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Claudia Safatle: Sob o risco de estagflação

Quadro desafiador combina inflação alta e baixo crescimento

A inflação preocupa, mas não se trata de um processo de estagflação (estagnação econômica com inflação), pois há crescimento, avalia o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida. O fato de ter um carregamento estatístico de 3,6% da atividade do ano passado para este ano e diante da perspectiva de um PIB de apenas 3,2% não caracteriza “nem estagnação nem recessão”, diz. Ele alerta: a reedição do auxílio emergencial, embora em menor valor, e o desequilíbrio fiscal pressionarão mais os preços. O que fazer?

O Comitê de Política Monetária (Copom) aumentou os juros de 2% para 2,75%, com a taxa Selic deixando para trás quase seis anos de queda. E, na pasta da Economia, “tivemos a super quarta”, um dia de boas notícias vindas do Congresso, que aprovou a nova lei do gás e manteve os vetos ao marco legal do saneamento, além de o governo imprimir uma nova rodada de redução tarifária, com um corte de 10% no imposto de importação de quase 1.500 itens fora do acordo do Mercosul. Para ele, “esse é o caminho” - reformas pró-mercado, abertura da economia e consolidação fiscal - e “cada um no seu quadrado”, evitando, assim, comentários sobre a decisão do Copom, que elevou a meta da taxa Selic em 75 pontos-base e já indicou mais um aumento de igual magnitude para a próxima reunião do comitê, em maio.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medida oficial da inflação para efeito do regime de metas, acumulou 5,20% em 12 meses até fevereiro, praticamente encostando no teto da meta de 3,75% com intervalo de tolerância de 1,5% para mais ou para menos. Sachsida prevê inflação de 4,42% neste ano, segundo o Boletim MacroFiscal editado pela secretaria e divulgado na quarta-feira.

Os juros estavam em seu patamar mínimo - 2% ao ano - desde agosto do ano passado, fruto de uma política monetária que pretendia injetar ânimo na economia. O país foi, no entanto, atropelado pela segunda onda da pandemia da covid-19, que poderá comprometer os dois primeiros trimestres deste ano com taxas negativas para o nível de atividade.

“Se tivermos PIB negativo nos primeiros dois trimestres deste ano, aí será recessão”, salienta o secretário. Mas isso vai depender da velocidade da vacinação. Na área econômica do governo alimenta-se a expectativa de chegar no fim do primeiro semestre com uma taxa de imunização relevante, que permita o retorno da atividade econômica a um padrão de normalidade. Se isso ocorrer, o segundo semestre será o tempo da recuperação, acreditam assessores oficiais.

Em janeiro e fevereiro a atividade estava indo bem - os indicadores de arrecadação tributária eram animadores. Mas veio o repique da pandemia e os governos estaduais tiveram que aumentar as restrições ao funcionamento das cidades. Até fevereiro, segundo os indicadores coincidentes e de alta frequência, estava se mantendo um certo ritmo de crescimento, mesmo com o fim do auxílio emergencial.

A projeção para o PIB do primeiro trimestre de 2021, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, é de uma contração de 0,35%, ante a estimativa de analistas de mercado, coletada pela pesquisa Focus, de uma contração de 0,80%, segundo o boletim MacroFiscal.

“Acredito que conseguiremos recuperar a atividade no segundo trimestre”, diz Sachsida, mantendo uma certa dose de otimismo. Se isso se efetivar, não haverá recessão.

Dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), divulgados na Carta de Conjuntura desta semana, mostram que a inflação percebida pelos mais pobres é superior à taxa acumulada em 12 meses até fevereiro (5,20%), chegando a 6,75% - praticamente o dobro da inflação sentida pelos mais ricos, de 3,43%.

O indicador de Inflação por Faixa de Renda do Ipea considera seis faixas de renda familiar, sendo a menor de até R$ 1.650,50 por mês, no caso da faixa com renda muito baixa, até uma renda mensal familiar acima de R$ 16.509,66, no caso da renda mais alta.

O aumento dos combustíveis afetou mais os mais ricos, em fevereiro, mas a inflação acumulada em 12 meses ainda é muito mais elevada entre os mais pobres.

Banco Central

Segundo a lei que conferiu independência ao Banco Central, até 90 dias após a sua promulgação a atual diretoria do BC deverá ser reconduzida a seus postos. Ou seja, até 25 de maio deverão ser nomeados o presidente e oito diretores do BC cujos mandatos vão obedecer a uma escala, dispensando a aprovação pelo Senado para os indicados que já estão no exercício do cargo.

Dessa forma, o atual presidente do BC, Roberto Campos, e dois diretores (a serem definidos) terão mandato até 31 de dezembro de 2024. Outros dois diretores terão mandato até dezembro de 2023; dois ficarão com mandato até 28 de fevereiro de 2023 e outros dois até 31 de dezembro deste ano. Será admitida uma recondução ao cargo para o presidente e para os diretores do BC.

Ontem o BC comunicou a saída da diretora Fernanda Nechio, por razões pessoais. Para a vaga na diretoria de Assuntos Internacionais e Riscos Corporativos foi indicada Fernanda Magalhães Guardado, economista-chefe do Banco Bocom BBM. Guardado será sabatinada pelo Senado e ingressará no BC já sob a égide da lei que estabelece mandato fixo.


Claudia Safatle: Delfim vê Lula como próximo presidente

“Sem a dúvida, dado o quadro, votaria nele de novo”, diz ex-ministro

Delfim Netto foi um dos primeiros deputados a declarar apoio à candidatura de Lula em 2002, sob o argumento de que seria importante eleger o candidato do PT, pois ele faria uma administração ruinosa, e o partido não mais voltaria ao poder. “Eu me enganei”, disse o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento a esta coluna, ontem.

“O senhor votaria nele novamente?”

 “Diante do quadro que está aí, não tenho a menor dúvida”, respondeu Delfim, que completa 93 anos no dia 1º de maio.

Depois da decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou todo o processo do petista em Curitiba, “não tem pecha de ladrão que pegue mais nele [Lula]”. O ex-ministro e ex-deputado considera que a ação de Fachin “zerou o jogo” e muito provavelmente Lula, em um confronto com Jair Bolsonaro, será o próximo presidente do Brasil.

Depois de passar 580 dias na prisão e ser solto em novembro de 2019, agora Lula foi recolocado como possível candidato à Presidência da República pelo STF. Na quarta-feira ele fez um longo pronunciamento seguido de entrevista que, para Delfim, revelou “um orador brilhante”, com uma ideia clara sobre o país que queremos: “democrático, vigoroso e mais igualitário”.

A exposição que fez no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo mostra que Lula “amadureceu dramaticamente e, talvez, para mais ninguém esse longo tempo na prisão tenha sido tão produtivo”. Ambos, Delfim Netto e Lula, têm uma relação de profunda amizade. “Fiquei feliz ao vê-lo em plena forma”, comentou o ex-ministro.

Se eventualmente Lula vier a ser eleito presidente da República em 2022, ele viria carregado de mágoas ou não as tem mais? A essa pergunta Delfim responde:

“Esse negócio de não ter mágoas é tudo mentira. Acho que não há ninguém que não tenha mágoas, mas há pessoas que são capazes de agir mesmo não usando as mágoas, e ele é um desses”.

E o mercado, como se comportaria? A Faria Lima esboçaria alguma reação? Delfim acredita que não haveria qualquer reação contrária. Afinal, não houve desde então presidente que mais protegeu o mercado financeiro e teve boa relação com os empresários.

Duas características de Lula impressionam Delfim. “Ele tem uma técnica de reunir as pessoas e provocá-las. Eu assisti à reunião dele com Guido Mantega [ministro da Fazenda] e Henrique Meirelles [então presidente do Banco Central] em que ele provocava os dois e depois arbitrava. E a esquerda que Lula representa nada mais é do que uma preocupação com a questão social. “Em uma reunião patrocinada pelo PT em São Paulo, em que se discutia o socialismo, Lula levantou-se e falou: ‘Esse negócio de igualdade é ótimo, mas sem uma hierarquia nada funciona”, relatou o ex-ministro.

