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Claudia Safatle: Crédito começa a chegar às microempresas

Até agora só a Caixa conseguiu liberar R$ 308 milhões de crédito

A avaliação do governo é de que ele, finalmente, começou a entregar os créditos prometidos no início da pandemia, para sustentar milhões de micro e pequenas empresas durante a crise da covid-19. E isso se deve, sobretudo, ao efetivo início do Pronampe (Programa Nacional de Apoio as Microempresas e as Empresas de Pequeno Porte), linha de financiamento equivalente a 30% do faturamento da empresa no ano passado, para capital de giro, ao custo de Selic mais 1,25% ao ano. O universo é o de empresas com faturamento de até R$, 4,8 milhões por ano.

Na verdade, porém, apenas a Caixa já está operando com essa linha de crédito. “O Banco do Brasil é mais lento e o Itaú, Bradesco e Santander estão em fase final de arrumação para operacionalizar os procedimentos com esse público que não é o deles”, segundo disse um assessor do Ministério da Economia que está acompanhando o dia a dia dessas operações para se certificar de que o crédito está chegando ao tomador final.

“Nas nossas previsões, até o dia 15 de julho estarão todos os interessados operando com o Pronampe”, acredita essa mesma fonte, que monitora com lupa a atuação principalmente dos cinco maiores bancos do país.

Há, de fato, uma fase de adaptação até à elaboração dos novos modelos de contratos onde as garantias deixam de ser dadas pelo cliente e passam a ser assumidas integralmente pelo Tesouro Nacional, mediante o FGO - o Fundo Garantidor das Operações.

O fundo foi capitalizado pela União nesta semana em cerca de R$ 15,9 bilhões. E a taxa de juros que passa a ser de cerca de 0,3% ao mês e deixa de ser os 2% a 3% ao mês das linhas próprias das instituições financeiras para as micro e pequenas companhias.

O Pronampe somado à linha de crédito para empresas “âncoras”, do BNDES, e ao Programa Emergencial de Acesso ao Crédito com garantia integral do FGI - Fundo Garantidor de crédito de Investimentos, também do BNDES, devem representar quase R$ 300 bilhões em oferta de crédito para as micro, pequenas e médias empresas.

Foi exatamente esse universo das micro e pequenas empresas que a Caixa havia definido como estratégico para suas operações desde o ano passado e, em poucos dias, conseguiu “botar no ar” a linha de crédito do Pronampe.

Segundo o vice presidente de Negócios de Varejo da Caixa, Celso Leonardo Barbosa, do dia 17 até ontem, a instituição havia fechado 6.500 contratos no valor de R$ 308 milhões que já foram depositados nas contas das empresas. Além disso, tem 5.700 contratos no valor de R$ 310 milhões, em fase final de negociação sejam os empreendedores clientes da Caixa ou não. A previsão inicial da Caixa é de atender a demanda de até R$ 3 bilhões mas, se for necessário, ela aportará mais recursos para esse fim.

Criado pela lei 13.999 de 19 de maio, o Pronampe já nasceu com a necessidade de adiar por mais 90 dias o prazo de contratação que se encerraria no fim de julho. Portanto, a linha de crédito estará em vigor até outubro.

O quadro atual de interesses do sistema financeiro em contratar crédito com as micro e pequenas empresas, até quarta feira, era o seguinte: 21 instituições manifestaram intenção de aderir ao programa. Dessas, no entanto, apenas oito iniciaram o pedido de adesão, três instituições concluíram testes para operacionalização (Caixa, Itaú e Bancoob) e 2 formalizaram adesão ao programa (Caixa e Itaú). Até ontem porém, só a Caixa havia contratado operações com garantia do FGO.

Esse é um mundo novo para os bancos tradicionais que gostam mesmo é de ter na sua clientela grandes empresas que podem despejar garantias em eventuais contratos de financiamentos. Para colocar o Pronampe em pé, o governo teve que capitalizar os fundos garantidores (FGO e FGI) e dar um jeito de assumir integralmente o risco de crédito para micro, pequenas e médias empresas.

Feito isso, o sistema financeiro está tendo que reavaliar suas premissas de análise de risco e ampliar as hipóteses de tamanho das empresas em seus portfólios. E não é raro um ou outro banco pedir ajuda da Caixa para lidar com essa nova clientela.

Isso leva o mais liberal dos liberais a defender a existência de um banco estatal com funções sociais para os momentos de crise aguda.

E reforça, ao mesmo tempo, a postura do ministro da Economia, Paulo Guedes, que na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, entre uns e outros desatinos cometidos pelos participantes, defendeu a privatização do Banco do Brasil que, afinal, é um bicho híbrido e, como tal, não justifica sua porção estatal.

Quando o Comitê Gestor do Simples Nacional prorrogou o prazo para o pagamento dos impostos federais, o fez por até 180 dias. Os Estados e municípios, no entanto, prorrogaram por somente 90 dias o pagamento do ICMS e do ISS, de forma que dia 20 de julho serão cobradas as parcelas relativas à abril.

O assessor especial do Ministério da Fazenda, Guilherme Afif Domingos, telefonou para o secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles, que é o porta voz dos governos estaduais nessa questão, para saber porque eles não pensam em ampliar a prorrogação dos impostos por mais 90 dias, Meirelles tergiversou, dizendo que essa não era a proposta dos demais governadores etc. e tal.

Afif interpretou tal posicionamento como uma maneira de os Estados da federação tentarem obter mais alguma vantagem da União em troca de uma nova prorrogação.

“Eles pararam a atividade econômica nos seu Estados e agora querem cobrar impostos dos microempresários! Querem o quê? Incentivar a inadimplência?”, indagou Afif, que pautou sua vida pública em defesa dos micro, pequenos e médios empresários.

“Isso aí é moeda de chantagem. Eles querem usar os microempresários para ver se tiram uma vantagem a mais da União”, disse ele.


Claudia Safatle: Dúvidas sobre a solvência da dívida

A situação é extremamente dramática, diz o economista Edmar Bacha

A saída para a economia, no período pós- pandemia, é retomar a agenda de reformas com foco na solvência da dívida interna. A dívida bruta como proporção do PIB terá uma escalada, saindo de 75,5% para a casa dos 90% do PIB este ano. Os sinais já são inquietantes. A dívida mobiliária teve resgate líquido de R$ 240 bilhões nos primeiros quatro meses do ano e os prazos dos títulos estão se encurtando.

Essa preocupação ficou clara durante o debate ontem, na Câmara, entre os economistas Arminio Fraga, Ilan Goldfajn, ambos ex-presidentes do Banco Central, Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro Nacional, e Edmar Bacha, um dos responsáveis pelo Plano Real.

Será importante, também, redesenhar os programas sociais para focá-los em quem realmente precisa da ajuda do Estado. A crise da covid-19 mostrou que é necessário fazer o ajuste de forma “justa”, salientou Vescovi.

O auxílio emergencial de R$ 600 que teria, segundo dados oficiais, atingido cerca de 38 milhões de brasileiros que não tinham qualquer ajuda estatal, deverá ser prorrogado por mais um par de meses, em menor valor. Em um novo formato, ele poderia transformar-se em um programa de renda básica como resultado de mudanças, inclusive, no seguro-desemprego.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), deixou, durante o debate, uma informação relevante: Hoje a grande discussão que divide o governo é se a retomada da economia terá que ser feita com base em investimentos públicos ou se deve-se priorizar o investimento privado. Essa é uma divisão que sempre se apresenta nos momentos mais graves de crise, a despeito da absoluta falta de recursos do Tesouro Nacional para investir.

“A situação é extremamente dramática”, disse Bacha, para quem o país enfrenta uma “depressão” econômica. Ele chamou a atenção para pautas que devem ser evitadas tais como tabelamento dos juros ou elevação impostos, conforme proposta que tramita no Senado, de elevar para 50% a alíquota da CSLL cobrada dos bancos, para não se abrir a porta para uma “crise bancária”. E assinalou a importância de se fazer uma distribuição de renda no país sem que para isso tenha que haver “guerra ou revolução”. Os demais participantes concordam com a premência de uma redução das desigualdades e veem possibilidades de investimentos atrativos em saneamento e em infraestrutura, desde que as regras do jogo sejam bem definidas e respeitadas.

Para Ilan, já se sabe que a pandemia da covid-19 será mais longa e terá maior custo do que se imaginou no início da crise e, portanto, “não é hora de grandes gastos em obras públicas”. Segundo ele, há duas questões que merecem atenção: o auxílio emergencial e que a oferta de crédito chegue às pequenas empresas.

Ilan também condenou duas propostas que circulam no governo: a emissão de moeda para financiar o aumento do gasto decorrente da pandemia; e a venda de reservas cambiais com o mesmo propósito. Não há emissão sem custo e se há 20% do PIB em reservas cambiais, do lado do passivo há 20% do PIB em dívida, salientou.

Lembrou ainda que os depósitos remunerados, que permitiriam a emissão de moeda remunerada, são parte de propostas que tramitam no Congresso à espera de aprovação.

Arminio, avisou que olharia “o copo meio cheio” e viu saídas a partir de um ajuste fiscal que ele calcula em torno de 8 pontos percentuais do PIB, que não será feito da noite para o dia. “O Brasil vai ter que fazer escolhas” que, se não forem bem feitas, o futuro será a repetição “dos piores momentos do passado elevado ao cubo”.

Uma das reformas que todos os participantes colocam como prioritária é a do Estado, ou administrativa, para que o horizonte do gasto com pessoal corrija a despesa de cerca de 14% do PIB, hoje menor apenas do que a da África do Sul. Há outras como a tributária e a patrimonial e questões menos tangíveis, como confiança do investidor no país e segurança jurídica dos contratos. Para recuperar a confiança é preciso estabilidade institucional.

Ana Paula Vescovi mostrou a situação das contas públicas antes e depois da pandemia. Fica claro que o país estava em processo de ajuste fiscal, mas foi pego ainda em condições extremamente frágeis.

A pandemia vai elevar em 7 pontos percentuais o déficit primário do governo central. As contas no critério nominal vão encerrar o ano com déficit de 16,3% do PIB, ou R$ 1,12 trilhão, e a dívida bruta saltará para 94,2% do PIB este ano e para 102,8% do PIB em 2028. Os cálculos pressupõem obediência à lei do teto de gastos.

Pequenas empresas
O governo espera que o Programa de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Pronampe) esteja sendo oferecido pelo sistema bancário a partir de segunda-feira. O programa destina às microempresas cerca de R$ 15,9 bilhões com prazo de 36 meses e custo de taxa Selic mais 1,25%.

Os juros que foram aprovados pelo Congresso são tabelados, portanto, em 4,25% ao ano. De antemão, assessores do Ministério da Economia já vislumbram a contrariedade dos bancos privados em operar com essa linha de crédito, pois alegam que 4,25% não seria suficiente para cobrir os custos operacionais. Além do preço, o sistema privado também deverá temer o risco de crédito. Para o dinheiro chegar nas microempresas é bastante provável que a Caixa tenha que ser, mais uma vez, acionada.

Privatização
Começou a tramitar no Congresso Nacional o projeto de lei nº 2.715, que suspende qualquer privatização por 12 meses após o fim do período de calamidade pública. De autoria do depurado Enio Verri, (PT-PR), o projeto tem o apoio da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e de diversas outras entidades sindicais. A suspensão das privatizações até 2022 se justificaria pelas atuais condições de mercado, segundo argumentam os seus defensores. Para o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto, porém, “a Caixa e as demais empresas públicas estão comprovando, especialmente nesta crise, o quanto elas são imprescindíveis para o país”.Está na fila da privatização a Caixa Seguridade e a empresa de Loterias.


Claudia Safatle: Como será o amanhã?

Temor da equipe econômica é que o resultado das ações emergenciais do Executivo desemboque em maior participação do Estado na economia

Há uma forte inquietação na área econômica do governo em busca de um horizonte de definições para o pós-pandemia da covid-19. O temor é que o resultado das ações emergenciais do Executivo desemboque em uma maior participação do Estado na economia, exatamente o contrário da proposta que venceu as eleições de 2018, de redução do papel do Estado na atividade econômica, sintetizada no slogan “Mais Brasil, menos Brasília”, adotado como lema pelo ministro Paulo Guedes, da Economia.

Uma das medidas temporárias que podem se tornar permanentes, na avaliação de técnicos oficiais, é a do auxílio emergencial de R$ 600 para os trabalhadores informais. Concebida para durar apenas três meses, será muito difícil extingui-la sem colocar nada no lugar, segundo essa visão. Trata-se de um benefício que tem tudo para se transformar em um amplo programa de renda mínima, em detrimento de gastos indiretos em projetos sociais.

O problema é o tamanho dessa despesa: o seu custo final caminha para a casa dos R$ 150 bilhões, envolvendo uma parcela gigantesca da população - mais de 79 milhões de brasileiros, segundo prognósticos da Instituição Fiscal Independente (IFI). São os trabalhadores informais, autônomos, microempreendedores individuais (MEI).

Mesmo diante de resistências iniciais, o governo sabe que não será simples suspender a ajuda a essa parcela da população até então invisível.

Um programa estratégico de saída da pandemia, em que o Estado não ampliaria a sua presença na economia, deve aprofundar a agenda liberal, na ótica da equipe econômica. Mas é importante notar que essa alternativa tem pouca aderência às demandas que a elite política propaga em nome do povo.

Uma das medidas defendidas por alguns assessores do governo pressupõe “desencantar” de vez a reforma tributária não para aumentar impostos, mas para reduzi-los como uma iniciativa que poderia dar um choque de produtividade na economia. Os primeiros candidatos a desaparecer, neste caso, seriam os impostos sobre a folha de salários das empresas.

A situação econômica é muito grave e, até o momento, o que há é uma disputa por hegemonia dentro do governo. De um lado estão os que, no Palácio do Planalto, advogam a participação do Estado de maneira quase que inesgotável - como se não houvesse limitações para a ampliação do gasto público - na geração de investimentos e empregos. E de outro lado, há o grupo de economistas do governo, liderado por Paulo Guedes, que pretende retomar a pauta mais liberal como saída estratégica da pandemia. Trata-se, aqui, da velha disputa entre desenvolvimentistas e ortodoxos, cuja história do país é marcada por fracassos da visão dominante pró-gasto público.

Ao Estado resta, por enquanto, o caminho do aumento do endividamento rumo aos 90% do Produto Interno Bruto (PIB), assumindo uma trajetória insustentável cujo desfecho pode ser a dominância fiscal, tão temida pelos seus efeitos nefastos e cujo golpe final seria um “calote” na dívida interna.

Foi essa a gênese do embate travado entre os ministros da Economia e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Marinho estimulou o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, a abraçar a ideia de um programa de investimentos ao melhor estilo do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) concebido no governo Dilma Rousseff. Seria o Pró-Brasil, um plano de investimentos públicos de R$ 184 bilhões por um período de quatro anos, envolvendo projetos de infraestrutura.

Guedes referiu-se a Marinho como um aliado da “gastança” e qualificou o ato do ministro, que chegou ao cargo por indicação do titular da pasta da Economia, de “desleal”. Amigos de Guedes consideraram a atitude de Marinho oportunista. “Ele furou a fila”, indo diretamente ao chefe da Casa Civil vender uma ideia que deveria ter sido submetida, originalmente, a Guedes, que é o guardião da chave do cofre.

O certo, porém, é que a ideia de um PAC subsiste no governo, juntamente com a de uma boa encorpada do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), programa de habitação popular sob a gerência de Marinho.

Foi, porém, na votação da proposta de socorro financeiro aos Estados e municípios, na quarta-feira, na Câmara e no Senado, que se assistiu ao ensaio geral do que ocorre no centro da disputa pelo parco dinheiro público em nome do combate à covid-19.

O Executivo havia proposto que os salários do funcionalismo público da União, dos Estados e dos municípios ficassem congelados até dezembro de 2021, representando uma economia de R$ 130 bilhões. Esse seria o preço a pagar pela crise do coronavírus. No setor privado, boa parte dos trabalhadores teve redução de salários em troca de uma temporária estabilidade no emprego. No setor público, a estabilidade é um direito adquirido.

Durante a tramitação do projeto os parlamentares começaram a excepcionalizar o alcance do congelamento de salários. No texto aprovado pelo Senado os salários ficarão congelados até o fim do próximo ano, exceto para os profissionais das áreas de segurança, saúde e educação dos três entes da federação (União, Estados e municípios) diretamente envolvidos no combate à covid-19. São exatamente essas as áreas onde a folha de salários mais pesa nos cofres dos Estados e municípios.

