Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades

Cida Bento: Tiro no IBGE atinge a população

Esvaziamento do Censo inviabilizas políticas públicas de combate às desigualdades

Finalmente eles resolveram acabar com as desigualdades na sociedade brasileira. Como??? Esvaziando o Censo do IBGE, que traz os dados sobre a população e que permite conhecer as desigualdades, possibilitando a elaboração de políticas públicas. Esse processo conta agora com a cumplicidade do Parlamento.

Se, há alguns anos, um de nossos desafios era como manter o dado cor/raça no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), para poder entender e interferir na situação da população negra no mundo do trabalho, e se em 2020 muito esforço foi despendido para manter e assegurar o preenchimento do dado cor/raça nos cadastros sobre a Covid-19, mais recentemente a mobilização vem sendo contra o esvaziamento do Censo do IBGE, o que favorecerá o ocultamento de dados sobre a população brasileira, acabando por inviabilizar as políticas públicas de combate às desigualdades.1 8

No Caged, algumas mudanças ocorreram, como destaca Thais Carrança, na BBC Brasil, chamando a atenção para o fato de que, no auge do desemprego, o Brasil enfrenta falhas nas estatísticas do mercado de trabalho que confundem e desorientam. Os dados sobre cor/raça na pandemia igualmente continuam com baixa taxa de preenchimento.

Diante do Censo do IBGE, inúmeras organizações brasileiras têm explicitado publicamente seus posicionamentos contrários a esse esvaziamento, e essa mobilização precisa continuar viva.

Agência Alma Preta faz um destaque em reportagem de dezembro de 2020, a partir de posicionamento da Assibge, associação nacional que representa os servidores do IBGE, destacando que: “A questão de fundo, nesse caso, é a orientação do governo de não criar políticas públicas e programas para combater a desigualdade no Brasil, sobretudo para a população negra”.PUBLICIDADE

Assim é que o corte de 90% da verba do orçamento federal foi aprovado pelo Congresso em março de 2021, tornando impossível a realização do Censo.

Ou seja, o Congresso Nacional torna-se cúmplice desse ataque às políticas públicas de combate às desigualdades. Temos que reconhecer que a crise sanitária tem tornado visível o imenso desconforto que vinha sendo nutrido por alguns segmentos da sociedade brasileira nas últimas duas décadas, diante da implementação de políticas públicas de combate às desigualdades, particularmente as políticas no campo da equidade racial e de gênero.

Assim, deram um tiro no IBGE, mas atingiram em cheio as populações mais fragilizadas quanto ao exercício de direitos sociais. Dificultaram as condições para o diagnóstico que possibilitam a concepção de políticas públicas e privadas de toda ordem, em particular aquelas que promovem equidade.

Foram as estatísticas de sexo, cor/raça produzidas pelo IBGE que revelaram, por exemplo, que, durante a pandemia, a população negra foi a mais afetada pelo desemprego, a que mais foi a óbito pela Covid-19, a que tem menor percentual de vacinados, a que menos pode cumprir o distanciamento porque é majoritária nos serviços essenciais das cidades.

Ao revelar em âmbito municipal quantos são, onde moram e em que condições vivem brasileiros e brasileiras, o Censo é fundamental para subsidiar as mais diversas políticas públicas do país. As informações sobre a população definem o repasse de verbas entre esferas governamentais, por meio dos fundos de participação dos estados e municípios e dos fundos que destinam recursos à educação e à saúde.

Vale salientar que, no cenário da atual crise sanitária, o Censo pode oferecer informações valiosas para contribuir na estratégia de vacinação dos municípios e nas políticas de assistência social para atender à população mais vulnerável. E isso agora é inadiável.

*Cida Bento é diretora-executiva do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP.