandatários, é altamente improvável que haja algo realmente decisivo quando as duas mais altas autoridades de um dos lados não se entendem sobre o estado do programa nuclear norte-coreano —que é, afinal, o tema do encontro.
Trump anunciou em seu meio de comunicação favorito, o Twitter, que a Coreia do Norte “não é mais uma
ameaça nuclear”.
Aí, seu secretário de Estado, Mike Pompeo, vai à CNN e contradiz o chefe, ao afirmar que a Coreia do Norte é, sim, uma ameaça nuclear.
Como os dois são os interlocutores de Kim em Hanói, como acreditar no que qualquer um deles diga?
Já sobre o Vietnã, não cabem dúvidas: esse remoto país do Sudeste Asiático ascendeu ao foco da mídia ao agasalhar os dois ex-inimigos, hoje apaixonados um pelo outro, pelo menos da boca para fora.
Ascendeu por um motivo nada trivial: foi o único país a ganhar uma guerra contra os Estados Unidos e, em seguida, ganhar também a paz, o que não é nada fácil.
Por isso mesmo, Huong Le Thu, analista-sênior do Instituto Australiano de Política Estratégica, escreve para a Nikkei Asian Review: “Há sinais de uma emergente estratégia americana de encorajar a Coreia do Norte a embarcar em reformas políticas e econômicas como aquelas abraçadas por Hanói nas últimas três décadas.
O programa de reformas —batizado em vietnamita de “Doi Moi” (renovação)— foi lançado em 1986 e transformou o país em atraente destino para investimentos externos, ao mesmo tempo em que manteve o absoluto controle do Partido Comunista sobre as instituições.
Se se quiser simplificar as coisas, dá para dizer que o Vietnã comunista, que derrotou os EUA capitalistas, transformou-se de uma ditadura comunista em uma ditadura capitalista.
A comparação com a Coreia do Norte, que continua comunista institucional e economicamente, é devastadora para Kim Jong-un: em 1988, pouco depois de lançado o “Doi Moi”, a renda per capita vietnamita era de cerca de US$ 1.500 (R$ 5.600) em paridade do poder de compra (a medida que leva em conta os preços em cada país). Era a metade do nível norte-coreano.
Dez anos depois, a renda norte-coreana, pelo mesmo critério, caiu pela metade, enquanto a do Vietnã quadruplicou e bateu, portanto, em US$ 6 mil (cerca de R$ 22,4 mil).
O crescimento do Vietnã nas duas décadas mais recentes foi, na média, de 6,3%, o que o transformou em uma das economias asiáticas de expansão mais rápida, relata a analista Le Thu.
“Espera-se que Mr. Kim olhe e aprenda”, torce a revista The Economist, ao tratar do encontro em Hanói.
A publicação, porta-voz do liberalismo, festeja que o Partido Comunista do Vietnã tenha se transformado de inimigo da América em “buddy”, termo informal que significa mais que amigo, um cupincha.
Mas, cuidado, esse modelo é tóxico para a liberdade de imprensa —componente essencial da democracia: Repórteres Sem Fronteiras coloca o Vietnã em 175º lugar entre 180 países em matéria de liberdade para a mídia. Ainda assim, é melhor que a Coreia do Norte, a 180ª.
*Clóvis Rossi é repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.