“Arrombaram a porteira”, comentou um qualificado funcionário do ministério da Economia, tão logo foi encerrada a votação, na noite de quarta-feira. O mais grave é que esse duro golpe desferido em Guedes teve a aprovação prévia do presidente da República, conforme explicou o líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), ao encaminhar a votação. Bolsonaro é sensível às pressões das corporações. Mas depois de aprovado e de ouvir Guedes, Bolsonaro disse ontem que pode vetar a parte da proposta que excepcionaliza o congelamento dos vencimentos do funcionalismo. E, mais uma vez, ele garantiu que quem manda na economia é o ministro Paulo Guedes.


Claudia Safatle: Estado vai investir na recuperação pós crise

Área econômica estuda o uso de reservas cambiais para financiar retomada

O plano de recuperação da economia no pós coronavírus exigirá do Estado investimentos pesados que, somados às medidas recentes de socorro às empresas e aos empregados, além do auxílio de para os trabalhadores informais, elevará substancialmente os gastos públicos. Técnicos da equipe econômica avaliam, em cálculos preliminares, que a dívida bruta poderá sair do patamar de 75,8% do PIB, registrado no ano passado, para a faixa entre 85% e 90% do PIB neste ano.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) está encarregado de preparar um plano de recuperação da economia nos moldes do Plano Marshall - que era oficialmente chamado, nos Estados Unidos, de Programa de Recuperação Europeia, que financiou a reconstrução dos países aliados nos anos que se seguiram à Segunda Guerra.

Com o esperado processo de “desglobalização”, na medida em que as economias que hoje sofrem com a pandemia devem se fechar, o governo pretende recompor as cadeias produtivas no mercado doméstico; patrocinar investimentos em infraestrutura na linha das PPP (Parcerias Público Privadas) e do PPI (Programa de Parceria de Investimentos); e reforçar a rede de proteção social para socorrer os novos desempregados.

Para financiar a recuperação da economia o governo pensa, sim, em usar um pedaço das reservas cambiais. Em recente conversa por videoconferência com um grupo de senadores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou a possibilidade de vender uns US$ 70 bilhões das reservas internacionais para dispor de mais de R$ 350 bilhões, que ajudariam substancialmente a reduzir a conta do endividamento público gerado pela pandemia do coronavírus. Se a dívida chegar ao patamar de 90% do PIB, terá crescido em um ano pouco mais de R$ 1 trilhão.

Aliás, Guedes salientou que no ano passado vendeu US$ 30 bilhões das reservas e ninguém comentou ou notou.

Quem torce o nariz para essas conversas é o presidente do Banco Central, Roberto Campos, que, até por dever de ofício, não gosta de misturar política fiscal com a gestão monetária. As reservas são um ativo do BC cujo passivo são os títulos públicos emitidos para esterilizá-las, que hoje têm um custo mais baixo dada a queda da taxa básica de juros (Selic).

Os técnicos que defendem o uso de parte razoável das reservas (que totalizavam, ontem, US$ 341,2 bilhões) também não apreciam muito a ideia, mas “a dimensão da crise é assustadora e exigirá medidas excepcionais”, comentou uma fonte da área econômica.

Teme-se, muito, pelo risco da economia brasileira entrar em depressão. Pior do que a recessão, a depressão econômica caracteriza-se por um círculo vicioso de queda da renda, contração do crédito, do investimento, do emprego. Foi o que aconteceu nos anos 30, com a Grande Depressão, uma crise que começou com o “crash” na bolsa de Nova York que contaminou a economia mundial e cujo círculo vicioso só foi rompido com pesados investimentos feitos pelo Estado.

Hoje, na visão de economistas oficiais, há uma crise sistêmica, que atingiu em cheio os Estados Unidos - que continuam sendo a locomotiva do mundo. As projeções para o nível de atividade nos EUA vão de uma contração de 6% a até 20%, citou uma fonte.

“O pessoal não está se dando conta de que o estrago na economia vai ser muito grande, rompendo cadeias produtivas no mundo”, completou. Nesse meio, o Brasil tem na agricultura um trunfo. É o único setor que poderá crescer neste ano. A expectativa é de uma expansão de 2,5%.

Na mesma videoconferência que teve com senadores na quinta-feira da semana passada, o ministro da Economia mencionou como possível uma recessão no país, com queda do PIB da ordem de 4%, a depender da duração do confinamento e da paralisia na atividade econômica.

Há quem considere esse prognóstico de Guedes já bem defasado “A devastação é gigantesca”, comentou a fonte do governo.

O ex-presidente do BC Arminio Fraga, em uma live na noite de quarta-feira, disse que o país deverá ter, neste ano, “uma grande recessão”, com queda de até 8% do PIB.

Obscena é a leitura da edição de terça feira do “Diário Oficial do Estado Rio de Janeiro”, que publicou a lei 8.793, sancionada pelo governador Wilson Witzel, autorizando o governo a alterar o Orçamento de 2020 para permitir revisão das remunerações dos servidores estaduais. Ainda não há informações sobre quanto vai custar o aumento de salários dos servidores do Rio, informa o colunista do Valor Ribamar Oliveira, na edição de ontem do jornal.

É necessário lembrar que outros entes da federação concederam, recentemente, reajuste salarial a seus servidores, como foi o caso de Minas Gerais, que, tal como o Rio, é um Estado falido que busca ajuda junto ao governo federal para pagar suas contas, inclusive as dos aumentos de salários.

Em meio a mais grave pandemia que o Brasil já viveu, com previsões catastróficas de recessão na economia por causa da paralisação das atividades em função do combate ao coronavírus, governadores quebrados, pressionando o Tesouro Nacional por mais ajuda, querem espaço no orçamento para aumentar salários dos servidores!.

Isso soa como afronta aos trabalhadores do setor privado que estão tendo que aceitar 25%, 50% e até 70% de redução dos salários em troca da permanência no emprego. Já foram assinados mais de 2,4 milhões de acordos dessa natureza desde a edição da medida provisória que autoriza a negociação direta entre empregados e empregadores e que normatiza, também, a suspensão temporária do contrato de trabalho.

Os parlamentares que votaram a favor da aprovação do plano de socorro a Estados e municípios, pela União, num valor de R$ 100 bilhões, sem qualquer condicionalidade, deveriam trabalhar, agora, para colocar uma cláusula nessa negociação, proibindo os governadores de aumentar salários por pelo menos um par de anos.

São os “caronavírus”, uma doença endêmica no Brasil, conforme cunhou o economista Marcos Mendes em artigo recente.


Claudia Safatle: Para quando o voucher de R$ 600 chegar

Está nas mãos dos liberais a edição de um plano keynesiano

Das medidas anunciadas pelo governo federal para o combate ao coronavírus, as mais urgentes e ainda não operacionalizadas talvez sejam a do “voucher” destinado aos cerca de 38 milhões de trabalhadores informais, no valor mensal de R$ 600 por três meses; e a proposta de medida provisória que regulamentará a suspensão temporária do contrato de trabalho (“layoff”) e definirá quem vai pagar os milhões de trabalhadores de micro, pequenas e médias empresas que estarão nesse regime. Provavelmente um percentual do rendimento mensal desses empregados será financiado pelo seguro desemprego. Uma outra parcela deverá caber aos empregadores, na proporção do tamanho das empresas.

Passados oito dias do anúncio do voucher, a proposta ainda não foi aprovada pelo Congresso. Os deputados sugeriram aumentar dos R$ 200 iniciais oferecidos pelo governo para R$ 500. O presidente Jair Bolsonaro, porém, anunciou o valor de R$ 600 com autorização prévia, segundo ele, do ministro da Economia, Paulo Guedes.

O governo estimou gastar R$ 22 bilhões com essa ajuda de R$ 200 que Guedes chamou de “cheque cidadão”. Para chegar aos R$ 600, a despesa sobe para algo próximo a R$ 45 bilhões.

Os informais são pessoas que, diante do isolamento social decretado pelos governos dos Estados no enfrentamento da pandemia, perderam as condições de trabalho e estão, desde então, sem renda sequer para comprar alimentos.

