Coluna Panorama Econômico

Míriam Leitão: O mais provável é que STF encaminhe à Câmara a denúncia contra Temer

A sessão de hoje do STF é uma das mais imprevisíveis e é nela que a nova procuradora-geral vai fazer sua estreia no cargo. A segunda denúncia contra o presidente Temer está na primeira parada, mas há uma grande dúvida sobre o que acontece em seguida. Ministros do STF admitem que na sessão tudo pode acontecer, mas que o mais provável é que ela seja encaminhada à Câmara.

A Procuradoria-Geral da República já fez a sustentação oral em defesa da tese da validade das provas mesmo em caso de rescisão do acordo de delação. Quem falou na ocasião foi o procurador Nicolau Dino. Por isso, Raquel Dodge pode falar sobre os outros itens da pauta, mas não fazer nova defesa do ponto de vista da PGR, porque passou o momento processual.

A convicção de dois ministros do STF com os quais conversei é que a denúncia tem que ser enviada imediatamente à Câmara porque, se o Supremo fizer qualquer movimento para analisar a validade das provas, já está se adiantando à investigação e, portanto, desrespeitando o preceito constitucional de que o presidente só pode ser investigado com a permissão da Câmara.

E lá o que acontece, quando chegar? O deputado Rogério Rosso (PSD-DF) faz um paralelo com a temporada de furacões:

— Se a primeira denúncia foi um furacão nível 5, a atual é tempestade de nível 1,5.

A convicção no governo é que a atual é menos preocupante do que a primeira, mas que também vai interromper a tramitação de assuntos que estavam na pauta para serem votados.

— Em 17 de maio estávamos a duas semanas de votar a reforma da Previdência. Depois daquele dia, tudo o que conseguimos com muita dificuldade foi votar a reforma trabalhista. A tramitação da denúncia interrompe o ritmo das votações inevitavelmente — diz o ministro Antonio Imbassahy.

A reforma política será resumida à proibição pelo STF das coligações, a reforma da Previdência não tem a menor chance de ser aprovada agora. A arrecadação melhorou em agosto, mas como a queda de julho foi grande demais, essa elevação não reduz muito a frustração de receita no ano, tornando difícil o cumprimento da meta, mesmo depois da sua ampliação. Neste contexto, o governo tem pouca moeda de troca para usar no esforço de vencer a segunda denúncia. Ainda assim, há riscos de novas concessões como a que está sendo feita aos ruralistas na dívida tributária que eles têm em relação ao Funrural. Quanto mais ameaçado o presidente Temer estiver, mais ele fará concessões, mesmo as que impliquem em aumento do gasto ou da renúncia fiscal.

A oposição ainda acha possível vencer o presidente Michel Temer na Câmara, mas diz que para isso o pivô central teria que ser o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Se ele fizesse algum movimento para aglutinar apoios, o presidente cairia, na visão de dois senadores da oposição. Mas o deputado Rodrigo Maia não tem participado de qualquer movimento para se colocar como opção para a Presidência.

Ontem, o presidente Temer teve um dia para falar como estadista, através do discurso na ONU, com o qual, tradicionalmente, o Brasil abre a sessão anual da Assembleia-Geral. Aproveitou para fugir de toda a realidade. Negá-la. Nenhuma palavra sobre o que nos consome os dias no Brasil, a luta contra a corrupção, na qual ele é um dos alvos. E na questão ambiental, deu uma fakenews: a de que está combatendo o desmatamento.

Temer não tem do que se vangloriar na área ambiental. Pelo contrário. Se o dado da queda do desmatamento se confirmar, quando for divulgado o número do Prodes, do INPE, será mais um ponto fora da curva do que a reversão da tendência iniciada no governo Dilma, que já elevou em 27% o desmatamento. Temer tem usado suas sucessivas concessões ao lobby contra o meio ambiente como parte do negócio de permanecer no poder. E esses sinais vão todos na direção de estimular a grilagem e o desmatamento.