Fontes oficiais avaliam que foi até bom Lula ser recolocado na disputa eleitoral, pois assim os bolsonaristas no governo ficam “mais espertos”. As duras críticas feitas por Lula ao governo ajudaram a forjar o Bolsonaro das últimas horas, um mandatário que passou a usar máscaras e parece estar empenhado em arranjar vacinas para imunizar a população, em lugar de afrontar os protocolos que evitam a contaminação por covid-19 e negligenciar a compra de vacinas, patrocinando medicamentos sem qualquer comprovação científica.

Mais medidas

Aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, o governo ainda deve aguardar a aprovação do Orçamento da União para este ano antes de anunciar novas medidas de combate aos efeitos da pandemia. A pasta da Economia estuda, junto com outras áreas do governo, medidas de oferta de crédito para empresas, nos moldes da lei que reduziu a jornada de trabalho e os salários, dentre outras. A ideia é usar menos recursos do Tesouro Nacional e aumentar a participação do setor financeiro.

Mesmo não tendo saído exatamente como o governo queria, a PEC Emergencial pode ser vista como um “divisor de águas” para Jair Bolsonaro, na visão de fontes qualificadas que temiam uma nova vitória das corporações, desta vez da polícia, na questão dos reajustes salariais. Afinal, Bolsonaro pressionou, em vão, por mudanças para garantir a progressão e o aumento dos salários dos policiais.

“Era o rigor no gasto público e o compromisso de dispor de vacinas para imunizar a população ou um mergulho no populismo”, disse uma fonte oficial.

A proposta viabiliza a retomada do pagamento do auxílio emergencial e estabelece gatilhos a serem acionados em caso de descumprimento do teto de gastos públicos. O texto flexibiliza regras fiscais para financiar o benefício e prevê um limite para gastos fora do teto de R$ 44 bilhões.

Pelos cálculos da área técnica do governo, seriam três grupos beneficiários do auxílio: pai solteiro receberia R$ 150; o casal receberia R$ 250, e mãe solteira, R$ 350 por mais quatro meses, até o fim do primeiro semestre. Os valores podem ser ligeiramente diferentes desde que a média ponderada seja equivalente à um benefício médio de R$ 250.

A área econômica avalia que no fim do primeiro semestre o país terá vacinado boa parte da população, e o segundo semestre seria o da tão esperada retomada do crescimento.


Claudia Safatle: Vacinação é o que vai determinar a retomada

Quem tem 35 prioridades não tem nenhuma

O mercado financeiro já absorveu a ideia de que o governo terá que voltar com o auxílio emergencial. Os analistas do mercado acreditam que o auxílio será concedido de forma mais restrita, em menor valor e por alguns meses. Pouca importância se atribuiu à lista de 35 prioridades enviada pelo Palácio do Planalto aos presidentes da Câmara e do Senado - até porque quem tem 35 prioridades não tem nenhuma.

O foco está mais no processo de vacinação. É a vacina que vai definir quando as mortes cairão de patamar e, portanto, o país poderá voltar à normalidade e a atividade econômica será retomada. Nesse cenário, o governo poderá retirar o auxílio emergencial, porque as pessoas vão encontrar emprego ou retomar suas atividades no mercado informal.

Se toda a população com mais de 60 anos estiver vacinada nos próximos três meses, idade em que se concentram cerca de 80% dos óbitos ocorridos (ver acima gráfico produzido pela equipe de economistas do Banco Safra), o país estará com parte importante do problema equacionada. E é isso que vai dar conforto para as empresas voltarem a produzir, contratar mão de obra; e os consumidores vão dar alento à demanda por bens e serviços. Para que isso ocorra, porém, é preciso que o governo se mobilize e dê celeridade à vacinação.

Da lista de 35 medidas que a Presidência da República considera prioritárias e que estão travadas seja na Câmara, seja no Senado, 26 são relacionadas à economia. O restante refere-se à pauta de costumes. O trabalho do governo junto ao novo comando das duas casas será o de destravá-las.

Na agenda da economia se encontram a autonomia do Banco Central, lei do gás, reformas tributária e administrativa, mineração em terras indígenas assim como a proposta de dar cumprimento ao teto remuneratório no setor público. Do rol constam ainda a privatização da Eletrobras, a criação das debêntures de infraestrutura, mudança no regime de partilha do petróleo e aprovação do marco legal do mercado de câmbio, dentre outras.

É uma verdadeira lista de supermercado, que inclui, também, as três PEC enviadas pelo governo no fim de 2019: a Emergencial, do Pacto Federativo e dos Fundos. Segundo fontes da área econômica do governo, porém, nas negociações na Câmara e no Senado, os temas vão se afunilando e ficará para efetiva tramitação e votação o que for de interesse comum das duas casas e do Executivo.

As conversas em torno da pauta de votação devem começar na próxima semana, depois de escolhidos, referendados e empossados os demais componentes das mesas diretoras de ambas as casas.

É difícil alguém se opor ao retorno do auxílio emergencial, mas é forçoso reconhecer que a situação hoje é diferente da de abril do ano passado, quando ele foi criado. Naquela ocasião, não dava para estabelecer critérios rigorosos de acesso aos então R$ 600. Sabe-se que houve pessoas da classe média que conseguiram obter essa ajuda.

Agora, o governo tem informações suficientes para fazer um desenho mais adequado desse instrumento de emergência para atender aos que realmente precisam dele para não passar fome.

Não está claro se o governo vai propor uma ajuda estrutural que melhore a distribuição da renda ou se vai optar mesmo pelo auxílio emergencial e de curta duração (uns três a quatro meses).

É importante, porém, que o tema da desigualdade não seja esquecido quando a pandemia deixar de ocupar o primeiro lugar nas preocupações do país. Afinal, se havia alguns milhões de brasileiros desconhecidos das estatísticas oficiais, os invisíveis sociais, agora não há mais.

É uma pena que da extensa lista de medidas prioritárias do governo não conste nenhuma que faça uma boa faxina em algumas excrescências tributárias mediante, por exemplo, uma varredura nas deduções e isenções do Imposto de Renda das pessoas físicas.

A renda do capital é subtributada. E nesse aspecto também não há uma única iniciativa seja para inclusão dos dividendos na renda tributável ou para taxar os fundos fechados (onde os ricos aplicam seus recursos). Fontes oficiais garantem que esses são temas para a tão falada e sempre adiada reforma tributária.


Claudia Safatle: Um país à deriva

Como se fosse uma sina, aqui faz-se de tudo para dar errado

Há fortes indicações de que a recuperação em V foi curta, durou dois trimestres (terceiro e quarto trimestres de 2020) e perdeu fôlego. Um voo de galinha já bem conhecido dos brasileiros, animado pelo vigoroso programa de auxílio emergencial que beneficiou mais de 70 milhões de pessoas e que se encerrou em dezembro.

Segundo os prognósticos da economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, o cenário desenhado para este novo ano é ruim para o primeiro semestre, quando a atividade ainda estará em contração, mas melhora no segundo, de maneira que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) encerraria o exercício em 3,5% - percentual insuficiente para repor a recessão estimada de 4,5% no ano passado. Como o carregamento estatístico responde por cerca de 2,5%, o efetivo crescimento este ano, segundo as previsões do Ibre, deverá ser de apenas 1%.

Tudo vai depender, porém, do sucesso (ou fracasso?) da vacinação contra a covid-19. Quanto mais incerta e demorada for, maior será a perda de PIB (Produto Interno Bruto). Os dados acima foram calculados com base em um processo de vacinação que envolveria grande parte da população no primeiro semestre. A partir do meio do ano, a situação seria de normalidade. As informações de atraso na obtenção do insumo necessário para a preparação das vacinas coloca mais dúvidas sobre o que poderá acontecer com o nível de atividade.

Há, ainda, uma grande heterogeneidade na performance dos diversos setores da economia, sobretudo o de serviços. Os serviços prestados às famílias e os serviços públicos, com o peso de educação e saúde - que respondem por quase um quarto do PIB -, com a pandemia estão contraindo muito em relação a 2019. No último trimestre de 2020, houve uma queda da atividade de 2,8%, segundo as previsões da economista, sobre igual período do ano anterior, com indústria crescendo, mas serviços caindo. Estes estão 25% menores do que eram antes da propagação da covid-19.

