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Bolsonaro peca por sentir-se com mais legitimidade que o Congresso, afirma Cláudio Oliveira à Revista Política Democrática online

Em artigo publicado na sexta edição da revista, autor diz que Bolsonaro se elegeu e parece se sentir com mais legitimidade do que deputados e senadores, igualmente saídos da vontade das urnas

Cleomar Almeida

Presidentes eleitos nas últimas décadas enfrentaram dificuldades, cada um em seu tempo, para governar. Mas Bolsonaro peca por se sentir com mais legitimidade do que o Congresso. A análise é de Cláudio Oliveira, em artigo publicado na sexta edição da revista Política, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania, novo nome do PPS (Partido Popular Socialista).

» Acesse aqui a sexta edição da revista Política Democrática online

De acordo com o autor, Juscelino Kubistchek foi eleito presidente em 1955 pelo PSD em aliança com o PTB. Abriu negociações com a opositora UDN, atraiu o apoio do PDC e estabeleceu diálogo com o PSB. Na campanha, segundo Oliveira, tiveram apoio do ilegal PCB. Promoveu uma política desenvolvimentista e conseguiu avançar na modernização do país. Seu sucessor, Jânio Quadros, do nanico PTN, em aliança com a UDN, foi eleito em 1960.

Sem compromisso com os partidos, numa manobra obscura, conforme lembra o autor, apresentou carta renúncia à Câmara, aceita pelo presidente da Casa. João Goulart, o vice, assumiu e depois de idas e vindas com mudanças no sistema de governo, assentou sua Presidência no PTB, PSB e no PCB, minoritários no Congresso. San Tiago Dantas, seu ex-ministro da Fazenda, propôs acordo com o PSD, o maior partido da Câmara, em torno de um programa de reformas moderadas.

“A proposta foi bombardeada pela esquerda, então capitaneada pelo deputado Leonel Brizola. O ex-governador gaúcho pediu o fechamento do Congresso e a convocação de uma Constituinte”, afirma Oliveira, para acrescentar: “Porém, em 1964, um golpe de Estado derrubou o presidente. Fernando Collor foi o primeiro presidente pós-Constituição de 1988, eleito pelo nanico PRN. Tentou uma Presidência plebiscitária, acreditando que sua expressiva votação lhe dava autoridade sobre o Congresso. Teve várias derrotas parlamentares até receber o impeachment em 1992”.

Ainda de acordo com o autor, após a reeleição em 2014, incomodado com a dependência ao PMDB no Legislativo, o PT tentou desalojar os peemedebistas do comando da Câmara e perdeu para Eduardo Cunha. O déficit público explodiu, as revelações da Lava Jato chegaram ao auge, a recessão se agravou, vieram os ajustes e as manifestações que levaram ao impeachment da presidente.

“Temer assumiu numa espécie de semiparlamentarismo. Consegui aprovar medidas importantes, mas perdeu força política com as denúncias de seu envolvimento no esquema da Friboi. Bolsonaro se elegeu e parece se sentir com mais legitimidade do que deputados e senadores, igualmente saídos da vontade das urnas. Montou um ministério à revelia das direções partidárias e agora tem dificuldades em organizar uma base parlamentar para aprovação das reformas do Estado, várias das quais exigem mudanças constitucionais e demandam apoio de 3/5 dos parlamentares”.

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FAP Entrevista: Cláudio Oliveira

O humor é uma ferramenta para formação do espírito crítico da população, avalia Cláudio Oliveira

Por Germano Martiniano

O humor é uma característica do povo brasileiro, algumas expressões como o “Brasil é o país da piada pronta”, “Aqui tudo acaba em pizza”, “O brasileiro faz piada da própria tragédia” e outras são constantemente ouvidas no vocabulário popular. Hoje, com as redes sociais a quantidade de “memes”, conceito de imagens, vídeos e GIFs relacionados ao humor crescem a cada dia, ainda mais diante de um “prato cheio” como às eleições 2018.

Quem faz piada de nossa vida política, porém de maneira profissional, é o chargista Cláudio Oliveira, jornalista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com especialização em artes gráficas na Escola Superior de Artes Industriais de Praga, República Tcheca e o entrevistado deste domingo da série FAP Entrevista. A entrevista faz parte da série publicada aos domingos pela FAP com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Com um humor inteligente e critico de nossa situação política, Cláudio procura através de suas charges passar ao povo brasileiro os perigos de figuras radicais que a direita ou à esquerda prometem soluções fáceis ao nosso país, porém sem compromisso real com a democracia. As charges são uma boa maneira politizar a população, avalia: “Acho o humor uma boa ferramenta para a formação do espírito crítico, importante para melhorar o mundo."