A medida, que estava sendo apreciada ontem pela Câmara, ainda terá que passar pelo crivo do Senado antes de o dinheiro chegar no bolso dos trabalhadores autônomos.

Paciência infinita
Será preciso uma paciência infinita para esperar por esses recursos, se é que eles ainda encontrarão os destinatários com vida.

A medida provisória do “layoff” que está “praticamente pronta”, segundo assessores, desde a semana passada, também ainda não foi encaminhada ao Congresso Nacional. Enquanto isso, um contingente imenso de pessoas está em confinamento e sem renda alguma.

Diariamente os técnicos são cobrados pelos jornalistas e respondem que “talvez amanhã” a MP esteja pronta. Faltam apenas uns “ajustes finos”, argumentam.

A demora em encaminhar uma MP com esse alcance decorre, também, do temor que técnicos, gestores e ordenadores de despesas têm porque responderão a eventuais problemas da medida com o seu CPF.

O Ministério da Economia calculou, ontem, em R$ 306,2 bilhões o total de ações já em curso para conter a pandemia do coronavírus que o governo divulgou até o dia 25. O primeiro lote de medidas somou R$ 147 bilhões. Foram R$ 23 bilhões de antecipação para abril do pagamento de metade do 13º de aposentados e pensionistas do INSS; R$ 12,8 bilhões para antecipação do abono salarial para junho; e aumento do orçamento do Bolsa Família em R$ 3,1 bilhões, que permitirá a inclusão de mais de 1 milhão de famílias que estão na fila de espera. Além dessas houve, também, o adiamento do pagamento do FGTS por três meses, com impacto de R$ 30 bilhões e igual adiamento para as empresas inscritas no Simples Nacional do pagamento de impostos federais, calculados em R$ 22,2 bilhões, dentre outras.

Em seguida governo e o BNDES anunciaram medidas que somaram R$ 55 bilhões. São elas: a transferência de R$ 20 bilhões do PIS/Pasep para o FGTS; R$ 19 bilhões e outros R$ 11 bilhões em suspensão temporária de pagamentos de parcelas de financiamentos diretos e indiretos, respectivamente, para empresas; e R$ 5 bilhões para ampliação do crédito para micro, pequenas e médias empresas.

Esta semana também teve o pacote de socorro aos Estados e municípios, que representa um total de R$ 88,2 bilhões?

Depois de aprovada pela Câmara e pelo Senado, a medida do voucher irá para a sanção presidencial. Após a sanção o Executivo enviará ao Congresso uma proposta de abertura de crédito extraordinário para financiar a despesa.

Depois de cumprido todo esse ritual é que os técnicos do governo vão viabilizar a transferência de dinheiro para os trabalhadores informais. Eles devem usar o Cadastro Único, por meio do qual são destinados os benefícios sociais do governo federal, a exemplo do Bolsa Família e da tarifa social de energia.

O governo deverá usar as agências do Banco do Brasil e da Caixa, inclusive as casas lotéricas, para enviar o dinheiro a esse universo de pessoas.

Qualquer iniciativa de aumentar a despesa pública sem uma medida compensatória de redução de outro gasto precisará, porém, esperar a aprovação do projeto que altera o artigo 114 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que exige tal compensação.

O empresário Abílio Diniz informou, na noite de quarta-feira, que falou com o ministro Paulo Guedes e foi autorizado a divulgar que o ministério vai injetar R$ 600 bilhões para a retomada econômica do País. “Na retomada, é preciso dinheiro. Paulo Guedes vai colocar R$ 600 bilhões na economia. Falei com ele hoje e ele me autorizou a dizer”, afirmou o empresário.

O ministro sabe que para viabilizar o plano de recuperação da economia brasileira, ele terá que aumentar a dívida bruta interna e, muito provavelmente, terá que emitir moeda.

A condicionalidade que ele coloca, porém, é a de que a aprovação das reformas estruturantes pelo Congresso seja compatível com o tamanho do esforço para o combate à covid-19 e para a reconstrução social e econômica no pós coronavírus. Caberá ao governo ajudar as empresas para que se restabeleça a cadeia de produção. E, já que vai ter que gastar, que priorize também os investimentos públicos que neste ano estão em situação crítica. A conta de investimentos do governo federal este ano é de somente R$ 19 bilhões.

O destino está colocando no colo dos economistas liberais a necessidade de um verdadeiro programa keynesiano de socorro imediato e de posterior reconstrução do país.

Eis o desafio!


Claudia Safatle: A recessão é inevitável

Preocupação é salvar vidas e preservar o maior número possível de empresas

A grande preocupação do governo, nesse momento em que a disseminação da covid-19 assume proporções dramáticas, é preservar vidas e salvar o maior número de empresas possível para que haja uma estrutura na economia capaz de reagir quando o coronavírus for se enfraquecendo. Recessão se mostra inevitável, sobretudo a partir do segundo trimestre, mas também ainda neste primeiro trimestre o Produto Interno Bruto já poderá vir negativo.

O tamanho do tombo na economia vai depender da duração, do tempo em que o coronavírus estiver se multiplicando. Segundo os gráficos abaixo, na China a situação se estabilizou em um tempo relativamente rápido. A curva da pandemia é côncava.

Para a atividade econômica, a situação é terrível. “É um fosso sem piso”, diz Silvia Matos, economista coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, cuja missão, agora, é recalcular todos os indicadores macroeconômicos para este ano. Ela está trabalhando em casa, assim como toda a sua equipe. “É uma situação de guerra mesmo! Não tem como pensar em economia funcionando. A economia real não é no home office!”

Nesse ambiente, o que vai acontecer com a política fiscal, com a inflação ou com o endividamento do setor público, parece questões fúteis. Ao Estado cabe cuidar das pessoas, dar-lhes alimentação e acesso à saúde.

O voucher de R$ 200 por mês para os trabalhadores informais é pouco para enfrentar os próximos dois a três meses, mas o principal, agora, é fazê-lo chegar ao destinatário.

Para isso, o Cadastro Único, que reúne praticamente 30 milhões de famílias, é o ponto de partida. O governo vai utilizar casas lotéricas e caixas eletrônicos para dar acesso a esses recursos.

Diante da inevitabilidade de aumento do desemprego, o governo edita medida provisória para regulamentar a suspensão temporária do contrato de trabalho (“lay off”). O empregado receberá pelo seguro-desemprego, e a MP deverá retirar a intermediação dos sindicatos para que haja uma negociação direta entre patrões e empregados. Lá na frente, quando a situação se normalizar, a lei determina que o trabalhador volte ao seu emprego.

O governo federal diferiu por 180 dias o recebimento do Simples, mas poucos Estados e municípios estão acompanhando essa medida, adiando também o pagamento dos tributos estaduais e municipais do sistema.

Até agora somente a prefeitura de Belo Horizonte e o Estado de Alagoas aderiram. Os demais estão exigindo contrapartidas do governo federal, segundo alta fonte da área econômica. Essa mesma fonte diz: “Estamos fazendo o que estamos vendo. O que vamos ver mais adiante, faremos também”.

Outro passo dado pela área econômica refere-se ao capital de giro das empresas, mas sabe-se bem que o sistema financeiro doméstico não gosta de operar com pequenas e médias empresas. Eles emprestam, na melhor das hipóteses, para as maiores do grupo das pequenas.

Essa vai ser a terceira área de atuação do governo, disse uma outra fonte, sem especificar exatamente em que direção. Se, por exemplo, se usaria dos bancos públicos federais, como o BNDES, para prover essas empresas de capital de giro.

Estamos em guerra e não é hora de seguir dogmas nem de politizar o coronavírus. É hora, sim, de tentar minimizar o que já é, por si, uma catástrofe social e econômica.

*Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação


Claudia Safatle: Uma visão crítica da inteligência nacional

Para Delfim, governo deveria focar na PEC Emergencial

Delfim Netto, 92 anos, ficou em frente à TV por três horas, assistindo a votação no Congresso que derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro à ampliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC), e concluiu: “Acabou a inteligência no Brasil”.

A reação dos parlamentares ao impor uma grave derrota ao governo de Bolsonaro foi um ato impensado, irresponsável mesmo. “Explodiram o teto do gasto!”, reagiu o ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto.

Ao derrubar o veto presidencial, o Congresso criou uma despesa permanente da ordem de R$ 20 bilhões por ano sem indicar a devida receita para financiar a nova despesa.

