Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: Para onde vão os bolsonaristas de 2018?

Na última campanha, Jair Bolsonaro convenceu muita gente de que era um político liberal na economia, que defendia a causa lavajatista e rejeitava negociações com partidos tradicionais. Em pouco tempo, ele abandonou essas fantasias, sem fazer muita cerimônia. Resta saber quantos daqueles que se renderam ao estelionato de 2018 estão dispostos a repetir a dose em 2022.

Nem metade dos eleitores que declaram ter votado em Bolsonaro no segundo turno da última corrida presidencial admitem apoiá-lo no primeiro turno do ano que vem, mostra o Datafolha. Nesse grupo, ele teria 49% dos votos, enquanto os demais se dividiriam entre Lula (17%), Sergio Moro (9%) e outros candidatos.

Para comparação, eleitores de Fernando Haddad no segundo turno de 2018 escolheriam majoritariamente Lula no primeiro turno: 72%. Ciro Gomes receberia 8% e outros nomes teriam menos de 5% cada um.

Esse é o retrato de uma parcela específica do eleitorado, uma vez que muitos entrevistados esquecem, confundem ou escondem seus votos do passado. Na pesquisa, 36% dos entrevistados afirmaram ter votado em Bolsonaro em 2018, 30% citaram Haddad, 7% declararam voto em branco, e 27% não responderam. O recorte leva em conta os 36% que admitem ter votado no presidente.

Os números do Datafolha sugerem que, até agora, o antipetismo não foi suficiente para empurrar parte desses eleitores para o campo de Bolsonaro novamente. Numa das simulações de segundo turno, 65% dos entrevistados desse grupo repetiriam a opção pelo presidente, mas 24% escolheriam Lula, e 9% votariam em branco ou nulo. Outros 2% disseram não saber o que fariam.

Como esperado, os bolsonaristas confessos rejeitam Lula consideravelmente: 62% deles dizem que não votariam no petista de jeito nenhum. Apesar disso, 24% deles também responderam que se recusam a apoiar a reeleição do atual presidente. A rejeição de Bolsonaro nesse grupo é semelhante à de Moro (20% deles não votariam no ex-juiz).

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/05/para-onde-vao-os-bolsonaristas-de-2018.shtml

 


Bruno Boghossian: Lula retoma territórios, e Bolsonaro se agarra a base mais restrita, aponta Datafolha

A fidelidade da base lulista e a hesitação do eleitorado que aderiu a Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018 ajudam a explicar o descolamento entre os dois principais personagens da próxima corrida presidencial.

De volta ao jogo depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou condenações que o impediam de concorrer no ano que vem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retomou o controle de territórios tradicionalmente petistas, de acordo com números da primeira pesquisa do Datafolha para a disputa de 2022.

Uma fatia da vantagem que o ex-presidente abriu sobre seus adversários aparece principalmente no grupo mais pobre da população —o que sugere que bandeiras petistas como as plataformas de distribuição de renda e redução da pobreza ainda ressoam nesse eleitorado.

Os números indicam que essa faixa é uma trincheira inicial de Lula. Entre eleitores que ganham até dois salários mínimos, o petista aparece com 47% no primeiro turno. Nos demais grupos de renda, ele não passa de 34%. Também está ali sua menor rejeição: 29%, contra mais de 40% em outros segmentos de renda.

Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, os mais pobres dariam ao petista uma vitória por 60% a 28%.

A margem de Lula nesse recorte é relevante, no ponto de partida, porque o segmento de baixa renda representa mais da metade do eleitorado brasileiro. Além disso, esses grupos foram alvos de investidas de Bolsonaro ao longo do último ano.

O pagamento das parcelas de R$ 600 do auxílio emergencial, até setembro de 2020, aproximou esse eleitorado da órbita do presidente. O segmento ajudou o governo, em certa medida, a manter sua aprovação estável na pandemia e após a crise com o ex-juiz Sergio Moro, quando Bolsonaro perdeu popularidade em grupos de renda mais alta.

