Cerrado

Queimadas na Amazônia | Foto: Pedarilhosbr/ Shutterstock

Amazônia e Cerrado batem recordes de focos de queimadas para mês de junho

Lara Pinheiro*, g1

Amazônia e o Cerrado registraram recordes históricos no número de focos de queimadas para junho, segundo monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe).

Na Amazônia, foram detectados 2.562 focos de calor, o maior número para o mês desde 2007, quando 3.519 focos foram registrados. É o terceiro ano consecutivo de alta no número de focos de calor na floresta.

Os meses de maio e junho marcam o início da temporada de queimadas e desmatamento na Amazônia, por causa do período de seca na floresta. Em maio, o Inpe detectou 2.287 focos de calor na floresta, também um recorde histórico: foi a maior quantidade para o mês desde 2004.

Segundo os dados históricos, a tendência é que a quantidade de pontos de queimada na floresta aumente em julho e agosto. As medições são feitas desde 1998.

No acumulado do semestre, já são 7,5 mil focos de calor registrados na floresta, um aumento de 18% em relação ao mesmo período de 2021. A Amazônia também viu um semestre com a maior área sob alerta de desmatamento em 7 anos, ainda sem os dados dos últimos 6 dias de junho.

Em nota, o especialista em políticas públicas do WWF-Brasil Raul do Valle afirmou que "com Bolsonaro correndo atrás nas pesquisas, os grileiros, os garimpeiros e todos que navegam na impunidade" estão "sentindo que precisam correr para consolidar seus crimes, com receio de que um novo governo possa acabar com essa festa".

"É uma verdadeira corrida contra o Brasil e até o final do ano vamos ver o tamanho desse desastre", disse do Valle.

Nesta semana, um documento obtido pelo g1 apontou que o Ministério do Meio Ambiente do governo Bolsonaro colocou em risco a continuidade do Fundo Amazônia, criado há cerca de 14 anos para financiar ações de redução de emissões geradas pela degradação florestal e pelo desmatamento.

Cerrado

Já o Cerrado registrou ainda mais pontos de queimada em junho do que a Amazônia4.239 focos, o maior número para junho desde 2010, quando 6.443 focos haviam sido detectados. Também é o terceiro ano consecutivo de alta nos focos de queimada no bioma.

Assim como na Amazônia, a temporada seca no bioma também já começou: no mês passado, foram registrados 3.578 focos de calor no Cerrado, o maior número para o mês desde que o Inpe começou as medições, em 1998.

No acumulado do semestre, o Cerrado somou quase 11 mil focos de queimadas; o número é o maior para o período desde 2010.

Focos de queimadas no Cerrado no primeiro semestre (2010-2022)

Fonte: Inpe
Fonte: Inpe

Os dados históricos do Inpe também apontam que deve haver ainda mais focos mensais de queimada no bioma pelos próximos três meses. No ano passado, foram detectados 41.937 focos de calor no Cerrado somente no período de julho a setembro.

*Texto publicado originalmente em g1


Cerrado teve 15% mais incêndios este ano que no mesmo período de 2020

Inpe registrou 35.846 focos de fogo na região neste ano, que aumentam degradação no bioma e ameaçam vazão de rios

Cleide Carvalho / O Globo

SÃO PAULO - As queimadas no cerrado aceleram a degradação da vegetação nativa e ameaçam a vazão de alguns dos principais rios brasileiros. Neste ano, de janeiro até dia 9 de setembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 35.846 focos de incêndio no bioma, 15% a mais do que no ano passado. É o maior número desde 2012. A professora Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, uma das principais especialistas em cerrado no país, explica que o fogo degrada justamente as áreas preservadas, dificultando ainda mais o serviço hidrológico do ecossistema e reduzindo o volume de água dos rios.

AvançoAgropecuária já ocupa quase metade do Cerrado, diz monitoramento do MapBiomas

Os focos de incêndio se espalham por todas as regiões do país. Este ano, a maior quantidade de focos está nos estados do Tocantins (20%), Maranhão (18,6%), Mato Grosso (15%) e Minas Gerais (10,2%). Alberto Setzer, responsável pelo monitoramento de queimadas do Inpe, afirma que a situação de 2021 ainda não está dada, pois setembro é o pior mês para ocorrência de incêndios.

Dados do Mapbiomas divulgados nesta sexta-feira alertam que 87% do fogo que atingiu o cerrado desde 1985 queimou exatamente áreas de vegetação nativa. Apenas 13% ocorreram em pastos ou áreas de agricultura, que ocupam quase metade do bioma.

AumentoDesmatamento tem queda de 32% na Amazônia em agosto, mas sobe 137% no Cerrado, aponta Inpe

Além disso, 60% das áreas queimadas pegaram fogo mais de uma vez, o que prejudica ainda mais a recuperação. 

– Na Bacia do Paraná, que está em plena crise, temos apenas 21% de vegetação remanescente. Ainda que o Código Florestal permita desmatar até 80% das propriedades, é importante assinalar que a preservação de 20% não é suficiente para manter a conservação – diz Mercedes, acrescentando que outro rio abastecido pelo cerrado, o Paraguai, é o provedor de água do Pantanal.

Leia mais:  Capacidade da Amazônia de remover gás carbono se reduziu em 30% desde 1990, alertam cientistas

A cobertura de água natural no cerrado diminuiu 55% de 1985 para cá, o que significa a perda de 473 mil hectares. A queda foi compensada pela criação dos grandes reservatórios de hidrelétricas.

Para se ter uma ideia, o levantamento do MapBiomas mostra que, em 1985, 60% da cobertura de água do cerrado era natural. Em 2020, a situação inverteu: 70% da água superficial é de origem antrópica – pela ação do homem. A inversão se deve aos reservatórios criados por hidrelétricas.PUBLICIDADE

Greta Thunberg: ativista diz que ‘é extremamente vergonhoso’ o que o Brasil faz com meio ambiente

Um estudo feito pelo hidrólogo Jorge Werneck Lima, pesquisador da Embrapa Cerrados e hoje diretor da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa), mostra que o cerrado responde por 90% da vazão do Rio São Francisco e mais de 100% da vazão dos rios Parnaíba e Paraguai, considerando as perdas durante o curso. Na Bacia Tocantins-Araguaia a contribuição atinge mais de 60%.  

No total, indica Lima, as águas do cerrado abastecem oito das 12 regiões hidrográficas do país, o que justifica o título de "caixa d'água" do Brasil atribuído ao bioma.

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O Mapbiomas identificou redução na superfície de água natural em todas as bacias entre 1985 e 2020, medida em hectares. A mais atingida foi a Bacia do Paraguai, com redução de 70%. No São Francisco, de 47%. Na Bacia Atlântico Leste, de 43% – nela estão entre os mais volumosos os rios de Contas, Jequitinhonha, Mucuri e Pardo, por exemplo. No Rio Paraná, a redução foi de 35% e, no Tocantins, de 10%.

A redução na vazão ameaça a geração de energia. Segundo Lima, cerca de metade da energia hidrelétrica produzida no país utiliza águas que vertem do cerrado. A maior das hidrelétricas é Itaipu, no Rio Paraná, com 57 grandes reservatórios, que enfrenta  a pior seca em 40 anos.

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O relatório de 2020 da Chesf, que administra oito das hidrelétricas instaladas no Rio São Francisco, como o complexo Paulo Afonso e a UHE Luiz Gonzaga, informa que, devido à longa estiagem, verificada desde 2013 na Bacia, tem recebido sucessivas autorizações do Ibama para reduzir a vazão dos reservatórios de Sobradinho e Xingó.

– É preciso usar e saber o que preservar. Monitorar, planejar e gerir de forma racional e inteligente. É preciso integrar os setores e colocá-los na mesa de discussões para ver o que é mais inteligente e possível fazer – diz Lima.

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Bráulio Dias, ex-secretário Executivo da Convenção de Diversidade Biológica das Nações Unidas e professor da UnB, chega a dizer que, se medidas não forem tomadas, o Brasil corre o risco de passar a ter rios intermitentes no cerrado, como ocorre no semiárido.

O agrônomo Edegar Oliveira, diretor de conservação e restauração de ecossistemas da WWF-Brasil, que integra a rede MapBiomas, afirma que o cerrado é estratégico por sua capacidade de funcionar como "esponja" para garantir a água dos rios e o desmatamento está em alta. Os alertas de desmatamento em agosto, por exemplo, cresceram 136% em relação a 2020.

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– O inferno astral do cerrado está muito pior este ano – resume.

Para ele, o contexto de negacionismo em que vive o Brasil impede que seja visto o impacto no desenvolvimento do país.

– Não é mais uma questão de médio prazo. O impacto no clima já está ocorrendo e não faz mais sentindo seguir nessa linha de degradação. Estamos escolhendo ir pelo caminho errado – diz ele.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/dia-do-cerrado-bioma-teve-15-mais-incendios-este-ano-que-no-mesmo-periodo-do-ano-passado-25193194


Permacultura: um caminho sustentável possível para o Cerrado

Conheça mais sobre as ideias inspiradas na própria natureza

Fabíola Sinimbu / Agência Brasil

Hoje (11) é Dia do Cerrado, em mais um ano de pandemia, que nos lembra diariamente o quanto estamos inseridos em um sistema além do ser humano e que é preciso cuidar de todos os aspectos desse sistema. A permacultura, um conceito criado ainda na década de 70, foi a ferramenta escolhida por muitos responsáveis pela preservação do que ainda resta do segundo maior bioma brasileiro.

O brasiliense Cláudio Jacinto é um deles e, há mais de 20 anos, mergulhou fundo no método criado pelos Australianos Bill Mollison e David Holmgren. Desde então, cuidar da terra, das pessoas e partilhar o que se produz de forma justa são princípios básicos na agenda do engenheiro florestal.

Ele conta que antes mesmo de entrar em contato com a permacultura já sentia uma necessidade de buscar mais igualdade social, mas não encontrava o caminho para isso. Foi na faculdade de engenharia florestal que teve contato com o conceito do que ele mesmo define como uma “metodologia científica para o planejamento de ocupações humanas sustentáveis”. Segundo ele, uma ciência baseada em conhecimentos de engenharia, ciências agrárias, arquitetura e inspirada por saberes tradicionais antigos para que seres humanos ocupem o planeta sem exaurir os recursos.

BIOMAS


Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
arara_caninde_2506219981
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
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Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Cláudio explica que essa “cultura permanente” também considera que o ser humano é parte integrante de todo esse sistema e precisa ter suas necessidades atendidas, mas não da forma como acontece atualmente.

“É construir um modo de vida que seja sustentável, sendo que o conceito de sustentável é que o que eu faço hoje para construir a minha casa, para produzir a minha comida, para gerar e consumir a minha energia, para ter água disponível e ter um destino adequado para água utilizada, minimamente essas quatro necessidades básicas; sejam feitas de um modo que a geração futura e as próximas possam continuar fazendo do mesmo jeito”, explica.

A ideia é tão viável que muitas das soluções apresentadas pela permacultura são amplamente utilizadas em diversas áreas do conhecimento e apontadas como soluções para problemas ambientais como o aquecimento global. São ações como melhor utilização dos recursos naturais e locais na construção de habitações, substituição da monocultura por agroflorestas, diversificação da matriz energética por meio das fontes renováveis e melhor utilização do ciclo da água.

Com as ideias adquiridas em um curso extracurricular na universidade, Cláudio conseguiu criar a primeira disciplina de permacultura em universidade pública do país, dentro do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Brasília; passou a lecionar permacultura, e hoje mantém uma Organização Não Governamental que leva iniciativas permaculturais às comunidades mais carentes, por meio dos recursos provenientes de ações socioeducativas.

Água

Um dos projetos desenvolvidos por Cláudio Jacinto, em Brasília, foi a implantação da Unidade Demonstrativa de Permacultura do Jardim Botânico de Brasília. Uma réplica de uma casa de pau-a-pique, em formato hexagonal, inspirada nas colmeias das abelhas; que tem um sistema completo de abastecimento e tratamento da água.

O educador ambiental do Jardim Botânico de Brasília Lucas Miranda explica que além de cumprir a função de explicar a permacultura ao público que participa do circuito educativo, a unidade demonstrativa é uma vitrine para mostrar que é possível pôr em prática as ideias trazidas pela filosofia permacultural. “Ela é uma casinha, ela é superlinda, ela tem a estética assim muito bonita e ela, principalmente, fecha esse ciclo da água. Então, cuidar da água, o Cerrado é o berço das águas, então a gente cuidar da água já é muito importante”, diz.



Habitação

A arquiteta Talita Maboni também teve contato com o conceito ainda na faculdade, quando decidiu aprofundar os conhecimentos sobre a bioconstrução junto à comunidade quilombola Kalunga, que vive em Goiás. Em dois anos de convivência, ela aprendeu técnicas de construção com terra e bambu e, depois de formada, fundou um coletivo feminino com as arquitetas Natália Cortes e Marina Patury.

Quilombo Kalunga Tinguizal - Monte Alegre de Goiás
Quilombo Kalunga Tinguizal - Monte Alegre de Goiás - Talita Maboni / Agência Brasil

Juntas, elas desenvolvem projetos que buscam na natureza soluções para atender às necessidades humanas da melhor forma. “A bioconstrução nada mais é do que um resgate desses saberes. Claro, que hoje em dia a gente já introduz algumas tecnologias que vão aprimorar essas técnicas, que vão deixá-las mais eficientes”, explica Talita Maboni.

Segundo Lucas Miranda, além da inspiração na natureza e também no conhecimento buscado nos povos tradicionais, a permacultura também se preocupa em não criar excedentes, evitando um processo de desperdício, que ainda pode gerar poluição no meio ambiente.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, estima-se que mais de 50% dos resíduos sólidos gerados pelo conjunto das atividades humanas sejam provenientes da construção civil.

Preservação

No caso da Unidade Demonstrativa de Permacultura do Jardim Botânico, além de ter sido construída com paredes da pau-a-pique, uma técnica de construção tradicional do Brasil que utiliza a terra e o barro, elementos abundantes e que não geram poluição; a estrutura também resgatou elementos de resíduos da construção civil e integrou no sistema de tratamento sanitário. “A gente ainda intercepta esse lixo e dá um destino mais adequado do que o lixão, do que o aterro sanitário. Não deixa ele ser jogado no Cerrado de qualquer forma”, diz Miranda.

Jardim Botanico
Jardim Botanico - Lucas Miranda/ Agência Brasil

Impacto Ambiental

Para Talita Maboni, trabalhar com projetos que aplicam o conceito de permacultura por meio da bioconstrução é ir além da preservação ambiental, pois o patrimônio humano também pode durar muitos anos se as técnicas forem empregadas da forma certa. Talita diz que é preciso desmitificar a ideia de que bioconstrução é sinônimo de insalubridade ou pouca durabilidade. “É a forma mais rica que se tem pra construir. É você saber ocupar o espaço, saber olhar para ele e ver como vocês podem trabalhar em conjunto”, diz

Todas as soluções e ações propostas pela permacultura são possíveis de serem adotadas em qualquer lugar ou forma de vida escolhida pelas pessoas, segundo Cláudio Jacinto. “Eu acredito que todas as pessoas que têm a consciência ambiental podem colocar um pouquinho em prática sem precisar virar um permacultor que foi morar no mato e abandonou tudo e planta a sua própria comida”, explica e conclui “a permacultura propõe um novo jeito de fazer tudo que precisamos fazer para viver.”

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-09/permacultura-um-caminho-sustentavel-possivel-para-o-cerrado


O aquecimento global no limite: Brasil também paga caro pela devastação

Senado deve analisar, ainda em 2021, um projeto para incorporação às leis brasileiras de uma emenda ao Protocolo de Montreal

Nelson Oliveira / Agência Senado

Gás bastante utilizado em refrigeração, o hidrofluorcarbono (HFC) é um exemplo de solução que um dia se converte em problema. Aplicado em substituição a outros gases para diminuir os danos à camada de ozônio, acabou por contribuir para o efeito estufa, que impulsiona o aquecimento global e está provocando efeitos indesejáveis, como incêndios de grande proporção, derretimento de geleiras, aumento do nível dos oceanos e desertificação.

Com o objetivo de reduzir gradualmente a produção e utilização de gases não agressivos à camada de ozônio, mas causadores de efeito estufa, deverá chegar neste ano ao Senado um projeto para incorporação às leis brasileiras de uma emenda ao Protocolo de Montreal, o acordo que trata dos cuidados com a camada que nos protege da ação dos raios ultravioleta emitidos pelo sol. O PDC 1.100/2018 é uma das proposições da agenda que está sendo montada na Câmara dos Deputados para votação, antes que comece, em 31 de outubro, a 26ª Conferência do Clima, a COP 26, a ser realizada em Glasgow, na Escócia. Ali, representantes de quase 200 países vão discutir medidas mais ousadas e urgentes para manter o aquecimento global em no máximo 1,5 grau (ºC) em relação aos níveis pré-industriais. Se providências “ambiciosas” não forem adotadas, alertam os cientistas, a catástrofe climática pode se tornar irreversível e de efeitos totalmente inesperados.

Essa demanda por maior ambição e compromisso acompanhou a elaboração e divulgação do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), instância das Nações Unidas que subsidia as reuniões do Acordo do Clima, igualmente conhecido como Acordo de Paris.

Um dos objetivos do encontro é balancear as contribuições dos países, de modo a obter algum tipo de desenvolvimento que possa ser considerado sustentável.

DESMATAMENTO NO BRASIL


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O dilema gerado pelo HFC ilustra um dos muitos que acompanham o estabelecimento dos seres humanos sobre a Terra, principalmente a partir do forte desenvolvimento industrial iniciado ainda na primeira década do século 19. A cada solução encontrada para gerar energia, agilizar os transportes, aumentar a produtividade da agropecuária e tornar mais segura e confortável a vida das pessoas, uma penca de problemas foi surgindo, sendo a poluição do ar e dos rios a primeira a ser notada. Hoje se estendem a uma miríade de sequelas, entre as quais o excesso de plástico que segue para as águas do planeta ou se acumulam nos lixões, a redução da disponibilidade de água, a extinção de espécies — úteis a elas mesmas e à pesquisa de remédios para os seres humanos — e a liberação de patógenos causadores de epidemias.

Já não há mais dúvidas de que o atual nível de aquecimento está sendo causado principalmente por dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) resultantes das atividades humanas. Não se trata, como chegaram a defender alguns, de um novo ciclo climático. O mundo levou três milhões de anos para atingir um aquecimento global de mais de 2,5 graus. As emissões causadas pelo homem, como a queima de combustíveis fósseis e o corte de árvores, são responsáveis pelo aquecimento recente. Do 1,1 grau de aumento da temperatura média experimentado desde a era pré-industrial, o IPCC concluiu que menos de 0,1 grau se deve a forças naturais, como vulcões ou variações do Sol.

O apelo dramático do IPCC é pela redução drástica de emissões, de modo a não esgotarmos o que os pesquisadores chamam de “orçamento de carbono”, cerca de 400 giga toneladas de CO2 equivalente, medida de equiparação com outros gases de efeito estufa. Mesmo com metas ambiciosas, o cenário projetado pelo painel inclui um pico potencial de aumento da temperatura média de 1,6 grau entre 2041 e 2060, após o qual as temperaturas cairiam abaixo de 1,5 grau até o final do século, caso as emissões cheguem a zero grau em 2050, ou seja, o planeta seja capaz de absorver tudo o que for emitido, já que não se espera que o mundo simplesmente pare.

No Senado, o conteúdo do relatório, cuja versão definitiva foi divulgada em agosto, é motivo de preocupação. Nesta sexta-feira (10), o presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), Jaques Wagner (PT-BA), reuniu em debate virtual um grupo de personalidades e parlamentares para a avaliarem o diagnóstico e as recomendações lançadas pelo IPCC. 

Jaques Wagner: o modo de vida humano está afetando todo o planeta, com efeitos que podem durar centenas de anos (foto: Roque de Sá/Agência Senado)

O debate foi requerido pelo próprio Jaques Wagner e subscrito por outros 15 senadores. Ao pedir a sessão temática, ele classificou o relatório firmado por mais de 200 cientistas de diversos países como o documento mais abrangente e conclusivo já feito sobre a crise climática.

“O modo de vida do ser humano está afetando todo o planeta, com efeitos que já podem durar centenas de anos, mesmo que as emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidas a zero no dia de amanhã”, diz o senador no requerimento. 