O BPC, instituído pela Constituição de 1988, equivale a um salário mínimo por mês e destina-se às pessoas deficientes e idosos a partir de 65 anos cuja renda familiar per capita seja menor do que um quarto do salário mínimo. Com a derrubada do veto, ele passa a cobrir, também, idosos e deficientes com renda familiar per capita equivalente à metade de um salário mínimo.

O governo, por seu turno, não tem feito nada para melhorar o ambiente entre o Executivo e o Legislativo. Ao contrário, cada vez que o presidente da República fala é para insuflar o mal-estar das relações políticas.

“O problema ideológico atingiu tal dimensão que a coisa mais pecaminosa é ter lógica”, desabafou Delfim.

Por mais meritório que possa parecer, o Congresso criou um gasto no pior momento possível, em meio à hecatombe do coronavírus, que está causando destruição por onde passa e já se instalou por aqui.

“Foram ver se tinha gasolina no carro e acenderam um fósforo”, continuou o ex-ministro. “A maior burrice é repetir medidas que já não deram certo no passado na pretensão de que agora elas darão certo”, completou ele, referindo-se à votação de quarta-feira no Congresso.

Acostumado a assistir o Estado regando a economia com dinheiro barato do Tesouro, o país se vê perplexo diante da falta de ação do governo federal. Afinal, o BNDES dispõe de R$ 140 bilhões em caixa. “Para emprestar para quem? Para a JBS?”, pergunta o ministro da Economia, Paulo Guedes, quando confrontado com esses recursos no caixa do banco. A rigor, ainda está em discussão o quanto o BNDES terá que devolver à União neste ano a título de antecipação do pagamento de empréstimos feitos pelo Tesouro Nacional à instituição financeira. Será algo inferior, mas não muito, a R$ 100 bilhões, segundo fontes oficiais.

Para agir, o governo tem que, primeiro, identificar onde estão os problemas mais graves gerados pela disseminação do coronavírus. Já deveria, por exemplo, estar liberando recursos para o Ministério da Saúde para que ele estruture um programa de ajuda aos Estados e municípios, municiando as unidades da federação de mais leitos hospitalares e de equipes treinadas para lidar com a nova doença, a covid-19.

Medidas emergenciais não são barradas pela lei do teto do gasto público. A própria lei contempla a possibilidade de o governo abrir crédito extraordinário para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, tais como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, como está previsto no artigo 167, parágrafo 3º da Constituição.

Portanto, não há a necessidade de se flexibilizar o teto para enfrentar a pandemia. O que é preciso é ter agilidade para tomar as medidas corretas.

Essa é uma crise diferente de todas que o país já viveu. Não se trata de um problema geral de liquidez, como ocorreu no auge da grande crise financeira mundial, em 2008/2009.

Também não tem nada a ver com a crise da dívida externa que resultou na década perdida dos anos de 1980.

Essa crise se notabiliza por um choque de oferta seguido de um choque de demanda - porque as cadeias produtivas globais estão se rompendo e isso prejudica a produção de bens e serviços e, sem produção, a demanda das empresas também cai.
Alguns setores, como o aéreo, já começaram a sentir dificuldades na obtenção de crédito por parte do sistema financeiro. Nesses casos, caberá ao Banco Central agir para garantir um mínimo de funcionalidade aos mercados.

Ontem o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, se antecipou e anunciou a disponibilidade de novos R$ 50 bilhões para capital de giro das empresas. Ele disse, também, que o banco poderá comprar carteira de crédito de instituições menores em caso de aperto.

O pânico se instalou nos mercados, onde a pandemia está provocando uma verdadeira devastação. As instituições, ontem, começaram a tomar medidas de proteção, restringindo o acesso das pessoas aos seus prédios. Portaria assinada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, prevê que apenas as partes dos processos e os seus advogados poderão participar das sessões de julgamento.

O presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre, estaria cogitando, segundo fontes ouvidas pelo Valor, decretar recesso parlamentar. Um fato que contribuiria para essa decisão seria a confirmação de casos de parlamentares que teriam contraído a doença.

Dois senadores e dois deputados participaram da comitiva presidencial que visitou os Estados Unidos recentemente. Eles tiveram contato com o secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, que estava na comitiva e cujo teste para o coronavírus, feito ontem, deu positivo.

Por todo o avanço que o Congresso tem feito sobre o dinheiro do Orçamento, sobretudo as últimas negociações entre o Parlamento e o Palácio do Planalto em torno do Orçamento impositivo, Delfim constata, também, que “essa gente está tirando a possibilidade de o Brasil crescer”.

Sobre Paulo Guedes, o ex-ministro disse que quem tem 20 prioridades não tem nenhuma. Essa é uma crítica ao ofício que o ministro da Economia enviou ao Congresso Nacional, listando praticamente duas dezenas de projetos que lá tramitam e que são de interesse do Executivo sobretudo agora, quando se exige do governo respostas à altura da pandemia. Para Delfim, Guedes deveria estar focado na PEC Emergencial.


Claudia Safatle: Crédito para consumo sustenta o PIB

Sem os mais importantes vetores que deveriam dar impulso ao crescimento - investimentos e exportações - o consumo doméstico passou a liderar a retomada

A expansão do consumo das famílias é o que está sustentando o nível de atividade econômica do país. A despeito da estagnação dos salários reais, a oferta de crédito associada a medidas pontuais - como a liberação do FGTS - ajuda a impulsionar o consumo, que, atualmente, está apenas 2% abaixo do que foi no quarto trimestre de 2014, quando atingiu o pico. Depois desse período, as famílias, superendividadas, começaram um longo e penoso processo de desalavancagem, juntamente com as empresas.

Em um movimento de curvatura semelhante, o PIB está praticamente no mesmo patamar que estava no segundo trimestre de 2015 e encontra-se 3% aquém do pico prévio à crise, no quarto trimestre de 2014.

A abertura das informações sobre o padrão da recuperação econômica do país traz dados interessantes. Segundo Manuel Pires, economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), esta é a primeira das grandes crises econômicas cuja recuperação não carrega o aumento da produtividade.

Na crise da dívida externa dos anos 1980, por exemplo, depois de uma maxidesvalorização da taxa de câmbio, a retomada ocorreu de forma rápida e com crescimento da produtividade do trabalho. O mesmo aconteceu na crise do governo Collor de Mello, em 1992, quando a produtividade cresceu durante os seis anos seguintes. Outro exemplo semelhante é entre 2015 e 2016, com a recessão e a queda da presidente Dilma Rousseff. A recessão termina em 2017, em uma recuperação da economia que também veio com algum aumento da produtividade. A performance da economia nos dois anos posteriores, 2018 e 2019, porém, veio acompanhada de uma estagnação dos indicadores de produtividade (por horas trabalhadas a preços de 2017). Pires, autor do trabalho em que abre os indicadores da recuperação econômica do país, chama a atenção para a falta de cuidado do governo com a questão da produtividade.

A propagação do coronavírus e a desmedida atitude do presidente Jair Bolsonaro, ao convocar em mensagem por WhatsApp o povo para as ruas, no dia 15 de março, em protesto contra o Legislativo e o Judiciário, em um confronto institucional, contaminam o ambiente econômico.

O investimento privado estrangeiro e nacional, que deveria crescer para aumentar a oferta de bens e serviços e gerar empregos, não se materializa. Passados quase seis anos do auge da recessão, o investimento ainda está 24,7% abaixo do seu pico histórico, que foi no segundo trimestre de 2013; e 17,5% abaixo do pico prévio à crise de 2014/2015.

As exportações, que poderiam ser um motor do crescimento doméstico, até em resposta à desvalorização do real em relação ao dólar, vinham crescendo, mas caíram 9% no último trimestre de 2019. Com a desaceleração da economia mundial em geral e da China, em particular, por ser o epicentro do coronavírus, não se deve esperar nada de positivo para a retomada do crescimento brasileiro no comércio internacional. A Argentina, em crise econômica, e China são dois grandes parceiros comerciais do Brasil.

Sem os mais importantes vetores que deveriam dar impulso ao crescimento - investimentos e exportações -, o consumo doméstico passou a liderar a retomada da atividade, ainda frágil, lenta e movida, novamente, pelo endividamento das famílias.