Os índices apresentados pelo Datafolha apontam que o presidente se agarra, agora, a uma base mais restrita. Com uma nova rodada do auxílio em valores menores, Bolsonaro não conseguiu avançar entre os mais pobres. Do outro lado, ele tem seus maiores índices de rejeição em segmentos mais ricos e com escolaridade mais alta.

Embora o presidente tenha consolidado um eleitorado fiel, ele encontra esse obstáculo em sua corrida à reeleição. Brasileiros com ensino superior completo foram alguns dos primeiros grupos a impulsionar a candidatura de Bolsonaro em 2018, abrindo caminho para sua vitória.

Agora, parte deles rejeita o presidente e parece buscar uma alternativa. Nesse segmento, Lula aparece com 30%, contra 22% de Bolsonaro, enquanto outros 36% se dividem entre os candidatos que disputam o rótulo da terceira via: Ciro Gomes (11%), Sergio Moro (10%), João Amoêdo (6%), Luciano Huck, João Doria e Luiz Henrique Mandetta (3% cada).

Esse pelotão, no entanto, não ameaça a vaga de Bolsonaro no segundo turno ou a liderança de Lula em nenhum recorte da população com peso relevante na pesquisa. Pode ser um sinal de que o eleitorado que rejeita os dois principais concorrentes não é tão numeroso quanto gostariam os demais candidatos.

Caso o cenário se cristalize como uma disputa concentrada entre Lula e Bolsonaro, a corrida vai se desenhar ao longo do próximo ano a partir dos movimentos dos dois líderes para preservar redutos, ampliar seus domínios e estimular a rejeição ao adversário.

No numeroso segmento de baixa renda, o desempenho da economia e o uso da caneta presidencial podem mexer nas curvas de intenção de voto. Ainda que os petistas enxerguem um vínculo histórico com esse grupo, a experiência do auxílio emergencial mostrou que parte dos eleitores responde rapidamente a medidas que tenham efeito direto sobre seu bolso.

As discussões no governo sobre a ampliação de despesas, os benefícios prometidos pelo presidente a categorias como caminhoneiros e o enfraquecimento da agenda de cortes do ministro da Economia, Paulo Guedes, indicam que Bolsonaro tem disposição para tomar decisões com potencial eleitoral considerável.

Além disso, auxiliares do presidente esperam que sinais de recuperação econômica e avanços na vacinação, embora extremamente lentos, possam se consolidar até 2022 e ajudar a reduzir a rejeição ao governo pela condução da resposta à pandemia da Covid-19.

A esperança dos bolsonaristas é recuperar, assim, parte do eleitorado que esteve com o presidente em 2018 e que não votaria em Lula no ano que vem. O foco da campanha seria despertar novamente o antipetismo, principalmente em segmentos da classe média e em grupos mais ricos da população.

Na visão de aliados do Palácio do Planalto, se nenhum outro candidato se mostrar competitivo até os meses finais da campanha, parte desse eleitorado poderia se aproximar de Bolsonaro por gravidade para derrotar o PT.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/lula-retoma-territorios-e-bolsonaro-se-agarra-a-base-mais-restrita-aponta-datafolha.shtml

 


Bruno Boghossian: Chefe da Anvisa escancara na CPI conduta destrutiva de Bolsonaro

Antônio Barra Torres se diz amigo de Jair Bolsonaro. Nos primeiros meses da pandemia, o presidente da Anvisa frequentava o Palácio da Alvorada e aconselhava um presidente que já fazia questão de minimizar os riscos daquela crise. Agora, com o país mergulhado na tragédia, ele reconheceu que o governo levou o país pelo caminho errado.

O depoimento de Barra Torres à CPI da Covid escancara a conduta destrutiva de Bolsonaro. A comissão já esperava colher depoimentos incômodos para o presidente entre seus desafetos, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, mas nem mesmo um amigo foi capaz de acobertar o estrago feito até aqui.

Indicado por Bolsonaro para o comando da Anvisa, o contra-almirante disse que as declarações feitas pelo presidente sobre a vacinação vão “contra tudo” o que a agência defende. “Discordar de vacina, falar contra vacina não guarda uma razoabilidade histórica”, afirmou. “Eu penso que a população não deva se orientar por condutas dessa maneira.”

Barra Torres tem mandato na Anvisa até 2024. A estabilidade no cargo deve ter garantido tranquilidade para que ele entregasse os delitos do presidente. No depoimento, o contra-almirante disse, sem meias palavras, que a cloroquina não funciona contra a Covid-19 e confirmou que o Palácio do Planalto sediou uma reunião para tentar adequar a bula do remédio aos delírios de Bolsonaro.

Embora tenha participado de uma manifestação ao lado do presidente quando o coronavírus já circulava no país, Barra Torres criticou o incentivo a aglomerações. “[Apesar] da amizade que tenho, a conduta do presidente difere da minha nesse sentido”, declarou. “Não tem nenhum sentido do ponto de vista sanitário.”

O depoimento do amigo de Bolsonaro mostrou que o governo vai ter dificuldades para controlar os estragos que podem ser produzidos pela CPI. O futuro do presidente depende cada vez mais de puxa-sacos como Eduardo Pazuello e de uma tropa de choque bem alimentada formada por políticos do centrão.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/05/chefe-da-anvisa-escancara-na-cpi-conduta-destrutiva-de-bolsonaro.shtml

 


Bruno Boghossian: Chefe da Anvisa escancara na CPI conduta destrutiva de Bolsonaro

Antônio Barra Torres se diz amigo de Jair Bolsonaro. Nos primeiros meses da pandemia, o presidente da Anvisa frequentava o Palácio da Alvorada e aconselhava um presidente que já fazia questão de minimizar os riscos daquela crise. Agora, com o país mergulhado na tragédia, ele reconheceu que o governo levou o país pelo caminho errado.

O depoimento de Barra Torres à CPI da Covid escancara a conduta destrutiva de Bolsonaro. A comissão já esperava colher depoimentos incômodos para o presidente entre seus desafetos, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, mas nem mesmo um amigo foi capaz de acobertar o estrago feito até aqui.

Indicado por Bolsonaro para o comando da Anvisa, o contra-almirante disse que as declarações feitas pelo presidente sobre a vacinação vão “contra tudo” o que a agência defende. “Discordar de vacina, falar contra vacina não guarda uma razoabilidade histórica”, afirmou. “Eu penso que a população não deva se orientar por condutas dessa maneira.”

Barra Torres tem mandato na Anvisa até 2024. A estabilidade no cargo deve ter garantido tranquilidade para que ele entregasse os delitos do presidente. No depoimento, o contra-almirante disse, sem meias palavras, que a cloroquina não funciona contra a Covid-19 e confirmou que o Palácio do Planalto sediou uma reunião para tentar adequar a bula do remédio aos delírios de Bolsonaro.

Embora tenha participado de uma manifestação ao lado do presidente quando o coronavírus já circulava no país, Barra Torres criticou o incentivo a aglomerações. “[Apesar] da amizade que tenho, a conduta do presidente difere da minha nesse sentido”, declarou. “Não tem nenhum sentido do ponto de vista sanitário.”

O depoimento do amigo de Bolsonaro mostrou que o governo vai ter dificuldades para controlar os estragos que podem ser produzidos pela CPI. O futuro do presidente depende cada vez mais de puxa-sacos como Eduardo Pazuello e de uma tropa de choque bem alimentada formada por políticos do centrão.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/05/chefe-da-anvisa-escancara-na-cpi-conduta-destrutiva-de-bolsonaro.shtml


Bruno Boghossian: Presidente é visto com desconfiança porque se orgulha de sua agenda antiambiental

Presidente é visto com desconfiança porque se orgulha de sua agenda antiambiental

Numa tarde de quarta-feira, Jair Bolsonaro enviou ao americano Joe Biden uma carta em que o Brasil se comprometia a acabar com o desmatamento ilegal até 2030. À noite, a Polícia Federal acusou o ministro do Meio Ambiente de dificultar uma operação contra a extração ilegal de madeira na Amazônia. No dia seguinte, o delegado que fez aquela investigação foi demitido.

Bolsonaro tenta convencer o mundo de que tem algum apreço pela preservação ambiental. Enquanto isso, ele mantém dentro de casa seu projeto para facilitar a devastação. O presidente pode até levar à Cúpula de Líderes sobre o Clima um discurso para tentar amenizar sua imagem de vilão internacional, mas o que se pode esperar é uma conversa para uma boiada inteira dormir.

O governo brasileiro é visto com desconfiança porque sempre se orgulhou de sua agenda antiambiental. Na campanha de 2018, Bolsonaro estudava subordinar o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura, dizia a empresários que era preciso "vencer os problemas ambientais" e prometia afrouxar fiscalizações para acabar com uma tal "indústria da multa".

O Bolsonaro que agora deve apresentar compromissos genéricos para conter a devastação é o mesmo que já disse ser impossível acabar com o desmatamento ilegal. "É cultural", teorizou, quando a Amazônia queimava. Em seu discurso na ONU no ano passado, o presidente mentiu ao fazer propaganda de uma suposta "política de tolerância zero com o crime ambiental" em seu governo.

Às vésperas do encontro do clima, o governo faz questão de manter a reputação. Nas últimas semanas, o ministro Ricardo Salles defendeu madeireiros e dificultou a aplicação de multas ambientais em ações de fiscalização. Nesta quarta (21), ele tirou a tarde para bater boca com a cantora Anitta nas redes sociais.

Bolsonaro se sentiu protegido enquanto Donald Trump esteve no poder e aceitou cultivar a fama de pária global. O jogo mudou, mas o presidente continuará a ser esse pária.


Bruno Boghossian: CPI vai apurar papel de Bolsonaro na propagação intencional do vírus

Senadores citam incentivo à imunidade de rebanho como item a ser investigado

Nas primeiras semanas da pandemia, Jair Bolsonaro mostrou que seu plano era trabalhar para que o coronavírus se espalhasse pelo país. “Como dizem os infectologistas: 60%, 70% da população será infectada, e só a partir daí nós teremos o país considerado imunizado”, disse o presidente, em abril de 2020.

Não se sabe que infectologistas eram aqueles ou de onde veio a matemática macabra, mas o incentivo à imunidade de rebanho se tornou estratégia oficial do governo. O presidente estimulou contaminações, agiu para derrubar restrições impostas para conter o vírus e atrasou uma campanha de imunização inteligente a partir da vacinação em massa.

A CPI da Covid deve se debruçar sobre o papel de Bolsonaro na propagação deliberada do vírus –já apontado numa pesquisa de Deisy Ventura, Fernando Aith e Rossana Reis, da USP. A oposição e o senador Renan Calheiros (MDB), cotado para a relatoria da comissão, citam a defesa da imunidade de rebanho como um dos itens que serão investigados.

O estímulo ao alastramento da doença foi uma opção do presidente. Em maio, o Ministério da Saúde dizia que a imunidade de rebanho não era "a melhor estratégia se você não tem vacina". Mesmo assim, Bolsonaro agiu contra medidas de contenção e insistiu no papo de que a contaminação generalizada era o caminho.

Ao estimular aglomerações, o presidente dizia que o coronavírus era "uma coisa que vai pegar em todo mundo". Depois, ao sabotar a compra de imunizantes, ele afirmou que a contaminação era a forma ideal de se proteger. "Eu tive a melhor vacina, foi o vírus. Sem efeito colateral", declarou, em dezembro. Para Bolsonaro, bastava tomar cloroquina.

Essa linha de investigação ajuda a desmontar a versão fantasiosa de que a tragédia brasileira foi provocada exclusivamente por um vírus desconhecido, que surpreendeu governantes em todo o mundo. O presidente escolheu um caminho e se manteve nele, contra todas as evidências científicas. Bolsonaro sabia muito bem o que estava fazendo.


Bruno Boghossian: Guedes perdeu a chave do cofre

Ministro acumulou adversários e aprofundou processo de esvaziamento político

Paulo Guedes nunca foi conhecido pela habilidade política. Antes de tomar posse, o ministro despertou a má vontade dos parlamentares ao sugerir que daria "uma prensa" no Congresso para aprovar suas propostas. Já no cargo, ampliou esses atritos e passou a sofrer oposição de outros integrantes do próprio governo. Agora, ele também parece ter perdido a chave do cofre.

A disputa pelo controle do Orçamento é o capítulo mais recente do processo de esvaziamento político de Guedes. Na competição por recursos e emendas, o ministro acumulou adversários dentro e fora do governo. Até aqui, a maior parte desses rivais obteve mais sucesso do que o chefe da equipe econômica.

Dependente do Congresso, o governo fez concessões aos parlamentares na distribuição da verba deste ano. Mas tudo indica que Guedes prometeu mais do que estava disposto a cumprir. O ministro abriu mão do controle de uma fatia adicional de R$ 16,5 bilhões no Orçamento, mas os deputados e senadores aumentaram esse valor para R$ 26,5 bilhões.

Emparedado, o ministro fez uma cobrança ao Congresso. Os parlamentares aceitaram recuar para os R$ 16,5 bilhões originais, mas Guedes pediu mais, sob o argumento de que o valor não cabia nas contas. Ninguém engoliu a manobra. O presidente da Câmara afirmou que o ministro "se excedeu no seu acordo".

Além de ter criado um impasse com o Legislativo, Guedes também foi obrigado a assistir ao fortalecimento de um de seus principais desafetos. Em dobradinha com o Congresso, o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) triplicou a previsão de despesas de sua pasta. O chefe da equipe econômica quer cortar parte desse ganho.

Agora, Guedes precisa convencer Jair Bolsonaro a vetar os aumentos. Ainda que consiga, o chefe da equipe econômica sai desgastado dessa novela. Depois de contratar brigas com o presidente da Câmara, o presidente do Senado, caciques do Congresso e outros ministros, ele já deve ter percebido que está em minoria.


Bruno Boghossian: Com manobra no Senado, crescem chances de CPI não dar em nada

Mudança abre caminho distrações que podem acabar poupando Bolsonaro na pandemia

A missão número um de Jair Bolsonaro era "mudar o objetivo" da CPI da Covid. Com a ajuda do Congresso, o presidente conseguiu. O Senado ampliou o foco da investigação e incluiu o dinheiro federal repassado aos estados. De quebra, parlamentares começaram a criar empecilhos para a realização das sessões. Na prática, cresceram as chances de a comissão não dar em nada.

Bolsonaristas já trabalham para que a CPI só exista no papel. O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB), quer que o colegiado só se reúna depois que a vacinação avançar. Ele espera ter o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), que era contra o funcionamento da comissão agora.

Se não for possível segurar o andamento dos trabalhos, a base governista tem outras saídas. A decisão de transformar a CPI numa investigação abrangente, como pediu Bolsonaro, abre caminho para manobras diversionistas que podem acabar poupando o presidente.

Com a ampliação de escopo, a comissão passa a incluir as ações de estados e municípios “no trato com a coisa pública” durante a pandemia. Isso significa que a CPI pode investigar praticamente qualquer despesa com verba federal em qualquer lugar do Brasil. É o suficiente para distrair senadores que não estiverem interessados em investigar Bolsonaro.

Os integrantes da CPI também ganham poder para mirar adversários políticos e desafetos. Aliados de Bolsonaro estão de olho em rivais do presidente nos estados, enquanto outros senadores, interessados em concorrer a governos estaduais em 2022, querem aproveitar para desgastar concorrentes locais. O Planalto deve se beneficiar da confusão.

A blindagem de Bolsonaro vai depender do comportamento dos 11 titulares da CPI. O governo não conseguiu escalar uma tropa de choque fiel, mas a comissão terá uma minoria de oposicionistas convictos e uma maioria de senadores do centrão ou de partidos sem alinhamento político claro. O Planalto tem muito a oferecer para esse grupo.


