Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: Dois ministros e nenhum plano na fase crítica da pandemia

Pazuello e Queiroga não falam em urgência porque Bolsonaro não demonstra angústia

O Brasil deve ser o único país do mundo que tem dois ministros para gerenciar uma política oficial desastrosa na saúde. No momento em que a média de mortes ultrapassou a faixa de 2.000 por dia, o general Eduardo Pazuello e o doutor Marcelo Queiroga apareceram juntos para mostrar que o governo continua sem um plano de emergência para a fase crítica da pandemia.

De saída, o militar parece interessado na missão impossível de salvar a própria imagem. Pazuello assistiu no cargo à escalada de mortes 15 mil para 285 mil em dez meses e seguiu as vontades mais descabidas do chefe. Ainda assim, ele acha que conseguirá evitar uma merecida condenação pública ao deixar o posto.

Pela segunda vez na semana, o general fez um balanço colorido de sua gestão. Nesta quarta (17), ao receber as primeiras doses da vacina contra a Covid-19 produzidas pela Fiocruz, ele disse que a imunização lenta no Brasil foi provocada por atrasos na chegada de insumos. Seria bom se o país tivesse um especialista em logística para contornar esse problema.

Pazuello discursou como um corretor imobiliário que vendia um apartamento com um ano de atraso. “Vou entregar a ele um ministério estruturado, organizado, funcionando e com tudo pronto”, disse, em referência ao sucessor. E fez questão de dizer que pouca coisa vai mudar daqui por diante: “O doutor Marcelo Queiroga reza pela mesma cartilha”.

Já o futuro ministro participou do evento como se já estivesse no cargo. Disse que pretendia “dar início ao maior programa de imunização” do país, dois meses depois da aplicação da primeira dose do imunizante. Depois, ele deixou a pregação bolsonarista de lado por um instante e defendeu o distanciamento social. Faltou dizer se o presidente vai parar de sabotar essas medidas.

Nenhum dos dois ministros fala em ações urgentes porque o chefe da dupla jamais demonstrou angústia com a tragédia nacional. Jair Bolsonaro passou a quarta em reuniões. Cancelou um evento no Planalto e nem chegou perto da Fiocruz.


Bruno Boghossian: Desastre na pandemia pesa sobre planos de Bolsonaro para 2022

Morticínio abala tentativa do presidente de preservar força para reeleição

Quando a pandemia deu as caras, Jair Bolsonaro apostou todas as fichas em seu projeto de reeleição. O presidente sacrificou os esforços mais urgentes de contenção do vírus e tentou fazer com que a economia continuasse girando à força. A estratégia acentuou a tragédia no país e, agora, ameaça seus próprios planos políticos.

Até a virada do ano, Bolsonaro sustentou sua popularidade com base nesse discurso. O comportamento conflituoso manteve sua base eleitoral coesa, enquanto o pagamento do auxílio emergencial criou um colchão de aprovação ao governo. O morticínio que essa plataforma produziu, no entanto, começa a cobrar um preço do presidente.

A nova pesquisa do Datafolha indica uma tendência continuada de piora nos índices de avaliação de Bolsonaro. Ele nunca teve aprovação significativa durante a crise, mas agora 54% dos brasileiros consideram seu trabalho na pandemia ruim ou péssimo. A reprovação subiu tanto entre os mais pobres (que tiveram o auxílio) como entre os ricos (que já foram o núcleo de sua base de apoio).

O morticínio furou uma blindagem que Bolsonaro tentou construir no último ano. Na sondagem, 43% dos entrevistados citaram o presidente como principal culpado pela situação do país, à frente de governadores (17%) e prefeitos (9%). O número ganha peso porque a responsabilidade de governantes é um componente importante da decisão do eleitor.

Os números sugerem que a saúde é um fator político mais carregado do que Bolsonaro gostaria de admitir. A avaliação negativa do governo nessa área se somou à dificuldade da economia e se refletiu no índice de reprovação ao governo, que subiu para 44%. Mesmo assim, 30% dos brasileiros ainda consideram o trabalho do presidente ótimo ou bom.

O desastre nacional não foi suficiente para fazer com que Bolsonaro abandonasse a sabotagem e o negacionismo. Ele só mudou o discurso sobre a vacina e decidiu trocar o ministro da Saúde quando viu que sua reeleição poderia ficar em risco.


