centro-direita

Eliane Cantanhêde: Eleitor dá uma grande vitória ao País

Depois de se aventurar sem racionalidade em 2018, eleitorado desta vez preferiu caminhar em terra firme e a grande vitória destas eleições é da política tradicional

As eleições de 2018 foram um hiato e as de 2020 repõem as coisas nos devidos lugares. Assim como nesses dois anos evaporaram todas as bandeiras de campanha do presidente Jair Bolsonaro, também sumiram de Norte a Sul os partidos, candidatos e compromissos inventados sob o rótulo de “nova política”. Eles não tiveram vez.

Depois de se aventurar sem racionalidade em 2018, o eleitorado desta vez preferiu caminhar em terra firme e a grande vitória destas eleições é da política tradicional, do conhecido, de quem tem serviço prestado. A direita belicosa de Bolsonaro ficou pelo caminho, junto com o PSL, militares, policiais, bombeiros e juízes que se meteram onde não deviam.

A “nova-velha” centro direita, que se contrapõe à extrema direita bolsonarista, é mais moderna e confiável, não surpreende a vantagem de DEM e PSDB, que concorreram separados, mas devem se encontrar em 2022. O DEM ganhou em primeiro turno Salvador, Curitiba e Florianópolis e, no Rio, o ex-prefeito Eduardo Paes enfrenta no segundo turno o atual prefeito, Marcelo Crivella, que tem índices recordes de rejeição.

O PSDB chega em primeiro em São Paulo, reelegeu Cinthia Ribeiro em Palmas e disputa bem em Natal, Campo Grande e Porto Velho. Se Bruno Covas for reeleito, como tudo indica, deverá gerar um outro troféu: o MDB deverá ter o maior número de prefeituras, mas os tucanos poderão governar o maior número de eleitores no País.

Na outra ponta, a esquerda surpreende bem na reta final, mas não o PT. Guilherme Boulos (PSOL) terá dificuldades contra Covas no segundo turno, porque a resistência será forte em São Paulo, mas ele já teve uma conquista: a liderança das esquerdas, que estão bem em Belém, com PSOL, Porto Alegre, com PCdoB, e numa disputa em Recife entre PSB e PT, aliás, entre bisneto e neta do velho Miguel Arraes, grande referência política no Estado.

É assim que, apesar dos problemas do TSE, já se pode concluir que o eleitorado parou de brincar de novidades perigosas e voltou a olhar quem é quem, quem fez o que e o que são e representam os reais partidos. Só isso já é uma grande vitória.


El País: Antipolítica sai de cena com centro-direita fortalecida e prefeitos pró-ciência reeleitos no 1º turno

Pandemia elevou abstenção, mas eleitores saíram de máscara para votar em 5.567 cidades brasileiras. Atraso na divulgação dos resultados alimenta teorias conspiratórias de fraudes

Carla Jiménez e Aiuri Rebello, El País

A direita foi deslocada em direção ao centro e a antipolítica perdeu adeptos. A esquerda ganhou fôlego importante em algumas capitais e nas Câmaras de Vereadores e os partidos do Centrão foram os grandes vencedores, através das legendas de sempre: MDB, PP, PSD e DEM. O resultado do primeiro turno das eleições nas capitais do Brasil neste ano ―marcado pelo atraso na divulgação e uma tentativa de ataque hacker no sistema do Tribunal Superior Eleitoral― mostra um refluxo na onda populista da direita que varreu o país em 2018 com a vitória de Jair Bolsonaro. Candidatos desse espectro político, que teve nomes fortes e votações expressivas nas eleições de 2016 e 2018, não tiveram sucesso e saíram derrotados do primeiro turno —como mostram os candidatos apoiados pelo presidente. Seu filho, Carlos Bolsonaro, conseguiu se reeleger como vereador no Rio de Janeiro, mas sua votação foi menor do que há quatro anos. Conquistou 70.000 votos, menos que os 136.000 de 2016, quando foi o vereador mais votado da cidade. Agora teve a segunda melhor votação, atrás de um psolista, Tarcísio Motta.

Na polarização do coronavírus, ganharam em primeiro turno ou passaram para segundo turno em importantes capitais os postulantes que apostaram na ciência, em contraponto ao presidente Bolsonaro. É o caso de Alexandre Kalil, do PSD, em Belo Horizonte, que foi reeleito com 63,3% dos votos, Bruno Reis (DEM), em Salvador, com 64,2% (vice de ACM Neto, que condicionou a volta do tradicional Carnaval se houver vacina contra a covid-19 em fevereiro) e Rafael Greca (DEM), em Curitiba, também reeleito com 59,74%. O atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), que foi diligente na gestão da pandemia na cidade, garantiu a liderança nas pesquisas e passou para o segundo turno, que será disputado com Guilherme Boulous, do PSOL.

Um total de 147,9 milhões de brasileiros estavam aptos a votar neste domingo em 5.567 cidades ―Macapá, capital do Amapá, teve o primeiro turno adiado devido ao apagão que atinge o Estado há semanas. A pandemia, porém, levou a uma abstenção de 23,14% segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Quatro anos atrás esse índice foi de 17,5%. Mas as ruas do Brasil ficaram cheias de eleitores de máscaras saindo de casa para votar num dos momentos mais emblemáticos do país, que ultrapassou 165.000 mortes por covid-19, e um presidente que reforça crises diariamente. Algo está diferente no Brasil de 2020 e, no dia 29 de novembro (data do segundo turno), vai ficar mais claro para onde os ventos políticos vão soprar.

Em São Paulo, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) concorreu à prefeitura seguindo a mesma receita de 2018, com um discurso liberal e antiesquerda, mas não vingou. Se em 2018 ela foi a deputada federal mais votada da história do Estado de São Paulo, ao alcançar um milhão de votos ―289.404 só da capital paulista— na disputa municipal ela ficou com 1,84% das cédulas, ou 98.239 votos. Seu rompimento com Bolsonaro poderia ser apontado como um fator que tenha influenciado esse resultado. Mas o deputado Celso Russomanno (Republicanos) fez o oposto e tampouco teve sucesso. Russomanno saiu de favorito ao cargo de prefeito no início da campanha, mas caiu para um minguado quarto lugar, logo depois de vincular seu nome ao de Bolsonaro. “Russomanno assumiu o padrinho e pagou o preço, como Jilmar Tatto também assumiu (Lula) e pagou também. Já Bruno Covas não assumiu [o governador] João Doria e não pagou o preço”, admitiu Elsinho Mouco, marqueteiro da campanha de Russomanno, em entrevista ao jornal O Globo.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez campanha para Tatto em São Paulo, mas o candidato petista obteve só 8,65% dos votos, ficando atrás até do deputado estadual Arthur Do Val (Patriotas), com 9,78%. Tatto, porém, saiu de 1% das pesquisas eleitorais, enquanto Russomanno chegou a ter 29% no início da campanha, e fechou a disputa com 10,5% ―derrotado, declarou apoio a Boulos no segundo turno. Covas foi ao segundo turno como favorito mantendo distância de Doria, que tem alta rejeição na capital. Logrou reforçar sua posição ao fechar uma aliança de centro direita entre diversas siglas.

No Rio, porém, o atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) que tenta a reeleição, conseguiu chegar ao segundo turno, depois de ter mostrado publicamente sua aliança com Bolsonaro. Crivella teve 21,9% dos votos, atrás do ex-prefeito da cidade Eduardo Paes (DEM), que alcançou 37,01% dos votos. O prefeito corria o risco de ficar em terceiro, numa disputa acirrada com a Delegada Martha Rocha (PDT) e Benedita da Silva (PT). Mas conseguiu crescer na reta final. Terá de reverter uma rejeição de 60% na cidade para lograr a reeleição.