Qualquer daqueles costumeiros tumultos no Supremo hoje será bom para Temer. Quanto mais tempo a denúncia demorar a chegar à Câmara, melhor para ele. O atraso o favorece, mas em algum momento ele terá que travar nova batalha na Câmara. Mesmo se vencer na segunda votação, continuará sendo um presidente fraco, refém dos grupos de interesse no Congresso.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

 


Míriam Leitão: Cercado por furacões na política, Temer tenta refúgio na economia

Foi mais um dia de alguma notícia boa na economia e muita turbulência na política. O presidente Temer será novamente investigado, desta vez com autorização do ministro Luís Roberto Barroso. Na economia, o Banco Central avisou que os juros vão cair mais devagar, mas permanecerá sendo usado o estímulo monetário. Isso pode levar os juros ao menor nível da era do real já em dezembro deste ano.

Também aumentaram as chances de a Selic chegar a 6,75% em janeiro. Como a projeção de inflação para 2018 está em 4,15%, o país pode iniciar o ano com juros reais de 2,6%, uma taxa baixa para os nossos padrões. O comércio em julho ficou parado, mas no acumulado do ano teve a primeira alta desde 2014.

Pelo que disse na Ata do Copom, divulgada ontem, o Banco Central vê a economia em recuperação gradual, mas com alta capacidade ociosa, seja na indústria, seja no mercado de trabalho. Isso favorece a retomada do crescimento do PIB sem pressionar a inflação. O mercado prevê o IPCA em torno de 4% para o ano que vem, o próximo, e o seguinte. Ou seja, acha que a inflação caiu e lá permanecerá. Ao mesmo tempo, o BC diz que o cenário externo é favorável, com baixas taxas de juros no mundo, muita liquidez e apetite por risco, o que ajuda na vinda de dólares para o Brasil. Tudo somado, a Selic poderá ter mais três cortes de juros antes que se encerre o ciclo atual.

Para os membros do Copom, grande parte da queda da inflação é explicada pela forte redução dos alimentos, que ficaram 5,2% mais baratos nos 12 meses até julho. Um recuo nesses preços já era esperado, mas não nessa intensidade. Com os alimentos mais baratos, o orçamento das famílias fica menos pressionado, e isso ajuda na recuperação do comércio.

O IBGE divulgou ontem que houve estagnação nas vendas em julho, mas isso depois de três altas consecutivas, quando acumulou 2,2%. No ano, de janeiro a julho, o volume de vendas teve crescimento de 0,3%, a primeira alta desde 2014. Quando a comparação é feita sobre os mesmos meses de 2016, são quatro altas seguidas, com crescimento de 3,1% em julho, o melhor resultado desde maio de 2014.

Alguns setores estão ainda em queda e outros em alta. Nos números do varejo há o forte crescimento do setor de eletrodomésticos. No acumulado do ano, o crescimento chega a 7,2%, a maior taxa entre todos os grupos que compõem o índice do IBGE. O setor de vestuário, calçados e tecidos também cresceu forte nos sete primeiros meses de 2017: 7,1%. O segmento de supermercados teve leve recuo, de 0,3%, com quatro altas e três quedas no ano. Como a recuperação ainda está longe de apresentar vigor, há setores caindo bastante, como o de móveis, que recuou 10%, o de livros, jornais, revistas e papelaria, que caiu 3,3%, e o de combustíveis e lubrificantes, com -3,1%.

A temperatura da economia está apenas morna, não se pode falar nem de reaquecimento porque os números bons são tímidos. Mas perto da série de furacões que se abate sobre a política, parece até um refúgio seguro. Por isso, o presidente Temer tenta fugir para a economia, atribuindo a si mesmo todos os sucessos. Ele teve algum mérito ao escolher uma boa equipe econômica e tomar decisões certas antes da crise que engoliu o rumo do seu governo.

Depois de 17 de maio, quando foi divulgada a delação de Joesley Batista, a principal meta de seu governo passou a ser manter-se no poder. Só isso explica por exemplo concessões políticas que vão representar perda de arrecadação em momento em que o país está com uma meta de déficit fiscal de R$ 159 bilhões e ainda correndo risco de não cumpri-la.

O Copom avisou que na inflação há riscos “em ambas as direções”. O que é curioso, porque normalmente o risco inflacionário era sempre de alta. Desta vez, pode cair mais se continuar a deflação de alimentos. Mas, segundo avisou, há risco de novas altas se houver “frustração das expectativas sobre a continuidade das reformas e as medidas de ajuste”. Neste momento em que a crise política volta a se intensificar, o governo diz que aprovará as reformas e as medidas de ajuste, mas sabe bem que não teria 308 votos agora.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

 


Míriam Leitão: Conversa sórdida revelou quem é o empresário que se sente acima da lei

Nojo. É o que se sente ao ouvir o empresário Joesley Batista discorrer na intimidade e em conversa regada a bebida sobre o Brasil, o MP e o STF, e até sobre a própria advogada. É uma conversa sórdida. Mas, para além da repulsa, há ainda o fato de que ele se sente inatingível. Joesley é o delator a quem foi dada a imunidade penal. Ele se sente inimputável e por isso garante que não será preso e salvará a empresa.

