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Demétrio Magnoli: Progressistas que celebram cancelamento da conta de Trump buscam pacto com plutocratas da internet

É hora de derrubar a muralha do privilégio, submetendo as mídias sociais às mesmas regras de responsabilidade da imprensa

 “Não me diga que ele foi banido por violar as regras do Twitter”, tuitou o opositor russo Alexey Navalny sobre Trump, “eu recebo aqui ameaças de morte todos os dias, há anos, e o Twitter não bane ninguém (não que eu peça isso)”. Twitter, Facebook e congêneres são veículos de crimes contra a humanidade. Em Mianmar, serviram à campanha de limpeza étnica dos militares contra a minoria rohingya e, na Índia, à operação oficial de anulação da cidadania dos muçulmanos de Assam. Os progressistas que celebram o cancelamento da conta de Trump buscam uma aliança faustiana com os plutocratas da internet.

Navalny erra apenas ao definir como censura o gesto do Twitter. Censura é, sempre, um ato estatal contra a liberdade de expressão. O princípio da liberdade de expressão abrange também o direito de empresas privadas de se dissociar de discursos que consideram intoleráveis. Mas que ninguém se engane: no caso das plataformas globais de mídias sociais, os banimentos seletivos não derivam de padrões éticos mas de cálculos de negócio.

O ato extremo do Twitter, bem como a suspensão temporária imposta a Trump pelo Facebook, inscrevem-se numa estratégia defensiva.

Nos EUA, por razões distintas, as gigantes das mídias sociais entraram na mira de democratas e republicanos. No horizonte, encontra-se a hipótese de fragmentação legal dos oligopólios da internet. O “cancelamento” do presidente que termina seu mandato à sombra da invasão do Capitólio destina-se a lustrar a imagem das big techs perante o novo governo democrata e sua maioria parlamentar.

Um jorro celebratório acompanhou o banimento de Trump —e não só nos EUA. Os progressistas brasileiros não ocultaram suas esperanças de que o cancelamento virtual siga seu curso até Bolsonaro. No fundo, acalenta-se a perspectiva de grande barganha: vocês excluem as vozes odientas da direita nacionalista; nós evitamos a derrubada da muralha que protege o vosso castelo.

O nome da muralha é impunidade, o privilégio que separa as big techs dos veículos tradicionais de imprensa. As empresas jornalísticas estão sujeitas à responsabilização judicial pelos discursos que publicam. Se, nesta coluna, calunio ou difamo alguém, a Folha compartilha a responsabilidade pelo discurso criminoso —e, por isso, um editor supervisiona meu texto. Twitter, Facebook et caterva, pelo contrário, não devem explicação alguma sobre as mensagens difundidas por seus usuários. São, portanto, livres para auferir lucros de campanhas de ódio movidas por governantes, partidos, igrejas ou organizações extremistas. Para eles, o crime compensa.

O privilégio da impunidade ancora-se na alegação de que as empresas de mídias sociais não exercem funções editoriais: suas páginas eletrônicas seriam folhas em branco preenchidas por usuários soberanos. Desde sempre, as regras de uso sinalizaram a falsidade. Há um “editor oculto”, um software, que demarca os limites da palavra permitida. Mas o banimento de Trump escancarou a paisagem. As big techs fazem curadoria de conteúdo, de acordo com critérios políticos de conveniência. No império de Putin, ninguém bloqueia as ameaças à vida de Navalny; nos EUA do triunfo democrata, cancela-se a conta do presidente em desgraça.

Jack Dorsey, do Twitter, e Mark Zuckerberg, do Facebook, os Editores Supremos, deixaram impressões digitais na escrivaninha, na tela, nas paredes e no teto.

É hora de derrubar a muralha do privilégio, submetendo-os ao mesmo universo de regras de responsabilidade que regula a imprensa. Ah, isso implodiria o modelo de negócio dos gigolôs da xenofobia e do extremismo? Que pena...

Desconfio, porém, que os progressistas preferem a aliança faustiana. Quem liga para Navalny, os rohingya ou os muçulmanos de Assam? Eles são, afinal, um preço baixo a pagar pela exclusão de Trump e Bolsonaro.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Folha de S. Paulo: Não há solução simples para colocar contas públicas no eixo

Os números das contas do governo, em 2017, apontaram um quadro mais benigno que o esperado pela IFI, pelo mercado e mesmo pela equipe econômica. Contudo, a vitória é apenas parcial.

