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Murillo de Aragão: A carta de Churchill
Era noite quando o trem chegou a Vladivostok, cidade portuária da Rússia. Havia nevado, mas a temperatura estava um pouco melhor. Fazia cerca de zero grau. O diplomata japonês Yosuke Matsuoka estava enfastiado da longa viagem que fizera, via Moscou, desde Berlim. Em Moscou, assinara um tratado de neutralidade com a Rússia.
Por meio de um emissário, Matsuoka recebeu uma carta de Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido. Estamos em abril de 1941 e o Japão ainda não havia entrado na Segunda Guerra Mundial. Mas Matsuoka tinha sido fortemente pressionado a aderir ao conflito durante sua visita à Alemanha. Em Berlim, Adolf Hitler pedira a ele que o Japão invadisse Singapura, possessão britânica no Sudoeste Asiático.
Porém, nem Matsuoka nem Hitler sabiam o que Churchill sabia. A inteligência britânica havia decifrado os códigos secretos dos alemães, dos italianos e dos japoneses. Assim, Churchill pôde mapear a visita de Matsuoka e as mensagens trocadas entre ele e Tóquio. Churchill conhecia os movimentos dos inimigos.
Filho de um empresário rico, Matsuoka fora educado na Universidade de Oregon, nos Estados Unidos. Era um homem refinado e de bons gostos, ocidentais e orientais. Durante o tempo que passou nos Estados Unidos converteu-se ao cristianismo e era conhecido como Frank. Mas, quando voltou ao Japão, não conseguiu usar seus créditos de Oregon para entrar na faculdade de Direito de Tóquio. Foi então para a diplomacia, onde chegou ao topo em 1940, ao se tornar ministro dos Negócios Estrangeiros do Império do Japão.
Uma de suas primeiras missões foi justamente visitar Adolf Hitler. Mesmo tendo um passado “americanizado”, Matsuoka era forte defensor da aliança entre o Japão, a Itália e a Alemanha. Enquanto aguardava os arranjos para voar de volta para o Japão, Matsuoka abriu o envelope com a carta de Churchill. Ali estava, em poucas páginas, um dos documentos mais importantes para uma análise política sobre o período.
De uma forma pragmática e humilde, Churchill pedia que Matsuoka refletisse sobre as suas perguntas e as respondesse a si mesmo. Sugeria que, em sendo pragmático, realista e sincero, o Japão não deveria entrar em guerra contra a Inglaterra. Ao invés de ameaçar com retaliações, Churchill simplesmente pedia que o chanceler japonês refletisse sobre algumas questões simples, mas fundamentais para o desenrolar da guerra.
Em que pese a carta não ter desestimulado o Japão a entrar na guerra, serviu, pelo menos, como uma espécie de “eu bem que avisei”. A Itália foi um peso para os alemães. O Japão provocou a entrada de vez dos norte-americanos na guerra e, de quebra, os japoneses foram alvejados por duas bombas atômicas. O Eixo foi derrotado.
O destino deu a Matsuoka uma janela de oportunidade para antever o que aconteceria com o seu país. E ele não soube aproveitá-la. Logo depois, caiu em desgraça. Do episódio fica a lição de que Churchill era um homem de visão que conseguiu exercer com pragmatismo uma das principais e mais difíceis qualidades do ser humano: a empatia. Churchill se colocou no lugar do líder japonês e, a partir daí, fez uma análise do que poderia acontecer.
Em tempo: a carta de Churchill chegou às mãos de Matsuoka, conforme nos conta Martin Gilbert em seu magistral livro sobre Churchill, A Study of Life, mas não tenho certeza se isso aconteceu em Vladivostok ou Moscou. Pouco importa. O que importa é a liderança de pragmatismo, humildade, empatia e inteligência que foi dada por Churchill. Qualidades que poucos possuem nos dias de hoje no Brasil e no mundo.
* Murillo de Aragão é cientista político