O pleito mostrou ainda jovens lideranças de partidos da esquerda ofuscando a hegemonia do Partido dos Trabalhadores (PT) e entraram na disputa pelo segundo turno em capitais importantes, com Boulos em São Paulo e Manuela D'Ávila (PCdoB) em Porto Alegre. As vitórias simbólicas no primeiro turno não chegam a representar tendência nacional. O pleito deste ano mostrou um eleitor refratário a surpresas e que preferiu apostar em nomes conhecidos da política tradicional. A figura de outsiders ou “gestores” que tiveram sucesso em 2016 não tiveram destaque no primeiro turno nos principais colégios eleitorais. Em compensação, candidaturas de mulheres transgênero garantiram sucesso para se eleger vereadoras, caso da professora Duda Salabert, a mais votada da história de Belo Horizonte. Em São Paulo, a Erika Hilton (PSOL) e Thammy Miranda (PL) se tornaram as primeiras trans eleitas para a Câmara de Vereadores.

No Nordeste, o PT não conquistou nenhuma capital, mas tem em Marília Arraes sua chance de garantir uma vitória em Recife, capital de Pernambuco. Ela enfrenta no segundo turno o primo, João Campos (PSDB), filho de Eduardo Campos —que morreu em plena campanha presidencial num acidente aéreo em 2014. O partido do ex-presidente Lula obteve 140 vitórias no primeiro turno, mas ficou fora por primeira vez, desde 1988, de um pleito em São Paulo.

No inicio da madrugada de segunda-feira (16), já com a maioria das urnas apuradas Brasil afora, o velho MDB celebrava 746 prefeituras conquistadas na eleição. Também o centrista Partido Social Democrático (PSD) era um dos grandes vencedores da eleição com 627 prefeituras nas cidades médias e pequenas. Essa capilaridade pelo território podem fazer destes partidos aliados importantes para as eleições presidenciais de 2022.

No sábado, o presidente Jair Bolsonaro publicou em suas redes sociais uma lista de candidaturas que apoiava Brasil afora. Nas capitais, além de Russomanno e Crivella, o presidente também indicou voto em Delegada Patrícia (Podemos) em Recife, Capitão Wagner (Pros) em Fortaleza, e Bruno Engler (PRTB) em Belo Horizonte. Apenas Wagner passou ao segundo turno das eleições. A postagem do presidente foi apagada na manhã deste domingo.

Na noite do primeiro turno, postagens questionando a regularidade do pleito e sugerindo fraude no sistema de apuração invadiram as redes de bolsonaristas derrotados, que emularam Donald Trump numa tentativa de desacreditar as eleições. O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, acabou levando a anticampanha na esportiva. “Evidentemente não tenho controle sobre o imaginário das pessoas. Mas objetivamente, foi preservada a segurança e a integridade do sistema, os dados são confiáveis e conferíveis pelos boletins das urnas”, disse ele, como relata o repórter em Brasília, Afonso Benites. Uma falha em um hardware do supercomputador que totaliza os votos atrasou a divulgação dos resultados em três horas, o que abriu brecha para as teorias conspiratórias.


Luiz Carlos Azedo: Os quadrantes de 2018

Criou-se um enorme espaço vazio, o que está permitindo o avanço de Lula no quadrante da centro-esquerda e a progressão de Bolsonaro para ocupar todo o quadrante da direita

Na geometria, quadrante é qualquer das quatro partes iguais em que se pode dividir uma circunferência. Na navegação, isso corresponde a um arco de 90º, ou seja, um quarto do círculo. Num esquema tradicional de distribuição de forças políticas, teríamos uma divisão teórica do eleitorado em direita, centro-direita, centro-esquerda e esquerda. Na prática, porém, muitas vezes, essa divisão é atropelada pela polarização antecipada, digamos, esquerda versus direita, como, às vezes, acontece na Europa. Nos Estados Unidos, ela é inerente ao sistema bipartidarista, isto é, ocorre sempre entre republicanos e democratas.

