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Bruno Boghossian: Quantas mortes cabem num dia de trabalho de Bolsonaro?

Quantas mortes cabem num dia de trabalho de Bolsonaro?

Pela manhã, Jair Bolsonaro deixou o Palácio da Alvorada e foi até a Base Aérea de Brasília. Antes de decolar, repetiu nas redes sociais a propaganda de sua caçada pelo spray nasal israelense contra a Covid, que ainda não tem eficácia comprovada. Quando o avião presidencial deixou a pista, 600 pessoas já tinham morrido da doença no país, segundo a média dos últimos dias.

Às 9h15, o presidente pousou em Uberlândia (MG). Durante o voo, outros 55 brasileiros morreram. Antes de seguir para Goiás, Bolsonaro parou para conversar com apoiadores. A cidade tem 100% dos leitos de UTI ocupados, mas o governo montou um cercadinho no setor de cargas e causou aglomeração no aeroporto.

Ali, o presidente disse que quem cobra dele a compra de vacinas é "idiota". "Só se for na casa da tua mãe. Não tem para vender no mundo", completou. Ele deixou o aeroporto de helicóptero, por volta das 10h da manhã, 55 mortes depois.

Em meia hora, Bolsonaro chegou a São Simão (GO) para inaugurar um trecho da ferrovia Norte-Sul. Antes de subir no palanque, ele entrou numa locomotiva, sorriu para fotos e conversou com os convidados. Quando o hino nacional começou a tocar, a conta de vítimas da pandemia havia subido em 168. Quando soou o último acorde, eram mais quatro.

Nos discursos de empresários e autoridades, 74 vidas ficaram para trás, e mais uma se foi quando Bolsonaro descerrou placa comemorativa da obra. Foram mais quatro mortos até que o presidente dissesse: "Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?". Depois de 21 vítimas, ele voltou a incentivar o uso de cloroquina e, com outros quatro mortos, encerrou o evento.

O presidente pousou em Brasília às 15h30, quando o país somava quase 1.150 óbitos no dia. Ele apareceu de novo 260 mortes depois, em sua transmissão semanal nas redes. Repetiu dados falsos sobre máscaras e atacou medidas de restrição, enquanto o país contava mais 74 vítimas. Até o fim da quinta-feira, outros 300 brasileiros estariam mortos.


Hélio Schwartsman: Os sapatos de Bolsonaro

Bolsonaro se comprometeu com obrigações com as quais agora está se omitindo

Você deceparia seu dedo mindinho para curar a enxaqueca de 5 milhões de pessoas na Ásia? E se for para salvar a vida de cinco desconhecidos em sua cidade? E para salvar seu filho?

Essa incomensurabilidade das dores (e dos prazeres) é um dos problemas que assombram o utilitarismo em particular e as éticas consequencialistas em geral. O fato de a dificuldade ser real não implica que não existam situações concretas em que a solução é óbvia. Todos, afinal, reprovamos a atitude do campeão de natação que deixa de resgatar uma criança que se afoga apenas para não estragar seu par de sapatos novos.

Faço essas considerações a propósito da imposição/retirada de restrições na epidemia de Covid-19. Embora não chancele, compreendo a posição do dono de restaurante prestes a falir que se insurge contra um "lockdown". Ele está, "mutatis mutandis", na situação do sujeito que pode salvar desconhecidos cortando o próprio dedo. Fazê-lo é a coisa certa, mas não obrigatória.Bem diferente é o caso do indivíduo que se recusa a usar máscara. O incômodo de fazê-lo é real, mas mínimo.

A analogia cabível é com o campeão de natação devoto de Herodes. É com preocupação, portanto, que leio nos jornais que o Texas, onde ainda ocorrem 7.600 novas infecções e 270 óbitos por dia, revogou a obrigatoriedade das máscaras e que o presidente Jair Bolsonaro, não satisfeito em sabotar a vacinação e militar contra "lockdowns", resolveu espalhar "fake news" sobre esses equipamentos de proteção de eficácia comprovada.

Eu não sei se mandaria o nadador para a cadeia. O que esse indivíduo fez merece vívida condenação moral, mas ele em nenhum momento assumiu o compromisso de zelar pelos outros. Já Bolsonaro, quando aceitou a Presidência, se comprometeu com obrigações constitucionais e legais em relação às quais está agora se omitindo. E, pior, nem tem a desculpa de que não quer sujar os sapatos.


Alon Feuerwerker: Pax Legislativa?

O governo venceu facilmente a batalha no Senado pela PEC que permitirá o pagamento do auxílio emergencial, e traz também mecanismos compensatórios de controle de gastos. Como sinal da correlação de forças, o destaque que eliminava o teto de 44 bilhões para despesas com o auxílio perdeu por 55 a 17.

Quem assistiu à sessão notou também um clima político, por que não dizer?, ameno entre situação e oposição. A oposição chegou até a sugerir ao presidente da Casa que adiasse o segundo turno da votação quando viu risco de não dar quórum. Sugestão naturalmente aceita.

A oposição poderia, por exemplo, ter lutado para derrubar a PEC e daí trabalhar para uma alternativa "pura": dar o auxílio e só. Sem contrapartidas. Mas na prática ajudou o governo. Talvez por saber que não tinha força para impedir. Mas poderia ao menos ter aproveitado para desgastar o oficialismo. Fazer um pouco de teatro.

Vamos aguardar agora a Câmara dos Deputados. Se tudo correr bem para o Planalto, será um sinal, mais um, de que o cenário no Legislativo está neste momento sob controle. O "neste momento" é fundamental quando se discorre sobre a política brasileira, mas não deixa de ser uma variável.

E como anda a sustentação do governo na Câmara? Se depois de todo o auê a deputada Bia Kicis (PSL-DF) for mesmo eleita para presidir a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, a mais importante da Casa, e por onde passam todos os projetos, será um indicador.

Cada um que tire suas conclusões.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação