Ciro Gomes

Bruno Boghossian: Ciro e PDT transformam caso Tabata em peça de propaganda

Ex-ministro busca primazia na esquerda, mas depende de ataques a outros personagens

Ciro Gomes tenta transformar as dissidências dentro de seu partido em peça de propaganda. Depois que a bancada do PDT rachou na votação da reforma da Previdência, o ex-presidenciável passou a liderar uma campanha doméstica contra Tabata Amaral e os deputados que apertaram o botão verde para a proposta de Jair Bolsonaro.

A reação furiosa evidencia um esforço para limpar a imagem da legenda, que viu 8 de seus 27 parlamentares traírem a orientação partidária. "A história vai registrar quem estava de um lado e quem estava do outro", declarou Ciro, na segunda-feira (15).

O pedetista mostra que pretende usar esse grupo de infiéis como escada política. Ao tratar o voto a favor da reforma como um comportamento intolerável, Ciro quer amplificar sua própria oposição à reforma e conquistar terreno na esquerda como adversário principal da agenda econômica do atual governo.

Na largada, ele conseguiu atrair alguns holofotes. O PT, que tem o dobro da bancada do PDT, deu todos os seus 54 votos contra a proposta, mas foi Ciro quem apareceu como antagonista de destaque —graças a seu embate com Tabata e companhia.

O pedetista praticamente reivindicou o monopólio dos ataques à novata. "Uma turma do PT fica agredindo a Tabata e o PDT como se nós fôssemos pouco fiéis à luta do povo, e o PT fosse o perfeito guia genial dos povos que não falha", reclamou.

Embora a caçada pública aos dissidentes funcione apenas como marketing, o partido tem o direito de abrir processos de punição e até de expulsão. É verdade que as legendas se tornaram um amontoado de siglas, mas seria melhor se elas seguissem programas nítidos.

Em busca de primazia na esquerda, Ciro tenta reforçar sua figura e evitar a diluição das cores de seu partido. Enquanto aposta no ocaso dos petistas, o ex-presidenciável anuncia que não admite se embrulhar numa bandeira em tom pastel. É curioso, no entanto, que a briga por protagonismo dependa sempre de investidas contra outros personagens.


Bernardo Mello Franco: Ciro ataca PT e chama Lula de adversário

‘Para a cúpula do PT, o inimigo não é o Bolsonaro. Sou eu’, diz Ciro. ‘O Lula é um político preso. Preso político é o Mujica, que nunca foi acusado de corrupção’, provoca

Ciro Gomes vai à guerra. Terceiro colocado na corrida presidencial, ele pretende liderar a oposição ao governo Bolsonaro. Não está disposto a dividir espaço com o PT, que agora descreve como adversário direto.

Na quinta-feira, o pedetista reapareceu em Salvador, onde bateu boca com militantes que defendiam o ex-presidente Lula. Foi um aviso. Daqui para a frente, ele quer distância dos ex-aliados, mesmo que isso signifique manter a esquerda fragmentada.

“Para a cúpula do PT, o inimigo não é o Bolsonaro. Sou eu”, justifica. “A disputa agora não é de projeto, é de hegemonia. Eles envelheceram. A tática do PT é me empurrar para a direita, como fizeram com o Brizola e com o Arraes. Só que eu não vou”, desafia.

Ciro se considera rompido com o ex-presidente, que foi condenado pela segunda vez nesta semana. “O Lula continua conspirando de dentro da cadeia, na politicagem mais rasteira. Nós temos que tratá-lo como ele é: como um adversário”, afirma.

Ele diz que “não comemora” a situação do petista, mas se recusa a endossar sua defesa incondicional. “Lula não é um preso político. É um político preso. Preso político é o Mujica, que nunca foi acusado de corrupção”, provoca. “Vamos olhar a realidade ou ficar navegando na maionese?”.

Para o ex-ministro, o PT se deixou aprisionar com seu líder em Curitiba. “A tese do ‘Lula Livre’ foi derrotada. Se continuarem insistindo nisso, vão ser derrotados de novo”, avisa.

Ciro diz que a estratégia dos petistas está errada. “Conhecendo o Judiciário, acho uma aberração pensar que vão ajudar o Lula com campanha de rua. Isso funciona pelo oposto”.

Ele não se arrepende de ter virado as costas para Fernando Haddad no segundo turno. O petista ficou esperando seu apoio, mas o ex-ministro escolheu viajar de férias para a Europa.

“O que é que eu devo para eles? O Haddad teve 71% dos votos no Ceará. Em São Paulo, o estado dele, teve 32%”, afirma. “Não sou obrigado a votar nessa gente de novo. Nunca mais”.

Ciro promete uma oposição “propositiva” a Bolsonaro. No próximo dia 20, vai apresentar um projeto alternativo de reforma da Previdência. Ele quer centrar fogo na agenda econômica e no que vê como um desmonte das políticas sociais. Prefere ignorar as pautas de comportamento, que têm dominado o debate nas redes.

“Não vou ficar comentando declaração de maluquete sobre cor de roupa de menino”, diz, referindo-se à ministra Damares Alves e sua polêmica do rosa e do azul. “Isso é irrelevante. A agenda identitária não pode substituir a luta da esquerda”, afirma.

Na disputa pelo comando da Câmara e do Senado, Ciro travou o primeiro embate do ano com o PT. Ele apoiou Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, enquanto os petistas ficaram com Marcelo Freixo e Renan Calheiros. Os candidatos do DEM venceram, e agora prometem facilitar a vida de Bolsonaro.

“Aquilo não era um terceiro turno da eleição”, diz Ciro, rejeitando a crítica por ter se juntado aos governistas. “Nós sofremos uma derrota fragorosa no ano passado. O lutador tem que entender sua posição no tablado, e o PT ainda não entendeu”, rebate.


Folha de S. Paulo: Bolsonaro é resposta tosca, mas não ameaça a democracia, diz Mangabeira Unger

Guru de Ciro Gomes diz que PT preferiu ser derrotado a perder a atual hegemonia na esquerda

Por Carolina Linhares, da Folha de S. Paulo

Para o filósofo Roberto Mangabeira Unger, a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) é uma resposta tosca a uma aspiração legítima do Brasil profundo de botar para quebrar.

O professor da Universidade Harvard (EUA) critica a hegemonia do PT, de Lula. "Como eles vão liderar? Eles se esborracham porque não compreenderam o que o país queria."

Guru de Ciro Gomes (PDT), ele assume erros na campanha.

 Qual o significado da eleição de 2018? 
Foi um plebiscito sobre a volta do PT. A maioria decisiva dos brasileiros estava disposta a pagar quase qualquer preço para evitar o retorno do PT. O PT e o Lula deveriam ter tido a grandeza de reconhecer que a maioria dos brasileiros não aceitaria a volta do PT. Não havia qualquer chance de vitória do candidato do PT, mesmo que Lula pudesse ter sido candidato. O natural é que o PT desde o início tivesse apoiado Ciro.