No Brasil, durante o período que vai da redemocratização ao golpe de 1964, a polarização era muito pautada pela guerra fria, embora houvesse três grandes partidos se digladiando, o PSD, o PTB e a UDN, os dois primeiros aliados de Vargas e o terceiro, de oposição empedernida. A quarta força política era o Partido Comunista, que atuava na clandestinidade. Havia outros partidos menores, como o PSB e o PRP. Durante a ditadura, com a reforma partidária imposta pelos militares, tentou-se impor um sistema partidário americanizado, com a Arena, o partido governista, e o MDB, de oposição, mas no fundo o regime queria “mexicanizar” a política brasileira. Após sucessivas derrotas eleitorais da Arena, os militares aceitaram uma anistia negociada e promoveram nova reforma partidária, em 1979.

A Constituição de 1988 consagrou o atual calendário eleitoral, o presidencialismo, o sistema eleitoral proporcional uninominal e o atual sistema partidário, que foi sendo progressivamente ampliado, até chegar aos 36 partidos hoje existentes. Hoje se discute uma reforma política que altere isso. Com as eleições majoritárias em dois turnos, mais pra lá ou mais pra cá, o esquema de quadrantes acabou predominando. Mesmo com a reeleição dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), que não completou o segundo mandato por que houve o impeachment.

Não seria nada estranho que o presidente Michel Temer se lançasse candidato à reeleição, pois teria esse direito com base na legislação atual. Não o faz, porém, por causa da sua impopularidade, que também é uma herança do governo Dilma, mas que vem se mantendo e até aumentando por causa da Operação Lava-Jato e das reformas da Previdência e trabalhista. Um presidente da República com a caneta cheia de tinta nunca é um cachorro morto, mas isso não impede que possa morrer. Foi o que aconteceu com Dilma. Não ocorre com Temer por causa de dois fatores: a política econômica, radicalmente oposta à da desastrada e infortunada antecessora, o que lhe garante maciço apoio do mercado, e a ampla maioria parlamentar no Congresso. Isso não basta, porém, para que Temer seja protagonista da própria sucessão se não for candidato.

Ocupar o centro

É aí que voltamos ao esquema dos quadrantes. Apesar da Lava-Jato e da emergência de setores de esquerda mais radical como PSol, o ex-presidente Lula nunca perdeu o controle de um dos quadrantes da política brasileira, o campo da esquerda. Isso manteve sua candidatura competitiva mesmo nos piores momentos das crises política, ética e econômica. No outro lado do círculo, o quadrante da direita está sendo progressivamente ocupado pela candidatura de Jair Bolsonaro (PRB). Os demais quadrantes, após a reeleição de Dilma, eram ocupados por Marina Silva (centro-esquerda) e Aécio Neves (centro-direita). Em circunstâncias normais, com o impeachment, os dois disputariam a sucessão de Temer.

Mas não foi isso que aconteceu. Marina Silva (Rede) eclipsou-se durante a crise tríplice (ética, política e econômica), como quem aparentemente não deseja ser identificada com o espectro político que está aí (uma tática de risco). Aécio Neves (PSDB) foi volatilizado pela Operação Lava-Jato, o que poderia servir para consolidar a candidatura do governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), mas ele está sendo eclipsado pela sua criatura, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Criou-se um enorme espaço vazio, o que está permitindo o avanço de Lula no quadrante da centro-esquerda e a progressão de Bolsonaro para ocupar todo o quadrante da direita. Com isso, o espaço para uma candidatura de centro-esquerda, como a de Marina Silva, diminui; em contrapartida, o de centro-direita se mantém e abre espaço para uma candidatura se consolidar e crescer.

Luiz Carlos Azedo é jornalista


Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-quadrantes-de-2018/