Pode não ter nada de errado nisso, mas é um inegável fator de risco. A expansão do crédito para consumo é, hoje, um motor da recuperação cíclica.

A imagem que o ministro da Economia, Paulo Guedes, faz do Brasil é a de uma baleia cravada de arpões, com tremenda dificuldade para se mover. A tarefa do governo é retirar os arpões para que a baleia possa navegar. O primeiro que foi tirado foi com a reforma da Previdência.

Mas tem muito mais a ser feito e é preciso, portanto, prosseguir com as reformas, seja a tributária, seja a administrativa, assinala o ministro.

Nessa tarefa, de recolocar a atividade econômica nos trilhos, Guedes tem recebido críticas sobretudo dos ministros militares, por não estar entregando um desempenho melhor da atividade econômica.

Como está, dá para crescer neste ano cerca de 2%, sentencia Guedes. Ele completa: “Eu nunca falei que ia voar”.

Na pesquisa Focus, do Banco Central, do fim de 2019 até o boletim de 21/22 de janeiro, as expectativas para variação do Produto Interno Bruto (PIB) saíram de 2% para 2,33%, em uma trajetória que tendia para 2,5% de crescimento. Mas de lá para cá as expectativas começaram a murchar e hoje já encontram-se em 2, 20%.

O confronto aberto por Bolsonaro e o coronavírus são eventos dramáticos que minam completamente o terreno da atividade produtiva, desestimulam os novos investimentos e nada acrescentam ao bem-estar da população. Esta se vira como pode e se refugia na informalidade, em que os ganhos de produtividade praticamente inexistem.

Se querem encontrar culpados pela frustração do crescimento econômico, é importante olhar para o comando do Palácio do Planalto. É de lá que vem sinais muito estranhos que geram instabilidade, minam a confiança - artigo fundamental para os investidores - e ferem a democracia. Assim, não chegaremos a lugar algum!


Claudia Safatle: Não é hora de relaxar

A redução da dívida bruta/PIB se deu por razões conjunturais

Três fatores contribuíram para a primeira queda da dívida bruta do governo geral como proporção do PIB desde 2013. Foram eles: o crescimento da economia (de algo em torno de 1,2% em 2019), que reduziu a dívida em 3,9% do PIB; a venda de reservas cambiais pelo Banco Central, que contribuiu com uma queda de 2% do PIB; e a antecipação de pagamentos dos empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES, no valor de R$ 123 bilhões, que abateu mais 1,4% do PIB da dívida bruta.

O BNDES ainda tem cerca de R$ 165 bilhões de empréstimos do Tesouro e parte desses recursos vai entrar no caixa da União neste ano. A retração da dívida bruta como proporção do PIB no ano passado dá um grande alívio ao governo, mas, segundo o secretário Especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, não pode ser vista como uma redução estrutural.

Se nos próximos oito anos o governo geral apresentasse um superávit primário de 0,5% do PIB, na média do período, a dívida bruta cairia dos atuais 75,8% do PIB para a faixa de 65% do PIB, explicou ele.

Seria uma queda importante, de dez pontos percentuais do PIB, mas ainda assim o endividamento do setor público consolidado estaria muito alto comparado aos outros países emergentes e ao próprio país, que, em 2012, tinha uma dívida bruta correspondente a 52% do PIB.

“Se relaxarmos na área fiscal, achando que a queda da dívida decorreu de fatores estruturais, tudo pode ser desfeito em relativamente pouco tempo”, alertou Waldery.

“Não existe na história do país - apesar de as estatísticas antes de 1994 serem contaminadas pela elevada inflação - um período de sete anos de déficit primário [de 2014 até hoje]. Isso é muito forte”, salientou o secretário.

Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) consta a projeção de um déficit primário de R$ 31,2 bilhões, equivalente a 0,2% do PIB, para 2022, último ano do governo Bolsonaro. Com um pouco mais de esforço seria possível praticamente zerar a série de anos deficitários, se a política fiscal for restritiva.

A dívida bruta do setor público é o principal indicador de solvência do país. Waldery contou que em dezembro de 2018, quando ainda estava no governo de transição, os vários relatórios do setor público indicavam que a dívida/PIB avançaria para um patamar muito próximo de 80%. Havia algumas projeções que “furavam” os 80%. Mas o fato é que “a dívida não só não subiu, mas caiu”, disse.

O significado dessa nova trajetória da dívida é se distanciar um pouco mais do risco de insolvência, de um “calote” na dívida pública. Para este ano a expectativa é de ter mais uma pequena queda desse indicador, “na primeira casa decimal”, citou o secretário. Assim, ela será menor do que o resultado do ano passado, de 75,8% do PIB, que já foi menor do que os 76,5% do PIB de 2018.

Os governos passados bem que tentaram resolver o buraco nas contas públicas com atalhos. Primeiro, houve a hiperinflação. Depois, a elevação da carga tributária e, por fim, o aumento do endividamento.
“Esgotaram-se as alternativas”, segundo o secretário. Hoje 14 Estados estão em situação de emergência fiscal - com a despesa corrente absorvendo mais de 95% das receitas correntes - e mais da metade dos 5.570 municípios também.

“A comemoração de um resultado fiscal melhor do que achávamos não nos permite relaxar. Precisamos continuar com a política de zelo fiscal e de aprovação das reformas estruturais”.

A queda da taxa básica de juros (Selic), hoje em 4,25% ao ano, o menor nível da história, deu uma importante ajuda para a redução do pagamento de juros da dívida. “Pagamos R$ 69 bilhões a menos de juros em 2019 do que esperávamos em dezembro de 2018.”
Para este ano as projeções indicam que serão gastos R$ 120 bilhões a menos com juros do que a equipe calculava na transição de governo. Em 2021 serão menos R$ 126 bilhões e, em 2022, menos R$ 102 bilhões.

Isso resultará em R$ 417 bilhões a menos de gastos com o pagamento de juros da dívida no governo Bolsonaro.

Com a despesa primária equivalente a 19,4% do PIB e uma receita total de 17,5% do PIB, sobra, para este ano, um rombo de 1,9% do PIB, que equivale ao déficit primário, segundo o orçamento para o exercício. Isso não significa, porém, que o déficit vai se realizar nessa proporção.

Do total das despesas, três lideram de longe: 8,6,% do PIB corresponde aos gastos com a Previdência Social, que, mesmo com a aprovação da reforma, continuará deficitária. A reforma foi suficiente para frear uma trajetória explosiva. Outra grande despesa é com juros da dívida, que a queda da Selic vai reduzir em R$ 104 bilhões por ano, na média dos quatro anos do governo de Bolsonaro. Pessoal e custeio são uma despesa de 4,3% do PIB. Essa não é crescente no tempo, mas estacionou em um patamar elevado, segundo Waldery. Uma comparação internacional indica que a massa salarial do setor público do Brasil corresponde ao que é gasto com o funcionalismo da França.

A ideia do governo é enfrentar o elevado gasto com a folha de salários com a proposta de reforma administrativa.

Foi com receitas não recorrentes que o governo fechou as contas do ano passado com um déficit bem menor do que autorizado pela lei orçamentária. Isso significa que há um longo trabalho para resolver os buracos nas contas públicas. O secretário de Fazenda disse que “não fizemos metade do que precisa ser feito”. Seu foco, agora, está na aprovação das três PECs - a do pacto federativo, a da emergência fiscal e a dos fundos.

*Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação


Claudia Safatle: Amazônia passa ao topo da agenda do governo

Ministro promete debater regulamentação da mineração em terra indígena

Foi do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a ideia de se criar, no governo, uma coordenação para as políticas de desenvolvimento e preservação ambiental da Amazônia. Esta seria a resposta inicial à opinião pública e às pressões de investidores internacionais. Segundo relato de Salles, ele conversou com o presidente Jair Bolsonaro na segunda-feira da semana passada e disse que gostaria de levar o tema Amazônia para ser discutido na reunião ministerial convocada para o dia seguinte, terça-feira, no Palácio da Alvorada.

O argumento do ministro fazia todo sentido, já que o assunto é de grande complexidade e envolve vários ministérios, não sendo suficiente, portanto, a atuação da pasta do Meio Ambiente. A coordenação também não poderia ficar em suas mãos, pois deveria vir de uma instância superior para que os demais ministros envolvidos no assunto a ela se submetessem.