E por que Ciro não venceu? 
Ciro e nós, seus aliados, cometemos um erro. Havia dois caminhos. Um era acertar-se com Lula e com o PT. Aceitar ser vice de Lula para depois virar cabeça de chapa. Havia objeções a isso, devido à diferença entre os projetos par o país e à falta de confiança nos acertos do PT, que tem uma longa história de dar rasteiras. Esse caminho tinha uma consistência tática.
O outro caminho era romper desde o início com o PT. Deixar clara a diferença de projeto e oferecer-se ao eleitorado como uma alternativa mais confiável do que Bolsonaro. O erro foi ficar no meio termo. Muitos até o final continuaram a achar que o Ciro era um homem de Lula. Isso é que foi fatal.

Ao não declarar apoio a Haddad no segundo turno, Ciro buscou esse afastamento? 
Tarde demais para superar os males gerados por essa ambiguidade. Ciro passou muito tempo explicando-se para as classes ilustradas e endinheiradas, que na maioria jamais votariam nele, em vez de buscar o povão.

Qual dos caminhos que o sr. mencionou para Ciro era melhor? 
Os dois tinham consistência. Se ele escolhesse o acerto com o PT, não havia nenhum risco de que, no poder, ele se conduziria como instrumento do lulismo. Eu advoguei essa alternativa.

O sr. não disse que tem que correr fora da raia do lulismo? 
Você está fazendo confusão. Uma coisa é o caminho tático. Nós não escolhemos as circunstâncias. Se fosse o primeiro caminho, haveria o problema da confusão da população, porque ficaria manifesto que o Ciro tem um outro projeto.

Mas ele seria eleito? 
Com grande chances, com o apoio de Lula, mas sendo não-Lula e sendo quem é, inconfundível com poste, teria grandes chances. O [caminho] preferível teria sido começar de lá de trás essa pedagogia da diferença.

O sr. disse que é preciso correr fora da raia do lulismo... 
Eu não disse isso, Fernando Haddad atribuiu essa frase a mim, porque ele confundiu duas coisas: a questão tática com a questão de fundo. Sinceramente eu acho que ele, meu amigo, até hoje não compreende a diferença substantiva dos projetos.

Como o sr. explica a ascensão de Bolsonaro?
PSDB e PT juntos, duas cabeças da mesma serpente, conduziram o Brasil por uma lógica da cooptação. Cada parte do país foi comprada, a corrupção foi apenas um dos vários corolários desse sistema. Intuitivamente o Brasil buscava passar da lógica da cooptação para a lógica do empoderamento. E por trás dessa rejeição ao PT havia o repúdio à lógica da cooptação.
O modelo que chamamos de nacional consumismo democratizou a economia do lado da demanda e do consumo, não do lado da produção. O agente social mais importante do Brasil, os emergentes, é órfão de projeto político. Não é apenas a pequena burguesia empreendedora mestiça, morena, que vem de baixo. É também uma multidão de trabalhadores pobres que vê nos emergentes a vanguarda. Essa é a cara do Brasil profundo.

A esquerda abandonou essa população? 
Chamar de esquerda o PT é muito esquisito. Porque esse nacional consumismo não tinha qualquer projeto de mudança estrutural. A parte social é o açúcar com que se pretendia dourar a pílula do modelo econômico. Esse Brasil profundo quer desesperadamente mais do que açúcar. Quer instrumento e oportunidade. Quer botar pra quebrar, criar, construir, inovar, ser gente. ​Bolsonaro é o beneficiário acidental desse desejo frustrado. Acidental não é para desmerecer o esforço que ele fez durante anos de construir um discurso e canais para esse Brasil desconhecido, que é o agente decisivo hoje.

Bolsonaro teve essa estratégia ou foi sem querer? 
Intuitivamente sim [teve estratégia]. Oferece soluções simplistas, mas que no imaginário apelavam para uma ideia de libertação e merecimento. Era a forma simplista e até distorcida e mentirosa de uma aspiração legítima.

Por que o PT não apoiou Ciro? 
Tudo indica que preferiam perder o poder à direita a perder a hegemonia na esquerda. Por soberba, sobrevalorizando a sua influência sobre a população e subvalorizando a descoberta pelo povo brasileiro da insuficiência do projeto petista. Um povo farto da lógica da cooptação nacional consumismo e buscando o empoderamento. Isso era o mais difícil de eles aceitarem porque seria uma crítica fundamental a eles mesmos.

O sr. concorda com essa estratégia de oposição sem o PT? 
Existe a tarefa pedagógica de esclarecer a divergência de fundo. PT não é esquerda. Precisamos de inovação estrutural. Andar demais com o PT é um perigo sob o ponto de vista dessa tarefa.
E eles continuam a ter aspirações hegemonistas, então é difícil andar com eles. Acham natural eles liderarem. Como vão liderar? Eles se esborracham porque não compreenderam o que o país queria.
Não é razão para não conversar com eles. Por exemplo, eu hoje à noite [dia 5] vou jantar com Haddad. Não vou dizer que eles são diabólicos, mas os puritanos nos EUA têm um provérbio: “quando jantar com o diabo, use uma colher muito comprida”.

Do ponto de vista eleitoral, é possível que a esquerda chegue ao poder rejeitando Lula e o lulismo?
Precisará de eleitores que votaram em Lula, não precisará necessariamente do PT e do Lula. Gostaria que Lula tivesse grandeza de compreender tudo isso.

Bolsonaro fará um bom governo? 
Me parece promissor, e falo como opositor, a ideia de impor o capitalismo aos capitalistas. Nem de longe é condição suficiente para o modelo de desenvolvimento que precisamos, mas é condição preliminar. A radicalização da concorrência, quebra dos cartéis, a destruição dos favores dados aos graúdos pelos bancos públicos.
E de oferecer aos emergentes um projeto político que responde às aspirações deles. Considero que a resposta é tosca e que irá frustrar parte da população. Mas é melhor do que nada. O que era intolerável no nosso país é que o agente social mais importante estivesse alienado da política e não se sentisse representado.

Como e quando a população será frustrada? 
Quero acreditar que o momento Bolsonaro seja um primeiro momento em que rejeitamos a cooptação e tentamos constituir, numa forma tosca e insuficiente, a lógica do empoderamento.
O provável é que Bolsonaro consiga alguns feitos, mas que pare no meio do caminho. [Ele] Julga que o conserto das regras tributárias e da Previdência melhoraria o ambiente geral dos negócios. É uma preliminar indispensável, mas não resolve o problema.
A democratização do consumo se pode fazer só com dinheiro, mas democratizar a produção exige inovação institucional política e econômica. É uma nova vanguarda, da economia do conhecimento. Não há nenhum país grande no mundo que por sua natureza tenha mais pendor para esse experimentalismo radical do que o Brasil.Há
um empreendedorismo vibrante no Brasil, mas em grande parte, primitivo. Teríamos que começar a qualificá-lo. Temos que burilar nossa vitalidade, não difamá-la como barbárie e regressão.

Bolsonaro não é o experimentalismo radical? 
Não. Não é a ideia de que existe a forma simplista de acabar com a bagunça. A ordem na sala de aula, a força contra crime, é o presidente não comprar os partidos. Não é acabar com a bagunça, é transformá-la numa anarquia criadora. Não vamos impor ao país uma camisa de força.
A severidade moralizante, a fórmula pronta, o revólver, a ordem patriarcal. Tudo isso é uma fantasia arcaica, de que há um atalho, uma maneira simples de encontrar esse futuro que queremos. O Brasil vai descobrir que esse atalho não funciona, mesmo assim eu julgo que essa primeira onda será útil ao país e talvez, retrospectivamente, venhamos a pensar que ela foi necessária.

Bolsonaro é uma ameaça à democracia? 
Não vejo qualquer indício concreto de ameaça direta à democracia. Em Harvard, meus colegas me abraçam em solidariedade porque passa por lá que Mussolini assumiu o poder. Não é nada disso. O risco que nos ronda não é a ditadura fascista, é a perpetuação da mediocridade. O risco à democracia pode haver depois, por sucessivas frustrações dessas aspirações dos emergentes, de empoderamento.

Como vê Sergio Moro no Ministério da Justiça? 
Outro aspecto positivo de Bolsonaro é a desorganização dos acertos entre oligarquia do poder e oligarquia do dinheiro. Moro pode ser útil nisso. Muito bom para o país. Desde que não caiamos sob o governo dos juízes, que não têm eficácia ou legitimidade para governar. Eles são úteis ao país para abrir o espaço cívico e impedir que ele seja corrompido, mas não para ocupá-lo.

O que acha da política externa de Bolsonaro?
Há duas vozes dominantes na política exterior brasileira. A primeira é a da política exterior como sucursal da UNE. É retórica, nunca foi real. Por exemplo, nos assuntos da Defesa, o Brasil é um protetorado dos EUA e o PT nunca levantou um dedo para mudar isso. A outra voz é a política exterior como sucursal da Fiesp. É um bazar para vender os nossos produtos.
O que eu temo é que a política exterior do governo Bolsonaro venha a ser a continuação da mesma coisa, a justaposição dos dois erros. É o simbólico com sinal trocado, em vez de anti-imperialismo é antiglobalismo. Um tão ruim quanto o outro. Justaposto ao pequeno mercantilismo. É um bazar permanente.

E a relação com os EUA?
De um lado, dizemos “vamos ser como eles”. Eles buscam grandeza, nós vamos buscar grandeza. E qual a fórmula da grandeza? É nos subordinar a eles. Isso é algo que não passa, justificado por essa retórica confusa do antiglobalismo.
É a ambiguidade do discurso do Bolsonaro. Não está só trocando o sinal, passando de uma política ideológica para outra e não concebendo a política exterior como política de estado. Estão usando a política exterior como se fosse o reino do simbólico. Os astrólogos escolherem chanceleres. Isso só aconteceu na Babilônia há três mil anos.

 


Ruy Fabiano: A reinvenção da esquerda

O PT desgastou-se demais

A esquerda quer se reinventar (o termo é o que tem sido usado por ela própria). O primeiro passo é descolar-se de Lula e do PT, providência já em curso, sob a batuta de Ciro Gomes, do PDT.

Frustrado em seu sonho de encabeçar, nas eleições de outubro passado, uma chapa única das esquerdas, tendo o PT como vice, Ciro não se cansa de acusar Lula de “traição” – e burrice.

O acordo chegou a ser selado verbalmente, na cadeia, mas, na hora H, Lula, temendo o protagonismo de Ciro, optou por Haddad.

Muita gente na esquerda (até no PCdoB), chocada com a vitória acachapante de Bolsonaro – e com a perspectiva de longo jejum de poder -, subscreve a análise de Ciro, que, para além da mágoa, age pragmaticamente. Tanto assim que já baixou o facho de sua retórica.

O raciocínio é simples: o PT desgastou-se demais, associou-se de modo irreversível a corrupção e incompetência e não tem mais condições de cobrar do governo (qualquer governo) o que quer que seja. Pior: perdeu seus quadros principais.

Seu líder, Lula, está preso, ao lado de outros protagonistas do partido – e outros mais, como José Dirceu, devem lhes fazer companhia em breve. A Lava Jato, fortalecida com a presença de Sérgio Moro no Ministério da Justiça, deve expor mazelas ainda ocultas dos 13 anos em que o partido reinou sobre o país.

Resumindo: o desgaste da sigla tende apenas a aumentar. O PT que hoje sobrevive é uma caricatura do original. O partido que, na sua origem, reunia a elite do sindicalismo e intelectuais da USP, Unicamp e PUC, hoje se vê reduzido a um baixo clero iletrado, que busca compensar suas limitações com pantomimas e insultos.

De Sérgio Buarque de Hollanda, Florestan Fernandes, Hélio Bicudo, Paul Singer, entre outros, o partido desembocou em Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias, Maria do Rosário e Dilma Roussef.

A decomposição qualitativa deu-se no curso do exercício do poder, em que o partido pôs em prática tudo o que condenara, com veemência, em mais de duas décadas de oposição: aliança com as oligarquias mais atrasadas e corrupção, muita corrupção.

O país que recebeu dos tucanos estava bem melhor que o que entregou a Temer, que, apesar de todos os pesares, conseguiu reduzir danos e o repassará a Bolsonaro em melhores condições que as em que o recebeu. A reinvenção parte deste princípio: é preciso mudar a fisionomia da esquerda, torná-la propositiva e idônea – tarefa gigantesca, para dizer o mínimo.

Não basta insultar os adversários, como o próprio Ciro tem o hábito de fazer. José Dirceu, esta semana, constatou que não será curta a passagem de Bolsonaro (e do que genericamente chama de direita) pelo poder. Reconheceu que o novo presidente tem base social e meios para pôr em cena os dois compromissos centrais de sua campanha: combate à corrupção e ao crime.

É cedo para saber a eficácia da estratégia da esquerda. O próprio Ciro, sem mandato, pode vir a ser ultrapassado por outras lideranças. O certo é que o primeiro passo – o descolamento de Lula e PT – indica que já está em curso um processo de autocrítica, indispensável à sobrevivência de quem sai politicamente nocauteado.

*Ruy Fabiano é jornalista


Luiz Carlos Azedo: O voto útil

“Há dois tipos de indecisos: o que não está nem aí para a política e decide de última hora; e o que escolheu um campo político, mas não sabe qual é o candidato com mais chances de ir ao segundo turno”

Um dos ingredientes da democracia é o imponderável nas eleições, sem o qual não haveria alternância de poder. Num país de dimensões continentais como o Brasil, com um contingente eleitoral de 147 milhões de eleitores, a 44 dias das eleições, nada mais natural que o mercado ter uma crise de nervos por não saber quem ganhará o pleito. Objetivamente, as pesquisas mostram isso. É natural que os analistas façam interpretações e tentem antecipar resultados. Acertar com essa antecedência é um bilhete premiado na loteria das consultorias políticas. Para as futuras eleições, é claro. Na atual, é pura adivinhação.

Conversando com um amigo macaco velho do jornalismo político, ele fez uma observação muito pertinente sobre as duas últimas pesquisas eleitorais: “Não sei ainda em quem vou votar, mas sei em quem não voto de jeito nenhum. O que vai decidir essa eleição é o voto útil!” Não vou revelar o “não-voto” do amigo, mas o raciocínio serve para muita gente. Há dois tipos de indecisos: o eleitor que não está nem aí para a política e decide de última hora; e o que já escolheu um campo político, mas não sabe qual é o candidato com mais chances de ir ao segundo turno.

Sem fazer previsões precipitadas, diria que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu se tornar um grande eleitor da disputa, mesmo estando preso em Curitiba, cumprindo pena de 12 anos e 1 mês de reclusão, após ter sido condenado em segunda instância por causa do triplex de Guarujá. A narrativa do golpe contra Dilma Rousseff e a vitimização do petista colaram numa fatia do eleitorado, que já era simpática ao ex-presidente da República. Fosse mesmo candidato pra valer (sua candidatura será impugnada), Lula estaria no segundo turno e poderia até voltar ao poder, como aconteceu com Getúlio Vargas (PTB), em 1950.

Lula opera uma estratégia de risco, afronta a Justiça e as regras do jogo democrático, mas os adversários precisam reconhecer que o plano funcionou: pode até chegar ao horário eleitoral gratuito como candidato. Ganha com isso o PT, que conseguiu varrer para debaixo do tapete os escândalos do mensalão e da Petrobras para evitar uma nova derrocada eleitoral, como a de 2016, quando perdeu 59,4% das prefeituras. Vêm daí as apostas de que Fernando Haddad estará no segundo turno das eleições, beneficiado pela combinação da transferência do prestígio de Lula e do apoio da militância petista nas redes sociais.

Resiliência

Um exemplo desse apoio foi a reação petista ao resultado das pesquisas, que mostraram a fragilidade de Haddad nos cenários sem Lula. Os votos do ex-presidente migraram principalmente para Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT). A AP/Exata, que acompanha as redes sociais em tempo real, registrou que as hashtags #LulaManuHaddad e #Haddad rapidamente se equipararam às menções de Bolsonaro, que lidera a campanha eleitoral nesse meio. Fala-se muito numa disputa tempo de televisão e de rádio versus redes sociais. Ao contrário de Bolsonaro e Marina, que lideram nas redes sociais, Haddad dispõe de razoável condição de campanha no universo analógico e paridade no meio digital.

Lula empurra com a barriga a candidatura até 17 de setembro, utilizando os prazos do processo de impugnação no Tribunal Superior Eleitoral (TRE), para ser substituído por Haddad em pleno horário eleitoral gratuito, que começa em 31 de agosto. Seus marqueteiros dizem que bastariam 60 segundos para fazer a transferência de votos, numa fusão de imagens. Será? Até agora, Lula se passou por vítima de uma grande armação judicial; se o ex-presidente for à televisão, Haddad terá que ser abatido na pista, antes de decolar.

Geraldo Alckmin (PSDB) aposta todas as fichas no tempo de televisão e de rádio para desconstruir a imagem dos adversários e resgatar a própria; subestima as redes sociais. Para chegar ao segundo turno, terá que crescer nos eleitorados de Bolsonaro, à direita; Marina Silva, à esquerda; Ciro Gomes, no Nordeste, e Álvaro Dias, no Sul, que já demonstraram grande resiliência. E avançar entre os indecisos. É aí que voltamos ao ponto de partida. Chegará ao segundo turno quem capturar os votos anti-Lula e/ou anti-Bolsonaro, que são os protagonistas da polarização eleitoral. Ou seja, o voto útil. Por enquanto, segundo as pesquisas, Marina Silva continua melhor posicionada do que Alckmin para isso.


Míriam Leitão: O que é preciso saber sobre dívida pública

Até as eleições de 2002, o PT jogava a culpa dos problemas brasileiros na dívida pública. Essa bandeira, agora, foi levantada pelo candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes. A dívida é de fato alta e virou um problema, mas o caminho de reduzi-la é a penosa trilha do ajuste fiscal. Qualquer outra forma tem o potencial de criar muita perturbação na economia. E há soluções realmente perigosas.

A esquerda parecia ter entendido isso na Carta aos Brasileiros. O ponto óbvio é que o Tesouro não deve aos bancos, mas aos investidores de todo o país. Os fundos de pensão detêm 25% da dívida. Qualquer proposta voluntarista pode afetar essa poupança brasileira que está nas mãos das empresas, famílias, investidores institucionais e bancos. Afeta os aplicadores e o pagamento dos aposentados desses fundos de pensão.

Ciro Gomes já defendeu duas propostas. Estabelecer um teto para o pagamento da dívida. Além de um determinado valor não se aceitaria o custo financeiro. A segunda seria usar parte das reservas para comprar parte da dívida e reduzi-la.

A primeira solução provocaria uma crise de confiança. O investidor poderia temer pela segurança do seu ativo, da sua aplicação. Assim, procuraria outros ativos. O custo financeiro é de fato alto, mas o caminho para reduzi-lo é inverso a esse. O endividamento público está em R$ 5,2 trilhões, 77,2% do PIB. Desse total, R$ 1,1 trilhão são as operações compromissadas que o Banco Central usa para reduzir ou aumentar a liquidez do mercado, o dinheiro em circulação, e R$ 3,6 trilhões são a dívida mobiliária, ou seja, em títulos.

A dívida estava em 52% em 2014 e o que a fez subir para 77% foi o déficit primário no qual o país caiu no governo Dilma. O vermelho permanece. Quando o Tesouro fecha no negativo, precisa se endividar para fechar o ano. Isso eleva o endividamento. Durante muito tempo, ele caiu e ficou estabilizado exatamente porque o país teve superávit primário durante 16 anos.

As operações compromissadas vencem em prazo mais curto e por isso têm sido apontadas como o pior do problema. Mas não são em quatro dias, como tem sido dito. Vencem em até três meses, mas é curto prazo. Em 2006, eram 3% do PIB, e agora, 17%. O que fez aumentar foi exatamente a compra de reservas cambiais. No governo Lula, tomou-se a boa decisão de acumular reservas, mas quando o governo compra os dólares ele coloca reais no mercado e precisa depois vender papéis para diminuir os reais na economia, que poderiam alimentar a inflação. É isso que eles chamam de regular a liquidez.

E se o Tesouro decidir fazer a operação inversa, vendendo os dólares para resgatar a dívida? Vai trocar seis por meia duzia e ainda provocar um efeito colateral complicado. Se o governo vender os dólares em grande quantidade, o câmbio despenca. Ótimo para quem está endividado em dólar, ou tem uma viagem ao exterior, mas pode quebrar os exportadores se for um movimento brusco e superestimular a importação. Além disso, ao fazer a segunda etapa, que seria usar o dinheiro da venda das reservas para resgatar dívida antecipadamente, vai colocar mais reais na economia e precisará lançar títulos para enxugar.

O Brasil pagou nos 12 meses até junho, data do último relatório, R$ 397 bilhões de serviço da dívida, rolagem do principal e juros. É muito, mas já foi muito mais. O auge do custo do endividamento nos últimos seis anos foram os 12 meses terminados em janeiro de 2016, no governo Dilma, quando os juros estavam em 14,25% e a incerteza política cresceu com o processo de impeachment. Era 9% do PIB e agora é 6% do PIB, porque a Selic caiu. E só caiu porque antes foi derrubada a inflação.

Os caminhos da economia não podem ser tomados na direção inversa. É preciso primeiro zerar o déficit, porque o governo que tentar diminuir o endividamento ou seu custo na marra colherá inflação e pode provocar uma corrida para tirar as aplicações em título público. O voluntarismo, a demagogia eleitoral não cabem quando o assunto é a dívida, porque ela é a soma das economias de todos os brasileiros. Por mais antipatia que se possa ter dos bancos — e quem não tem? — eles não são os donos da dívida, são os intermediadores. O Brasil aprendeu dolorosamente isso no governo Collor. Não é possível tratar com leviandade esse problema 28 anos depois daquele trauma.


Folha de S. Paulo: Acordo entre PT e PSB nos estados isola Ciro e causa protestos nos diretórios

Costura prevê neutralidade de sigla socialista, evitando apoio ao rival de Lula na esquerda

Catia Seabra , Gustavo Uribe , Marina Dias , João Valadares e Carolina Linhares | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO, BRASÍLIA, RECIFE E BELO HORIZONTE - Sob protestos em suas bases regionais, as cúpulas do PT e PSB decidiram, nesta quarta-feira (1ª), sacrificar candidaturas estaduais em nome de um pacto nacional que levará ao isolamento do candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes.

Consumado o acordo, o PSB vai anunciar neutralidade na corrida presidencial, abandonando a costura de aliança com o PDT.

Em troca, o PT vai retirar a candidatura da vereadora Marília Arraes ao governo de Pernambuco em apoio à reeleição do governador Paulo Câmara (PSB). Por 17 votos contra 8, a Executiva Nacional do PT decidiu apoiar o PSB no estado.

O comando petista aprovou a aliança com o PSB de Pernambuco às 16h. No mesmo momento, em um hotel de Belo Horizonte, o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, informava ao ex-prefeito e pré-candidato Márcio Lacerda a decisão de desistir da disputa ao Palácio da Liberdade em apoio à reeleição do petista Fernando Pimentel.

"Recebi esta comunicação com indignação, perplexidade, revolta e desprezo", escreveu Lacerda, informando em nota que recusará o convite para que concorra ao Senado na chapa encabeçada por Pimentel. Em declaração posterior à Folha, ele disse que teve apenas uma conversa e que espera receber uma comunicação formal.

Pré-candidata em Pernambuco, Marília afirmou que não vai desistir de sua candidatura. A vereadora disse acreditar que o recurso remetido ao Diretório Nacional para reverter a decisão será acolhido.

"Não tenho o direito de recuar e colocar a esperança do povo de Pernambuco como moeda de troca a preço de banana. A neutralidade é a única coisa que Paulo Câmara e seu grupo político pode oferecer porque não tem força de levar o partido dele para um lado ou para o outro”, disse a jornalistas no Recife.

Dez dirigentes do PT também entraram com recurso pela permanência de Marília. A instância máxima do PT, no entanto, deverá reproduzir a decisão de sua Executiva, que prevê também apoio petista aos candidatos do PSB no Amazonas, Amapá e Paraíba.

O acordo tem o aval da maior corrente petista, a CNB (Construindo um Novo Brasil), cujo líder é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Preso há 116 dias na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Lula coordenou os principais movimentos da pré-campanha até agora. Pelos seus cálculos, a eleição será novamente polarizada entre direita e esquerda e só há espaço para um nome de cada campo. Ciro seria o adversário direto do PT na competição por votos, principalmente entre os eleitores do Nordeste.

O petista mandou recados por meio de pessoas que o visitam na prisão.

Deu aval para decisões terminativas da presidente de seu partido, Gleisi Hoffmann (PR), para pelo menos cinco atos que reverberaram contra Ciro: sinalizou com a vice do PT para Manuela D’Ávila (PCdoB) no momento em que o partido era assediado pelo PDT; repreendeu governadores petistas que defendiam aliança com Ciro; assistiu ao PR, de Valdemar Costa Neto, levar o centrão para a órbita de Geraldo Alckmin (PSDB) em vez de de fechar acordo com o PDT e, em seguida, fez pesar sua relação familiar de anos na negativa do empresário Josué Alencar (PR) em ser vice do tucano.

No PSB, a costura foi endossada pela ala de Pernambuco, a mais poderosa do partido, e pela da Paraíba. Caso se declare neutra, a legenda orientará os diretórios estaduais, por meio de uma espécie de cartilha, a apoiarem candidaturas de esquerda que sejam contrárias à reforma trabalhista.

Assim como no PT, a decisão do comando nacional do PSB causou insatisfação em diretórios estaduais da sigla. Um grupo ameaça propor, durante a convenção no domingo (5), que a posição da legenda seja definida em votação.

"É lamentável e é um erro do partido. Nós tínhamos iniciado um processo para romper com a polarização, como fizemos com Eduardo Campos em 2014”, reclamou à Folha o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg.

Ele disse que, mesmo com a neutralidade, fará campanha por Ciro Gomes, do PDT, o qual considera um nome preparado para o Planalto.

O diretório do PSB de Belo Horizonte defendeu resistência à decisão nacional do partido. "O PSB e o povo mineiro, como também a candidatura de Márcio Lacerda, não podem ser objeto de espúria moeda de troca, em favor da manutenção de gestões incompetentes e rejeitadas. Impõe-se, portanto, a não-aceitação bem como a resistência que possa restaurar o debate democrático a ética das relações políticas", afirma em nota.

O diretório afirmou que a composição com o PT foge aos interesses do estado e que a candidatura de Lacerda "crescia surpreendentemente e se consolidava como uma terceira via".

O PSB de BH diz ainda esperar que a direção nacional respeite a decisão que virá da convenção estadual, no próximo sábado (4). "Como nos rege a democracia interna, sem ingerências e intervenções estranhos e injustificáveis, em claro desrespeito as tradições históricas e políticas de Minas Gerai", conclui.

OS TERMOS DO ACORDO
PSB adota neutralidade na eleição presidencial, rompendo tratativas com Ciro Gomes (PDT), adversário do PT no eleitorado de esquerda.

PT retira candidatura de Marília Arraes em PE, o que facilita campanha de Paulo Câmara; ela resiste em aceitar a proposta

PSB retira candidatura de Márcio Lacerda em MG. Isso ajuda, por sua vez, a campanha do petista Fernando Pimentel (PT); Lacerda também diz que não vai desistir


O Globo: Ciro radicaliza ainda mais para conquistar eleitores de Lula

Promessa de soltura do ex-presidente é parte de estratégia para agradar a esquerda

Por Francisco Leali, de O Globo

BRASÍLIA - Depois de perder aliados à direita com a migração dos partidos do centrão para o tucano Geraldo Alckmin, Ciro Gomes virou à esquerda — como visto no discurso da convenção que chancelou sua candidatura, no último dia 20. No gesto mais recente, fala diretamente para o público lulista. Promete cuidar da soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se eleito for. Esse público-eleitor é o que, nas pesquisas de intenção de voto, dá a Lula 30% . Quando o petista está fora do cenário pesquisado, boa parte desse contingente migra para os brancos e nulos ainda à espera de um nome. Ciro quer ocupar esse espaço, e ontem declarou:

— O Lula tem alguma chance de sair da cadeia? Nenhuma. Só tem chance de sair da cadeia se a gente assumir o poder e organizar a carga. Botar juiz para voltar para a caixinha dele, botar o Ministério Público para voltar para a caixinha dele e restaurar a autoridade do poder político.