“Falta perspectiva de superação da pandemia. Eu esperava uma normalização no segundo semestre, com vacinação em massa, mas agora não sei”, disse ela.

Com o repique da pandemia e a possibilidade de voltarem algumas restrições ao funcionamento das cidades, o mercado de trabalho, que já está péssimo, pode piorar. Empresas que aderiram aos programas de manutenção do emprego podem, agora, optar por demitir caso não vejam perspectivas de recomposição e expansão da demanda.

A confiança de consumidores e empresários está em queda. “Já esperávamos um crescimento muito baixo no início do ano, com o fim do auxílio emergencial e com o mercado de trabalho fraco”, contou ela. A intensificação da doença deixa a economia sujeita a um novo perigo, de o “V” se transformar em um “W”, com o temível duplo mergulho da atividade.

“A vacina é o melhor investimento para a atividade econômica”, ressaltou Silvia. Pena que o presidente Jair Bolsonaro parece ter imensa dificuldade de compreender essa simples correlação.

A triste constatação, diante do bate-cabeças que está o governo, é de que o país não se preparou para um prolongamento da pandemia. Gastou o que tinha e não há mais, no Orçamento, recursos para prover renda para os trabalhadores informais e para os desvalidos; e destratou a China, que é o principal fornecedor do insumo da vacina, o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA).

Silvia acredita que o mercado até compraria um aumento do gasto social se o governo entregar alguma reforma que reduza a despesa obrigatória. Para fazer isso, porém, seria preciso que o país tivesse uma liderança forte, um programa tecnicamente bem feito de renda mínima e um programa de governo apoiado pelas forças políticas do Congresso Nacional.

“Ficar à deriva e com ausência total de liderança em um momento em que o país está em situação frágil é muito difícil. É trágico!”, lamentou.

Um dos sinais de que estamos fazendo escolhas erradas é que os preços das commodities sobem, mas a taxa de câmbio não se valoriza. Isso traz o perigo de desancoragem da inflação e de elevação da taxa de juros.

É curioso que estejamos em situação difícil em um momento em que as condições externas são boas: há enorme liquidez disponível no mundo, as taxas de juros são negativas e os preços das commodities agrícolas e minerais que o Brasil exporta aumentam. Mas, como se fosse uma sina, aqui faz-se de tudo para dar errado.


Claudia Safatle: Guedes se prepara para voltar às suas propostas

Entre fevereiro e setembro governo quer aprovar reformas

O silêncio da área econômica do governo neste início de ano tem explicação e data para acabar. Trata-se da decisão de preservar a agenda de medidas a serem tomadas ao longo do ano da influência da campanha eleitoral para as mesas diretoras da Câmara e do Senado, que ocorre no início de fevereiro.

A estratégia é, tão logo esteja resolvida a disputa pelo comando das duas Casas, apresentar o que pode ser chamado de um programa de governo para os últimos dois anos de Jair Bolsonaro.

Com foco no emprego e na renda, ele terá o ajuste fiscal como meio e a lei do teto para o gasto como âncora.

Na pauta do Congresso, a pasta da Economia realça a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, que cria os gatilhos a serem acionados para garantir o cumprimento da lei que estabelece o teto de gastos; e, também, a PEC da reforma administrativa.

A intenção da área econômica é resgatar todos os assuntos que vêm sendo discutidos desde o primeiro ano desta gestão. Vários deles tiveram, inclusive, a oposição do próprio presidente da República.

Do lado da expansão da oferta de emprego, a ideia do ministro Paulo Guedes é de voltar a defender a desoneração da folha de salários de forma horizontal. Para tal, ele precisará encontrar novas receitas e deverá retomar a proposta de criação de um Imposto sobre Transações destinado a financiar as despesas com a seguridade social. Feita a desoneração, o governo tentaria, de novo, emplacar a Carteira de Trabalho Verde e Amarela, cuja contratação não carregaria os encargos trabalhistas existentes hoje.

A última proposta de que se tem notícia seria cobrar uma alíquota de 0,2% a 1% sobre as transações financeiras em forma de uma escadinha: uma alíquota de 0,2% permitiria reduzir a carga tributária sobre folha de pagamento dos atuais 20% para 13%.

Com 0,4% de alíquota já seria possível eliminar a CSLL, que é a Contribuição Social sobre Lucro Líquido. Com 1%, os governos poderiam abrir mão do IVA, imposto sobre valor agregado que substituiria o ICMS pelas propostas de reforma tributária em discussão no Congresso. A arrecadação prevista seria de cerca de R$ 150 bilhões ao ano. Falta, porém, apoio do Palácio do Planalto para enviar ao Congresso a proposta de criação de novo tributo à imagem e semelhança da velha CPMF.

Para o aumento da renda, depois de encerrado o pagamento do auxílio emergencial, voltará à cena, também, a proposta de unificar os programas sociais, rechaçada por Bolsonaro. Só com uma revisão geral desses programas (abono salarial, seguro-defeso e mais de 20 outros programas existentes) é que seria possível, na ótica dos economistas do governo, melhorar a renda dos mais pobres e vulneráveis mediante uma reformulação e ampliação do Bolsa Família.

Entre as alternativas preparadas pelo Ministério da Economia, no ano passado, para financiar o projeto de criação do Renda Brasil, havia, ainda, a desindexação das aposentadorias e pensões da variação do salário mínimo por dois anos. Com essa iniciativa de congelar os valores dos benefícios por um par de anos o secretário Especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, explicou na ocasião que arranjaria recursos da ordem de R$ 17 bilhões em 2021 e de R$ 41,5 bilhões em 2022 para reforçar o orçamento do novo programa social. Proposta que foi de imediato também enterrada por Bolsonaro.

“Até 2022, o meu governo está proibido de falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final”, disse o presidente.

Passadas as eleições municipais e encerrada a disputa pelo comando da Câmara e do Senado acredita-se, na avaliação de fontes da área econômica, que o governo terá um espaço de ação para a tramitação das reformas entre fevereiro e setembro deste ano, período a partir do qual começa a campanha pela sucessão presidencial e Bolsonaro, como candidato à reeleição, não investirá em nada que seja polêmico.

No entendimento dessas mesmas fontes, a oposição de Bolsonaro às medidas propostas pelo ministro da Economia, seria motivada por períodos de campanhas, seja as de prefeito ou as pelo comando das duas Casas. Agora, durante esses oito meses de uma “calmaria” político-eleitoral. será a hora de “botarmos as cartas na mesa e dizer a que viemos”, disse um graduado funcionário da pasta da Economia, esperançoso de que haja apoio político a começar do próprio presidente para tanto.

Não consta dos planos da área econômica a possibilidade de patrocinar um novo decreto de calamidade pública nem de arcar com financiamento de mais parcelas do auxílio emergencial mediante aumento do endividamento. E não se descarta uma insurreição dos desvalidos, que perderam o auxílio, como fonte de pressão para que o Parlamento se mobilize e aprove tais medidas.

Não é desprezível o impacto que a vacina contra a covid-19 poderá trazer para a atividade econômica, ressaltam fontes oficiais que têm visão crítica quanto à forma com que está sendo conduzida a ofensiva contra a pandemia pelo Ministério da Saúde.

“Antes estávamos assistindo à expansão da covid-19 pela TV. Agora estamos vendo a doença dentro das nossas casas”, disse um assessor da área econômica que contou que dois de seus familiares bem próximos pegaram a doença e estão em quarentena.

Dois momentos de relaxamento de condutas de isolamento social marcaram o aumento do contágio: as eleições municipais e as festas de fim de ano.

Agora, o cancelamento dos desfiles de Carnaval e a vacinação são uma boa oportunidade para se fazer um ataque frontal ao aumento do contágio e das mortes.

A vacinação, segundo avaliam fontes oficiais, dará segurança às pessoas e encorpará os índices de confiança das famílias, que são indicadores da demanda por bens e serviços. O consumo deverá ter um baque com o fim do auxilio emergencial. A vacinação pode amenizar um pouco essa queda.