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

FAP Entrevista - Para o senhor, o Brasil é o país da piada pronta?
Sim, mas não só o Brasil. A Itália de Berlusconi e os EUA de Trump, por exemplo, são duas tragicomédias. Apesar dos avanços desde a Constituição de 1988, o nosso país ainda tem muitas mazelas. Portanto, material para a crítica do humor. Hoje temos um descompasso entre uma representação politica majoritariamente atrasada e uma sociedade civil que avançou. O Brasil é 90% urbano, a escolaridade do brasileiro aumentou, nunca tivemos tantos universitários, vivemos numa sociedade de informação em um planeta interconectado. E tem gente que acha que pode fazer política do tempo de Getúlio Vargas e Adhemar de Barros, o autor do “rouba, mas faz”. E é triste ver que as causas do nosso declínio econômico na década atual parecem com as da década perdida de 1980.

De onde veio essa ideia e como transformar assuntos tão sérios em sátiras políticas?
Desde criança leio quadrinhos e humor. Aos 13 anos, em 1976, passei a publicar na imprensa do Rio Grande Norte. Nesse ano, Henfil, então um dos mais consagrados cartunistas do país, foi morar em Natal. Por influência dele passei a fazer charges políticas e a colaborar com o Pasquim. O humor, desde os tempos das comedias gregas clássicas, sempre fez reflexões bem-humoradas sobre a condição humana e a vida em sociedade. Acho o humor uma boa ferramenta para a formação do espírito crítico, importante para melhorar o mundo.

Os momentos políticos mais conturbados são os mais inspiradores?
Acho que o humor pode se sobressair nos momentos conturbados. A saída da crise exige reflexão e debate. O humor pode contribuir nesse sentido. Mas, nos momentos de calmaria e bonança, ele é tão ou mais importante, pois não perde o olhar crítico, fugindo do oba-oba e da propaganda oficial.

Quais foram as charges mais marcantes que o senhor fez?
Como há um candidato dizendo que o regime ditatorial de 1964 foi bom, resolvi organizar um livro eletrônico (1) com as charges que publiquei de 1977 a 1985 no Pasquim e na Voz da Unidade, o jornal do antigo PCB, do qual fui militante até 1989. Na capa, coloquei uma charge do tempo do governo do general Ernesto Geisel, que definiu o regime como “democracia relativa”. Nela, uma opulenta dama da alta sociedade pergunta: querida, que regime você tem que é tão magra. E uma pobre senhora responde: “democracia relativa”. A charge teve a felicidade de sintetizar a questão que considero fundamental: só com instituições sólidas, bem organizadas e democráticas, os cidadãos farão com que o Estado brasileiro venha a representar os interesses da maioria e, portanto, estabelecer políticas para melhorar a vida de todos.

Uma de suas últimas sátiras foi “Pizzaria do Brasil, da Abertura à Reeleição de Lula”. O senhor acredita que no Brasil tudo sempre acabará em “pizza”, que é um estigma da cultura política brasileira?
O livro é de 2007. Mas, parece que pelo menos desde as manifestações de 2013, a tolerância de boa parte dos brasileiros com a pizza na política diminuiu bastante. Um exemplo foi a campanha eleitoral de Dilma em 2014. Ela negou a crise em que o país já estava, com a produção industrial em queda, um processo inflacionário crescente e as contas públicas arrebentadas. Passado o pleito, revelaram-se a recessão que, segundo a Comissão de Datação dos Ciclos Econômicos da Fundação Getúlio Vargas, começou no segundo trimestre de 2014, e a necessidade de um ajuste, iniciado pelos ministros de Dilma, Joaquim Levy e Nelson Barbosa. Sentindo-se enganada, mais as denúncias da corrupção na Petrobras, multidões tomaram as ruas nas maiores manifestações de nossa história. Tempos depois, desenhei uma charge em que o presidente do Congresso, no papel de motoboy, diz ao presidente da República que estava difícil fazer entregas de pizza.