Participaram do encontro, a embaixadora da COP26, Fiona Clouder; o químico David King, líder do Conselho Consultivo de Crise Climática e ex-assessor científico do governo do Reino Unido; a ativista ambiental sueca Greta Thunberg; o arcebispo de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo; a ativista ambiental, estudante de biologia e apresentadora Samela Sateré-Mawé, integrante da Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé (AMISM), que tem sede em Manaus (AM); e o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande. Este último é o articulador do movimento Governadores pelo Clima. O grupo propõe o modelo de governança Consórcio Brasil Verde, que pretende buscar recursos para financiar projetos destinados à redução das emissões e que incentivem a geração de energia renovável, de acordo com informe oficial do governo capixaba.

"O tema das mudanças climáticas é importante para o Brasil. Os estados querem ajudar o país a alcançar suas metas. A criação desse consórcio, que será gerenciado pelos estados, terá um fundo único para se apresentar de forma transparente às instituições internacionais e a outros países", declarou o governador, que participou em julho de reunião virtual com o enviado especial dos Estados Unidos para o clima, John Kerry.

Também participaram da audiência na CMA as senadoras Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Zenaide Maia (Pros-RN) e o senador Espiridião Amin (PP-SC). O evento foi aberto pela cantora baiana Margareth Menezes, que entoou os versos da canção Matança, de Augusto Jatobá, na qual são mencionadas 39 espécies vegetais brasileiras (um cipó e 39 árvores) e dois biomas: a Amazônia e a Mata Atlântica. O compositor avisa para o perigo da derrubada inclemente da vegetação.

Confira quais são os países que mais emitem carbono

Brasil está em 6º lugar.

(Clique no gráfico para ver os números)


Fonte: Climate Watch

Made with Flourish

Uma das dificuldades em reverter o quadro atual é que o aquecimento global se retroalimenta pela ação do próprio calor que, ao facilitar ou mesmo provocar incêndios e inibir o pleno funcionamento dos ecossistemas, acaba gerando mais emissão de gases ou inviabiliza a sua absorção. A lição que se tira é que, perturbados agressivamente, os mecanismos que propiciaram o desenvolvimento da vida na Terra, num período historicamente muito curto de 200 anos adquiriram potencial para revertê-la de paraíso em inferno.

“A coalizão global para emissões líquidas zero precisa crescer exponencialmente”, disse ainda em fevereiro deste ano o secretário-geral da ONU, António Guterres, lembrando que esse é um objetivo “central” das Nações Unidas para 2021 e que, na ocasião, faltavam apenas nove meses para a COP 26, “marco crítico nos esforços para evitar uma catástrofe climática.”

Segundo ele, os países que representam 70% da economia mundial e 65% das emissões globais de dióxido de carbono já haviam assumido o compromisso com emissões liquidas zero até 2050, mas isso não era suficiente. Seria necessário que todos apresentassem contribuições mais ambiciosas, com metas claras até 2030, por meio de “planos claros e confiáveis, uma vez que palavras não são suficientes”.

Em uma economia global repleta de desequilíbrios acirrados pela pandemia, as concessões não deverão ser conseguidas muito facilmente na COP26. A liderança do processo, advertiu o secretário-geral da ONU, é das principais economias e membros do G20. Um dos caminhos é a eliminação do carvão até 2030 nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), clube no qual o Brasil tenta entrar, e em todos os outros países até 2040. Os investimentos em carvão e outros combustíveis fósseis (petróleo, por exemplo) devem ser redirecionados para a transição energética. Para abrir mão de continuarem apoiando seus esforços de crescimento em modelos predatórios, os países em desenvolvimento poderão contar com um aporte de US$ 100 bilhões anuais por parte dos países desenvolvidos. Além disso, doadores e bancos multilaterais de desenvolvimento devem dedicar metade de todo o seu apoio nesta área para projetos de adaptação e resiliência aos efeitos do aquecimento.

O Brasil está na tripla condição de país em desenvolvimento, explorador de petróleo e um dos maiores emissores de carbono (6º ou 5º lugar, dependendo de como se faz a conta), principalmente em razão do desmatamento, segundo a ex-presidente do Ibama e especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araujo.

— O desmatamento equivale a 44% das nossas emissões. Se somado ao que emitem as atividades agropecuárias, temos 70% das nossas emissões na categoria das Mudanças do Uso da Terra — explicou a especialista durante audiência pública na Comissão de Meio Ambiente do Senado (CMA), em 20 de agosto. A reunião foi coordenada pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), responsável por avaliar a política climática executada pelo governo Federal, com ênfase na prevenção e no controle de desmatamentos e queimadas nos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal, com o objetivo de identificar falhas, omissões e propor recomendações.

Eliziane Gama: senadora vai elaborar relatório sobre a política brasileira para o clima (foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

Suely Araujo observa que o lugar do Brasil no ranking de emissões o deixa numa posição de grande responsabilidade e na obrigação de ir além do habitual.

— Os compromissos do Brasil, como o de outros países, são insuficientes. É preciso reduzir não só o desmatamento ilegal, mas também aquele para o qual se pode obter autorização, de modo que nos aproximemos do desmatamento zero. Este ano ainda devemos desmatar dez mil quilômetros quadrados na Amazônia, o que é muito ruim, quando deveríamos desmatar no máximo três mil [quilômetros] de acordo com a política climática — afirmou.

A analista do Observatório do Clima assinala o embaraço causado pelo que se convencionou chamar de “pedalada climática”: O Brasil refez sua contabilidade de emissões no ano-base de 2005, para cima, mas não alterou os percentuais de corte propostos originalmente ao Acordo do Clima, em 2015. Resultado: abriu espaço para continuar emitindo muito CO2, inclusive por meio do desmatamento. A questão está na Justiça.

— Não adianta apenas reativar a fiscalização, mas fazê-la dentro de um planejamento amplo que envolva a retomada de planos setoriais para a Amazônia e o Cerrado e a utilização de recursos de R$ 3 bilhões do Fundo Amazônia que estão parados por implicância do governo Bolsonaro. A pressão tem de ser para o que o governo trabalhe, execute política públicas — sugeriu Suely Araujo.

A julgar pelas verbas orçamentárias planejadas e pagas, levando em conta apenas o Ministério do Meio Ambiente, a condução dessas políticas públicas tem destino incerto. Em 2021, os recursos destinada ao MMA são da ordem de R$ 2,9 bilhões, ou 0,1% do bolo destinado à área federal. Até o dia 8, haviam sido pagos R$ 1,6 bilhão, mas isso inclui restos a apagar de outros anos. A verba reservada a um fundo específico para programas relacionados à política climática é, percentualmente, ainda mais modesta: meros R$ 91,6 mil, ou 0,01% do orçamento da pasta.

Além da sentida desarticulação das áreas de fiscalização ambiental, que têm sido hostilizadas pelo atual governo, o país se ressente de estruturas e mecanismos que tornem mais dinâmico o trabalho de reduzir as emissões de carbono. Um desses instrumentos inclusive poderia carrear recursos externos ao Brasil, mas sequer está normatizado. Trata-se do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), mais conhecido como mercado de créditos de carbono. Ele está previsto na lei que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima (lei 12.187, de 2009) e é uma recomendação do Protocolo de Quioto, tratado internacional ratificado pelo Brasil. Está, portanto, há 12 anos esperando regulamentação — que poderá vir antes da COP26 — caso seja aprovado na Câmara dos Deputados e depois, no Senado, o Projeto de Lei (PL) 528/2021.

Conforme a Agência de Notícias da Câmara, o crédito de carbono é um certificado que atesta e reconhece a redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE). Pelo projeto, um crédito de carbono equivalerá a uma tonelada desses gases que deixarem de ser lançados na atmosfera. Quem mantiver uma floresta em pé, fizer reflorestamento ou adotar qualquer medida que ajude a tirar carbono da atmosfera, poderá vender esse crédito para quem emite carbono — indústrias, projetos agropecuários ou de urbanização, por hipótese.

“Os títulos gerados serão negociados com governos, empresas ou pessoas físicas que têm metas obrigatórias de redução de emissão de GEE, definidas por leis ou tratados internacionais”, informa a mesma agência de notícias. O projeto em análise naquela Casa foi apresentado pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM).

Corremos contra o relógio

Estamos a caminho de atingir 1,5 grau de aquecimento mais cedo do que o previsto anteriormente.

Nos cenários estudados pelo IPCC, há mais de 50% de chance de que a meta de 1,5 grau seja atingida ou ultrapassada entre 2021 e 2040. Em um cenário de altas emissões, o mundo atingirá o limite de 1,5 grau ainda mais rapidamente — entre 2018 e 2037.

Se os países seguirem um caminho de altas emissões de carbono, o aquecimento global poderá subir para 3,3 graus a 5,7 graus acima dos níveis pré-industriais no final do século.

Em comparação, o mundo levou 3 milhões de anos para atingir um aquecimento global de mais de 2,5 graus. As emissões causadas pelo homem, como a queima de combustíveis fósseis e o corte de árvores, são responsáveis pelo aquecimento recente. Do 1,1 grau de aquecimento que vimos desde a era pré-industrial, o IPCC concluiu que menos de 0,1 grau se deve a forças naturais, como vulcões ou variações do Sol.

A terra pode parar de absorver CO2

O relatório do IPCC alerta para a possibilidade muito alta de que os sumidouros de carbono — a própria Terra e os oceanos — correm grande risco. Atualmente, eles absorvem mais da metade do dióxido de carbono que o mundo emite, mas se tornam menos eficazes na absorção de CO2 conforme as emissões aumentam. Em alguns cenários estudados, a terra deixa de ser um sumidouro de carbono e acaba se transformando em uma fonte, emitindo CO2 em vez de sugá-lo, o que pode levar a um aquecimento descontrolado. Já estamos vendo isso na floresta amazônica, devido a uma combinação de aquecimento local e desmatamento. Além de afetar os esforços climáticos mundiais, tal fenômeno representa riscos significativos para a segurança alimentar e hídrica dos países da região e pode levar à perda irreversível da biodiversidade.

O pior poderá vir

Muitas consequências das mudanças climáticas se tornarão irreversíveis com o tempo, principalmente o derretimento das camadas de gelo, a elevação dos mares, a perda de espécies e a acidificação dos oceanos. E os impactos continuarão a aumentar e se agravar à medida que as emissões aumentem.

A chance de passarmos dos pontos de não retorno, como o aumento do nível do mar devido ao colapso das camadas de gelo ou mudanças na circulação dos oceanos, não pode ser excluída de um planejamento futuro. A 3 graus e 5 graus, respectivamente, as projeções sugerem:

  • Uma eventual perda quase completa da camada de gelo da Groenlândia, que contém gelo suficiente para elevar o nível do mar em 7,2 metros.
  • Perda total da camada de gelo da Antártica Ocidental, que contém gelo equivalente para elevar o nível do mar em 3,3 metros.