O que vazou é uma conversa desqualificada sobre ministros e ministras do Supremo, comentários machistas até sobre a própria advogada que os defende. O que existe de mais sólido envolve o procurador Marcelo Miller. O resto é o lixo de um homem sem limites e sem parâmetros que fala com deboche até sobre pessoas de sua intimidade.

É o momento mais delicado da Lava-Jato porque a tentativa dos adversários do combate à corrupção será a de aproveitar a situação, desmoralizar o processo de investigação e de delação premiada. A situação toda é tão irregular que os áudios já estavam circulando, e o ministro Edson Fachin ainda não os havia recebido. O protocolo do STF abriu às 11h30m, depois os áudios foram oficialmente encaminhados ao STF.

Mas, na verdade, essa é a grande chance de a PGR se livrar do peso de ter concedido o inaceitável aos irmãos Joesley e Wesley e aos executivos da JBS. A certeza da impunidade que Joesley e Ricardo Saud demonstram não convive bem com os pilares da democracia. A concessão de tão grande benefício foi o momento mais fraco do procurador-geral. Ele poderia ter aproveitado o medo que os empresários e executivos tinham da chegada dos “capa preta”, como Joesley diz, e obter todas as informações que teve oferecendo em troca uma punição branda porém aceitável.

Ficou claro durante todo o processo da Lava-Jato que a delação premiada tem a vantagem de trazer as informações que revelaram o que o Brasil sabe hoje sobre o poder político e as empresas. Agora ficou claro também que ela tem mecanismos contra os erros eventualmente cometidos. As cláusulas do acordo cobriam a possibilidade que acabou se confirmando, de que Joesley tinha escondido parte das informações. Mas qual parte? A parte que se volta contra o próprio Janot. Ele trabalhou três anos ao lado de pessoa que acabou virando um agente duplo. Marcelo Miller colaborava com os delatores estando ainda no Ministério Público e ninguém percebeu.

O mercado financeiro, que tem uma forma muito torta de pensar, comemorou pela manhã. A bolsa subiu e o dólar caiu porque os investidores concluíram que tudo isso mantém o presidente Michel Temer no cargo e, portanto, o cronograma das reformas. Na verdade, ninguém se fortalece com situação tão confusa, esse emaranhado institucional. À noite, o Ibovespa devolveu os ganhos e fechou estável. Ontem foi um dia particularmente horroroso. Malas de dinheiro encontradas na Bahia, operação internacional para apurar se houve corrupção na escolha do Rio como sede das Olimpíadas, os áudios dessa conversa repulsiva e denúncia contra o PT, incluindo, pela primeira vez, a ex-presidente Dilma. O Brasil nas edições online era o retrato de um país devastado.

O procurador-geral tem o poder de decidir o destino dessa delação. Ele abriu o procedimento para reavaliar o acordo de colaboração. Pode anular, rescindir ou apenas rever os termos do acordo retirando benefícios concedidos. Depois que tomar a decisão, ela será levada ao ministro relator.

O ministro decidiu ontem que não caberia atender ao pedido do procurador-geral de manter em sigilo as fitas que levaram ao procedimento de reabertura do acordo. Pode ter tomado a decisão apenas pela constatação de que não adiantava decretar o sigilo de algo que já estava na rua. Mas Fachin foi além e argumentou em favor da publicidade do processo, informando que ele deve ter precedência até sobre o direito da intimidade. Portanto, o episódio confirma a tendência de adotar o sigilo apenas em raros casos, porque deve prevalecer o interesse público.

O curioso desse lance inesperado é que ele revela que Joesley passara a grampear tanto que chegou até a se gravar inadvertidamente. E mais, entregou o material à PGR sem sequer ouvir as fitas. Seu afã era de arrebanhar provas e indícios contra seus interlocutores para ser aquele que dá o último tiro e um dia poder dizer à mulher: “querida, sabe aqueles nossos amigos...”

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)