A agenda da bioeconomia é uma interação entre o que faz o MMA e o Ministério da Economia. A fiscalização é feita por Ibama e ICMbio (Instituto Chico Mendes) em complemento com a Força Nacional de Segurança do Ministério da Justiça. O monitoramento é da alçada do Ministério da Defesa e de parte do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Tem ainda a área de regularização fundiária, que é da competência do Incra, no Ministério da Agricultura.

Diante da gravidade da questão ambiental, cuja negligência incendiou a opinião pública internacional e já afeta os fluxos de capitais externos para o país, não se trata de dar uma resposta de marketing. “É preciso construir uma solução para o problema da Amazônia”, avalia o ministro.

“Estamos falando da região mais rica em recursos naturais do país e com o pior Índice de Desenvolvimento Humano [IDH]”, salienta o ministro do Meio Ambiente. Ela é do tamanho de 16 países europeus - corresponde à área que vai de Portugal à Polônia - e lá vivem 20 milhões de brasileiros que não têm nenhuma atividade econômica que lhes empregue.

“Se não criarmos alternativas eles vão cortar árvores ou minerar. Foi nesse sentido que o Paulo Guedes [ministro da Economia] disse, em Davos, que o maior inimigo do ambiente é a pobreza. A falta de perspectiva de renda é que faz essas pessoas serem cooptadas por atividades ilegais”, diz.

O natural seria criar uma área de coordenação na Casa Civil, mas antes mesmo de Salles, na reunião, verbalizar essa ideia o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, sugeriu:

“Por que não convidamos o general Mourão [vice-presidente Hamilton Mourão], que comandou a Amazônia, para fazer esse trabalho?”.
Bolsonaro concordou e pouco depois colocou no seu Twitter a decisão de criar o Conselho da Amazônia e a Força Nacional Ambiental, sob o comando de Mourão. Salles, como autor da iniciativa, não se sentiu enfraquecido.

Para compor a Força Ambiental, o procedimento será igual ao da Força Nacional de Segurança. O Ministério da Justiça deverá disparar ofício para as secretarias de Segurança dos Estados pedindo para que disponibilizem determinado número de policiais especializados em meio ambiente. Os governos estaduais enviam suas tropas e arcam com os salários e a Força Nacional os remunera com diárias e lhes fornece equipamentos, logística e alimentação.

A missão é específica, por exemplo, uma operação de 30 dias no Pará. Encerrada a tarefa, os policiais voltam para os seus Estados.

Ao mesmo tempo as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com a atuação das Forças Armadas, devem continuar e a expectativa é que neste ano elas durem de março a outubro, cobrindo, assim, todo o período da seca na região, quando ocorrem as queimadas ilegais.

O comando da Força Nacional Ambiental será dividido entre as pastas da Justica e do Meio Ambiente, com base na estratégia de atuação definida pelo Conselho da Amazônia.

A política de defesa da Amazônia deve ser feita com base em cinco pilares, defende Salles. São eles: a regularização fundiária, os pagamentos por serviços ambientais, o zoneamento econômico ecológico - um plano diretor que identifique territorialmente as potencialidades e as fragilidades da floresta -, a bioeconomia e o comando e controle.

O ministro defende, também, a regulamentação da mineração em terras indígenas. Em dezembro de 2018, segundo ele, a Agência Nacional de Mineração identificava mais de 870 pontos de mineração ilegal conhecidos. “Não foi uma boa política pública adotar a regra do ‘faz de conta’ que não pode minerar na Amazônia ou nas terras indígenas. Eles vão minerar”, diz.

Ele conta que esteve na reserva indígena Roosevelt, em Rondônia, onde há mineração de cassiterita. Assim que o helicóptero do Ibama, que o levava, pousou, as pessoas correram para o mato. Aos poucos elas começaram a voltar. Primeiro as crianças, depois as mulheres, depois os mais velhos e por fim o cacique.

“Conversa daqui e dali, eu falei para o cacique: ‘O senhor sabe que nós vamos destruir os equipamentos aqui’. Ele respondeu: ‘Pode destruir. Na semana que vem está tudo aqui. Nós tiramos R$ 70 mil por semana e na semana que vem já compramos tudo de novo’.”
Salles garantiu que o governo vai regulamentar a atividade mineradora na região. “Colocaremos parâmetros restritivos, porém aceitáveis, de forma que eles possam sobreviver. Será uma política pública realista.”

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, está concluindo uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que deverá estabelecer que até 3% ou 5% do território poderá ser objeto de licenciamento para exploração.

O argumento do ministro é de que não é possível fazer de conta que não existe uma pressão legítima dos povos da floresta para explorar aquele território onde há grandes reservas de cassiterita, de ouro, nióbio. “Vamos discutir a regulamentação. É só quebrar o preconceito do debate”, conclui.

*Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação


Claudia Safatle: Reflexos do juro baixo na taxa de câmbio

Vendas de swaps ou de reservas têm igual impacto fiscal

Três fatos explicam o movimento de câmbio financeiro negativo de US$ 18,16 bilhões neste ano. São eles: a queda dos ganhos de arbitragem decorrentes da redução do diferencial entre as taxas de juros internas e externas, com o corte da taxa Selic para 6% ao ano; as incertezas domésticas que se retroalimentam com a sucessão de crises produzidas pelo presidente Jair Bolsonaro; e, não menos importante, a tensão em torno da briga comercial entre os Estados Unidos e a China e a crescente aversão à risco.

Sazonalmente o fluxo cambial é positivo no primeiro semestre, sobretudo pelas exportações agrícolas, e perde força nos últimos meses do ano, período marcado pelas remessas de lucros e dividendos das empresas estrangeiras no país.

O fluxo comercial tem sido positivo e, entre janeiro e agosto, abateu em US$ 12,55 bilhões a posição deficitária do financeiro, encerrando o periodo com uma saída líquida pequena, de US$ 5,6 bilhões, segundo dados até o dia 23 de agosto.

O Banco Central entendeu que há um problema de escassez de liquidez em dólares e acentuou as intervenções no mercado de câmbio. Começou com leilões diários de até US$ 550 bilhões com a venda de dólar à vista e simultânea oferta de swap reverso (que corresponde à compra de dólar no mercado futuro).

Nesta semana, porém, o BC surpreendeu ao vender dólares das reservas cambiais no mercado à vista - operação que ele não fazia desde o dia 3 fevereiro de 2009 (durante a crise financeira global). As iniciativas levantaram a suspeita de que a direção do BC decidiu aproveitar o momento de desvalorização do real para começar a reduzir as reservas internacionais.

Os últimos dados oficiais indicam que as reservas somavam US$ 381,203 bilhões anteontem. Essa posição reflete as intervenções feitas pelo BC até segunda. Mas dirigentes do BC salientam que o que importa mesmo são as reservas líquidas, ou seja, depois de abatidos os quase US$ 69 bilhões de contratos de swap e acrescido o saldo positivo de linhas de crédito. Por esse conceito, as reservas cambiais caem para a casa dos US$ 320 bilhões. Esse seria o valor sobre o qual se calcula o impacto fiscal do carregamento de reservas internacionais.

Aliás, com a queda da taxa de juros doméstica e a desvalorização do real, o custo de acumulação de reservas, que era elevadíssimo quando os juros internos batiam em 14% ou 20% ao ano, hoje praticamente inexiste. Mas pode voltar a pesar nas contas públicas em algum momento.

Decididas as intervenções no mercado de câmbio, para conter a desvalorização do real, a escolha do instrumento depende da demanda diagnosticada pelo BC. Se o mercado precisa de hedge, os leilões de " swaps" são suficientes. Se a demanda é por moeda para abastecer o fluxo de saída de dólares, recomenda-se a venda de reservas.

A pergunta que a situação suscita, primeiro, é sobre qual o impacto fiscal da venda de reservas comparado aos leilões de swaps.

Nesse aspecto, prevalece uma certa confusão. Há quem entenda que só a venda de reservas abate, de fato, a dívida bruta e há os que argumentam que os dois instrumentos - moeda e swaps - têm efeitos praticamente iguais sobre a dívida, embora as estatísticas da autoridade monetária não considerem os impactos dos derivativos. Afinal, o swap é um passivo do BC em dólar e um ativo em reais. A diferença, nesse caso, é a do cupom cambial (juros em dólar para um papel denominado em reais).