Os pendores de Ciro à esquerda parecem já ter recebido uma atenção especial da sua área de marketing político. Produzido pelo PDT e divulgado na convenção que o oficializou como candidato do partido ao posto de presidente da República, o material que lista os "12 passos para mudar o Brasil" não conta os detalhes da trajetória partidária de Ciro.

"Que Ciro é esse?" indaga uma parte do texto que trata da biografia do candidato. Lá está relatado que ele foi deputado estadual no Ceará com apenas 24 anos. Prefeito de Fortaleza aos 31. Governador em 1990. Ministro da Fazenda que ajudou a consolidar o Plano Real em 1994. Ministro de Lula em 2003.

O que não aparece: Ciro começou no PDS que apoiava o regime militar. O pai dele era do partido e o próprio político afirma que não poderia ir contra na época. Eleito migrou para o então MDB. De lá foi ao PSDB, onde se tornou governador e depois ministro no governo Itamar Franco. Depois foi ao PPS e hoje se encontra no PDT.

Mas além da promessa aos adeptos do slogan "Lula Livre" que impulsiona os atos do PT, Ciro manda novo recado ao Judiciário e ao Ministério Público. Na era Lava-Jato, o protagonismo deles só agradou ao mundo político quando o alvo da prisão era o adversário, quando era o aliado, a ordem judicial virava abuso e motivo de protesto. Com muitos partidos com integrantes na lista dos investigados, processados e denunciados e até presos, Ciro arrisca o discurso de pôr o país no trilho institucional, mesmo com a aprovação popular generalizada da turma de Curitiba.

 


El País: Candidatura de Ciro ganha corpo e atrai esquerda, direita e Centrão

Nome do PDT tenta aliança à esquerda, com PSB, enquanto mantém contato com partidos à direita e que temem ficar fora do próximo Governo. Falas polêmicas são desafio para cearense

Por Talita Bedinelli e Afonso Benites, do El País

O ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PDT) aproveita-se do bom momento que o rodeia e está na batalha para se consolidar como o nome mais viável da centro-esquerda para as próximas eleições presidenciais. Nas últimas semanas, sua candidatura começou conversas discretas com PP, DEM e PR, partidos do espectro da direita que buscam uma saída para evitar ficar na oposição durante o próximo Governo e começam a ver o nome de Ciro como promissor. Ao mesmo tempo, tenta atrair mais à esquerda o PSB, competindo com o PT pelo apoio da sigla.

Ciro ganhou um impulso nas últimas semanas, especialmente depois de sua participação no programa Roda Viva, na TV Cultura, no final de maio, quando seu nome chegou aos trending topics do Twitter. Um levantamento feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação Getúlio Vargas há duas semanas aponta que sua presença no debate sobre os pré-candidatos tem aumentado de forma consistente nas redes sociais. O ex-governador do Ceará se apresenta atualmente como o terceiro com maior volume de referências. Está ainda muito atrás de Luiz Inácio Lula da Silva e de Jair Bolsonaro, mas à frente de Manuela D’Ávila (PCdoB) e de Guilherme Boulos (PSOL), que haviam expandido suas presenças no Twitter pelo apoio associado a Lula. "Pela primeira vez Ciro Gomes surge como foco de críticas no grupo azul [ligado a perfis de direita]. Isso demonstra uma preocupação com o pré-candidato, que passou a ser visto como um competidor mais forte na corrida eleitoral após sua aparição no programa", afirma o texto do DAPP.

"A gente está no jogo", comemora o presidente do PDT, Carlos Lupi, responsável pelas articulações políticas da campanha de Ciro, em conversa com o EL PAÍS. "Estamos na fase de solidificação da candidatura e é natural que se comece a ter uma consciência de que ele é o mais viável das forças populares de centro-esquerda", afirma ele, que ressalta que as conversas com o PSB estão avançadas e "têm tudo para dar certo." As pesquisas apontam que Ciro é, neste momento, o único nome da esquerda com viabilidade além de Lula, líder das pesquisas, que pode ter sua candidatura impugnada pela Lei da Ficha Limpa após ter sido condenado em segunda instância a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela Operação Lava Jato.

O levantamento Datafolha mais recente, divulgado no domingo, dia 10, apontava que, na ausência de Lula, Ciro aparecia com 10% das intenções de voto, bem à frente de Fernando Haddad, uma das opções petistas para substituir Lula (1%), Manuela D'Ávila (2%) e Guilherme Boulos (1%). Com o ex-presidente na disputa, seu desempenho cai para 6%. O impacto é maior especialmente no Nordeste, onde sem Lula ele alcança 13% das intenções de voto e cai para 7% quando o nome do petista é testado. Lula, entretanto, se mostra como um forte transferidor de voto. Por isso, o ideal para que a estratégia de Ciro decole é que o PT, diante de uma eventual impugnação da candidatura Lula, desista de ter um nome próprio na disputa de outubro e o apoie, algo defendido por uma parte do partido, mas que, neste momento, se mostra pouco viável.

Os desafios
Ciro enfrenta obstáculos importantes em sua campanha. O primeiro deles são as falas polêmicas. Em entrevista à Rádio Jovem Pan nesta segunda-feira, ele chamou o vereador de São Paulo Fernando Holiday, do DEM, partido que pode apoiá-lo, de "capitãozinho do mato". Nesta terça-feira, discordou de forma nervosa do formato de um painel feito com pré-candidatos pela Associação Mineira de Municípios, que limitava a três minutos o tempo de duas respostas a que teria direito. Segundo relato do jornal Correio Braziliense, ele se irritou ao ser interrompido durante a primeira resposta e, depois, de o segundo questionamento ser sobre o mesmo tema do anterior. Deixou o debate antes das considerações finais e acabou vaiado.

Depois, a falta de força no Sudeste, o maior colégio do país, com 43,6% do eleitorado —na região, ele chega a 9% das intenções de voto, em um cenário sem Lula, e a 6%, com Lula. E, por último, a resistência do mercado a seu nome: segundo a avaliação de 97% dos investidores ouvidos pela XP Investimentos há duas semanas, Ciro é apontado como alguém que contribuiria paras "desfechos negativos" para o Ibovespa por atacar as reformas propostas pelo governo Michel Temer e o teto de gastos públicos.

O ex-governador se defende ao afirmar que revogaria a PEC do teto de gastos porque ela impacta, segundo ele, a expansão de serviços públicos. "Não vamos mais atualizar os carros da polícia? Não temos como expandir o serviço!", destacou em uma sabatina do jornal Correio Braziliense. "Fui ministro da Fazenda, comandei a economia do Brasil, governei o oitavo Estado brasileiro em população, a quinta maior cidade do Brasil e não tenho um dia de déficit na minha longa história. Pelo contrário, como governador do Ceará fui ao mercado e comprei com 15, 20 anos de antecedência 100% das dívidas do tesouro cearense. Por que esse mercado vai tirar de mim a suspeição de que não sou austero?", ressaltou ele.

Apesar de Lupi negar que já tenha havido qualquer conversa oficial com os partidos de centro-direita até agora, o fato é que uma aliança com o DEM, o PP e o PR poderiam ajudar Ciro em relação a seus dois últimos problemas. Estes partidos são mais amigáveis ao mercado, o que poderia acalmar mais os analistas da área econômica. E eles poderiam oferecer como vice um nome do eixo Rio-São Paulo e da área empresarial, como o de Benjamin Steinbruch, filiado ao PP-SP, que deixou seu cargo na Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp) para se colocar à disposição do pedetista.

Depois de um mal-entendido na semana passada, em que Ciro defendeu a aliança com PSB e PCdoB para garantir a "hegemonia moral e intelectual" de sua chapa à presidência, o presidenciável precisou se desculpar com os partidos de centro que sinalizaram uma aproximação com vias à disputa presidencial. A retratação foi aceita e, entre terça e quarta-feira desta semana, ele deve se reunir com lideranças do PP, SD, DEM e PSC em Brasília para dar mais um passo nessa aproximação.

Conforme o presidente do Solidariedade, o deputado Paulo Pereira da Silva, o objetivo inicial desse grupo ligado ao Centrão, um grupo que se organizou em torno do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e foi um dos patrocinadores do impeachment, era tentar viabilizar uma das candidaturas que já estão postas. Mas nenhum dos nomes chegou aos 2% de intenções de votos. "Como nenhum dos nossos está decolando, temos de abrir a negociação com outras candidaturas viáveis. É nesse cenário que apareceram os nomes do Ciro e do Geraldo Alckmin [PSDB]".

Apesar de também haver uma sinalização ao nome de Alckmin, Silva acredita que ele estaria mais distante de receber o apoio do Centrão. "De zero a dez, o Ciro tem sete, o Alckmin os outros três". A data-limite para a declaração desse apoio é 10 de julho, dias antes das convenções que oficializam as candidaturas.

O Centrão não quer ser oposição ao próximo presidente e "vende" como moeda de troca 23% do tempo de propaganda em rádio e TV e apoio direto de 120 deputados federais da atual legislatura. A única maneira de esse grupo estar de fora de um eventual segundo turno, em um primeiro momento, seria se os concorrentes fossem Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (REDE). "Ele é de extrema direita, e não queremos isso para o país. E ela não tem nada a ver com nosso grupo político", diz Silva.


Carlos Andreazza: A pressa de Ciro

Ciro sabe que precisa se consolidar — como opção esquerdista viável, competitiva — antes de Lula indicar seu candidato

A esquerda estará no segundo turno. Ignorar essa obviedade é desprezar a existência do Nordeste e a natureza do mapa eleitoral brasileiro conforme cristalizado principalmente a partir de 2006 — ano da reeleição de Lula, o primeiro em que o Bolsa Família se impôs como elemento determinante para o voto, um programa de transferência de renda eficaz sobretudo como ferramenta para cadastramento e acesso a informações de milhões de cidadãos. Não há novidade nisso, senão no fato de que, decisivo há três eleições, o Bolsa Família ainda seja menosprezado pelos que fazem análise política neste país.

A esquerda estará no segundo turno. O padrão demográfico do Brasil explica. Ciro Gomes sabe disso. Daí a sua pressa. Ele sabe também que precisa se consolidar — como opção esquerdista viável, competitiva — antes de o momento vindouro em que Lula indicará seu candidato. Porque o PT terá candidato — um petista. Trata-se de questão estratégica para a sobrevivência do partido, vencedor das últimas quatro eleições presidenciais, que contempla e até trabalha com a possibilidade (grande) de afinal ser derrotado, mas que não pode arriscar a hegemonia sobre a esquerda brasileira erguida no curso de quase 40 anos. É o que está em jogo, para muito além da eleição.

Ciro sabe, pois, que são remotíssimas as chances de o PT apoiá-lo no primeiro turno. Em troca de quê? Daí a sua pressa. Pressa e cálculo. Único que ora se move, e com primor, num tabuleiro eleitoral de resto engessado, ele sabe que precisa estar robusto — estruturado, com alguma aliança claramente percebida como de esquerda, donde o cortejo a PSB e PCdoB — para quando, logo adiante, as especuladas e fraquíssimas hipóteses de candidatura petista se converterem, sob a palavra do ex-presidente, no candidato de Lula. É erro grave apoucar a capacidade de transferência de votos de um homem que, mesmo preso, há dois meses mantém estáveis 30% em pesquisas de intenção de voto, dois terços dos quais declaradamente dispostos a migrar para o indivíduo que apoiar — seja quem for o ungido, com considerável probabilidade de avançar à segunda rodada se superar a casa dos 15%. Alguém duvida?

Insisto que, para o Partido dos Trabalhadores, nas circunstâncias em que se encontra, as eleições de 2018 são menos sobre vencer do que permanecer — não perecer. De todo modo, olhando para a dinâmica do mundo real, convém relativizar os sentidos e as proporções do que seja ganhar. Ou o PT não sairá vitorioso, ademais reafirmado como senhor da esquerda nacional, caso consiga fazer seu candidato — o escolhido de um líder presidiário — avançar ao segundo turno? É o que está em jogo.

Tempos difíceis virão para Ciro Gomes, portanto. Ele faz tudo certo, no ritmo correto, mas sabe que, ainda assim, maiores são as chances de que sua candidatura seja tragada pela assunção daquele escolhido para representar — para ser — Lula nesta eleição, pleito para cujo componente plebiscitário, a própria definição da tática petista, novamente chamo atenção: parcela não desprezível do eleitorado votará em 2018 não para presidente, mas sobre se o ex-presidente é ou não culpado, é ou não injustiçado.

Sugiro não desmerecer as pesquisas eleitorais que apresentam, por exemplo, Fernando Haddad expressamente como o candidato de Lula, situação em que o ex-prefeito de São Paulo — na casa de 2% quando apregoado como representante do PT — alça voo instantâneo ao seleto clube dos dois dígitos. Desqualificar essa simulação induzida sob o argumento de que condicionaria a opinião do entrevistado é se cegar para o que em nada mais consiste do que antecipação do ambiente real da campanha, conforme veremos a partir de agosto. Haddad é Lula, Haddad é Lula, Haddad é Lula — qualquer Jaques Wagner será.

Testar e estudar cenários em que um fulano petista seja identificado como o escolhido do ex-presidente é obviedade lastreada não apenas na experiência de eleições passadas (que exprimiram uma manifestação de popularidade), mas no movimento de guerrilha — de natureza plebiscitária — por meio do qual Lula ora capitaliza a politização de seu cárcere concentrando o discurso exclusivamente no terço do eleitorado que jamais lhe faltou, investimento seguro numa manifestação agora de resistência. Não importa se apelo artificial. Artificial para quem? A mensagem é clara e se destina a receptor doméstico e domesticado: seja quem for o candidato petista, Lula será — e isso, essa associação quase religiosa, vendido com intensidade jamais vista, como próprio a quem peleja por não morrer.

Ciro tem pressa. Dificilmente, porém, não será a primeira vítima — talvez mesmo a única — da estratégia lulista. O PT — quem diria? — precisa de pouco.