Como o senhor analisa a insistência do ex-presidente Lula para ser candidato a presidente?
Fiz uma seleção das melhores charges da era Lula, de 2002 a 2018, e publiquei em sete livros eletrônicos (2). O leitor perceberá que o eixo da crítica do meu trabalho é a “questão democrática”. A cúpula do PT é legatária do pensamento de uma esquerda autoritária. Seus líderes foram politicamente educados nas organizações marxista-leninistas dos anos 1960 e 1970. Elas tinham uma cultura política economicista e colocavam a luta de classes acima da democracia. Se achavam uma vanguarda que conduziria as massas para realizar as transformações sociais. Tais organizações imporiam a sua hegemonia em nome dos trabalhadores. Com essa visão subsistente, foi fácil aos líderes petistas, uma vez no poder, abraçar um populismo de esquerda, desvalorizando os partidos e o Congresso, incentivando o culto à personalidade do líder que fala diretamente ao povo. O programa do governo não foi o programa comum adotado consensualmente pelos partidos da coalizão governista, mas o do PT, ao qual os demais tiveram que se subordinar, fazendo lembrar na forma o stalinismo do Leste europeu. Para tanto, os principais aliados do governo Lula no Congresso foram partidos cooptáveis, não só o MDB de Sarney, como também partidos atrasados e fisiológicos, como o PP de Maluf, o PSD de Kassab, formado principalmente por egressos do antigo PFL. Não à toa, partidos da centro-esquerda como o PDT da época de Brizola e o PPS romperam com o governo Lula ainda antes da explosão do mensalão, em 2005. Achei equivocado José Dirceu definir como principal inimigo a combater o PSDB, um partido do centro democrático e reformista. O desvio do dinheiro público para corromper aliados e financiar a atividade partidária, sem falar em enriquecimento pessoal, somado ao desprestígio das instituições, a meu ver, é corolário dessa visão autoritária de “revolução pelo alto”.

Outras charges que o senhor tem explorado é sobre o candidato a presidente Jair Bolsolnaro e seu perfil radical. Por que esse radicalismo tem atraído tantos brasileiros? Bolsonaro é uma ameaça a democracia e aos meios de comunicação brasileiro?
A visão de uma esquerda autoritária, o desprestígio dos partidos e do Congresso, a cooptação dos sindicatos e dos movimentos sociais, o discurso salvacionista centrado no culto à personalidade de Lula, nada disso contribuiu para uma boa politização da sociedade brasileira. Somados aos escândalos de corrupção, à crise econômica e social e uma pauta centrada em questões identitárias, tudo isso, ao meu ver, abriu espaço para o salvacionismo de uma direita autoritária. Acho uma ameaça a uma democratização mais ampla das instituições e sobretudo um retrocesso. Como cartunista e jornalista me sinto na obrigação de questionar todo e qualquer candidato e promover o debate.

O que o senhor espera do novo presidente do Brasil?
Se fizer o que fez Itamar Franco, um governo de coalizão democrática, de diálogo com a sociedade, de uma postura ética, que tire o país da crise e aponte para a retomada do crescimento, sem descuidar do social, terá feito muito.

O jornal satírico francês Charlie Hebdo sofreu um ataque terrorista em 2015. O que motivou os terroristas foi uma charge do jornal com a figura de Maomé. O senhor acredita que o humor deve ter “portas abertas” para se fazer piada com qualquer tema? Muitos humoristas reclamam de uma “onda do politicamente correto”, que estaria dificultando fazer humor. O senhor concorda?
Acho que o jornal tem o direito de fazer a crítica que quiser e responder judicialmente por elas. O jornal já foi processado muitas vezes e em vários casos foi condenado. Pessoalmente, evito fazer humor com figuras religiosas em respeito aos sentimentos religiosos dos leitores. Não faço humor “politicamente correto”. Aprendi com Henfil a fazer “humor consequente”: o alvo da crítica deve ser os poderosos de plantão, pois são eles que têm os instrumentos para melhorar a vida das pessoas. Assento a crítica do meu trabalho em valores democráticos, republicanos e sociais.

*Cláudio de Oliveira é jornalista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com especialização em artes gráficas na Escola Superior de Artes Industriais de Praga, República Tcheca. Atualmente é chargista do jornal Agora São Paulo, do Grupo Folha. Ganhador do Prêmio Vladimir Herzog, de 1996, na categoria Artes, e do troféu HQ Mix, de 1998, com o livro de charges Pittadas de Maluf.

(1) Ditadura Nunca Mais. Charges do fracasso econômico do regime militar - 1977/1985.
https://www.amazon.com.br/dp/B07GV1R3GW

(2) Coleção Humor da Era Lula:

1 - Como estou dirigindo? O primeiro governo da presidente Dilma Rousseff.
https://www.amazon.com.br/dp/B00QXF5MJK

2- Mensalão, rir pra não chorar.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BQ84PF1

3- Humor do Impeachment.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BT4BG58

4- O Cara e a Coroa. Seleção de charges sobre o governo Lula e a eleição de Dilma.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BR9RYVC

5- Pau e Circo. Crítica das relações fisiológicas entre governo e Congresso.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BTDZVB4

6- Dura Lex no Tríplex. Os melhores cartuns sobre a Lava Jato
https://www.amazon.com.br/dp/B07BTDQMGL

7- Temeridades. O humor da crise econômica.
https://www.amazon.com.br/dp/B07F1XXZMB