Conflicto Colombia

Mario Vargas Llosa: A paz possível

A vitória do ‘não’ no plebiscito da Colômbia não significa que se tenha de voltar à guerra, mas que é necessário buscar um novo acordo

Um tanto mareados pelos fastos da espetacular mobilização com que se festejou a assinatura do Acordo de Paz entre o Governo colombiano e as FARC, os partidários do sim tivemos uma maiúscula surpresa quando, desmentindo todas as pesquisas, o nãose impôs no plebiscito. O mais desconcertante daquela consulta não foram os poucos milhares de votos que derrotaram os que estavam a favor, mas os quase 63% de eleitores que se abstiveram de ir votar.

Convém fazer um esforço e julgar aquele resultado com a cabeça fria. É evidente que não há nem pode haver três quartas partes da Colômbia em favor dessa guerra que, há mais de meio século, causa estragos no país, com os milhares de mortos e feridos, os sequestrados e chantageados, o terrorismo, o obstáculo que significam para a vida econômica as vastas regiões paralisadas pelas ações armadas, a insegurança reinante e a letal aliança da guerrilha e o narcotráfico, fonte abundante de corrupção institucional e social. O voto negativo e a abstenção não implicam uma rejeição à paz; manifestam ceticismo profundo diante da natureza do acordo firmado, no qual, com razão ou sem ela, uma grande maioria dos colombianos vê as FARC como a grande vencedora da negociação e beneficiária de concessões que lhes parecem desmedidas e injustas.

Não tem sentido discutir se esta opinião sobre o tratado de paz é justa ou injusta, porque os defensores de qualquer alternativa jamais se colocarão de acordo a respeito. Em uma democracia uma maioria pode acertar ou se enganar, e o veredito de uma consulta eleitoral, se é legítimo, tem de ser respeitado, gostemos ou desgostemos. Nisso reside a própria essência da cultura democrática.

Isto significa que a guerra deve inevitavelmente regressar à Colômbia? Em absoluto. As reações tanto do Governo como das próprias FARC indicam que nem um nem outro pensam assim. De sua parte, os próprios líderes dos partidos que promoveram o não —os ex-presidentes Uribe e Pastrana— insistem em que sua oposição ao acordo não era à paz, mas a uma paz injusta, à qual atribuíam concessões excessivas à guerrilha, sobretudo no concernente à impunidade para os autores de delitos de sangue e dos “crimes contra a humanidade”, assim como os privilégios que as FARC obteriam em sua mutação de movimento subversivo para força política legal. Isto significa que resta sempre uma oportunidade para a paz. Basta que prevaleça em ambas as partes certo espírito pragmático e uma pitada de boa vontade.

Para mim, em meio à inquietação que o resultado do plebiscito me produziu, me levantou um pouco o ânimo –mais ainda que as palavras alentadoras com que Timochenko comentou o resultado da votação– ver os chefes guerrilheiros, em Havana, com suas impecáveis guayaberas, seus charutos entre os dedos e, talvez, os copos de rum ao alcance da mão, acompanhando com expectativa a contagem dos votos. Não era o espetáculo de combatentes nostálgicos da dura e sacrificada vida das montanhas e da intempérie, mas a de um grupo de homens envelhecidos e cansados, talvez conscientes no fundo de seus corações (embora nunca o reconheceriam) de que aquilo que representam já está fora do tempo e da história, condenado irremediavelmente a desaparecer. Se não fosse assim, não teria havido Acordo de Paz. E pode voltar a haver, com a condição de que as partes tirem as conclusões adequadas da consulta democrática que acaba de ocorrer.

A primeira delas é que a popularidade das FARC, que em alguns momentos do meio século transcorrido chegou a ser alta, caiu vertiginosamente, e que uma clara maioria do povo colombiano não acredita mais no que fazem nem no que dizem. E que sua aspiração máxima é que não só deixem as montanhas e a selva como também a vida política. Isso significa que os antigos guerrilheiros precisarão fazer muitos esforços e ter uma dedicação real à atividade política pacífica para recuperar um papel importante na Colômbia do futuro.

Os partidários do não, ganhadores do plebiscito, não devem deixar-se ofuscar pela vitória e têm que demonstrar com fatos que, efetivamente, querem a paz. Uma paz melhor que a que o Acordo de Paz propunha, mas a paz, não de novo a guerra. Isso implica negociar, fazer e conseguir concessões do adversário, algo perfeitamente realista, sob a condição de que não confundam o triunfo do não com FARC derrotadas às quais se pode humilhar e impor toda classe de exigências.

Será difícil chegar a esse novo acordo, mas não é impossível. Não ainda. Foi conseguido na América Central e na Irlanda do Norte, onde aqueles que se matavam com ferocidade sem igual há poucos anos hoje coexistem e, a duras penas, se aclimatam à democracia. O importante é estar consciente de que a velha ideia-força, que nos anos sessenta e setenta mobilizou tantos jovens, de que a justiça social está nos fuzis e nas pistolas é agora letra definitivamente morta. Aqueles que morreram fascinados por essa ilusão messiânica não contribuíram nem um pingo para diminuir a pobreza e as desigualdades e só serviram de pretexto para que se entronizassem atrozes ditaduras militares, morressem milhares de inocentes e se retardasse ainda mais a luta contra o subdesenvolvimento. Na América Latina tem renascido, em meio desse sabá de revoluções e contrarrevoluções, a ideia de que, no final das contas, a democracia é o único sistema que traz progresso de verdade, interrompe a violência e cria condições de coexistência pacífica que permitam ir dando solução aos problemas. É menos vistoso e espetacular do que queriam os impacientes justiceiros, mas, julgando com os pés bem assentados sobre a terra, quais são os modelos revolucionários bem-sucedidos? A trágica e letárgica Cuba, da qual milhões de cubanos continuam tentando escapar, custe o que lhes custar? A destroçada Venezuela, que morre literalmente de fome, sem medicamentos, sem trabalho, sem luz, sem esperanças, sequestrada por um pequeno bando de demagogos e narcotraficantes?

Os partidários do não que agitavam o espectro de uma Colômbia que poderia tornar-se “castrochavista” se o sim vencesse sabiam muito bem que isso não era verdade. Se em algum momento “o socialismo do século XXI” exerceu alguma influência na América Latina, isso já ficou muito para trás, e, dado o estado calamitoso ao qual levou a Venezuela, o chavismo se transformou, sim, no exemplo luminoso do que não se deve fazer se se quer viver com paz e liberdade, e progredir.

A Colômbia continuou sendo uma democracia no pouco mais de meio século que a guerrilha durou, e isso já é um mérito extraordinário. Um esforço a mais, de todos, para que a paz seja possível.


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