Claudia Safatle: Quando fevereiro chegar

Reforma tributária já deixou a agenda do Ministério da Economia

Na agenda de reformas do Ministério da Economia para 2021, a tributária está fora. Tão logo se defina a eleição das mesas da Câmara e do Senado, em fevereiro, a primeira Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que o governo pretende se empenhar na aprovação é a Emergencial, que cria os gatilhos e travas para o cumprimento da lei do teto de gastos. Nesta, a área econômica ainda sonha com a possibilidade de inclusão para votação dos três D, sobretudo a desindexação, além da desvinculação e desobrigação. Estes, porém, não constavam da última versão do texto do relator da PEC, senador Marcio Bittar (MDB-AC).

O Orçamento do próximo ano já está com despesas subestimadas por causa da indexação do salário mínimo à variação do INPC. Com a aceleração da inflação, o valor do INPC ficou subavaliado, afetando, assim, os cálculos dos gastos com benefícios previdenciários e assistenciais vinculados ao salário mínimo.

Segundo dados apresentados pelo jornalista Ribamar Oliveira na sua coluna de ontem, publicada neste espaço, se o INPC ficar em 4,8% - ou seja, 0,7 ponto percentual acima do indice considerado no orçamento -, isso resultará em uma despesa adicional para os cofres da União de R$ 5,378 bilhões.

Antes da tributária, argumenta-se, tem a reforma administrativa para ser discutida e aprovada ainda no ano que vem. Embora a proposta do Executivo, que está no Congresso, seja tímida demais - porque o presidente da República não quis mexer com os atuais funcionários públicos -, a administrativa é o único projeto que busca reduzir o gasto com o pagamento de pessoal de forma estrutural.

Esse é o terceiro bloco das grandes despesas orçamentárias. Primeiro era a Previdência Social, cuja reforma foi aprovada no ano passado. Em segundo a taxa de juros que incide sobre a dívida pública, que encontra-se, atualmente, em seu menor nível (2% ao ano).

Ambos os gastos foram, portanto, atacados. E é bom que se diga que o juro básico só está nesse patamar porque havia uma política de rigor fiscal para lhe dar sustentação desde o governo anterior, de Michel Temer.

Um dos problemas da proposta de reforma administrativa do governo é que ela não mexe com os atuais funcionários. As novas regras de contratação, de gestão e de salários só vão valer para os servidores que entrarem no serviço público após a aprovação da PEC.

É de fundamental importância apresentar aos agentes econômicos domésticos e aos investidores estrangeiros um plano de governo em que se vislumbre, para os próximos anos, um certo equilíbrio das contas públicas.

Nesta semana o ministro da Economia, Paulo Guedes, enviou ao Congresso ofício onde ele estabelece uma meta fiscal de déficit primário de R$ 247,118 bilhões para o governo central.

Para as empresas estatais está fixado um déficit de R$ 3,97 bilhões e para os Estados e municípios, equilíbrio (superávit de cerca de R$ 200 milhões). A meta de déficit primário consolidada é, portanto, de R$ 250,9 bilhões para o próximo ano.

Acredita-se que isso associado à garantia de segurança jurídica dos contratos, mais do que resolver o “manicômio” tributário, é o que vai estimular os investidores internacionais a virem para o Brasil, aproveitando da imensa liquidez que há no mundo e do amplo programa de investimentos em infraestrutura e logística disponível no país.

Para assegurar juridicamente os investimentos tão esperados em infraestrutura, aguarda-se a aprovação da Lei Geral das Concessões. A proposta de um novo marco legal das concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs) foi aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados no fim do ano passado e desde então aguarda votação em plenário.

Com 224 artigos, o texto é a maior alteração feita na legislação sobre as concessões desde os anos 1990 e pretende garantir segurança jurídica e possibilitar a retomada de investimentos.

O projeto amplia o uso da arbitragem nos contratos, para facilitar a solução de pendências relativas ao equilíbrio econômico-financeiro, dentre outras mudanças. Espera-se, com esse novo marco legal, não deixar espaço para atitudes tresloucadas como a do prefeito do Rio, Marcelo Crivela, que mandou derrubar as catracas e cancelas do pedágio da Lamsa, na linha amarela, por discordar do preço cobrado.

Na avaliação que faz da economia brasileira, a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) realça a necessidade de mais reformas e uma real abertura da economia e insiste no intrincado ambiente de negócios que leva uma empresa de médio porte a gastar, aqui, cerca de 1.500 horas/ano para lidar com a carga de impostos. Na América Latina, esse tempo é de 317 horas/ano, e, nos países da OCDE, de 159 horas.

A pobreza e a desigualdade também chamam a atenção, assim como a negligência com o meio ambiente. Os prognósticos da OCDE para a economia brasileira são de uma recessão de 5% neste ano e crescimento de 2,6% e de 2,1% em 2021.

Em função do calendário político e as atenções voltadas para a disputa das presidências da Câmara e do Senado, o governo só vai se preparar para as negociações das reformas a partir de fevereiro. De antemão é possível dizer que é muito difícil a aprovação de duas PECs, a Emergencial e a Administrativa no mesmo ano legislativo e estando o chefe do Poder Executivo no seu terceiro ano de mandato e pleiteando a reeleição.

O impulso fiscal dado pelo auxilio emergencial pago a 68 milhões de brasileiros e pelas medidas de apoio ao setor privado em meio à explosão da pandemia terá que ser acompanhado de expansão dos investimentos no país, sem o que a recuperação que está em curso terá, uma vez mais, fôlego curto.


Claudia Safatle: Tempos de aflição

“Rombo” fiscal se arrasta desde os anos 1980, com breve período de exceção

O país vive um momento em que decisões na economia vão ter grande impacto nos próximos anos, de forma mais ou menos análoga ao que os ex-presidentes Geisel e Figueiredo viveram quando dos choques de preços do petróleo em que optou-se por pisar no acelerador ao invés de ajustar a economia àquela condição de grave restrição. Foram os 20 anos seguintes de elevadíssimas taxas de inflação, só domada após o Plano Real, em meados de 1994. Ao ouvir as alternativas que tinha à mão na ocasião, Geisel teria dito: “Mas logo na minha vez vocês querem brecar a economia?”.

O momento, agora, é o retrato de um desequilíbrio que está na cobertura da imprensa desde a crise da dívida externa nos anos de 1980, quando os jornalistas de economia começaram a escrever sobre o “rombo” nas finanças públicas. Para alguns, iniciava-se alí um aprendizado da importância da política fiscal para a estabilidade da economia.

Foi a partir de um acordo de socorro financeiro com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que preconizava austeridade nas contas do setor público como medida de controle da inflação, que tomou-se conhecimento das metodologias de cálculo do déficit e o assunto passou a ser parte da pauta de cobertura da imprensa de 1983 para cá.

O fato é que os governos não foram capazes de resolver, até hoje, as restrições fiscais que se arrastam, freiam o crescimento da economia e atrasam a vida de milhões de brasileiros. Houve períodos de enfrentamento, quando no segundo mandato o governo de Fernando Henrique Cardoso começou, em 1999, a política do tripé macroeconômico calcado no regime de metas para a inflação, câmbio flutuante e superávit primário nas contas públicas.

As primeiras iniciativas de abandono das metas fiscais começaram no segundo mandato de Lula, mas foi Dilma Rousseff que deu um basta nos superávits e inaugurou o tempo dos déficits públicos. Ficou famosa a definição da presidente de que “gasto [público] é vida.”

Na gestão de Michel Temer foi aprovada a PEC do Teto do Gasto, pela qual o aumento da despesa anual é limitado à correção pela inflação acumulada em 12 meses até meados do ano anterior. Foi uma forma, talvez dura demais, de lidar com uma expansão desmedida do gasto público nos últimos quarenta anos.

Quando Bolsonaro assumiu, parecia muito claro no discurso do ministro Paulo Guedes o entendimento da dimensão do problema. Mas o tempo mostrou que o presidente não comungava das convicções liberais do ministro da Economia nem tinha a compreensão das limitações que o “rombo” das contas públicas impunha aos seus eventuais planos de governo.