* Carlos Andreazza é editor de livros


O Globo: Governadores do Nordeste divulgam carta com críticas a Temer

Grupo se reuniu e discutiu frente de esquerda em torno da candidatura de Ciro Gomes

Por Sérgio Roxo, de O Globo

SÃO PAULO — Reunidos em Recife, os governadores de seis estados do Nordeste (Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia) e de Minas divulgaram nesta sexta-feira uma carta com duras críticas ao governo do presidente Michel Temer (MDB) em alinhamento com o discurso adotado por candidatos de oposição na disputa pelo Palácio do Planalto, como Ciro Gomes (PDT).

A pauta oficial do encontro era a privatização da Eletrobras e as questões federativas que atingem a região, mas as discussões políticas sobre o posicionamento de legendadas como PT e PSB, tanto na disputa presidencial como nas corridas estaduais, fizeram parte das conversas entre os governadores. Pelo menos três dos presentes já defenderam publicamente a necessidade de uma frente de esquerda na eleição para a Presidência da República.

O anfitrião Paulo Câmara (PSB) é favorável a que Ciro encabece a chapa. Nesta semana, o governo petista do Ceará, Camilo Santana, disse, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, não acreditar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde 7 de abril em Curitiba, poderá ser candidato em outubro. Segundo ele, com esse cenário, o melhor caminho para o PT seria apoiar Ciro e indicar o vice.

Após a divulgação da declaração de Camilo, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), convocou uma reunião com os cinco governadores da legenda para a próxima semana em Brasília. Manifestações em defesa de um plano alternativo a Lula na disputa presidencial têm sido duramente atacadas por dirigentes petistas nas últimas semanas.

O partido vem reiterando que registrará a candidatura do ex-presidente no dia 15 de agosto, mesmo com a sua condenação em segunda instância no caso do tríplex do Guarujá, o que o enquadra na Lei da Ficha Limpa. No plano dos petistas, enquanto a Justiça Eleitoral julga a impugnação, o que duraria pelo menos um mês, Lula apareceria no horário eleitoral e seria apresentado ao país como candidato, mesmo que continue preso até lá.

Na véspera da reunião desta sexta-feira, Paulo Câmara convidou quatro governadores petistas para jantar. Além das discussões sobre a eleição presidencial, o pernambucano também tratou da disputa local. Ele tenta fazer com que o PT retire a pré-candidatura de Marília Arraes.

Um acordo em Pernambuco pode servir como contrapartida para que o ex-prefeito de Belo Horizonte Márcio Lacerda (PSB) também saia da disputa pelo governo de Minas, facilitando o caminho para o atual governador Fernando Pimentel, um dos presentes ao jantar em Recife, na sua tentativa de se reeleger.

A cúpula do PT tenta vincular uma aliança com o PSB em Pernambuco a um apoio do partido à candidatura de Lula. Mas os socialistas descartam essa hipótese. No momento, trabalham para acertar as alianças estaduais e empurram a decisão sobre a disputa presidencial para o mês que vem.

Além de quatro governadores petistas, o encontro teve também dois representantes do PSB (Câmara e Ricardo Coutinho, da Paraíba) e um governador de um partido da base aliada do governo federal, Robinson Faria, do PSD.

O governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), chegou a ir a Recife para uma conversa prévia realizada pelos colegas, mas deixou o estado antes da reunião formal que aprovou a carta. Os representantes do Nordeste disseram que a região é que a mais tem sofrido com a crise.

Na texto divulgado hoje, os governadores chegaram a dizer que uma medida da gestão Temer tem “espírito antirrepublicano”. As mudanças na metodologia do governo para conceder crédito aos estados causou desconforto entre os representantes dos estados. “Esse fato — aliado à declaração do ministro da Secretaria de Governo de que a concessão dos financiamentos ficaria limitada, tão somente aos aliados do governo central — denota o espírito antirrepublicano e afronta o princípio do equilíbrio federativo", diz a carta de Recife.

Em outro ponto, os governadores atacam o desemprego: “O Nordeste concentra o maior contingente dos 13,7 milhões de desempregados brasileiros, aliando-se a isso, o severo corte em programas sociais — notadamente o Bolsa Família — o que fez aumentar a desigualdade”.

A gestão Temer também é acusada de não ter sensibilidade social ao realizar os ajustes. “Não podemos aceitar que a insensibilidade social leve a grande parcela dos mais pobres pagar a conta do necessário ajuste das contas públicas.”

A proposta de privatização da Eletrobras foi outro ponto duramente atacado pelos governadores nordestinos. “Preocupa-nos, sobremodo, o projeto de privatização da Eletrobras e, em particular, o da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), que, em se concretizando, viria a submeter um ativo do povo da região aos interesses dos investidores".

 


André Singer: Para onde vai Ciro?

Ambiguidades cercam a candidatura do ex-governador cearense

A filiação do empresário Benjamin Steinbruch ao Progressistas (antigo PP), noticiada nesta semana, de modo a poder se tornar vice na chapa de Ciro Gomes (Partido Democrático Trabalhista, PDT) à Presidência da República, expressa as ambiguidades que cercam a candidatura do ex-governador cearense.

Embora se trate, ainda, de balão de ensaio, a articulação existe. O irmão do candidato, Cid Gomes, um dos coordenadores da pré-campanha, considerou “excelente” o nome do industrial. O presidente da agremiação brizolista, Carlos Lupi, declarou que é “o que se quer de um vice”.

O dono da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) filiou-se, sem alarde, ao partido de Paulo Maluf às vésperas de se encerrar o prazo legal que permitiria candidatar-se.

De acordo com as notícias, dois Ciros teriam participado das conversas prévias à filiação: o Gomes e o Nogueira, presidente da sigla malufiana e senador pelo Piauí. No rastro da possível aliança existe a perspectiva de atrair, também, o DEM, com o qual os “progressistas” encontram-se, por ora, comprometidos.

Para quem está surpreso, convém lembrar que Ciro começou a carreira no PDS (ex-Arena), militou por muito tempo no PSDB, por meio do qual chegou a ministro da Fazenda, e passou, mais recentemente, pelo Pros (Partido Republicano da Ordem Social).

Embora crítico contumaz da aliança estabelecida pelo PT com o PMDB, sobretudo no segundo mandato de Lula, o político cearense nunca deixou de cultivar os velhos contatos conservadores. Manteve a simpatia do conterrâneo Tasso Jereissati, mesmo depois de deixar o PSDB, e cuidou de antigas pontes estabelecidas com o PFL (hoje, DEM), que o apoiou a presidente em 2002.

Depois da reeleição de Dilma, Ciro engajou-se na criação de uma frente parlamentar envolvendo forças conservadoras para substituir o papel chave do peemedebismo no governo.

A empreitada resultou em rotundo fracasso. Eduardo Cunha galgou a Presidência da Câmara e trouxe a guilhotina do impeachment para o centro da cena. Mas o líder pedetista parece continuar a crer que é possível contornar o PMDB, buscando alianças à direita dos seguidores de Temer (lembrar que foi uma senadora “progressista” que elogiou “levantar o relho” contra a caravana de Lula no Sul).

O pragmatismo de Ciro é compreensível. Trata-se de um político profissional disposto a fazer o necessário para ganhar. Atrair um grande capitão de indústria, como fez Lula com José Alencar, soma. Do ponto de vista da esquerda, entretanto, tais manobras complicam a formação de um programa comum.

* André Singer é cientista político e professor da USP, foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.