contramão

Relatório mostra que o Brasil caminha na contramão do mundo

Documento aponta ameaças ao meio ambiente e às populações mais vulneráveis no país

Helio Mattar / Folha de S. Paulo

Em julho, foi divulgado o Relatório Luz, um panorama do andamento da implementação dos 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) no Brasil. Fruto do esforço do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, coalizão com mais de 50 organizações não governamentais e fóruns brasileiros, o documento envolveu a análise de mais de cem especialistas de diversas áreas sobre dados oficiais relativos às 169 metas para a Agenda 2030.

O documento mostra que mais da metade das metas brasileiras tiveram retrocesso em sua execução (54,4% ou 92 metas), 16% estão estagnadas (27) e 12,4% ameaçadas (21). Ou seja, o país caminha na contramão dos seus compromissos com a ONU.

Isso não é surpresa, pois a CNODS (Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável), mecanismo de governança dos ODS no Brasil, foi extinta em abril de 2019 pelo presidente Bolsonaro, desconsiderando o acordo assinado pelo país na ONU, um compromisso de Estado que deveria estar acima de governos, partidos e ideologias.

Um veto presidencial excluiu também as metas dos ODS do Plano Plurianual 2020-2023, simbolizando um ataque direto à construção das ações e aos compromissos com a Agenda 2030. Foi negligenciada a responsabilidade dos poderes da República com os desafios de desenvolvimento abordados pelos ODS na busca de acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima, e de garantir que os brasileiros possam desfrutar de paz e de prosperidade.

Nesta coluna, vou focar no ODS 13, que fala do combate às mudanças climáticas. Faço essa escolha pela enorme crise evidenciada nesse tema em outro relatório recém lançado, o do IPCC, e que não vem sendo considerada com a devida seriedade pelo governo brasileiro.

Com o ápice do negacionismo e do desmonte de políticas ambientais, fica claro que o combate à crise climática inexiste como objeto de política pública federal. Assim, apesar dos esforços feitos por organizações da sociedade civil e empresas, não surpreende que todas as metas deste ODS 13 tenham tido retrocesso.

A principal evidência de retrocesso está no relatório SEEG: desde 2010, o país elevou em quase 30% a quantidade de emissão de GEE (gases de efeito estufa) despejada na atmosfera todos os anos, com destaque para os 9,6% de aumento em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro.



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O Brasil é o 6º maior emissor de GEE, sendo o desmatamento e a agropecuária as maiores fontes de emissão. A diferença entre o planejado na Política Nacional de Mudança do Clima de 2009 e o que de fato aconteceu pode ser visto pela meta de 2009, que previa uma perda de floresta em 2020 de no máximo 3.925 km², mas, somente entre 2018 e 2019, quase 11 mil km² foram destruídos, praticamente três vezes mais e o maior volume desde 2008.

Frente à gravidade da informação, vale ressaltar que o relatório do IPCC apresenta cenários em que sumidouros de carbono se transformam em fonte, emitindo CO2 em vez de absorvê-lo, o que já é uma realidade na floresta amazônica, onde uma combinação de aquecimento local com desmatamento levou regiões a emitir mais gases do que capturam, representando graves riscos para a segurança alimentar e hídrica do país e para a preservação da biodiversidade.

Diante desse cenário, é improvável que o Brasil consiga cumprir a meta da NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) para 2025, mesmo sendo ela pouco ambiciosa ao prever uma redução das emissões de GEE em 37%.

Outro impacto apontado no Relatório Luz é que, em 2018, o Brasil teve 86 mil pessoas deslocadas internamente por conta de desastres e, segundo o Relatório sobre as Migrações no Mundo 2020, neste mesmo ano, 1 milhão de brasileiros foram prejudicados por cheias e inundações e 43 milhões atingidos por secas e estiagens, quase 90% deles residentes no Nordeste.

Episódios climáticos extremos, portanto, já causam impactos negativos na sociedade e as populações mais vulneráveis são as que mais sofrem com isso.