Bolsonaro nunca gostou das privatizações, não apoiou a reforma da Previdência, aceitou a reforma administrativa desde que vigorasse só para os novos entrantes no setor público e não concordou com a proposta de reestruturação dos programas assistenciais (tais como o abono salarial, seguro-defeso e vários outros) para financiar um projeto de renda básica. O Congresso, nesse aspecto, foi mais reformista.

O presidente, definitivamente, não lida bem com as restrições que lhe são colocadas pelo “buraco” das contas públicas. Mas não há muitas alternativas para ele a não ser a perda da confiança e da credibilidade na sustentação da trajetória da dívida pública como proporção do PIB. Dívida que era de 51,7% do PIB em 2010 e uma década depois já encosta em 100% do PIB. Os economistas do setor público e privado entendem que esse não é um patamar sustentável e o mercado reage mudando os preços dos ativos.

Dois sinais muito claros dos mercados nos últimos meses são: a inclinação da curva de juros que dá uma diferença grande, de cerca de 500 pontos-base, entre as taxas de longo prazo e as de curto prazo; e a desvalorização de 40% do real frente ao dólar americano.

“A trajetória da dívida começa a estar sob os holofotes”, diz uma fonte que opera no mercado desde os anos 1970. “A questão fiscal não está equacionada e a aparente guinada de Bolsonaro para acordos políticos torna inverossímil a possibilidade de um ajuste”, avalia.

Sem a pandemia da covid-19, a história seria diferente?, indaga ele, que responde: “Marginalmente, seria diferente porque os agentes entenderam a pandemia como um evento ‘once for all’ do ponto de vista fiscal. Foi preciso gastar R$ 900 bilhões e não dá para chamar isso de irresponsabilidade fiscal”, diz a fonte.

A pandemia, porém, empurrou o endividamento para a casa dos 100% do PIB.

Isso não seria um enorme problema se fosse possível manter a taxa de juros baixa.

Mas a inclinação da curva está dizendo que a taxa de juros de curto prazo, a Selic de 2% ao ano, está fora de lugar.

Uma enorme diferença entre agora e os anos da década perdida de 1980 é a taxa de câmbio flutuante que somada às reservas cambiais dá um conforto na área externa e afasta o risco de uma crise cambial. De positivo, atualmente, o país tem juros baixos (condicionado à responsabilidade fiscal) e taxa de câmbio desvalorizada.

Em artigo publicado na “Folha de S.Paulo” do fim de semana, Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, sugeriu um roteiro de mudanças possíveis com o retorno à meta de primário como âncora fiscal, já que o teto do gasto levaria cinco anos para colocar o país em uma situação de equilíbrio das contas públicas. Arminio não acredita que o país tenha todo esse tempo. Ele propõe uma pequena folga para o teto e um ajuste de seis pontos percentuais do PIB nos próximos quatro anos, pelo qual o déficit primário de 3% do PIB de 2019 se converta em superávit de 3% do PIB em 2024.

“Não quero acabar com o teto, mas dar uma pequena folga de 1% além da inflação porque no curto prazo dá um espaço de manobra e, no longo prazo, eu prefiro ter um governo em condições de investir na redução das desigualdades”, explica ele.

Outro ex-presidente do BC, Affonso Celso Pastore, em artigo publicado no “Estadão”, alerta para o risco de o Banco Central ser forçado a tomar medidas de repressão ao livre movimento de capitais para evitar uma eventual sangria nas reservas.

Tal situação decorreria da dominância fiscal - da qual a dificuldade na administração da dívida é uma primeira manifestação - que leva à inflação e à repressão financeira, com todas as distorções que ela produz.

O tempo corre, o ambiente se deteriora e o governo espera passar as eleições para tomar uma atitude.


Claudia Safatle: O mercado de trabalho e o temor da crise fiscal

Qualquer ação do governo só virá depois das eleições

Assessores do Ministério da Economia têm conversado com o ministro Paulo Guedes sobre a necessidade de o governo dar sinais claros do que pretende fazer para estimular o mercado de trabalho em 2021. Em dezembro termina o pagamento do auxílio emergencial para 66 milhões de brasileiros. O impacto, sobre a atividade, do fim da transferência desses recursos, com custo mensal próximo a R$ 50 bilhões, não será trivial e tem o poder, inclusive, de frear a retomada da economia.

Das conversas, em princípio, ficou a intenção de Guedes divulgar sua estratégia, diagnóstico e objetivos para o ano que vem tão logo se saiba o resultado das urnas em novembro.

“Temos que bater com o gato morto na cara da sociedade e da classe política”, disse uma fonte oficial. “Não é preciso ser adivinho para saber que estamos tendo uma crise no mercado de trabalho e temos que ter uma política para facilitar o processo de acesso ao emprego”, completou, citando a desoneração da folha de salário das empresas e a sua contrapartida, que é a criação do Imposto sobe Transações, “goste ou não a Faria Lima”, afirmou.

A proposta de desoneração da folha tem como base o diagnóstico de que a oferta de emprego é escassa porque ele é caro. Outra ideia que também se fundamenta nesse diagnóstico é a de segmentar os setores mais vulneráveis, sobretudo os jovens. “Essa população excluída precisa de regras simplificadas de contratação destinadas a ela”, disse, listando, também, a criação da Carteira Verde Amarela como uma rampa de acesso ao mercado livre dos principais encargos trabalhistas. “Não vamos mexer com o restante do mercado de trabalho”, assegurou.

Há, ainda, o programa de qualificação com o microcrédito que começou com as “maquininhas” e que, a partir de agora, deve aumentar de escala. E, por fim, completou: “Temos os marcos regulatórios de concessões que trazem investimentos geradores de empregos que hoje estão presos para atender aos interesses do establishment, que sempre se alimentou de obras públicas”.

É importante que Guedes trace o caminho para a retomada da economia com começo, meio e fim, com foco no mercado de trabalho que é, hoje, uma das principais raízes da iminente crise fiscal. Essa é uma das grandes incertezas que levam os mercados a exigir, a cada dia, mais prêmios para financiar a rolagem da dívida pública interna

Tem havido, nos últimos meses, uma intensa discussão sobre a criação de um programa de renda básica no pós-pandemia da covid-19, para atender às famílias em condições de pobreza ou de extrema pobreza, em função do fim do auxílio emergencial. Seria uma ampliação do Bolsa Família provavelmente com um novo nome para dar ao governo Bolsonaro uma marca do lado social. O presidente ficou entusiasmado com a popularidade adquirida com a criação do auxílio emergencial e quer repetir a dose com um programa de renda permanente.

Parece claro que o programa atenderia apenas uma fração das 66 milhões de pessoas inscritas no auxílio emergencial, por limitações fiscais. A situação de penúria de recursos se complica ainda mais com a aceleração inflacionária recente que deverá pesar sobre as despesas não obrigatórias do Orçamento do próximo exercício.

“A resolução das expectativas em relação a um eventual programa de transferência de renda para os mais pobres adquire urgência pela incerteza fiscal que a atual ambiguidade pode criar, trazendo o risco do atual impulso de retomada da economia vir a se dissipar por conta dessa incerteza”, conforme chamou a atenção o relatório da semana passada do banco Safra.

“Com a proximidade do fim do auxilio emergencial, cuja última parcela será paga em dezembro deste ano, a confiança do consumidor e o apetite dos investidores poderão ser negativamente afetados, até pelo pouco tempo que será deixado para o governo e o Congresso votarem o Orçamento de 2021”, assinalou o relatório.

O tamanho do auxílio emergencial - que começou com três parcelas de R$ 600 que foram prorrogadas por mais dois meses e depois, reduzido para R$ 300 nos três últimos meses do ano - teve papel crucial na expansão da demanda doméstica no terceiro trimestre do ano, com impacto notável sobre a capacidade de enfrentamento da população à pandemia e sobre a atividade econômica, que deve encerrar o execício com uma recessão menor do que a originalmente esperada. Algo em torno de -5%, segundo o boletim Focus, do Banco Central, desta semana, face à projeção de -9,1% feitas no auge da pandemia pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O FMI reviu seus prognósticos para uma recessão, no Brasil, em torno de 5,8%.