Bruno Boghossian: Decantação da pandemia no eleitor deve definir novo presidente

Divisão entre medidas de saúde e efeitos na economia pode permanecer até 2022

Quando os americanos foram às urnas em novembro do ano passado, as mortes por Covid-19 voltavam a se aproximar de 1.000 por dia nos EUA. O coronavírus foi um dos temas mais presentes da eleição presidencial, com uma característica que se tornou a marca política da pandemia: a divisão entre as mortes e seus impactos sobre a economia.

A atuação de Donald Trump e os efeitos da doença no mercado de trabalho racharam o país. Entre os eleitores que consideravam a economia uma prioridade, 78% votaram no republicano, segundo pesquisas de boca de urna. Para aqueles que diziam que o importante era conter o vírus, 79% escolheram Joe Biden.

O democrata ficou em vantagem porque mais americanos achavam importante salvar vidas (52%) do que recuperar a atividade econômica (42%). No Brasil, a escalada da doença e a decantação da crise no humor do eleitorado podem definir o próximo presidente.

A questão central é se a pandemia e seus efeitos serão tópicos relevantes até lá. A depender do cenário do país, o eleitorado pode usar o voto para julgar a conduta de Jair Bolsonaro, pode ir às urnas para escolher outro rumo na administração da crise ou pode ignorar a doença em nome de outros interesses.

Bolsonaro desdenhou da morte de milhares de brasileiros porque acreditava que seus efeitos políticos seriam limitados. Em sua matemática, faria mais sentido oferecer a bandeira da defesa da economia a qualquer custo, em contraponto a personagens como João Doria e Luiz Henrique Mandetta.

O resultado dependerá da situação econômica e de quanta responsabilidade o eleitor atribuirá ao governo. Bolsonaro só será beneficiado se o eleitor enxergá-lo como um nome capaz de liderar a recuperação.

volta de Lula bagunça o jogo porque o petista tenta aliar o discurso da saúde a uma pauta de proteção aos mais pobres e de enfrentamento das dificuldades econômicas. Se a plataforma vingar, ele será um rival de Bolsonaro em duas frentes.


Bruno Boghossian: Manobras refletem covardia do STF com fantasmas da Lava Jato

Por anos, operação usou métodos questionados pelo tribunal sem ser incomodada

Num voto de 102 páginas, Gilmar Mendes disse que a força-tarefa da Lava Jato criou "o maior escândalo judicial" do país. O Supremo conhece há tempos os métodos da operação, mas só se dispôs a passar a história a limpo agora, sete anos depois que a investigação começou.

As últimas 48 horas dão pistas dos motivos do atraso. A manobra de Edson Fachin para evitar o julgamento da suspeição de Sergio Moro reflete a covardia do tribunal na hora de enfrentar os fantasmas da operação. Já o movimento de Gilmar ao reabrir uma ação que dormiu em sua gaveta por dois anos é um exemplo dos desvios da política interna da corte.Fachin agiu de surpresa na segunda (8) e anulou os processos da Lava Jato em Curitiba contra Lula. O objetivo do ministro ficou claro no dia seguinte, quando ele citou a própria decisão para tentar barrar o julgamento de uma das ações que questionam a atuação de Moro como juiz.

A estratégia de Fachin só pode ter como base a convicção de que o STF aceitaria uma decisão de alta relevância como artimanha para enterrar outro tema espinhoso. Com tudo o que se sabe atualmente sobre a operação, parte dos ministros ainda se recusa a esmiuçar a atuação da Lava Jato e de seus personagens.

O segundo capítulo ocorreu na terça (9), quando Gilmar reabriu o julgamento da ação que contesta o trabalho de Moro. Desde 2018, o ministro dava sinais de que era favorável à defesa do ex-presidente, mas segurou o voto por temer uma derrota.

A mudança na composição da Segunda Turma, a revelação das mensagens da Lava Jato pelo site The Intercept Brasil e a trama de Fachin mudaram o ambiente. Gilmar citou a condução coercitiva de Lula para dizer que a operação tinha um "modelo hediondo" e chamou a quebra de sigilo de advogados do petista de "coisa de regime totalitário".

Os adjetivos encobrem o fato de que Moro tomou aquelas decisões em 2016, à luz do dia, e demorou a ser incomodado pelos tribunais. Teve tempo para continuar os processos e virou até ministro da Justiça.