O governo federal também segue sem implementar o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, cujo objetivo é promover a gestão dos efeitos adversos da crise no país. O orçamento com prevenção de desastres foi o menor em 11 anos —R$ 306,2 milhões, em 2019, contra R$ 4,2 bilhões, em 2012, agravado pela realização de menos de um terço do orçamento.

E mais: o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, para financiamento de projetos e estudos para a redução de emissões, corre o risco de ser extinto e as ações de educação climática foram desarticuladas, como mais uma vítima da negação da ciência, comprometendo a criação de habilidades essenciais para lidar com grandes problemas futuros.

Frente ao desinteresse federal, municípios, estados e arranjos cooperativos têm protagonizado movimentos visando cumprir as metas do ODS 13.

Destaca-se a carta das secretarias estaduais de meio ambiente com 17 pontos para política de clima, assim como a atitude da cidade de Recife, a primeira a decretar emergência climática, comprometendo-se a agir para se tornar carbono zero até 2050. Destaca-se também a atuação vigilante e propositiva da sociedade civil organizada por meio de redes de articulação, como o Observatório do Clima e a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Como recomenda o Relatório Luz, é essencial reativar estruturas de governança, disponibilizar recursos orçamentários e humanos adequados e cumprir os compromissos firmados relativos à crise climática. É urgente que a sociedade exerça o papel importantíssimo de pressionar e exigir do governo que o Brasil tome um caminho diferente, na direção de ações de combate efetivo ao aquecimento global.

E, como vem insistindo o Akatu, a educação para o consumo consciente e a sustentabilidade deve ser expandida, pois é essencial para que as novas gerações tenham esses temas entre seus valores fundamentais.

O prazo é curto: de acordo com o relatório do IPCC, as emissões climáticas devem ser limitadas a 6 anos do que hoje se emite para evitar ultrapassar 1,5°C de aumento na temperatura, o que seria desastroso em termos de aprofundamento dos problemas, tornando alguns deles irreversíveis. A mudança deve começar já.

Helio Mattar é diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helio-mattar/2021/08/relatorio-mostra-que-o-brasil-caminha-na-contramao-do-mundo.shtml


O Globo: Na contramão de Aras, procuradores investigam atuação do governo Bolsonaro na pandemia

Integrantes do Ministério Público que atuam na primeira instância abriram ao menos duas investigações para apurar responsabilidades do governo federal

Leandro Prazeres e André de Souza, O Globo

BRASÍLIA - Na contramão do procurador-geral da República, Augusto Aras, integrantes do Ministério Público que atuam na primeira instância abriram ao menos duas investigações para apurar responsabilidades do governo federal na condução das ações de combate à pandemia do novo coronavírus. Eles também têm tentado exercer pressão por meio de recomendações e ofícios solicitando informações ao Ministério da Saúde. Há queixas de que a falta de uma coordenação da PGR tem feito com que as ações sejam dispersas.

EditorialAras contraria função constitucional do MP durante a pandemia

Aras vem sendo criticado por colegas em razão da sua suposta omissão em relação ao governo federal nas ações de combate à Covid-19. Nesta semana, a PGR divulgou uma nota dizendo que a responsabilidade por apurar “eventuais ilícitos” de agentes da cúpula dos Poderes da República seria de competência do Congresso. A nota veio três dias depois de a PGR ter pedido abertura de inquérito para investigar a suposta omissão do governo do Amazonas no colapso do sistema de saúde no estado, quando faltou oxigênio em hospitais. Na visão de procuradores, o pedido poupou o Ministério da Saúde.

O GLOBO identificou pelo menos duas investigações sobre a atuação do governo federal na pandemia tramitando na primeira instância. Uma delas é de junho do ano passado e foi instaurada pela Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF) para apurar a execução orçamentária das verbas federais destinadas ao enfrentamento à epidemia, após ter se apontado lentidão na utilização das verbas.

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A mais recente foi instaurada na semana passada pela Procuradoria da República no Amazonas (PR-AM), dias após o colapso do sistema de saúde no estado. O inquérito, que tramita na esfera cível (e não é o mesmo pedido pela PGR), apura as responsabilidades dos governos estadual e federal pela falta de oxigênio hospitalar que, segundo investigações, teria matado pelo menos 29 pessoas.

Conhecimento prévio

Documentos enviados pela Advocacia Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal (STF) apontam que o governo federal havia sido avisado sobre o “iminente colapso” do sistema de saúde do Amazonas em 4 de janeiro, dez dias antes da crise. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, admitiu que a pasta teve conhecimento do problema no dia 8.

Um procurador da República que atua no monitoramento das ações do governo contra a Covid-19, e que pediu para não ter seu nome revelado, disse que a atuação do MPF está dispersa porque não teria havido coordenação da PGR. Segundo ele, o Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia Covid-19 (Giac), presidido por Aras, serviu apenas para que a PGR tentasse controlar as ações dos procuradores.

No primeiro semestre do ano passado, o Giac foi alvo de críticas depois de determinar que todas as recomendações feitas pelo MPF ao Ministério da Saúde fossem encaminhadas à PGR. A medida foi vista, inclusive pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), como uma ofensa ao princípio da independência funcional.

A expedição de recomendações e ofícios solicitando ações e informações foram meios que os procuradores usaram pra pressionar o governo a tomar medidas. Em maio, o MPF recomendou que a pasta exigisse o registro eletrônico de todas as internações em hospitais públicos ou privados durante a pandemia, com objetivo de ter informações em tempo real sobre a ocupação de leitos. O Ministério da Saúde não acatou a sugestão imediatamente. O sistema só foi implementado em agosto após a questão ser levada a um núcleo de resolução de conflito da Justiça Federal.

Na PGR e no Conselho Superior do MPF, que é o órgão máximo de deliberação na instituição, Aras também vem sofrendo críticas. Anteontem, seis dos dez integrantes do conselho rebateram a manifestação do procurador-geral de que cabe ao Congresso analisar os eventuais ilícitos do presidente.

Um subprocurador-geral ouvido pelo GLOBO destacou que Aras pode ser eventualmente responsabilizado perante o Congresso Nacional. A maioria da classe avalia que Aras atua em sintonia com o presidente Jair Bolsonaro, sem a independência que deveria ter.

Em nota, a PGR destacou a criação do Giac, afirmando que “o trabalho possibilitou ações e respostas rápidas em questões como distribuição de respiradores pelo país, falta de remédios do kit intubação, orientação para fiscalização do uso de recursos públicos, medidas emergenciais para a economia, entre outros”.

Diz ainda que foi criada uma “rede nacional de membros focalizadores nos estados” e abertos canais de “diálogo direto e cooperação” com o Ministério da Saúde, a Anvisa e os conselhos nacionais de secretários estaduais e municipais de Saúde. Ressaltou ainda a “autonomia e independência funcional” dos integrantes do MPF para tomarem as medidas judiciais que entenderam cabíveis na primeira instância.

Os conflitos entre Aras e o MPF

Derrotas em eleições internas

Em junho de 2020, eleições internas sacramentaram uma maioria independente em relação a Aras no Conselho Superior do MPF. O órgão tem dez integrantes, dos quais um deles o próprio Aras e outro o seu vice na PGR, Humberto Jacques de Medeiros. Dos outros oito, seis não estão alinhados com ele. Em setembro, o grupo impôs nova derrota, elegendo um adversário, o subprocurador José Bonifácio Borges de Andrada, para ser o vice-presidente do Conselho Superior.

Lava-Jato

Em julho de 2020, após críticas à Lava-Jato, Aras foi cobrado a dar esclarecimentos por alguns conselheiros. Ele reagiu irritado e houve bate-boca. Em agosto, em manifestação inédita, um grupo de oito conselheiros, entre opositores e aliados, enviou um ofício pedindo que Aras prorrogasse as estruturas das forças-tarefa da Lava-Jato de Curitiba e do Rio. Ainda em julho, a maioria também protestou contra o secretário-geral Eitel Santiago de Brito Pereira, responsável pela gestão administrativa de Aras. Em entrevista à CNN, Eitel afirmou que existiam “ilegalidades” nas prisões preventivas da Lava-Jato e disse que "foi Deus o responsável pela presença de Bolsonaro no poder”.