Para ter uma ideia da dimensão e amplitude do auxílio emergencial cujo gasto mensal está em torno de R$ 50 bilhões, o Bolsa Família custa por mês R$ 2,5 bilhões.

O projeto de lei do Orçamento para 2021 tem um espaço para aumento de 18,2% do Bolsa Família, suficiente para elevar o número de famílias assistidas dos atuais 14,2 milhões para pouco mais de 16 milhões. Se for pouco, o governo pode pedir um crédito extraordinário no ano que vem para abrigar mais famílias, nos termos do artigo 167 § 3º da Constituição, sugere um economista que deixou o governo recentemente.

No mercado, há a percepção de que a simples retirada do auxílio à partir de janeiro pode não só frear a recuperação da economia mas levar o país a uma segunda recessão. Razão pela qual há grande expectativa de um posicionamento da área econômica do governo em relação à estratégia que o ministro Paulo Guedes pretende imprimir para o enfrentamento da crise no mercado de trabalho privado e, por que não, para uma revisão dos benefícios do mercado de trabalho do setor público.

A questão do emprego está na gênese de uma temida crise fiscal, que se traduziria na dificuldade do Tesouro Nacional de honrar seus compromissos. É hora de o governo acalmar os mercados.


Claudia Safatle: Deixa como está para ver como é que fica

Discussão sobre novo programa social do governo Bolsonaro deve ficar para depois das eleições municipais

Depois da grande confusão patrocinada pelo governo e pelas lideranças políticas em torno do financiamento do programa de renda básica por uma limitação do pagamento de precatórios, a ideia que ocorre à equipe econômica, agora, é: “Vamos deixar como está pra ver como é que fica,” sintetizou uma fonte qualificada.

Isso porque o presidente Jair Bolsonaro está focado nas eleições e tem como um objetivo político superar o prestígio do ex-presidente Lula no Nordeste. Passadas as eleições, volta-se a discutir como financiar o Renda Cidadã ou Renda Brasil, que o governo quer criar para ter sua marca, advogam assessores do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Na quarta-feira, Guedes jogou um balde de água fria na pretensão de financiar o programa social com dinheiro economizado com o não pagamento de precatórios. A proposta de dar um calote nos credores do Estado foi anunciada em entrevista coletiva no Palácio da Alvorada na segunda-feira e soou mais como um “gigantesco bode na sala” do que uma real alternativa para o novo programa de renda. A reação do mercado foi péssima e o pai da ideia desapareceu.

Se depender da área econômica, agora, nenhuma decisão será tomada no calor da campanha eleitoral. Resolvida essa questão política, a expectativa predominante é de Guedes ainda tentar voltar à proposição original do Renda Brasil, que seria criado com a fusão de 27 programas sociais dispersos (abono salarial, Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, entre outros).

Isso, porém, não reúne uma massa de recursos suficientes para financiar as 14 milhões de famílias que já recebem o Bolsa Família e mais umas 20 milhões de pessoas colhidas entre os mais de 60 milhões de brasileiros que estão recebendo o auxílio emergencial. A ideia seria de garantir uma renda de cerca de R$ 300 por mês.

Aliás, debate-se um programa social que, a rigor, ninguém conhece e nunca viu uma folha da sua concepção. O ministro da Economia diz que o programa do Renda Brasil, ou Renda Cidadã, está nas mãos de Onyx Lorenzoni, ministro da Cidadania. Não se tem informações básicas sobre qual o publico-alvo do novo programa, quantas pessoas deverão ser beneficiadas por uma renda mínima e quanto isso custará ao Tesouro.

A proposta de Guedes é reforçar a verba para o Renda Brasil com mais cerca de R$ 40 bilhões. Dinheiro que seria tirado da classe média que declara Imposto de Renda e se beneficia de deduções de gastos com saúde e educação, que devem ser abolidas. Quanto à tributação dos ricos e muito ricos, Guedes acena apenas com o Imposto sobre Transações Digitais.

“Esse é um programa conceitualmente íntegro”, costuma dizer o ministro, referindo-se à concepção de financiamento da renda básica. O problema é que Bolsonaro não aceitou a ideia de fusão de quase três dezenas de programas sociais para bancar o Renda Brasil sob o argumento que isso significaria “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”.

O ministro da Economia, porém, acredita que poderá voltar à carga e persuadir o presidente a apoiá-lo em mais essa empreitada. Afinal, se ele já não é mais o “posto Ipiranga”, está confiante de que ainda detém uns 80% a 85% de apoio de Bolsonaro.

Da profusão de ideias anunciadas e retiradas de cena sobrou um pente-fino que o governo pretende fazer na crescente conta dos precatórios. Pelo ministro da Economia, ele paga os valores menores e vai administrando, na boca do caixa, os débitos de maior valor. Como se trata de dívida transitada em julgado, não cabe mais recurso a não ser quitá-la.

O relator da PEC do Pacto Federativo, senador Marcio Bittar (MDB-AC), abrigou no seu substitutivo a limitação dos pagamentos de precatórios a 2% da receita corrente líquida anual. Cifra equivalente a R$ 16,1 bilhões para quitar uma conta de precatórios de praticamente R$ 55 bilhões no próximo ano.

Na reta final da preparação do substitutivo, o senador tirou da PEC os “3D”, defendidos pela área econômica, na proposta de Orçamento: desindexar, desvincular e desobrigar. Ou seja, descarimbar as receitas para devolver ao Congresso a função de decidir sobre a destinação do dinheiro público e dar ao Executivo margem de manobra para gerir o Orçamento da União.

Ideia tão cara ao ministro da Economia, os “3D” teriam como objetivo eliminar correções automáticas de valores e “vícios corporativos” que reservam para grupos específicos parcelas do Orçamento.

Com a desindexação seria possível reforçar o caixa da União e não comprometer o teto de gasto.

Sem os “3D” e com a criação do Imposto sobre Transações Digitais suspensa, o programa econômico de Guedes fica ferido de morte.

O ministro, porém, acredita que o relator da PEC 186 e do Orçamento para 2021 está com duas versões de substitutivo. Em uma delas não constam a desindexação, desvinculação e desobrigação do Orçamento. Mas haveria uma outra em que ele manteve os “3D”. Assim, Guedes ainda vê uma chance de a proposta vingar.

O bate-cabeça do governo na questão fiscal tem um alto preço que deve ser visto e compreendido pelo presidente da República. A taxa Selic (juros básicos da economia), que hoje está em 2% ao ano, o nível mais baixo da série histórica, está sob elevado risco de ter que ser aumentada. Os juros futuros subiram substancialmente e estão, hoje, na casa dos 9% ao ano para o primeiro biênio do próximo governo.

Esse é o preço da incerteza e da insegurança do mercado com relação aos rumos da política fiscal do governo pós-pandemia. Com um rombo de mais quase R$ 1 trilhão nas contas do setor público e uma dívida que cresce aceleradamente e que baterá na casa dos 100% do PIB possivelmente ainda neste ano, não cabe ao governo adicionar mais tensão e volatilidade nos mercados de juros, câmbio e ações.

Cabe ao governo, isto sim, encontrar uma boa explicação para o caso de vir a romper o teto do gasto ou simplesmente cumpri-lo, que é o que se espera de uma administração séria e responsável.


Claudia Safatle: Sem saída

Se Bolsonaro não aceitar os “remédios amargos”, não haverá um novo programa de renda mínima mais amplo

Face às restrições impostas pelo presidente Jair Bolsonaro, o Orçamento da União para 2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo e a criação do programa de renda mínima, o Renda Brasil, entraram em um beco sem saída. Uma situação que alimenta soluções extravagantes como a de estender o decreto de calamidade pública, cuja vigência é até dezembro, por mais um ano.

Essa é uma ideia que está na cabeça de algumas autoridades, fomentada pela segunda onda da pandemia da covid-19 na Europa e pela dificuldade de a doença entrar em uma curva descendente aqui. Mas ela não consta do radar do ministro da Economia, Paulo Guedes.