Isso mudaria completamente a feição dos litorais em todos os lugares do planeta.

Estamos todos no mesmo barco

O relatório do IPCC mostra que nenhuma região ficará intocada pelos impactos das mudanças climáticas, com enormes custos humanos e econômicos que superam em muito os custos da ação. O sul da África, o Mediterrâneo, a Amazônia, o oeste dos Estados Unidos e a Austrália verão um aumento de secas e incêndios, que continuarão a afetar os meios de subsistência, a agricultura, os sistemas hídricos e os ecossistemas. As mudanças na neve, gelo e inundações de rios são projetadas para impactar a infraestrutura, transporte, produção de energia e turismo na América do Norte, Ártico, Europa, Andes e diversas outras regiões. As tempestades provavelmente se tornarão mais intensas na maior parte da América do Norte, Europa e Mediterrâneo.

Mais resiliência é a resposta ao estrago feito

Já induzimos tanto aquecimento no sistema climático que, mesmo com medidas rigorosas de redução de emissões, é certo que vamos enfrentar eventos climáticos extremos mais perigosos e destrutivos do que vemos hoje.

Conforme o IPCC, o sistema climático não responderá imediatamente à remoção de carbono. Alguns impactos, como a elevação do nível do mar, não serão reversíveis por pelo menos vários séculos, mesmo após a queda das emissões.

Uma das formas de nos contrapormos a isso é investir fortemente em resiliência, ou seja, na capacidade dos ecossistemas e dos seres humanos de recuperarem o equilíbrio depois de terem sofrido perturbações e danos, mas também de resistirem a agressões. Um sistema resiliente é capaz de absorver distúrbios, choques e ainda assim manter suas funções e estruturas básicas. Para isso é preciso converter a gestão ambiental convencional, que usualmente busca controlar mudanças em uma nova, que tenha capacidade de acolher as mudanças (lentas ou rápidas) dentro dos ecossistemas.

O modelo de comando e controle deve ser substituído pela cooperação entre agentes públicos e privados afetados pelas mudanças: governos, parlamentos, Poder Judiciário, usuários locais dos recursos, cientistas e membros da comunidade com conhecimento tradicional.

É preciso ter metas ambiciosas

Limitar o aquecimento global a 1,5 grau até o final do século ainda está ao nosso alcance, mas requer mudanças transformadoras, por meio de ações rápidas e de grande envergadura.

Mesmo com metas ambiciosas, o cenário projetado pelo IPCC inclui um pico potencial de 1,6 grau entre 2041 e 2060, após o qual as temperaturas caem abaixo de 1,5 grau até o final do século.

A quantidade total de carbono (o chamado orçamento de carbono) que podemos emitir para limitar o aquecimento a 1,5 grau é de apenas 400 gigatoneladas de dióxido de carbono (GtCO2) no início de 2020. Esse volume pode variar em 220 GtCO2 ou mais, levadas em consideração as emissões de outros gases de efeito estufa, como o metano. Presumindo níveis de emissões globais recentes de 36,4 GtCO2 por ano, em cerca de 10 anos o “orçamento” estará esgotado. Um dado que nos situa quanto à capacidade de reduzir o carbono: embora as emissões globais tenham caído devido à covid-19, elas voltaram a aumentar rapidamente.

Há que mudarmos hábitos

A forma como usamos e produzimos energia, fazemos e consumimos bens e serviços e administramos nossas terras terá de ser redefinida. Limitar os efeitos perigosos da mudança climática exige que o mundo alcance emissões líquidas zero de CO2 e faça grandes cortes nos outros gases de efeito estufa, como o metano. A remoção de carbono pode ajudar a compensar as emissões mais difíceis de abater, seja por meio de abordagens naturais, como o plantio de árvores, ou de abordagens tecnológicas, como a captura e armazenamento direto de ar.

Embora seja difícil atingir a meta de 1,5 grau — e isso vai exigir um gerenciamento das compensações — também há uma grande oportunidade: a transformação pode levar a empregos de melhor qualidade, benefícios para a saúde e para a vida na Terra. Governos, empresas e outros atores estão lentamente reconhecendo esses benefícios, mas é necessário agir com mais determinação, ousadia e rapidez.

Uma questão de compromisso

A mensagem do relatório é clara: esta é a década decisiva para limitar o aumento da temperatura a 1,5 grau. Se coletivamente falharmos em reduzir as emissões na década de 2020 e zerar as emissões líquidas de CO2 por volta de 2050, limitar o aquecimento a 1,5 grau está fora de alcance. O IPCC entende que agora é hora de governos, empresas e investidores intensificarem suas ações na proporção e na escala da crise. Durante os últimos meses antes das negociações climáticas da COP26, em Glasgow, Escócia, é crucial que os países proponham metas de redução de emissões mais fortes para 2030 e se comprometam a atingir a neutralidade de carbono até a metade do século, se não antes. Esses compromissos precisam ser assumidos com as conclusões do relatório do IPCC em mente, para que haja chance de um futuro menos catastrófico.

Temos a ciência a nosso favor

Nossa compreensão do clima e da conexão dos eventos meteorológicos extremos com o aquecimento induzido pelo homem tornou-se muito sofisticada. Estão disponíveis dados observacionais, reconstruções paleoclimáticas aprimoradas, modelos de alta resolução, capacidade de simular o aquecimento recente e novas técnicas analíticas. Um estudo recente descobriu que o calor extremo (que se tornou pelo menos duas vezes mais provável como resultado da mudança climática induzida pelo homem) foi um dos principais impulsionadores dos recentes incêndios na Austrália, por exemplo. Outro estudo preliminar sugere que o recente calor extremo no noroeste do Pacífico dos EUA e Canadá seria "virtualmente impossível" sem as mudanças climáticas causadas pelo homem.

Os cientistas também descobriram que a influência humana é o principal motor de muitas mudanças na neve e no gelo, nos oceanos, na atmosfera e na terra. As ondas de calor marinhas, por exemplo, tornaram-se muito mais frequentes no século passado, e o IPCC observa que as atividades humanas contribuíram com 84% a 90% delas desde pelo menos 2006.

Todo esse arsenal de conhecimento e capacidade tecnológica de monitoramento será crucial para acompanhar a trajetória das mudanças climáticas e apontar caminhos para minorar os danos e fortalecer ecossistemas e comunidades humanas.

Mas para isso é preciso que os países garantam investimentos à continuidade e ao aumento das pesquisas, além de incentivarem o desenvolvimento de tecnologias e ouvir os cientistas na hora de formularem políticas públicas voltadas ao clima.

Uso da terra

A derrubada de cobertura vegetal mostra-se um dos aspectos mais danosos da relação do Brasil com seu meio ambiente, que acaba se refletindo historicamente em outros, como a ocorrência de incêndios, a redução da superfície das águas e a degradação dos rios por garimpos (ver matéria sobre garimpos no "Saiba mais").

Esses três temas foram abordados em relatórios amplos divulgados recentemente pela organização MapBiomas cobrindo o período de 1985 a 2020 a partir do processamento detalhado de imagens de satélites.

Nesses 36 anos, o Brasil perdeu 82 milhões de hectares de vegetação nativa, área equivalente a três vezes e meia o território do estado de São Paulo, principalmente para a agropecuária. A superfície de rios e outras fontes naturais de água foi reduzida em 7,6%, mas se observado apenas o período de 1991 a 2020, a perda dobra para 15,7%.

“O sinal mais assustador, mais preocupante, foi a perda de água nas várzeas. Essas áreas têm uma dinâmica de expansão e contração, mas nos últimos anos nós temos observado que a água não está expandindo mais”, disse o coordenador do Grupo de Trabalho de Águas do MapBiomas, Carlos Souza, durante o lançamento desse relatório específico.

“Essas pesquisas têm correspondência com os relatos de campo. Há escassez maior de água, maior intensidade do período de estiagem. Outro aspecto muito importante: a gente tem uma frequência e uma intensidade maior das queimadas em Roraima”, disse Haron Xaud, pesquisador da Embrapa naquele estado e líder do Projeto Terraamz.

A perda de água detectada pelo MapBiomas é circunstancialmente agravada, dependendo das condições metereológicas de curto prazo, o que está levando a prejuízos além do puramente ambiental, com fortes impactos na economia e na vida social. No momento, a diminuição do nível dos reservatórios de água para a abastecimento vai voltando a níveis da última grande crise hídrica. Isso porque o desmatamento na Amazônia prejudica o fluxo de umidade dos chamados rios voadores em direção ao Sudeste, conforme Pedro Luiz Cortês, professor do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental na Universidade de São Paulo (USP), explicou na apresentação do relatório.

Os lagos das hidrelétricas estão do mesmo modo em níveis muito baixos, com sérios riscos ao fornecimento de energia elétrica, o que já repercute nas contas de luz. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou aumento no preço de cada 100 quilowatts hora de R$ 6,24, em junho, para R$ 9,49, em julho, aumento de 52,04%, mas já está previsto novo aumento de 15% em setembro. Para não causar um colapso na geração de oito usinas localizadas ao longo das bacias dos rios Tietê e Paraná, o governo determinou a retenção de água nos reservatórios das hidrelétricas, mas isso acabou levando à diminuição do volume da hidrovia Tietê-Paraná e, por conseguinte, do transporte de soja por aquele modal. Já estão previstas demissões no setor, sem contar a necessidade de desvio de parte substancial da carga das barcaças para rodovias, com aumento de custos e de poluição. Esta vai igualmente aumentar pelo uso de termoelétricas, que ainda por cima geram energia mais cara. Só no setor de transporte hídrico, estima-se prejuízo de R$ 3 bilhões, mas a seca combinada a geadas de um inverno incomum está prejudicando a própria safra de grãos, que não sairá ilesa este ano.

A crise hídrica e energética foi discutida na quarta-feira (8) em reunião da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. Lá, o representante da Aneel informou que a capacidade geral dos reservatórios das usinas hidrelétricas pode ficar abaixo dos 19% registrados na crise de 2014. Atualmente está em 28,8%. Segundo a Agência Câmara de Notícias, especialistas presentes na audiência disseram achar que "o governo agiu tarde diante da falta de chuvas".

Cerrado perdeu quase a metade de sua cobertura natural


Made with Flourish

Amazônia perdeu 44 milhões de hectares em 36 anos

Made with Flourish


O aspecto mais dramático dos relatórios do MapBiomas é o fogo, que não dá sossego em várias regiões e provoca cenas de horror pela visão de animais selvagens e domésticos calcinados, principalmente no Pantanal Matogrossense, mas também do desespero de ribeirinhos e fazendeiros. Segundo o MapBiomas Fogo, em 36 anos o Brasil queimou 1,7 milhão de quilômetros quadrados, ou cerca de 20% do território nacional, numa escala crescente. A cada ano, uma área maior que a Inglaterra foi afetada, sendo que 61% queimou duas vezes ou mais.

Ao contrário do que se poderia pensar, o fogo não afeta apenas o Pantanal, a Amazônia, o Cerrado e até a já bastante devastada Mata Atlântica. Bioma exclusivamente nosso, no qual imaginamos uma agropecuária de convivência passiva na região do semiárido, a Caatinga é palco de queimadas, hábito cultural arraigado nos brasileiros. Associado à criação de gado e caprinos, o fogo está degradando tanto o solo em vários estados nordestinos que o risco do aparecimento de desertos é altíssimo:

— A desertificação é causada por fatores climáticos, associados à degradação ambiental, como desmatamento, sobrepastoreio [pecuária acima do limite suportável], queimadas, práticas agrícolas inadequadas, que levam à perda do solo, à erosão e, consequentemente, à degradação grave e à desertificação — explica o doutor em meteorologia Humberto Barbosa, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis). (ver entrevista na íntegra mais à frente).

Na reunião da CMA do dia 20, a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga (ISPN), Isabel Figueiredo, chamou a atenção para a urgência de se estabelecer um sistema de alertas de incêndios nesses biomas nos mesmos moldes do que já é feito na Amazônia.

— As áreas de vegetação aberta, como as do Cerrado, podem dar a impressão de que não absorvem carbono, mas as raízes profundas são muito úteis nessa tarefa — disse a pesquisadora.

Entre as medidas sugeridas à CMA para a redução nas emissões de CO2, a coordenadora do ISPN deu ênfase à ampliação do Manejo Integrado do Fogo (MIF), um conjunto de técnicas e práticas que visam, além de reduzir os incêndios, proteger regiões e territórios que são mais sensíveis, como as veredas, as matas e também moradias e lavouras.

— Hoje o ICMBio e o Ibama já utilizam o MIF em algumas unidades de conservação e terras indígenas, mas esse uso precisa ser ampliado para todas as áreas protegidas, pelo menos no Cerrado e no Pantanal. E para as áreas privadas. As reservas legais das fazendas também têm de ser manejadas, de modo que não queimem e o fogo passe eventualmente a uma área protegida. Até porque elas são também áreas protegidas.

O manejo tem como uma de suas providências a queima preventiva de trechos escolhidos no final da estação chuvosa e início da estação seca, sob a vigilância de brigadistas e em horários específicos, de maneira que o excesso de biomassa seja eliminado, evitando incêndios de grandes proporções e criando barreiras à progressão do fogo.

— O fogo é, sim, um aliado para reduzir incêndios no caso no Cerrado, do Pantanal. Isso já está bastante estudado, já tem uma série de artigos científicos mostrando os benefícios. A redução é de até 40% a mais nas emissões de carbono do que essa se essa mesma área fosse queimada no auge da seca, em setembro, outubro.

Segundo Isabel Figueiredo, há um projeto de lei parado na Câmara sobre o assunto desde 2018, apesar de requerimento de urgência assinado por todos os líderes, inclusive o agora presidente da Casa, Arthur Lira. Entre as mudanças propostas, O PL 11.276/2018 envolve mais gente na formulação e na estratégia do manejo e profissionaliza os brigadistas.

Do ponto de vista socioambiental, a pesquisadora enfatizou a premência de se reconhecer os territórios ocupados por povos indígenas, por comunidades tradicionais e agricultores familiares, por manterem grandes áreas de vegetação nativa em meio às suas áreas produtivas, o que é chamado tecnicamente de "mosaico".

— A gente pode observar nesses locais a continuidade dos ciclos de água, a fixação e a continuidade dos ciclos de carbono, além de outros processos ecológicos, como a conservação do solo, a polinização, a dispersão, os fluxos de biodiversidade. A FAO [braço da ONU para a alimentação] publicou recentemente um relatório mostrando evidências do papel fundamental dessas comunidades e desses povos indígenas na conservação da vegetação nativa e na manutenção de estoques de carbono no planeta inteiro — disse Isabel Figueiredo.

A argumentação dela encontra apoio numa das descobertas do MapBiomas Fogo: embora ameaçadas e, muitas vezes, invadidas, as terras indígenas estão entre as áreas que menos queimaram de1985 a 2020.

A representante do ISPN pediu também que seja feito um esforço para engajar a sociedade como um todo na questão do clima e da emissão de gases de efeito estufa, visto muitas vezes como um assunto distante dos cidadãos comuns que, a despeito disso, sentem na pele o aumento da temperatura local e a falta de chuvas.

— A gente pode estar muito próximo do momento a partir do qual o colapso se deu e já não se pode voltar. Essas informações ainda são mistério para a ciência e a gente precisa se antecipar. Ainda não é, não é ainda, mas a gente está quase lá — advertiu.

Na mesma reunião, Leonardo Gomes, diretor de Relações Institucionais do Instituto SOS Pantanal, deu um exemplo do que pode ser esse ponto sem retorno, ao citar estudo coordenado por José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais.

— Levando em conta o cenário da pior seca dos últimos 50 anos em 2021, quando algumas regiões do Pantanal vão chegar próximo dos 40 graus de temperatura e 10% de umidade, é possível imaginar esse cenário ainda mais intensificado até o final do século, um cenário de muita preocupação, e até de desertificação de muitas áreas do Pantanal.

Se o Pantanal passar a abrigar desertos, não será por falta de aviso.


Entrevista com Ivan Anjo Diniz, coordenador da Rede Contra o Fogo



Projetos de lei relacionados às mudanças climáticas:

  • PL 11.276/2018: institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo;
  • PL 528/2021: institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), por meio do qual se dará a compra e a venda de créditos de carbono no país;
  • PL 191/2020: estabelece as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas;
  • PL 490/2007: estabelece que as terras indígenas serão demarcadas através de leis e, na prática, estabelece 1988 como o marco temporal para a ocupação de terras legalizáveis por comunidades indígenas;
  • PL 2.847/2021: amplia o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, localizado nos municípios de Alto Paraíso de Goiás, Cavalcante, Nova Roma, Teresina de Goiás e São João da Aliança, para o estado de Goiás;
  • PDC 1.100/2018, com origem na MSC 308/2018: aprova o texto da Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal. A emenda prevê reduções graduais na produção e utilização de gases não agressivos à camada de ozônio (hidrofluorcarbonbos-HFCs), mas causadores de efeito estufa;
  • PDL 406/2019, com origem na MSC 600/2018: aprova o texto do Acordo de Cooperação Antártica entre Brasil e Chile, de 2013, com repercussão na proteção ambiental da Antártida.
  • Projeto de Lei (PL) 2159/2021: estabelece normas gerais para o licenciamento de atividade ou de empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor ou capaz de causar degradação do meio ambiente.

Normas ambientais relacionadas às mudanças climáticas


Entrevista

Humberto Barbosa, pesquisador do Lapis/Ufal

“A mudança climática precisa integrar a agenda governamental”

Humberto Barbosa: desmatamento na Amazônia impacta clima global e regional (foto: EBC)

Professor associado do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), Humberto Barbosa é uma das principais referências no Brasil em recepção, processamento, análise e distribuição de dados de satélites para fins metereológicos. Graduado em 1995 no curso de Meteorologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), é mestre em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), doutor em Ciência do Solo/Sensoriamento Remoto pela Universidade do Arizona (Uofa) e pós-doutor pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Além de outras colaborações em projetos internacionais voltados a estudos metereológicos, participou como editor e coordenador de capítulos do último relatório do IPCC sobre as mudanças climáticas, com destaque para o que trata da degradação dos solos.

Uma de suas mais importantes pesquisas resultou no livro Um Século de Secas, que amplifica a análise de problemas ambientais complexos, como desertificação e mudança climática em municípios do Semiárido brasileiro. O resultado é a constatação, por meio de uma metodologia própria, da convergência de vulnerabilidades ecológicas, socioeconômicas e institucionais que levam à falta de resposta desses municípios aos problemas ambientais em si. “A questão passa necessariamente pela agenda das políticas e deve ser direcionada à esfera local, onde cada município enfrenta os impactos crescentes da mudança climática”, opina Barbosa, que defende ainda uma participação mais efetiva do Poder Legislativo na definição dos rumos que o país deve adotar para cumprir suas responsabilidades com a limitação do aquecimento global.


Agência Senado — O IPCC fez aquele que foi o alerta mais contundente em toda a sua história no início de agosto. O senhor acha que a repercussão na imprensa, nos meios governamentais e na sociedade está altura do conteúdo do relatório?

Humberto Barbosa — Sim. Em 2019, eu participei da elaboração do relatório especial do IPCC sobre mudança climática e degradação das terras. Desde aquela ocasião, já percebi uma cobertura mais abrangente por parte da mídia brasileira e da comunidade científica. Porém, com relação à governança, percebo que a mudança climática ainda não integra a agenda governamental, com a dimensão que deveria, na definição das políticas. E aí eu incluo a participação da sociedade civil nesse processo de governança.

Nós fizemos uma pesquisa, que resultou no livro Um Século de Secas, na qual definimos uma metodologia para analisar a governança de problemas ambientais complexos, como desertificação e mudança climática, em municípios do Semiárido brasileiro. Identificamos uma convergência de vulnerabilidades (ambiental, climática, à desertificação, institucional), que quando associadas à vulnerabilidades socioeconômicas (pobreza, baixo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), insegurança hídrica e alimentar), resulta em falta de capacidade institucional desses municípios para lidar com esses problemas ambientais.

A questão passa necessariamente pela agenda das políticas e deve ser direcionada à esfera local, onde cada município enfrenta os impactos crescentes da mudança climática. Por exemplo, a perda de produtividade do solo, pois o Semiárido brasileiro já conta com 13% do seu território em processo de desertificação.

Agência Senado — Quais são, na sua opinião, as grandes novidades desse relatório? O que deveria nos deixar mais mobilizados, se é que tudo não é assustador na mesma medida?

Humberto Barbosa — Destaco dois pontos: em primeiro lugar, a parte do aumento do nível dos oceanos, que vão continuar mesmo se cumprirmos todas as metas previstas, de redução a zero nas emissões. E o processo irreversível de derretimento do gelo nas regiões polares e de derretimento do gelo nas geleiras das montanhas. Em segundo, a frequência e a intensidade dos eventos extremos, aumentando as áreas de inundações e secas, em várias regiões do globo.

Desde o último relatório de avaliação do IPCC em 2013, há evidências crescentes de que os furacões têm se tornado mais intensos e intensificados mais rapidamente do que há 40 anos.

O que deveria nos deixar mais mobilizados é o controle do desmatamento na Amazônia, pelo papel que ela exerce no clima regional e global. Vale lembrar que a Amazônia é responsável diretamente pelas chuvas na região Sudeste, que abriga, de longe, a maior parte da população, além dos principais setores econômicos.

Agência Senado — No papel de um estudioso dos processos de desertificação, como vê o avanço desse fenômeno no Brasil? O que pode ser feito para frear a marcha dos desertos?

Humberto Barbosa — O que pode ser feito é o manejo adequado dos recursos naturais, principalmente no Semiárido brasileiro e nas áreas subúmidas secas, que concentram o processo de desertificação no Brasil. A desertificação é causada por fatores climáticos, associados à degradação ambiental, como desmatamento, sobrepastoreio [pecuária acima do limite suportável], queimadas, práticas agrícolas inadequadas, que levam à perda do solo, à erosão e, consequentemente, à degradação grave e à desertificação.

Como vejo o avanço no Brasil: As áreas desertificadas, ou seja, com solos degradados de forma grave ou muito grave são um laboratório da possível expansão que pode ocorrer em outras áreas e que aumenta a fome da população que vive da agricultura de sequeiro. Então, é preciso conter os principais mecanismos dessa degradação, citados acima. Por outro lado, tem a questão ecológica, de perda da diversidade biológica, de muitas espécies que sequer foram exploradas pela ciência. É por isso que o aumento das áreas de conservação é necessário, para que possa garantir esse patrimônio biológico para as futuras gerações.

Ação de plantio de mudas para tentar combater degradação do solo na Caatinga (foto: Liliane Bello/Embrapa)

Agência Senado — Nas últimas semanas, uma série de estatísticas estarrecedoras têm sido divulgadas. É o fogo novamente no Pantanal, na Amazônia, em áreas do Cerrado e até na Mata Atlântica. Há dados também sobre a diminuição da superfície de cursos d’água e de lagoas. Dizem que “o Brasil está secando” e, no caso dos reservatórios usados para gerar eletricidade, há uma seca temporária gravíssima, até com risco de apagões. Para onde caminha o país?

Humberto Barbosa — São os chamados eventos extremos e temos chamado atenção, do ponto de vista climático, para o aumento na frequência e intensidade da seca, que influencia as próprias queimadas na Amazônia, é claro, associadaacabei de liberar e ia fazer à ação humana. Todos esses fatores estão interligados. Recentemente, publicamos um artigo, em um periódico internacional, sobre o aumento das secas extremas na Amazônia. Identificamos que, desde os anos 1970, esse fenômeno se tornou mais frequente e intenso na Amazônia. Agora, está para sair um novo artigo, no qual analisamos toda a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que segue um padrão similar. Ou seja: nas últimas décadas aumentou a quantidade de secas de intensidade extrema.

Nos últimos anos, toda aquela área do Rio São Francisco vem enfrentando degradação, com a mudança no uso e ocupação do solo, que inclui a conversão de terras para a agricultura, em detrimento da vegetação nativa.

Outra característica é que tanto a Amazônia quanto a Bacia do Rio São Francisco, principalmente no oeste da região Nordeste, têm aumentado a quantidade de queimadas, em razão justamente dessas atividades antrópicas, associadas ao próprio processo de mudança ambiental.

Agência Senado — Como avalia, do ponto de vista da sustentabilidade, projetos de distintos governos como a entrega de parques nacionais à iniciativa privada, a Usina de Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco?

Humberto Barbosa — O Brasil já deveria ter se engajado efetivamente na agenda ESG [sigla em inglês para “boas práticas ambientais, sociais e de governança”]*, ou seja, uma agenda de políticas que atenda as demandas sociais e econômicas, mas tendo a sustentabilidade ambiental como diretriz. Nessa agenda, cabe a parceria público-privada, faz parte da governança, desde que seja efetivamente participativa. Foi isso que trabalhamos na pesquisa do livro Um Século de Secas, com relação à governança participativa das águas no Brasil. E vale lembrar que não é possível atender a uma agenda ESG sem investimentos fortes em educação, ciência, tecnologia e inovação.

(*) “Environmental, Social and Governance”.

Agência Senado — Assim como a maior parte dos países, o Brasil vinha tendo dificuldades de avançar com mais força e rapidez em direção a uma economia limpa e uma diminuição das emissões de CO2. Nos últimos anos, houve um rompimento desses esforços no discurso e na prática. Quais devem ser as consequências se o país quiser, em algum momento, retomar de fato seus compromissos com a desaceleração do aquecimento global?

Humberto Barbosa — Em primeiro lugar, retomar o papel de protagonismo ambiental que o Brasil sempre exerceu e cumprir as metas do Acordo de Paris. Em novembro vai acontecer a COP26, na qual haverá a negociação sobre a precificação do carbono. E isso é de grande interesse para o Brasil. O nosso maior problema com as emissões hoje, é conter o desmatamento/queimadas e boas práticas de produção agropecuária, que inclui a agricultura de baixo carbono.

Agência Senado — Individualmente ou como parte de algum grupo ou instituição, o senhor tem propostas de metas ou estratégias para cortes de emissão de carbono pelo Brasil. Em outros termos, quais as propostas de metas e estratégias a comunidade científica brasileira tem a apresentar aos governantes, lembrando que a COP26 será daqui a pouco, em novembro?

Humberto Barbosa — De forma geral, a comunidade científica tem chamado atenção para a retomada das políticas de proteção aos biomas brasileiros, principalmente Amazônia, Cerrado e Caatinga, sendo esta última a mais impactada pela mudança climática. A proteção desses biomas inclui monitoramento contínuo. A Caatinga, por exemplo, ainda não conta com um programa institucional de monitoramento de desmatamento, como o Prodes da Amazônia, que foi implantado em1988. São necessários também a fiscalização dos crimes contra o patrimônio ambiental brasileiro; o cumprimento das leis ambientais para coibir ações como desmate e queimadas; a valorização das comunidades indígenas e quilombolas, que exercem um papel importante nessa conservação e prospecção de espécies nativas desses biomas para fomentar econegócios nas comunidades, ou seja, promover a sustentabilidade com iniciativas inovadoras, que reduzam a pobreza.

Agência Senado — O relatório do IPCC fala da necessidade de se adotar metas ousadas, de se ter compromisso e efetividade na redução das emissões. Vê o Brasil com disposição e capacidade política para uma tarefa dessa envergadura?

Humberto Barbosa — O Parlamento brasileiro exerce um papel importante nesse processo, pois não só define as políticas como fiscaliza o cumprimento da legislação. Nesse sentido, com uma participação ativa dos parlamentares, é possível reverter a atual conjuntura ambiental brasileira. A capacidade política, nós já mostramos, em alguns momentos históricos, que tivemos, como a Constituição de 1988, que garantiu vários direitos socioambientais, em um momento em que ainda se falava muito pouco sobre esse assunto, em todo o mundo. A ECO-92 trouxe essa discussão da sustentabilidade para o Brasil, com os primeiros movimentos ambientalistas que contaram com a participação política. Então, temos expectativa de que a participação do Parlamento, nos próximos anos, recupere o papel histórico de protagonismo que exerceu em um passado recente.

Agência Senado — O que cabe a cada parte nessa tarefa desafiadora: setor público, setor privado empresarial e sociedade? Vale a pena pedir a pessoas que deixem de usar sacolinhas plásticas de supermercado ou isso não vai ter maiores consequências se a poluição de grandes fontes continuar acelerada e as fiscalização ambiental, desmantelada?

Humberto Barbosa — Mais uma vez, destaco a governança participativa, que envolve os três setores, para a gestão conjunta dos recursos naturais. Por exemplo, a questão da água, que requer uma adaptação de vários setores econômicos, para se ajustar a essa demanda contemporânea da mudança climática. A água se tornou uma commodity, que vai indexar as economias, sendo preciso iniciativas de conservação desse recurso natural, como um dos maiores ativos econômicos do futuro. No livro, discutimos amplamente esse processo, relacionado à mudança climática.

Agência Senado — A ciência avançou muito na detecção e no monitoramento de fenômenos climáticos e ambientais em geral, mas muita gente ainda duvida da palavra dos cientistas. E nos centros de decisão muitas vezes o apoio político e financeiro é negado à ciência. Com que forças, ela continuará a exercer seu papel?

Humberto Barbosa — O Brasil depende da ciência, para conseguir avançar em algumas áreas. Há a necessidade de ter a ciência como pauta das políticas públicas. O Brasil tem muitos problemas sociais e econômicos, de modo que a ciência, tecnologia e educação são primordiais para que o país ao menos recupere sua posição anterior.

Como autor de um relatório do IPCC, identificamos justamente essa necessidade de que países tropicais, como o Brasil e a África, pautem ações econômicas e decisões, em função do conhecimento científico que produzem. A agricultura tropical do Brasil é um exemplo de como a ciência fortaleceu essa área estratégica. Só a ciência pode ajudar nesse salto de competitividade, para superarmos as crises econômicas que enfrentamos, desde os anos 1970. É o caso da Embraer, que foi fundamental para o avanço da tecnologia espacial.

Agência Senado — A redução do aquecimento global é uma tarefa a ser compartilhada pelo conjunto das nações. O que pensa que pode ser realmente efetivo nesse concerto: ajuda financeira direta, programas de crédito de carbono, transferência de tecnologia?

Humberto Barbosa — A implementação e o cumprimento das metas do Acordo de Paris são o passo principal. Mas zerar as emissões até 2050 é o maior desafio dos países, que passa pelo investimento em uma matriz energética mais limpa, bem como na reestruturação do setor de transporte e da maneira como produzimos alimentos.

BIOMAS


Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
arara_caninde_2506219981
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Saiba mais:


Reportagem: Nelson Oliveira Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy Edição de tratamento de fotos: Ana Volpe Infografia: Cássio Costa, Cláudio Portella e Diego Jimenez Arte da capa: Bruno Bazílio Veja mais Infomatérias

Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/09/o-aquecimento-global-no-limite


Em 20 anos, área de lavouras aumentou 300% na Chapada dos Veadeiros

Pressão no entorno do parque aumenta a cada ano. Monocultura e pastagem ganham espaço nas cidades da região, em detrimento do cerrado

evolução da ocupação territorial na chapada dos veadeiros, em goiás
Lapig/UFG - Landsat 5 e Landsat 8

Galtiery Rodrigues / Metrópoles

Goiânia – A região da Chapada dos Veadeiros sofreu severa mudança na configuração da ocupação do solo nas últimas décadas. Enquanto áreas de florestas e de cerrado nativo reduziram, devido ao desmatamento, o espaço ocupado por pastagens e, principalmente, monocultura de grãos aumentou significativamente. Em 20 anos, a dimensão da área das plantações nas cidades que compõem a região triplicou, com um aumento exato de 305%.

Dados da plataforma MapBiomas.org mostram que, entre 2000 e 2019, o território ocupado por agricultura em Alto Paraíso de Goiás, São João d’Aliança, Cavalcante, Teresina de Goiás, Nova Roma e Colinas do Sul foi de 15,7 mil hectares para mais de 63,8 mil hectares. A mudança dessa configuração já é nítida na paisagem vista por quem chega à Chapada, especialmente pela rodovia G0-118, no trecho entre São João e Alto Paraíso.

A alteração e reflexo dessa pressão no entorno de um dos parques naturais mais famosos do Brasil, e que atrai turistas do mundo todo, é perceptível, inclusive, pela evolução, ao longo do tempo, de imagens de satélite. A pedido do Metrópoles, o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG) fez a comparação entre o antes e o depois da região da Chapada.

Veja como era em 1985 e como está hoje:

O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, gerido e monitorado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), possui uma extensão de 240,6 mil hectares e é um dos últimos cinturões de cerrado nativo, em Goiás. O estado liderou o desmatamento do bioma, no Brasil, até 2013, conforme dados do Prodes, programa de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).


Mais sobre o assunto

Hoje, Goiás é o segundo colocado em incremento de desmatamento, atrás apenas do Mato Grosso, e responsável, até então, por 15,78% da área de cerrado devastada no país. Só em 2020, o Prodes calculou uma área desmatada de cerrado equivalente a 724,52 Km², em solo goiano.

Por ser unidade de conservação, o parque da Chapada carrega o status de proteção. O seu entorno, no entanto, é o que preocupa, devido à crescente pressão em direção ao parque, com prejuízos para a biodiversidade local. Nos últimos dois anos e meio, a plataforma Map Biomas Alerta identificou 110 situações de desmatamento nas cidades da região, que geraram uma devastação de 5.431 hectares – média de 5,7 hectares por dia.


CHAPADA DOS VEADEIROS


Alto Paraíso (GO) - Planta conhecida como Candombá, uma das mais comuns na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Planta conhecida como Candombá, uma das mais comuns na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Insetos no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Borboleta no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Amanhecer no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Vista de área pertencente à proposta de ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Entardecer no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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Alto Paraíso (GO) - Planta conhecida como Candombá, uma das mais comuns na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Planta conhecida como Candombá, uma das mais comuns na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Insetos no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso  (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Borboleta no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso  (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) -  Amanhecer no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) - Vista de área pertencente à proposta de ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso (GO) -  Entardecer no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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“Se não existisse o parque, seria tudo soja”

A trincheira jurídica confere certa proteção ao parque, apesar de investidas e interesses de conhecimento público que ameaçam a integridade da área. O caso mais recente é o projeto protocolado na Câmara dos Deputados pelo deputado federal Delegado Waldir (PSL/GO), que visa sustar o decreto do governo Michel Temer (MDB), assinado em 2018 e que ampliou o território do parque. O projeto dele prevê uma redução de mais de 70% da área atual.

Morador da região desde 2003 e atual secretário de Meio Ambiente de Cavalcante, Rodrigo Batista Neves considera a existência do parque e as regras legais que isso impõe como os únicos fatores que, ainda, seguram o avanço mais incisivo da fronteira agrícola sobre o território da Chapada.

“A gente agradece muito por existir esse parque. Se não existisse, a Chapada já seria tudo soja. As zonas que foram conservadas são exatamente o parque e o Sítio Histórico Kalunga. Eles (empresários do agronegócio) falam que áreas que estão hoje dentro do parque são ideais para plantação de soja, como a região das Sete Lagoas e a Serra das Cobras”, diz Rodrigo.

O avanço da ampliação da monocultura, na região, segundo o secretário, ocorreu fortemente de 2005 para cá. “Em coisa de um ano, por exemplo, você via de 3 a 5 mil hectares de cerrado sumindo”, descreve. A alteração mais sensível foi na região entre São João d’Aliança e Alto Paraíso de Goiás. Na primeira, existem, hoje, 29 pivôs centrais em funcionamento e na segunda, apesar do avanço mais recente da agricultura, já são 21.

Veja a comparação da região:

Maiores áreas de monocultura

São João d’Aliança e Alto Paraíso possuem as maiores parcelas de terra ocupadas por lavouras, dentre as cidades que compõem a região da Chapada dos Veadeiros. Em 20 anos, São João, cujas lavouras cultivam soja, milho e feijão, passou de 8,7 mil hectares de agricultura para mais de 42,7 mil hectares – um aumento de 392%, diante de uma perda de 15% da área de cerrado no município, no mesmo período.https://f38f0f04653412e5845eb906cdb8f8f1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Em 2000, Alto Paraíso, cidade portal do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e, portanto, mais próxima da área de conservação, tinha uma parcela ocupada por lavouras equivalente a 3,4 mil hectares. Vinte anos depois, já eram mais de 16 mil hectares, segundo maior território ocupado por agricultura entre as cidades da região. Em percentual, esse aumento foi de 367%.https://f38f0f04653412e5845eb906cdb8f8f1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Estou aqui há 33 anos. As coisas mudaram, significativamente. Acho que já comeu uns 80% do cerrado, desde quando vim morar aqui. De uns tempos para cá, desandou de vez, mas é complicado. Todos precisam comer, produzir e a demanda agrícola é muito grande. A gente tenta conciliar as duas coisas, com uma boa administração, mas, ambientalmente, é um baita prejuízo. Não tem como mensurar”, afirma Geraldo Bertelli, secretário de Meio Ambiente de São João D’Aliança.

Comparação na região de Nova Roma:

Secretária defende o agro e cita loteamentos como maior ameaça

Apesar dos dados de avanço da ocupação do território na região da Chapada dos Veadeiros, a secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás, Andréa Vulcanis, não considera, hoje, o agronegócio como o elemento que mais ameaça o cerrado no entorno do Parque Nacional. Para ela, o que preocupa na região são os loteamentos e a abertura de condomínios.

Vulcanis alega que o agro é uma atividade com taxa baixíssima de descumprimento do Código Florestal, e cujas reservas legais são preservadas “e muitas das vezes em uma área até maior do que é demandado”, defende. Em março deste ano, fiscais da secretaria que ele comanda (Semad) flagraram 200 hectares sendo desmatados no interior da Área de Proteção Ambiental (APA) de Pouso Alto, em Cavalcante.

“A Chapada é muito mais visada pelos loteamentos e condomínios, principalmente com o advento da pandemia, e pelo êxodo urbano. As pessoas agora procuram paisagens naturais para terem uma segunda moradia, principalmente pessoas vindas de outros países. De outra vista, penso que a exploração daquele lugar para o agronegócio se dá pela oferta de terras mais baratas, menos valorizadas”, expõe Andréa.

Pessoas ligadas ao meio ambiente e ao ecoturismo da região consideram polêmico o posicionamento da secretária. “Eu colocaria o contrário: primeiro o agronegócio, depois a mineração e, em terceiro, os loteamentos irregulares. Se juntar todos os loteamentos, não dá uma fazenda de soja de Alto Paraíso”, contrapõe o secretário de Meio Ambiente de Cavalcante, Rodrigo Neves.

Comparação na região de Cavalcante e Colinas do Sul:

Dinâmica da ocupação exploratória

A maneira como o cerrado foi ocupado, historicamente, teve a exploração como sua principal característica. A coordenadora do Lapig e professora do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG, Elaine Barbosa da Silva, explica que, apesar da ocupação recente – de 1970 para cá -, não havia um vislumbre de proteção do bioma, no início do avanço da fronteira agrícola em direção ao oeste do Brasil.

“Ele foi abarcado pela exploração. A parte de Goiás mesmo é bem degradada. São ambientes totalmente fragmentados, resultantes de uma lógica que se repete ao longo do bioma, no geral. Primeiro, vem a pastagem, após o desmatamento, e depois, quando essas áreas de pasto se valorizam, com implantação de infraestrutura e, principalmente, se estão em regiões planas, de fácil mecanização, elas são tomadas pela agricultura”, explica a professora.

Os números mostram isso. Nas cidades da Chapada dos Veadeiros, houve primeiro um avanço da área ocupada por pastagens, associado ao desmatamento de cerrado e de regiões de floresta, entre 1985 e 2000, inclusive com índice acima do avanço da agricultura, no mesmo período. A partir do ano 2000, com algumas áreas já abertas e seguindo a lógica da dinâmica de ocupação, o espaço foi preenchido pelo crescimento acelerado da monocultura na região.

De 1985 a 2019, conforme os dados de monitoramento da plataforma Map Biomas Brasil, as cidades da Chapada reduziram em quase 107 mil hectares a área ocupada por cerrado (-11%) e em 30,6 mil hectares a área ocupada por formações de floresta – também redução de 11%.

Veja a evolução da ocupação territorial na Chapada dos Veadeiros, de 1984 a 2000:




Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/em-20-anos-area-ocupada-por-lavouras-aumentou-300-na-chapada-dos-veadeiros


Metade da superfície terrestre é ocupada por biomas não florestais

Apenas 12% deles são designados como áreas protegidas, tornando urgentes iniciativas para preservar biomas não florestais

Por WWF-Brasil

Um novo atlas mostra que 54% da superfície terrestre do mundo consiste em biomas diferentes das florestas. São áreas que abrigam alguns dos habitats mais preciosos da Terra e sustentam centenas de milhões de pessoas. É o caso, por exemplo, do cerrado brasileiro, dos pampas e da caatinga.

Mas, até agora, esses biomas não florestais raramente figuravam nas agendas internacionais: apenas 10% dos planos climáticos nacionais (como parte do Acordo Climático de Paris) incluem referências a essas áreas, ao passo que 70% incluem referências a florestas. Embora sejam conhecidos por desempenhar um papel fundamental no armazenamento de carbono, como habitat para diversos animais selvagens e origem para alguns dos maiores rios e pântanos do mundo, parte da razão pela qual foram subvalorizados é a falta de dados consolidados sobre sua extensão e valor.

O Rangelands Atlas preenche parte dessa lacuna. Biomas não florestais (rangelands, em inglês) consistem em sete biomas, incluindo pastagens, savanas, desertos, arbustos e tundra. O atlas, que engloba 16 mapas e será continuamente atualizado, foi publicado em conjunto pelo International Livestock Research Institute, a União Internacional para a Conservação da Natureza, o WWF, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e a Coalizão Internacional de Terras, com contribuições da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.

Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
arara_caninde_2506219981
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
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Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Cerrado

O Cerrado brasileiro é um bom exemplo da importância dos biomas não florestais. Uma das regiões de maior biodiversidade do mundo, estima-se que possua quase 5% de todas as espécies no mundo e 30% da biodiversidade do país. Ele também detém vastos estoques de carbono, principalmente no subsolo: aproximadamente 13,7 bilhões de toneladas.

O processo de conversão do bioma impediria, por exemplo, o cumprimento dos compromissos internacionais do Brasil nas Convenções do Clima e de Biodiversidade. Porém, sofrendo com a degradação, o Cerrado também abriga um dos seis locais reconhecidos pelo Estado como em processo de desertificação.

“Até o momento, os esforços de conservação e desenvolvimento têm se concentrado nas florestas, deixando de lado outros ecossistemas valiosos. Este atlas nos mostra, pela primeira vez, a extensão dessas áreas e destaca que devemos parar de negligenciá-las se quisermos enfrentar as crises climáticas e naturais do mundo e, ao mesmo tempo, atender de forma sustentável à demanda global de alimentos. A proteção, gestão e restauração dos ricos e variados ecossistemas que compõem os biomas não florestais são fundamentais e sua relevância deve ser refletida nas agendas de conservação global”, declarou Karina Berg, líder da iniciativa global Grasslands and Savannahs, do WWF.

Um exemplo recente de esforços de conservação dos biomas não florestais é o projeto CERES, iniciativa da União Europeia com as organizações WWF-Brasil, WWF-Paraguai, WWF-Holanda e ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza). Com quatro anos de duração e 5,5 milhões de euros de investimentos, ele visa encontrar, testar e alavancar soluções inclusivas de conservação da paisagem no Cerrado brasileiro que possam ser replicadas em outras savanas ao redor do mundo.

Boa parte do restante está ameaçada pela escalada da conversão, especialmente para agropecuária. Mais uma vez, o Cerrado brasileiro é um bom exemplo: entre 1 e 27 de maio deste ano foram desmatados 870 km², um aumento de 142% em comparação aos 360 km² registrados no mesmo período em 2020.  No acumulado do ano, foram destruídos 2.065km² entre 1 de janeiro e 27 de maio deste ano, contra 1.685km² no mesmo período do ano passado - um aumento de 22%.

Devastação

A aceleração da devastação também é evidente quando se considera o acumulado desde agosto - quando começa a contagem oficial da temporada de desmatamento no Brasil. De agosto até o fim de maio, o Cerrado teve 3.868 km² destruídos, um aumento de 30% em comparação ao mesmo período em 2020, quando foram desmatados 2.981km². Entre agosto de 2019 e julho de 2020 a destruição foi de cerca de 7,3 mil km², um aumento de 12,3% em relação ao mesmo período do ano anterior.

O atlas mostra que nos últimos três séculos mais de 60% da vegetação nativa e florestas foram convertidas - uma área maior que a América do Norte - e uma área aproximadamente do tamanho da Austrália (7,45 milhões de km²) agora é usada para plantações. Essa mudança no uso da terra contribui para a crise climática e o atlas mostra que as áreas não florestais também sofrerão com o aquecimento global.

Os efeitos drásticos ocorrem em uma área com o dobro do tamanho da Europa, com a natureza sendo perigosamente desestabilizada e a capacidade de produzir alimentos, combustível e fibras sendo reduzida.  Os novos dados do Atlas podem ajudar os formuladores de políticas a gerenciar melhor esses biomas, com grandes benefícios para as pessoas, a natureza e o clima.

No segundo semestre de 2021, líderes governamentais participarão de conferências anuais para as três Convenções do Rio: sobre mudança climática (UNFCCC), biodiversidade (UNCBD) e desertificação (UNCCD), juntamente com a primeira Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU. A publicação vem a público ao início da Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas, podendo ajudar a orientar governos, organizações internacionais, ONGs e doadores na restauração, proteção e melhor gestão dessas áreas.


Luiz Werneck Vianna: De quando é bom ter uma pinguela segura

Agora não resta solução senão a de atravessar, pé ante pé, essa estreita que se tem à frente...

Para um observador desavisado, inexperiente de como aqui se vivem as coisas da política, diante do cenário que aí está, nada de estapafúrdio que se lhe dê na telha a ideia de estarmos na iminência de uma revolução.

Nas salas de aula das universidades os estudantes exibem adesivos estampando um “fora Temer”, professores das escolas de ensino médio cumprimentam seus alunos com o mesmo bordão, artistas e cantores populares não começam seus espetáculos sem ele, também presente nas salas de cinema e nos teatros. Uma ex-presidente da República que teve seu mandato cassado, num trâmite que passou pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, que decretou o seu impeachment, em julgamento presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, participa de comícios eleitorais de candidatos às eleições municipais, quando se declara vítima de um golpe, todos são sinais que levam nosso observador a ruminar suas impressões.

Contudo se ele resolver testá-las, levantando a vista para a sociedade inteira, logo reconhecerá o despropósito da sua fabulação. No Congresso, em suas duas Casas, o governo detém folgada maioria, couraça sem a qual não há Executivo que se mantenha, fato ilustrado pela nossa experiência, contundentemente confirmada por recentes episódios. Nas chamadas classes fundamentais, fora a agitação de sempre que lhes é própria, não se percebem outras movimentações que não sejam as da defesa de seus interesses e direitos. No mundo agrário, tradicional calcanhar de Aquiles da política brasileira, sopram os mesmos ventos.

Faltaria, ainda, consultar o que se passa nas eleições municipais, termômetro confiável para o registro dos sentimentos da população, e nos quartéis, cuja importância na tradição republicana brasileira dispensa comentários. Nestes últimos reina, há tempos, a reverência ao culto constitucional e ao exercício dos seus papéis profissionais; nas eleições, que transcorrem em clima morno, se valem as pesquisas – e tudo indica que valem –, as candidaturas que se deixaram embair pelo bordão “fora Temer”, principalmente nas grandes capitais, estão longe de obter votações que as levem à vitória. E, como sempre entre nós, não há melhor detergente em horas de crise política do que um processo eleitoral.

Feito esse balanço, nosso observador admite que se equivocou no diagnóstico. Mas se não é de revolução, do que se trata, que bicho é esse que nos aturde com sua presença? A frase é velha, mas nem por isso perde validade: o passado não mais ilumina o futuro, que ainda não começou a nascer. A hora é de transição, de lusco-fusco, não é mais noite e o dia tarda a aparecer, mas a sociedade se inquieta e começa despertar sem saber o que a espera em meio às ruínas que sobraram dos partidos e, em geral, das nossas instituições políticas.

Ela mudou em meio às poderosas transformações demográficas, sociais e ocupacionais que desfiguraram a paisagem reinante em meados do século passado. Encontramo-nos em terra nova, como se estrangeiros a ela, agarrados a um passado que nos foi familiar, com as relações entre gerações, entre gêneros, sobretudo entre as classes sociais e sistema de crenças girando em gonzos fora do nosso controle e da nossa imediata percepção. A sociedade modernizou-se por cima, sujeita a experimentos saídos das pranchetas de uma tecnocracia ilustrada, impostos a ferro e fogo – exemplo mais recente, o da colonização da Amazônia.

Entre nós, a obra dessa modernização persistiu por décadas, ora por vias duramente repressivas, como no Estado Novo de Vargas e no regime militar, ora de forma doce, como nos governos de Juscelino – que criou no centro geográfico do Brasil, nos ermos do Cerrado, uma nova capital para o País – e nos de Lula e Dilma.

Fora de dúvidas que tais esforços em favor da aceleração da modernização foram bem-sucedidos, em que pesem os altos custos políticos e sociais envolvidos, não só pelo aprofundamento das desigualdades já existentes, como pela condenação da sociedade a um estatuto de minoridade sobre a qual deveria incidir a ação modernizadora do Estado. Não à toa as lutas pela democratização do País trouxeram consigo a denúncia dessa modelagem, filha de nossa longa tradição de autoritarismo político, do que foi exemplar a publicação de São Paulo 1975 – Crescimento e Pobreza, sob a iniciativa do cardeal Paulo Evaristo Arns, obra coordenada por Lucio Kovarick e Vinicius Caldeira Brant.

Essa nova agenda, nos anos 1980, encontrou no PT uma de suas mais importantes vocalizações. Com efeito, dele vieram críticas contundentes ao nacional-desenvolvimentismo e à cultura política que enlaçava a sociedade civil ao Estado e às suas agências, como no caso do sindicalismo, objeto de feroz crítica das emergentes lideranças sindicais dos metalúrgicos do ABC, Lula à frente, como seu principal porta-voz. O PT nasceu e cresceu em nome de uma representação da sociedade civil que aspirava por autonomia diante da onipotência de um Estado que fazia dela base passiva para sua manipulação.

Como se sabe, esse partido, por fas ou nefas, se converteu às práticas que combatia; e levou-as à exaustão depois de um curto período de fastígio no seu uso, culminando no episódio melancólico do impeachment do mandato presidencial de Dilma Rousseff sob a acusação de ter atentado contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja inspiração oculta, ao impor limites ao decisionismo do Executivo, consistiu precisamente em interditar caminhos ao processo de modernização autoritária vigente por décadas no País.

Agora, não resta outra solução que não a de atravessar, pé ante pé, a pinguela estreita que se tem à frente, de que falou em entrevista o ex-presidente Fernando Henrique, travessia perigosa que, para ser segura, está a exigir outra bibliografia e uma imaginação bem diversa da que nos trouxe até aqui.

Luiz Werneck Vianna: Sociólogo, PUC-RJ


Fonte: opiniao.estadao.com.br