Bruno Boghossian : Bolsonaro já sente custo político de choques na economia

Presidente passa a trabalhar quase exclusivamente para conter efeitos sobre popularidade

O aumento da gritaria contra o fechamento do comércio e a investida sobre a Petrobras revelam o que inquieta Jair Bolsonaro no pior momento da pandemia. O presidente sentiu o impacto dos choques da economia e passou a trabalhar exclusivamente para reduzir os efeitos dessa crise sobre sua popularidade.

Sem o amortecedor do auxílio emergencial, os efeitos da inflação e o tropeço da atividade econômica passaram a ter um custo político maior. Embora Bolsonaro se esforce desde os primeiros dias da pandemia para fugir das responsabilidades nessa área, a conta costuma ficar com os presidentes das República.

Os números já apareceram em pesquisas feitas nos primeiros meses de 2021. A reprovação ao governo Bolsonaro cresceu à medida que a população começou a dar sinais crescentes de desconforto em relação aos rumos da economia.

Desde dezembro, o percentual de brasileiros que classificavam o trabalho do presidente como ruim ou péssimo subiu de 35% para 42% nos levantamentos XP/Ipespe. No mesmo período, a proporção de entrevistados que diziam que a economia estava no caminho errado passou de 50% para 57% –e só 30% acham que esse caminho está certo.

Vem desses dados a preocupação de Bolsonaro em transferir para os governadores a responsabilidade pela piora nos indicadores econômicos. Desde o fim de fevereiro, ele ataca quase todos os dias as medidas de restrição à circulação nos estados, omitindo o fato de que elas só são tomadas para conter o colapso de sistemas de saúde e salvar vidas.

Já o malabarismo para reduzir o preço dos combustíveis e a promessa de "meter o dedo na energia elétrica" são tentativas de conter a inflação.

Esse componente do desajuste econômico costuma provocar uma reação imediata do eleitorado –que tende a ser mais intensa com um auxílio emergencial menor. Em janeiro, o Datafolha mostrou que 96% dos brasileiros diziam ver aumento de preços da comida, 86% citavam o gás e 84% falavam da conta de luz.


Bruno Boghossian: Quantas mortes cabem num dia de trabalho de Bolsonaro?

Quantas mortes cabem num dia de trabalho de Bolsonaro?

Pela manhã, Jair Bolsonaro deixou o Palácio da Alvorada e foi até a Base Aérea de Brasília. Antes de decolar, repetiu nas redes sociais a propaganda de sua caçada pelo spray nasal israelense contra a Covid, que ainda não tem eficácia comprovada. Quando o avião presidencial deixou a pista, 600 pessoas já tinham morrido da doença no país, segundo a média dos últimos dias.

Às 9h15, o presidente pousou em Uberlândia (MG). Durante o voo, outros 55 brasileiros morreram. Antes de seguir para Goiás, Bolsonaro parou para conversar com apoiadores. A cidade tem 100% dos leitos de UTI ocupados, mas o governo montou um cercadinho no setor de cargas e causou aglomeração no aeroporto.

Ali, o presidente disse que quem cobra dele a compra de vacinas é "idiota". "Só se for na casa da tua mãe. Não tem para vender no mundo", completou. Ele deixou o aeroporto de helicóptero, por volta das 10h da manhã, 55 mortes depois.

Em meia hora, Bolsonaro chegou a São Simão (GO) para inaugurar um trecho da ferrovia Norte-Sul. Antes de subir no palanque, ele entrou numa locomotiva, sorriu para fotos e conversou com os convidados. Quando o hino nacional começou a tocar, a conta de vítimas da pandemia havia subido em 168. Quando soou o último acorde, eram mais quatro.

Nos discursos de empresários e autoridades, 74 vidas ficaram para trás, e mais uma se foi quando Bolsonaro descerrou placa comemorativa da obra. Foram mais quatro mortos até que o presidente dissesse: "Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?". Depois de 21 vítimas, ele voltou a incentivar o uso de cloroquina e, com outros quatro mortos, encerrou o evento.

O presidente pousou em Brasília às 15h30, quando o país somava quase 1.150 óbitos no dia. Ele apareceu de novo 260 mortes depois, em sua transmissão semanal nas redes. Repetiu dados falsos sobre máscaras e atacou medidas de restrição, enquanto o país contava mais 74 vítimas. Até o fim da quinta-feira, outros 300 brasileiros estariam mortos.