A equipe técnica da área econômica e lideranças políticas, particularmente o relator do Orçamento e da PEC 188, senador Marcio Bittar (MDB-AC), estão enredados em meio aos vetos de Bolsonaro. O presidente afirmou que não vai “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”, quando foi apresentado à proposta de fusão de vários programas sociais para financiar o Renda Brasil; e que pretende dar “cartão vermelho” a quem sugerir desindexar parte do Orçamento - o que significa não garantir reajustes automáticos às despesas hoje corrigidas por índices de preços ou pela variação do salário mínimo.
A proposta dos economistas oficiais era de desindexar os benefícios previdenciários, deixando-os sem reajustes, congelados, por dois anos.

Uma semana depois da histriônica reação do presidente, não há soluções alternativas muito diferentes das que foram apresentadas. Todas são remédios “amargos” de difícil digestão política, mas necessários dado o quadro de deterioração das contas públicas neste ano, com a pandemia.

Ou Bolsonaro recua do veto imposto aos três D da PEC 188 - desindexação, desvinculação e desobrigação - ou não haverá um novo programa de renda mínima, mais amplo e de maior valor do que o Bolsa Família, para contemplar, também, parte dos “invisíveis” que surgiram na busca pelo auxílio emergencial, salientam técnicos. Dados da Caixa Econômica Federal indicam que 66,2 milhões de brasileiros estão recebendo o auxílio emergencial, que se encerra em dezembro.

Aliás, o recuo deveria ir mais longe e pegar a proposta original do Renda Brasil, que seria financiado pela fusão dos vários programas sociais dispersos, claramente mal focados e pela desindexação de despesas orçamentárias. Aí se incluiriam o abono salarial, seguro-desemprego, salário-família, tal como sugeriu o economista Ricardo Paes de Barros, um dos criadores do bem-sucedido Bolsa Família e que está ajudando o governo na montagem do programa de renda mínima.

Tal fusão envolveria também o Bolsa Família - que já foi resultado da junção de outros programas sociais - e renderia uma soma considerável de recursos, em torno de R$ 100 bilhões, segundo estimou. Somente o Bolsa Família tem orçamento para o ano que vem de R$ 34,9 bilhões.

O governo tem focado muito no corte de gastos e falado pouco de medidas destinadas a aumentar a receita tributária diante de uma taxação mais justa da renda dos verdadeiramente ricos. Nesse aspecto, há desde a instituição de uma alíquota de 35% para tributar rendas mais elevadas - inclusive as originárias de lucros e dividendos - até cortes de deduções do Imposto de Renda que beneficiam a classe média, tais como despesas médicas e gastos com educação.

Renda Brasil e Carteira Verde Amarela se complementam.

A ideia é garantir a renda do trabalhador em até um salário mínimo. Assim, se no mercado de trabalho com a Carteira Verde Amarela o empregado consegue receber no máximo R$ 800 por mês, o Renda Brasil entraria complementando o salário até o valor de um mínimo, atualmente de R$ 1.045.

O projeto de criação dessa nova carteira de trabalho, livre de impostos e contribuições, terá que ser reenviado ao Congresso Nacional, já que a proposta anterior caducou sem ser votada.

Tomando como um dilema já resolvido que o governo respeitará a lei do teto de gastos e que a PEC 188 estabelecerá os gatilhos para o corte de despesas quando o gasto chegar a um determinado patamar, falta agora Bolsonaro decidir quem vai pagar o programa de renda mínima. Ele pretende criar o Renda Brasil mais amplo, em substituição ao Bolsa Família para, com ele, embalar seu projeto de reeleição.

Cabe ao chefe de governo arbitrar esse conflito distributivo e o tempo para isto está ficando curto. A indecisão revela uma falta de apetite para dirimir conflitos e isso chega aos mercados como uma insegurança total a respeito dos rumos da política fiscal do governo.

Os sinais ruins estão à vista: as taxas de juros longas estão subindo dia a dia e o prazo da dívida pública mobiliária se encurta, em um claro temor de que não haverá rigor fiscal. Daí para queimar o ministro da Economia é um pulo. Os sinais são um alerta de que o governo tem que mostrar o que vai fazer para trazer as contas públicas de volta a patamares aceitáveis de financiamento.

Tática presidencial

Começa a se firmar entre os principais assessores da área econômica a percepção de que há uma tática na reação do presidente a medidas politicamente sensíveis. Ele as descarta sem dó, deixando os seus proponentes perdidos, soltos no ar. Mas, tal como está acontecendo com a criação da nova CPMF -o imposto sobre transações digitais, que Bolsonaro condenou totalmente e agora, diante dos fatos, começa a aceitar -, avalia-se que o processo de aceitação será construído também com as medidas de financiamento do Renda Brasil.

No caso do imposto sobre transações, o governo quer vendê-lo como uma “substituição tributária”, no lugar da desoneração parcial da folha de salários das empresas. Com uma alíquota de 0,2% nos débitos e crédito, o novo tributo financiaria a desoneração horizontal da folha. Esta seria integral até um salário mínimo e, a partir daí, deverá haver um corte na alíquota de contribuição previdenciária de 20% para 15% ou 10%.


Claudia Safatle: O penoso retorno ao equilíbrio fiscal

Ipea vê chances de um “cenário transformador”

A questão central que se coloca hoje é como será o retorno do país à política de austeridade fiscal no pós pandemia. Para este ano as perspectivas são de uma dívida bruta próxima à 100% do PIB e um déficit primário da ordem de 13% do PIB a 14% do PIB nas contas do setor público. A contração do nível de atividade é estimada em 6% neste ano, que seria seguida de um crescimento de 3,6% em 2021, segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que constam do trabalho “Brasil pós covid-19”.

Ainda que a elevação do gasto público no combate à covid-19 seja temporária, há uma parcela da despesa que será permanente, a partir da adoção, por exemplo, do programa de renda mínima. A perda de receita também tem uma parte transitória, decorrente do adiamento do pagamento de impostos e da queda abrupta da atividade econômica.

O duplo choque, de oferta e de demanda, causado pela crise tem, porém, efeitos permanentes, pois mesmo com a retomada do crescimento e o aumento esperado de 3,6% do PIB em 2021, a atividade ainda estará abaixo do que estaria caso não houvesse a pandemia.

O crescimento projetado para o segundo semestre deste ano somado à alta de 2021, será capaz de recompor parte da perda absoluta de PIB, que ainda ficará 2,6% abaixo do nível de 2019, conforme prevê o Ipea. Do lado fiscal o resultado é a permanência de déficits primários, persistentes há oito anos, até o fim da década de 2020.

Aumentou substancialmente o risco da política fiscal (que, no limite extremo pode chegar a um calote da dívida) e um efeito direto disso já vem sendo sentido na elevação da estrutura a termo da taxa de juros, que gera pressão de alta do custo da dívida, “contrapondo-se ao efeito baixista da redução da taxa Selic”, segundo o estudo.

O trabalho do Ipea, divulgado nesta semana, avança na proposição de medidas para a retomada do crescimento no pós covid-19 e lança o desafio de se viabilizar o que ele chama de “cenário transformador”, em comparação com o cenário de referência.

Conter a deterioração fiscal é pré-condição para a retomada da economia. “É preciso manter a sinalização clara do compromisso com o equilíbrio fiscal”, indica o documento.

Passada a pandemia - e a necessidade de medidas emergenciais com impacto no deficit e na dívida pública - as reformas ganharão ainda mais importância São elas: o novo pacto federativo, que cria instrumentos para melhorar a gestão fiscal nos três níveis de governo; a proposta de emenda constitucional que extingue com pouco mais de 200 fundos de financiamento; e uma reforma administrativa que estimule o aumento de produtividade dos servidores e ajude a conter os gastos com pessoal - segundo maior item de despesa do governo federal, depois da Previdência, e principal despesa dos governos estaduais e municipais.

Isso, associado a uma abertura da economia ao comércio externo e a uma maior flexibilização do mercado de trabalho produziria a aceleração do crescimento, levando a economia ao “cenário transformador”.