Ela não exime o país de realizar mudanças que promovam a convergência do quadro fiscal a padrões adequados de controle do deficit e da dívida pública nos próximos anos. Isso dependerá da capacidade deste e do próximo governo de realizar profundo ajuste nas contas públicas.

A conta do setor público fechou no vermelho, em 2017, em R$ 110,6 bilhões, com peso importante de receitas atípicas e corte das chamadas despesas discricionárias (não obrigatórias), no caso do governo federal.

A meta de deficit primário (sem contar juros da dívida) de R$ 163,1 bilhões foi cumprida com folga — uma bênção e uma maldição, simultaneamente. A sinalização de curto prazo é positiva, mas a sustentabilidade de um programa de ajuste focado na derrubada de investimentos e em cerca de R$ 90 bilhões de receitas atípicas é de baixo alcance. A despesa com pessoal, para que se tenha ideia, cresceu acima de 6% em termos reais.

É verdade que houve avanços importantes, sobretudo a adoção de um teto para os gastos. No entanto, o que vem pela frente exigirá maturidade bastante superior dos gestores de política econômica, das instituições, da política e, na realidade, de toda a nação.

Nas contas da IFI, o deficit primário deverá reverter-se em superavit apenas em 2023, com a dívida crescendo até esse período, para então iniciar gradativa trajetória de queda. Trata-se de um cenário desafiador.

Em 2018, a ajuda de receitas extraordinárias pode ainda ser elevada, mas o deficit primário tende a ser pior do que no ano anterior. A partir de 2019, será cada vez mais importante aprovar medidas que tratem efetivamente o comportamento da despesa obrigatória, em particular, bem como das receitas não financeiras.

A estratégia de política fiscal deve ter como diretriz a recuperação da solvência e sustentabilidade do Estado brasileiro, medido na sua relação dívida/PIB.

Apesar das melhores expectativas para o crescimento econômico de médio prazo, de 2% a 2,5% ao ano, a dívida continuará em expansão e demandará um superavit primário em torno de 2,5% do PIB para sua estabilização. Resta, portanto, uma profunda consolidação fiscal da ordem de 4 a 4,5 pontos percentuais do PIB.

A magnitude do ajuste per se revela que nenhuma medida isoladamente será suficiente para equacionar o desequilíbrio fiscal, mas sim uma inteligente combinação de medidas tanto pelo lado do gasto quanto da arrecadação. Não há bala de prata.

Por Felipe Salto, diretor-executivo da IFI e Gabriel Barros, diretor da IFI.


Herança maldita: Endividamento das famílias brasileiras continua em alta e vai a 58,2% em setembro

A herança maldita do desemprego e das altas taxas de juros sob o governo do PT aumentou o percentual das famílias brasileiras com dívidas e contas em atraso. A Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor), apurada pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), mostra que, em setembro, 58,2% das famílias brasileiras estão endividadas. Embora maior do que no mês anterior, quando o percentual era de 58%, o resultado é menor do que o registrado há um ano, quando era de 63,5%.

“A retração do consumo, em virtude da persistência da inflação e da contração da renda, além do elevado custo do crédito, explica essa redução na comparação anual”, avalia o economista da CNC Bruno Fernandes.

A análise da CNC, no entanto, indica que a manutenção de altas taxas de juros e a instabilidade do mercado de trabalho ampliaram o percentual das famílias com contas ou dívidas em atraso, tanto na comparação mensal como na anual. Em setembro de 2015, este percentual era de 23,1% e agora é de 24,6%. No mês passado, esse total foi de 24,4%.

Inadimplência

Do total das famílias, 9,6% disseram não ter como pagar as dívidas adquiridas entre cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro. O percentual de inadimplência é maior tanto na comparação mensal (em agosto era de 9,4%) quanto na anual (em setembro de 2015 era de 8,6%).

A proporção dos que se dizem muito endividados diminuiu de agosto para setembro – de 14,6% para 14,4% do total. Na comparação anual, no entanto, houve aumento de 0,5 ponto percentual.