Bruno Boghossian: Versão original de Bolsonaro ficou mais perigosa na pandemia

Presidente continuará a fazer estragos enquanto estiver ali

No dia em que o Brasil registrou 1.840 mortes em 24 horas, o presidente da República começou a manhã com seu esporte favorito: dar de ombros para a pandemia. “Criaram pânico, né? O problema está aí, lamentamos. Mas você não pode viver em pânico”, disse a apoiadores, no Palácio da Alvorada.

O discurso é o mesmo do início da crise do coronavírus. Em março do ano passado, em seu primeiro pronunciamento na TV para falar da doença, Jair Bolsonaro disse que não havia “motivo para pânico”. Nas semanas seguintes, vieram a “gripezinha”, o “e daí?” e o “não sou coveiro”.

O Brasil descobriu cedo o tamanho do estrago que um presidente poderia fazer numa pandemia mortal. Desde o início, Bolsonaro incentivou aglomerações, fez campanhas de desobediência a medidas de proteção, divulgou informações falsas sobre a Covid-19, distribuiu remédios ineficazes contra a doença e atrapalhou a aquisição de vacinas.

Nada mudou no curso da tragédia. O vírus se espalhou, e o país conheceu uma nova onda de colapso dos sistemas de saúde, mas o presidente continuou o mesmo. A diferença é que a atitude desumana e a incompetência absoluta dos integrantes do governo tornaram o avanço da doença cada vez mais dramático.

O atraso na imunização e a constante sabotagem às medidas de restrição implantadas nos estados sufocaram as redes hospitalares e deixaram o ambiente livre para o surgimento de variantes que podem ser ainda mais perigosas do que a versão original do vírus.

Também ficou mais perigosa a versão primitiva de Bolsonaro, que insiste em propagar mentiras para desencorajar o uso de máscaras e investe contra governadores que tentam amenizar o desastre.

Ninguém deveria esperar outro comportamento do presidente. Por 12 meses, autoridades aceitaram suas delinquências e se limitaram a corrigir seus erros ou obrigar o governo a cumprir suas funções. Foi pouco. Enquanto estiver ali, Bolsonaro continuará a fazer estragos.


Bruno Boghossian: Combustíveis devem ser mais um foco de atrito entre Bolsonaro e governadores

Presidente quer reforçar visão de que age no front econômico enquanto governos restringem atividades

Jair Bolsonaro fez uma jogada dupla ao zerar tributos sobre o diesel e o botijão de gás. Ainda que o efeito sobre o preço final seja modesto, o presidente vai mobilizar a máquina de propaganda do governo para colher benefícios com a medida. De quebra, ele deve reabrir uma disputa com governadores e tentar fustigar aqueles que atualmente são seus principais adversários políticos.

O Planalto vai fazer o possível para mudar de assunto na fase crítica de mortes por Covid-19 que o país voltou a enfrentar. Uma medida econômica com impacto sobre os caminhoneiros da base bolsonarista e milhões de brasileiros que usam botijões de gás já começou a ser explorada como válvula de escape.

Bolsonaro prepara um pronunciamento na TV para tirar proveito da redução. Segundo auxiliares, ele deve citar ações ligadas à compra de vacinas, mas também vai aproveitar o espaço para citar o corte de tributos. A ideia é reforçar a visão de que o Planalto age no front econômico no momento em que governos locais restringem as atividades para conter o colapso da rede hospitalar.

A opção de dobrar a aposta no negacionismo e atacar as medidas de redução da circulação vem acoplada a uma disputa econômica com os governadores. Num momento de escalada da tensão entre o Planalto e os estados, Bolsonaro tenta pintar seus rivais como alguns dos principais vilões dos combustíveis caros.

Ao comentar a redução dos tributos nesta terça (2), o presidente destacou que cartazes deverão discriminar a composição do que é cobrado dos consumidores, “para a gente começar a apurar os verdadeiros responsáveis pelo preço alto dos combustíveis”. Ele citou as distribuidoras, os postos e os estados.

Essa batalha é antiga. No ano passado, Bolsonaro desafiou governadores a zerar o ICMS para baratear os combustíveis. Ninguém topou, já que o tributo é uma fonte de receita importante nos estados. Num país que bate recordes diários de mortes, o presidente só trabalha com afinco para alimentar desavenças políticas.