Dada a fragilidade das condições fiscais que impede um aumento relevante do investimento público, sob o risco de insolvência, a solução mais adequada é a atração de investimentos privados nacionais e estrangeiros, especialmente em infraestrutura. Isso requer um ambiente macroeconômico equilibrado, um sistema tributário menos oneroso, e um ambiente regulatório que, nas atuais condições, exige uma taxa de retorno maior para compensar o alto nível de risco.
É possível crescer mais a partir de 2021? A pergunta que o Ipea se colocou tem possibilidade afirmativa.

“Não há caminho fácil para se atingir esse objetivo”, responde. Os problemas fiscais restringem a utilização de gastos públicos para estimular a retomada da economia. A política monetária pode contribuir positivamente, atenuando a queda do PIB e gerando estímulos para a retomada cíclica, mas tem limitações. Medidas na direção de se reduzir o risco fiscal e melhorar o ambiente de negócios são a forma mais eficiente de estimular os investimentos privados e gerar emprego e renda no médio prazo.

O senso de urgência dado a aprovação das medidas de combate a pandemia também deveria guiar os esforços do Executivo e do Legislativo para a retomada da agenda de reformas econômicas, recomenda o estudo.

A tendência de desconcentração da produção industrial hoje centralizada na Ásia, o que expõe os demais países a riscos de abastecimento, como chegou a se temer durante a pandemia, pode dar ao Brasil algumas oportunidades, cita o texto.

A produtividade brasileira ainda é muito baixa - com crescimento médio pouco acima de zero nos últimos 40 anos - mas há espaço para ganhos nessa área por meio de reformas estruturais. Aliadas à expansão do mercado de crédito e à melhoria do ambiente de negócios, essas reformas permitiriam acelerar o crescimento da produtividade, estimulando os investimentos.

O crescimento, porém, só será robusto se houver uma boa alocação dos recursos investidos, com o foco nos ganhos de produtividade, que é a principal fonte de crescimento.

Há espaço para um aumento relevante nos investimentos em infraestrutura, que estão muito baixos e são insuficientes para repor a depreciação da estrutura de transportes e de fornecimento de energia que o país dispõe.

Essas medidas não têm custo fiscal, e dependem apenas de aprovação de novas leis no Congresso. Se, paralelamente às reformas de contenção do gasto público for executado um conjunto de reformas microeconômicas pró-investimentos e uma reforma tributária que ajude a melhorar a eficiência da economia, é possível projetar um “cenário transformador”, com crescimento bem mais elevado do que no cenário de referência.

Três exemplos de medidas microeconômicas são: 1) criação de uma boa carteira de investimentos de longo prazo; 2) aprovação dos marcos regulatórios do setor elétrico e das novas concessões; e 3) regulamentação do marco regulatório de telecomunicações aprovado em 2019.


Claudia Safatle: Na economia o pior já passou, diz o governo

Para os economistas oficiais, as projeções do FMI estão erradas

Para os economistas do governo, as projeções do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial para o nível de atividade do país este ano estão simplesmente “erradas”. O FMI divulgou, na revisão do World Economic Outloock, uma queda de 9,1% do PIB e o Bird calculou em 8% a recessão no Brasil. Os técnicos do FMI consideraram uma retração de 0,6% no Produto Interno Bruto (PIB) para cada semana de isolamento social, mais que o dobro do estimado pelo Ministério da Economia (- 0,27%) e por um período maior do que o preconizado pelos economistas locais.

Nas contas do Fundo Monetário, depois do tombo levado pela atividade econômica doméstica, que atingiu o fundo do poço em abril, não haveria praticamente nenhuma recuperação, segundo o relato de assessores da área econômica que estiveram com os enviados do Fundo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, qualificou os prognósticos do FMI de “chute”.

A Secretaria de Política Econômica (SPE) do ministério continua apostando em uma recessão próxima a 4,7%. No Banco Central, a última revisão do Produto Interno Bruto (PIB) aponta para um desempenho pior: queda de 6,4% este ano. Ambos, contudo, convergem no entendimento de que o pior já passou e buscam nos dados de alta frequência as informações que sustentam a avaliação de que a economia já começou a reagir.

“Em relação ao que se esperava em abril, que eram dados muito ruins, eles estão vindo só ruins”, pontuou um dos secretários do ministério, para deixar claro que apesar de alguma perspectiva melhor não há razão para grandes comemorações. Isso é o que estariam mostrando as informações sobre emissão de nota fiscal e de vendas no cartão, dentre outras.

Os demais indicadores que chamam a atenção dos técnicos da área econômica e que apontam para o início de um processo de retomada da atividade, embora esta ainda esteja bem abaixo do período pré-pandemia, são:

Emplacamento de veículos: depois de uma retração de mais de 70% entre fevereiro e abril, o número de veículos emplacados em maio e junho aumentou, respectivamente, 12% e 84%, ajustados os efeitos sazonais. O dado desagregado revela forte aumento no emplacamento de caminhões, superando em junho os patamares pré-crise, segundo informações da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores).

Consumo de energia elétrica: após recuar 16%, em meados de abril confrontado com igual período do ano passado, o consumo de energia aumentou nas últimas semanas, segundo informações do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Dados do fim de junho indicam que o consumo se encontra apenas 5% abaixo de igual período de 2019. “O dado é volátil, e apresenta heterogeneidade regional, mas a tendência é robusta: há uma melhora consistente nesse indicador nas últimas semanas”, atestam os economistas oficiais.

Faturamento do varejo (ICVA -Indice Cielo do Varejo Ampliado): o faturamento nominal do varejo teve queda de mais de 50% no fim de março, quando começou o isolamento social. É possível notar, porém, uma recuperação nas últimas semanas. Na ultima semana de junho constata-se um recuo de 24% em relação a período comparável antes da pandemia. “Há diferenças setoriais importantes, mas os dados sugerem recuperação consistente em diversos setores”, asseguram os técnicos.

Dados de mobilidade do Google: o Google elaborou um relatório para identificar os impactos que a pandemia da covid-19 causou no distanciamento social e nas tendências de mobilidade. A base de comparação é um valor médio das cinco semanas entre o dia 3 de janeiro e 6 de fevereiro de 2020 (pré-pandemia). Os últimos dados disponíveis são do dia 27 de junho e apontam uma melhora expressiva na mobilidade para locais de trabalho e mercearia e farmácia. “Já os dados de varejo e recreação são mais heterogêneos por região e encontram-se em patamares ainda baixos”, ponderam.

A SPE elaborou um indicador proprietário que sintetiza os dados do Google e revela que após recuar aproximadamente 55% em abril, o indicador encontra-se atualmente próximo de 30% negativos.

Confiança empresarial: depois de passar por uma queda de mais de 40% entre março e abril, a confiança voltou a subir, informa a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os meses de maio e junho mostraram avanço de 8.2% e 19.1% na margem, respectivamente, com ajuste sazonal.

Incerteza econômica: o indicador da FGV começou a recuar na margem em maio (-9.6%) e junho (-8.8%), depois de acumular uma alta de 83% no período entre o início da pandemia e abril. Mesmo com as quedas, a incerteza continua elevada.

A ampliação, por mais dois meses, do auxílio emergencial para os trabalhadores informais, desempregados e microempreendedores individuais (MEI) e o impacto dessa ajuda na expansão da massa salarial, assim como o aumento da oferta de crédito para as médias, pequenas e microempresas, devem ajudar na retomada da atividade.

O auxílio deverá ser pago em três parcelas de R$ 500, R$ 400 e R$ 300 e vai disputar o peso dessa renda no PIB com o risco fiscal que o gasto com esses pagamentos traz embutido.

Entre os economistas oficiais não há grandes esperanças de que os bancos em geral vão se engajar, efetivamente, em conceder crédito para o universo de micro e pequenas empresas - cujo risco de falência aumentou muito nesta crise - apesar das garantias asseguradas pelo Tesouro Nacional. Até agora, apenas a Caixa, por ser um banco 100% estatal, está operando com a linha do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte).

Do ponto de vista do comportamento do PIB é melhor um abre e fecha do comércio de bens e serviços, pautado pela evolução da doença, do que manter um estrito isolamento social em que funcionam somente supermercados e farmácias.