Há, porém, uma questão de percepção que, em economia, não deixa de ser relevante. Se as estatísticas do Banco Central reduzem a dívida bruta só quando há a venda de reservas, será isso que vai mostrar se a dívida bruta como proporção do PIB parou de crescer, se estabilizou ou está em queda. Se a dívida bruta para de crescer, isso é um importante sinal de garantia de solvência do Estado.

O ministro Paulo Guedes, da Economia, já havia dado o "script" da diminuição das reservas antes mesmo de ser escolhido para comandar a pasta. Em entrevista ao Valor, em outubro do ano passado, ele dizia que "não existe essa necessidade de carregar tantas reservas. Esse é um seguro muito caro".

Em outras entrevistas, ele detalhou que a queima de reservas deveria ser feita "em momentos de crise, quando os estrangeiros retiram recursos do país". E completou: "Se o dólar for a R$ 4,20, R$ 4,30, R$ 5, vai ser muito interessante. Se você vender US$ 100 bilhões a R$ 5, são R$ 500 bilhões. Isso significa que você vai, na mesma hora, recomprar a dívida interna. Em vez de ter R$ 3,5 trilhões de dívida, tenho só R$ 3 trilhões. Isso num cenário de crise. Sem crise, não". O dólar, naquela ocasião, estava cotado a R$ 3,60.

Outra pergunta que surge é sobre qual o tamanho do seguro necessário para dar tranquilidade ao país em casos de crises. Nesse aspecto, os especialistas estão distantes de um consenso. O corpo técnico do BC não gosta da ideia de reduzir as reservas pois a consideram uma âncora da estabilidade na falta de uma âncora fiscal. Alguns economistas mais preocupados com a questão fiscal advogam que algo em torno de US$ 200 bilhões seria suficiente. E os mais extremados argumentam que com um regime de taxas de câmbio flutuante nem sequer é preciso ter reservas.

Ocorre, porém, que nenhum país consegue ter um sistema de flutuação limpa diante do qual não haveria intervenção. Isso seria acreditar que o mercado está sempre certo e que não cria bolhas nem entra em pânico.

Se o custo fiscal de carregamento das reservas hoje é praticamente zero, as energias do governo devem estar centradas em outras batalhas da despesa pública obrigatória que têm urgência maior. Isso se traduz em consolidar a reforma da Previdência e cuidar da segunda maior despesa, depois da Previdência, que são os gastos com pessoal, além, é claro, das demais reformas.

Outra questão é saber se os fluxos cambiais negativos são um problema conjuntural ou estrutural. O mundo cresce menos e o comércio internacional ficará menor por um bom tempo. O Brasil, hoje, tem taxa de juros menos atrativas para o investidor externo. Até quando é uma pergunta que não tem resposta.


Claudia Safatle: Imposto sobre Transações vai pagar a Previdência

Tem cheiro e cor de CPMF, mas é bem maior do que ela

O governo avança na proposta de reforma tributária para enviá-la ao Congresso tão logo termine o recesso branco. A criação do Imposto sobre Transações (IT), nos moldes da velha Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), é a principal novidade do projeto. Mais ampla do que a CPMF, a concepção do Imposto sobre Transações (que incidiria sobre pagamentos e recebimentos em geral), a uma alíquota de 0,5% ou 0,6%, se justificaria pela busca de uma base tributária sólida e confiável para financiar a Previdência Social em substituição às contribuições previdenciárias cobradas sobre a folha de salários das empresas.

O entendimento da equipe econômica do governo é que parte relevante do desemprego, que atinge mais de 13 milhões de brasileiros, é estrutural. Diante das rápidas transformações do mercado de trabalho, considera-se que a base das contribuições previdenciárias que incidem sobre a folha de salários, além dos seus defeitos, está fundada em terreno movediço.

Diante de tais argumentos, os técnicos oficiais avaliam que "são grandes as chances de esse novo tributo vingar". Inspirado na CPMF, cuja experiência nos 12 anos em que vigorou no país foi "exitosa", segundo fontes do governo, e se mostrou um tributo de "base sólida, baixíssima sonegação, baixo contencioso e custo quase nulo de administração tributária", o Imposto sobre Transações seria ideal para substituir as contribuições sobre a folha.

"Ele não é uma nova CPMF, que era o 59º imposto da nossa constelação tributária e não foi criada para substituir nada. A proposta do Imposto sobre Transações - cujo nome oficial ainda não foi escolhido - vem para desonerar a folha de salários das empresas", advogam assessores do Ministério da Economia que estão participando das discussões.

"Nosso projeto não entra em confronto com as demais alternativas de reforma, que se concentram na instituição do Imposto sobre Valor Agregado (IVA)," salientou um assessor do ministro da Economia, Paulo Guedes. "A ampla base do IT é o que nos dá confiança de que vamos arrecadar mais sem aumentar a carga tributária", completou.

O Congresso retoma os trabalhos na semana do dia 5 de agosto. Câmara e Senado já escolheram os projetos de emenda constitucional em tramitação para a construção de um novo regime tributário.

A PEC 45, do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), é patrocinada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Elaborada pelo economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, a proposta acaba com três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), extingue o ICMS, que é estadual, e o ISS, municipal. Esses são tributos que incidem sobre o consumo e seriam substituídos pelo Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), um IVA cobrado no destino cuja receita seria compartilhada entre a União, os Estados e os municípios.

Trata-se de mais uma tentativa de acabar com a "guerra fiscal" e com a extrema complexidade do sistema tributário do país, com suas 27 legislações de ICMS, além da profusão da regulação federal.

Aprovada na Câmara e em tramitação no Senado, a reforma sugerida pelo ex-deputado Luis Carlos Hauly extingue dez impostos - IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide, ICMS e ISS. Todos também seriam substituídos pelo IVA, de competência estadual, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), e pelo Imposto Seletivo sobre bens e serviços específicos, de competência federal.

Os empresários do Instituto Brasil 200 optaram por uma proposta de reforma tributária que cria o Imposto Único (uma mega CPMF), em substituição a todos os demais impostos, inclusive IPTU e IPVA.

Preparada pelos secretários de Fazenda dos Estados, a proposta que conta com o apoio dos governadores retira da União a gestão do tributo único criado com a reforma. Além disso, prevê que, caso o governo consiga emplacar o Imposto Único Federal, os Estados encaminhem uma proposta ao Legislativo, criando o Imposto sobre Valor Agregado dual. A proposta prevê mecanismos de compensação de perdas e de redução de desequilíbrios regionais, com a criação de um fundo.

O presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), anunciou que apresentará uma emenda substitutiva à PEC 45, criando o Imposto Único Federal, na linha do que defende o secretário da Receita, Marcos Cintra.

São cinco alternativas que, de certa forma, convergem com as ideias do governo, que se concentra na unificação de tributos federais, na criação do Imposto sobre Transações e na reforma do Imposto de Renda, com redução da alíquota das empresas e das pessoas físicas. Como se vê, não é por falta de alternativas que o Brasil vive em um verdadeiro "manicômio" tributário, como disse certa vez a esta coluna o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga.

Foi o aumento ininterrupto do gasto público que nos levou ao atual e indecifrável emaranhado de impostos, taxas e contribuições. Estas últimas tornaram-se o recurso do governo federal para aumentar suas receitas sem repartir com Estados e municípios. E prosperaram Simples, MEIs e brechas para aliviar a carga de alguns.

Difícil é imaginar que 27 governadores e 5,5 mil prefeitos estarão de acordo com qualquer das propostas citadas sem que haja confiáveis sistemas de compensação para quem perder receitas. O ministro da Economia pretende que a adesão dos entes da federação ao IVA no destino seja facultativa.

Há cerca de três décadas que o Brasil discute uma reforma tributária. A carga de impostos, que era de 28,5% do PIB em 1990, hoje está em torno de 33% do PIB, e esse aumento foi insuficiente para equilibrar as contas públicas.

Jovens jornalistas que começaram a acompanhar o assunto no início de suas carreiras hoje são avós de cabelos brancos e, a cada vez que o tema da reforma reaparece, eles se entreolham com total descrença na evolução para um desfecho de sucesso e pensam: "É mais fácil um boi voar!"

Jornalistas, às vezes, são seres incrédulos por força do ofício.