Bruno Boghossian: Política, vaidade e perversidade de Bolsonaro custam vidas ao país

Presidente trata pandemia como jogo pelo poder e usa governo para buscar glórias individuais

Jair Bolsonaro nunca escondeu as razões de sua campanha para sabotar o combate ao coronavírus. Ainda nas primeiras semanas da pandemia, o presidente foi ao ataque contra governadores que implantaram medidas de restrição para conter a doença e disse estar no meio do que chamou de "luta pelo poder".

"É essa a preocupação que eu tenho. Se a economia afundar, afunda o Brasil. Se afundar a economia, acaba com meu governo", disse à rádio Bandeirantes, em março de 2020.

Quase nada mudou desde então. Enquanto brasileiros morrem aos milhares a cada semana, o presidente continua tratando a pandemia como um jogo político. Na sexta (26), em visita ao Ceará, Bolsonaro disse que "o povo não consegue mais ficar dentro de casa" e culpou seus adversários ("esses que fecham tudo e destroem empregos").

Essa politicagem barata é alimentada pela vaidade doentia do presidente. Bolsonaro foi capaz de transformar um assunto crítico como a busca pela vacina numa contenda particular: para desviar os holofotes do rival João Doria, ele adiou a compra da Coronavac e até comemorou o suicídio de um voluntário dos testes do imunizante.

A mesma lógica submete o país ao messianismo mortífero de Bolsonaro. Em busca de glória, o presidente mobiliza a máquina do governo para fabricar curas milagrosas que possam levar seu nome. Assim, desperdiça tempo e dinheiro atrás da cloroquina e do spray nasal israelense —ambos sem eficácia comprovada.

Além do político e da vaidade, os brasileiros também são reféns da perversidade delirante do capitão. Bolsonaro é um dos únicos líderes do mundo que produzem aglomerações inúteis e investem contra medidas básicas de proteção.

Na última semana, ele voltou a fazer propaganda de supostos "efeitos colaterais" do uso de máscaras, com base numa enquete alemã de baixo rigor científico. Autoridades sanitárias, porém, insistem que o equipamento de proteção é essencial. As atitudes de Bolsonaro custam vidas.


Bruno Boghossian: Pazuello culpa mutações do coronavírus para tratar pandemia como surpresa

Ministro fala em 'nova etapa' e tenta reduzir responsabilidade por tragédia continuada

Eduardo Pazuello descobriu o tamanho da "gripezinha". Depois de uma reunião nesta quinta (25), o ministro da Saúde culpou as mutações do coronavírus pela situação crítica registrada em várias cidades do país. "Estamos enfrentando uma nova etapa dessa pandemia. O vírus mutado nos dá três vezes mais contaminação", declarou.

Apesar de ocupar o cargo há nove meses, o general falou como se tivesse acabado de chegar ao gabinete. O discurso da "nova etapa" parece um esforço para pintar a tragédia continuada como uma crise imprevista. O objetivo é buscar uma rota de fuga e apagar o comportamento desastroso do governo no último ano.

Pazuello apontou as mutações como vilãs inesperadas, mas a microbiologista Natalia Pasternak explica que o surgimento delas era previsível. "Variantes aparecem em locais onde o vírus corre solto. Não fomos pegos de surpresa", diz. "Elas são preocupantes, mas isso não quer dizer que a situação estava sob controle. As variantes agravam o problema."

O ministro disse ter monitorado o surgimento dessas cepas em outros países e citou o Reino Unido, onde o governo impôs medidas de restrição assim que descobriu detalhes de uma nova mutação. Pazuello quase demonstrou espanto com a variante brasileira P1 e com o colapso de hospitais pelo país. Ele só não quis dizer que essa linhagem já é conhecida por aqui há pelo menos 40 dias.

Em busca de imunidade, o general afirmou que havia uma "situação de estabilidade" em novembro e que esperava manter a situação com a chegada da vacina. Três meses se passaram, e o governo não consegue enviar para o lugar certo as doses que tem. Para piorar, continua brigando com laboratórios que poderiam ampliar a oferta de imunizantes.

O general acordou atrasado. O Brasil tem uma média diária superior a 1.000 mortes há mais de 35 dias, mas Pazuello só quis reconhecer o problema agora. Segundo Pasternak, há tempo para contornar a crise: "O que não se pode fazer é jogar a culpa na variante e cruzar os braços".