Forças-tarefa

O subprocurador-geral José Elaeres Marques Teixeira, opositor de Aras, sugeriu em setembro de 2020 uma proposta que diminui os poderes dele sobre as forças-tarefas do MPF. Sua criação e prorrogação não seriam mais atribuições exclusivas do procurador-geral e precisariam de análise e autorização do Conselho Superior, a quem caberia também definir a continuidade das atuais forças-tarefas. O relator é o subprocurador Nicolao Dino, também opositor de Aras, mas o procurador-geral vem resistindo em pautar o assunto.

Operação Greenfield

Em novembro de 2020, sete conselheiros pediram que Aras revisse a nomeação de Celso Três, um procurador anti-Lava-Jato, para a Operação Greenfield, que investiga desvios em fundos de pensão. Em dezembro, o novo coordenador da força-tarefa enviou um ofício à PGR com uma proposta que na prática encerraria a Greenfield, na qual chegou a dizer que não queria “trabalhar muito”. Neste mês, o próprio Celso Três pediu desligamento da operação.

Pandemia e estado de defesa

Nesta semana, seis conselheiros rebateram a manifestação de Aras de que cabe ao Congresso analisar “eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes” durante a pandemia. Para eles, a possibilidade de enquadramento de ações em crime de responsabilidade, passíveis de impeachment e analisados pelo Congresso, não afasta “a hipótese de características de crime comum, da competência dos tribunais”. Eles também criticaram o trecho da nota de Aras que citava a decretação de estado de calamidade pública para o combate à pandemia como “antessala do estado de defesa”, que pode ser decretado pelo presidente para restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social. 


Hélio Schwartsman: R$ 200, avanço ou retrocesso?

Seja como for, não é uma surpresa ver, mais uma vez, o Brasil na contramão da história

Ao lançar a nota de 200 reais, o Brasil se coloca na contramão do que vêm fazendo economias mais avançadas, que é abandonar cédulas e moedas em favor de transações digitais ou por cartões.

A tendência de desmonetização é liderada pela Suécia, onde menos de 2% das transações ocorrem com papel-moeda e mais de 50% das agências bancárias já não trabalham com dinheiro vivo. Mas várias outras nações vêm tirando cédulas, principalmente as de alto valor, de circulação. A UE acabou com a nota de 500 euros, passo que já havia sido dado décadas antes nos EUA com a descontinuação das cédulas de 500, 1.000, 5.000, 10.000 e 100.000 dólares.

E nem dá para afirmar que essa seja uma exclusividade de países ricos. A Índia teve uma experiência desastrada com a eliminação de notas de 500 e de 1.000 rúpias em 2016. Mas o Quênia se dá bem com o m-pesa, a moeda digital operada por celulares que ganha espaço em outras nações.

O principal atrativo da desmonetização é que ela representa um golpe contra o crime. Assaltantes, traficantes, corruptos, sonegadores etc. operam melhor quando o dinheiro que usam não traz memória de como foi adquirido ou de como é gasto. Só cédulas oferecem tal nível de anonimato. É claro que bandidos, pelo menos os mais sofisticados, poderiam correr para ativos como ouro e bitcoins.

Outra vantagem importante é a eliminação do custo do dinheiro, que começa com a impressão das notas, passa pelo transporte de valores, a instalação de caixas eletrônicos e culmina nos explosivos usados para roubá-los.

A desvantagem mais clara é a perda de privacidade. Num mundo de transações digitais, poderia em tese existir um registro completo de onde e como gastamos cada um dos centavos que acumulamos ao longo da vida. É bem mais que o Google, que guarda apenas nossas preferências.

Seja como for, não é uma surpresa ver, mais uma vez, o Brasil na contramão da história.