O tempo médio das contas atrasadas foi de 63,2 dias, sendo que o tempo médio de comprometimento com dívidas foi de 7,1 meses. Do total das famílias brasileiras, 21% estão com mais da metade da sua renda comprometida com este tipo de pagamento.

O cartão de crédito permanece no topo da lista do tipo de dívida, com 76,3%, seguido do carnê (14,8%) e do financiamento de carro (10,9%).(Com informações da assessoria da CNC)


Fonte: pps.org.br


João Domingos: Do céu ao inferno

Diz-se nas rodas políticas de Brasília que a cassação do mandato do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha é apenas uma questão de dias. Três ou quatro, a depender da velocidade da sessão marcada para segunda-feira. O placar apurado pelo Estado mostra que os votos pela cassação podem superar todas as expectativas. A surpresa – exceto liminar numa eventual ação judicial ou manobra regimental de última hora –, se ocorrer, será quanto ao minguado número de votos favoráveis a Cunha, dizem parlamentares que trabalham pela cassação. O que impressiona nessa história toda é a rapidez com que Cunha subiu aos céus e desceu aos infernos. Há pouco mais de um ano ele era muito poderoso.

Tão poderoso que, em 19 de maio de 2015, de forma espontânea foi à CPI da Petrobrás “tirar um sarro”, como se diz por aí, só porque a Procuradoria-Geral da República havia pedido que ele fosse investigado por suspeita de ter se beneficiado do desvio de dinheiro da estatal. Entre um rasgado elogio aqui e outro ali de parlamentares da maioria dos partidos que acompanhavam a sessão da CPI, o deputado Delegado Waldir (PR-GO) perguntou se Cunha tinha contas bancárias no exterior. A resposta foi quase um deboche: “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda”.

Como logo surgiram informações em contrário, corroboradas por autoridades da Suíça, Cunha começou a perder terreno. Ainda na liderança do PMDB, ele alimentava a ideia de ser o candidato do partido à Presidência da República em 2018. De forma correta, ele calculou que o PT passaria por um processo profundo de desgaste, abrindo a possibilidade para uma candidatura conservadora. No caso, a dele mesmo. Para que o plano fosse à frente, Cunha precisaria ocupar um cargo importante, como a presidência da Câmara. Isso foi fácil. A seguir, tudo foi encaminhando do jeito que ele queria.

Conquistava mais e mais poder entre representantes de quase todos os partidos. Sua pauta conservadora para a Câmara era muito bem recebida. Os ataques que fazia ao governo petista também. Mas, aí, veio a ideia de aparecer na CPI da Petrobrás. Cunha imaginava que seria coberto de elogios apenas. Mas surgiu a pergunta das contas. E ele disse que não as tinha. Logo, abriu-se o processo no Conselho Ética. Cunha mentira à CPI, foi a acusação. Para tentar atrapalhar os trabalhos no colegiado, Cunha fez tantas manobras que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF que o suspendesse das funções legislativas.

O STF assim decidiu. Importante tentar entender por que, estando no céu, Cunha caiu tão rapidamente no inferno. Como toda instituição, o Congresso costuma criar anticorpos para se proteger toda vez que se sente ameaçado. Foi assim com os senadores Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho quando se envolveram em escândalos. Sem dó nem piedade, senadores que antes eram quase que serviçais dos dois passaram a defender a cassação. Eles renunciaram antes da instauração do processo e conseguiram manter os direitos políticos. Retornaram na eleição seguinte, como se nada tivesse acontecido.

Fariam o mesmo se estivessem no papel de juízes, como estavam os senadores que os abandonaram. Com Cunha acontece a mesma coisa. Ele se tornou uma espécie de câncer para a Câmara, pois é mais rejeitado do que a ex-presidente Dilma Rousseff. Mantê-lo vivo compromete a imagem de todos os deputados. Cunha tem feito um apelo a todos para que o ajudem. Dessa vez, sem a arrogância que o marcou ao depor à CPI da Petrobrás. Mas os deputados, pensando nas próximas eleições, já estão noutra. Só Cunha não percebeu. (O Estado de S. Paulo – 10/09/2016)


Fonte: pps.org.br