Bruno Boghossian: Congresso pode afrouxar caixa dois, improbidade e investigações

Câmara faria um serviço ao país se modernizasse regras, mas ideia cria brecha para retrocessos

Poucas coisas movimentam tanto o Congresso quanto a força-tarefa que tenta mudar as leis que mexem com a vida política dos parlamentares. A ideia é reformar regras ultrapassadas e conter abusos, mas o esforço abre caminho para perdoar o caixa dois, blindar deputados e livrar prefeitos que fazem barbaridades com dinheiro público.

Logo nas primeiras semanas de atividade, os parlamentares lançaram um grupo de trabalho para reformar a legislação eleitoral. O Congresso faria um bem ao país se criasse regras modernas para a propaganda e o financiamento de campanhas. Os deputados, no entanto, também querem discutir retrocessos que interessam principalmente à sua sobrevivência política.

Voltaram ao debate monstrengos como o distritão, que enfraquece os partidos políticos e facilita a eleição de aventureiros para o Legislativo, e a flexibilização da cláusula de barreira, que impediria o enxugamento do número de siglas nanicas.

Segundo os deputados, também podem entrar na pauta mudanças para aliviar punições por caixa dois, um sonho antigo de muitos parlamentares. Além disso, eles estudam mexer na Lei da Ficha Limpa –que tem regras defeituosas, mas pode acabar desfigurada.

Os deputados elaboraram ainda a PEC da imunidade. De um lado, ela acaba com aberrações como a possibilidade de um tribunal de instância inferior afastar um parlamentar do mandato. De outro, dificulta prisões e impõe um excesso de restrições nas investigações contra políticos. Na prática, cria uma blindagem e abre caminho para imitadores do golpista Daniel Silveira.

Na Câmara, já se fala também em liberar o nepotismo e em afrouxar as punições contra políticos por improbidade administrativa. Esta mudança pode fazer a festa de prefeitos interessados em gastar dinheiro público sem prestar contas. A ideia tem o apoio de Jair Bolsonaro, que tenta fortalecer sua base eleitoral nos municípios. “Alguma coisa vai ser mudada, pode deixar”, avisou.


Bruno Boghossian: Clã Bolsonaro tem alívio nos tribunais, mas 'rachadinha' já é uma marca política

País já conhece depósitos fracionados, dinheiro vivo e cheques na conta da primeira-dama

O clã Bolsonaro fez o diabo para fugir do fantasma da "rachadinha". Flávio foi ao STF para tirar o caso da Justiça do Rio. O Planalto organizou uma reunião com o chefe da Abin em busca de brechas para anular as investigações. E o presidente tentou intimidar investigadores ao lançar suspeitas de tráfico de drogas contra o filho de um promotor.

As apurações que cercavam a família presidencial meteram medo em Jair e companhia. Não à toa, a prisão de Fabrício Queiroz, em junho de 2020, é considerada uma linha divisória: logo depois que o operador do esquema passou um tempo na cadeia, o presidente baixou as armas contra o Supremo e foi ao altar com o centrão, em busca de blindagem.

Bolsonaro está perto de se livrar desse pesadelo no campo judicial. A decisão do Superior Tribunal de Justiça de anular a quebra de sigilo de Flávio e outros 94 investigados, nesta terça (23), obriga a investigação a voltar uma dezena de casas no tabuleiro e pode livrar a família de responder pelas acusações de desvio de dinheiro em seus gabinetes.

O caso pode ser praticamente enterrado na próxima semana, quando o STJ deve decidir se invalida também os relatórios financeiros que deram origem à apuração. A defesa das duas anulações tem como porta-voz o ministro João Otávio de Noronha, por quem Bolsonaro já disse ter sentido "amor à primeira vista".

Apesar do provável alívio nos tribunais, Queiroz e a "rachadinha" já são uma marca política do clã, mesmo que as provas não sejam usadas em processos. Os depósitos fracionados, a fortuna gasta pelo filho do presidente em dinheiro vivo e os cheques na conta da primeira-dama contaram uma história que Bolsonaro gostaria de esconder.

A fantasia do discurso anticorrupção já havia ficado pelo caminho antes que o presidente chegasse ao Planalto. Ainda que consiga contornar o cerco judicial com base em aspectos técnicos, Bolsonaro pagará o preço político dessas suspeitas. Agora, o país conhece os métodos da família em décadas de vida pública.