Bruno Boghossian: Principal alvo da CPI da Covid deve ser o negacionista-chefe

Comissão pode investigar atos com impressão digital de Bolsonaro na pandemia

No pedido de criação da CPI da Covid, senadores anunciaram a apuração de "ações e omissões do governo federal". O objeto formal da investigação não menciona nomes específicos, mas nem precisava. Parlamentares dizem que um dos propósitos centrais da comissão é expor os atos praticados diretamente por Jair Bolsonaro na pandemia.

O presidente é o negacionista-chefe da equipe que administra o morticínio, mas sua imagem permanece intacta para uma parcela da população. Ainda que a reprovação a seu trabalho tenha crescido, o esforço esdrúxulo de Bolsonaro para se desviar de responsabilidades foi suficiente para ajudá-lo a preservar o apoio de cerca de 30% de brasileiros.

A intenção de alguns dos senadores que devem participar da CPI é furar essa blindagem. Eles pretendem usar a comissão para identificar ações que estejam marcadas pela impressão digital do presidente e mostrar o impacto que elas tiveram sobre o mau desempenho do país na contenção do vírus e na vacinação.

Essa missão surgiu porque Bolsonaro é um profissional na arte de negar o que diz e se esquivar de suas obrigações. O presidente mobilizou as engrenagens de propaganda do governo para convencer a população de que nunca foi contra a vacina, embora tenha sabotado os esforços nessa direção. Além disso, inventou a tese falsa de que foi impedido pelo Supremo de fazer seu trabalho.

Na CPI, senadores querem exibir provas de que o próprio Bolsonaro trabalhou contra a compra de milhões de doses de imunizantes, desestimulou o uso de máscaras, fez uma campanha agressiva contra medidas de distanciamento e usou a máquina pública para produzir e recomendar a aplicação de medicamentos ineficazes contra a Covid-19.

O presidente reagiu mal à decisão de instalar a CPI. O senador Renan Calheiros (MDB) afirma que o presidente só deve se preocupar se tiver cometido erros: "Se Bolsonaro fez tudo certo, como diz, ele não precisa se sobressaltar. A CPI vai concluir ou não pela responsabilidade dele".


Bruno Boghossian: Supremo reconhece marca de motivação política na Lava Jato

Tribunal elenca ações de Moro e da força-tarefa que tiveram impacto na eleição

O STF não declarou apenas que Sergio Moro pisou fora das regras do processo legal. O julgamento que definiu a suspeição do ex-juiz na condução de um dos processos contra o ex-presidente Lula deixou às claras uma deformidade central da Lava Jato. O tribunal aplicou à operação a marca da motivação política.

Ao analisar a conduta de Moro, ministros do STF elencaram momentos em que a Lava Jato tomou decisões com impacto sobre o cenário político. A Segunda Turma do STF entendeu que a atuação do ex-juiz teve relação principalmente com eventos da última eleição presidencial.

Autor do voto que abriu caminho para a suspeição, Gilmar Mendes destacou algo que seria espantoso, caso não tivesse ocorrido na frente de todos: o fato de que Moro aceitou um cargo no governo de Jair Bolsonaro, candidato que se beneficiou da condenação de Lula.

Gilmar disse que a atuação do ex-juiz e da força-tarefa de Curitiba faria com que o Judiciário ficasse marcado pelo "experimento de um projeto populista de poder político". E acrescentou: "Não tenho políticos de predileção. Agora, acho que não se pode permitir fazer política por meio da persecução penal."

Com anos de atraso, os ministros enxergaram o que Moro fez à luz do dia. Ricardo Lewandowski entendeu que o ex-juiz influenciou o processo eleitoral de 2018 ao divulgar parte da delação do ex-ministro Antonio Palocci, dias antes do primeiro turno. Afirmou ainda que sua atuação foi "empreendida com nítido propósito de potencializar as chances ou, mesmo, viabilizar a vitória de candidato de sua preferência".

Já Cármen Lúcia, que se tornou o voto decisivo ao mudar de entendimento, tentou delimitar o caso. Disse que o julgamento se referia apenas a Lula e que não fazia "algum tipo de referência à Lava Jato". Ainda assim, a ministra precisou concordar com os colegas e citou a divulgação da delação de Palocci durante a campanha presidencial. Mesmo uma defensora da operação reconheceu a tonalidade política de Moro.


Bruno Boghossian: Espera inútil por moderação garante impunidade a Bolsonaro

Negacionistas da delinquência presidencial, políticos e juízes aceitam radicalismo mortífero

No penúltimo domingo de maio, Jair Bolsonaro provocou aglomeração durante um protesto contra o Congresso e o STF. Na terça, Rodrigo Maia fez na Câmara um "convite à pacificação dos espíritos". Dois dias depois, o presidente foi à portaria do Palácio da Alvorada e, aos gritos, lançou sua infame advertência ao Supremo: "Acabou, porra!".

A eterna ilusão de que Bolsonaro se tornaria um governante moderado circula há dois anos em Brasília. Na pandemia, essa fantasia ainda engana autoridades que aguardam pacientemente uma mudança de comportamento na gestão da crise. Essa esperança inútil legou ao país a tragédia impulsionada pelo radicalismo mortífero do presidente.

Rodrigo Maia não foi um negacionista da delinquência bolsonarista, mas eles estão por aí. No fim de 2020, um dos principais líderes do centrão dizia que a imagem desastrosa do governo na pandemia era "má vontade da mídia" e que o presidente havia abandonado o extremismo. "Ele notou que aquilo era um erro", disse o senador Ciro Nogueira.

Esses sócios do governo também viram sinais positivos quando Bolsonaro passou a falar bem da vacina e decidiu trocar um ministro da Saúde incompetente. Pouco depois, o presidente mostrou que não mudaria as diretrizes da gestão, voltou a defender a cloroquina e acionou o STF contra governadores que tentam conter o colapso de seus hospitais.

Ainda há quem espere mudanças. No auge da crise, o presidente do Senado disse que é hora de "sentar à mesa" e pediu "a coordenação do presidente da República". O chefe da Câmara afirmou que é preciso "evitar essa agonia e esse vexame internacional". Os dois estão atrasados.

No STF, Luiz Fux telefonou para o Planalto ao saber que Bolsonaro havia citado um cenário de estado de sítio ao ameaçar uma “ação dura” contra governadores que implantaram medidas de restrição. O autor da bravata disse que aquilo não era verdade, e o ministro se deu por satisfeito. Bolsonaro sabe que os negacionistas vão deixar por isso mesmo.


Bruno Boghossian: Aparato de intimidação de Bolsonaro reflete governo enfraquecido

Ministério persegue críticos do presidente e estimula polícias a seguir diretriz

O governo criou um aparato para perseguir críticos de Jair Bolsonaro. O Ministério da Justiça, a Polícia Federal, o Ministério da Educação, a Controladoria-Geral da União e polícias locais já foram atrás de gente que chamou o presidente de genocida ou de "pequi roído". Não é coincidência, é doutrina.

A política oficial desceu dos gabinetes de Brasília para os quartéis. Nesta quinta (18), um grupo foi detido pela Polícia Militar da capital por estender um cartaz que criticava Bolsonaro e o associava a uma suástica. Os agentes viram uma ameaça à segurança nacional e levaram os manifestantes para a Polícia Federal. Eles foram liberados porque o delegado viu o óbvio: não havia crime.

As polícias locais não têm competência para investigar infrações à ordem política e social, como as previstas da Lei de Segurança Nacional. Ainda assim, outras autoridades nos estados passaram a lançar acusações contra críticos de Bolsonaro.

No Rio, a Polícia Civil intimou o youtuber Felipe Neto por ter se referido ao presidente como genocida. A juíza Gisele Guida de Faria reconheceu que um delegado estadual não poderia abrir o caso e mandou suspender a investigação.

A inspiração partiu do Ministério da Justiça. A pasta já acionou a Polícia Federal para investigar jornalistas, advogados e outros críticos do presidente. Num dos casos, o ministro André Mendonça ficou incomodado com o autor de um outdoor em Palmas que dizia que Bolsonaro valia menos do que um "pequi roído".

Boa parte desses procedimentos deve ser barrada na Justiça ou acabar numa gaveta, mas o objetivo não é levar a investigação adiante. A ideia é acuar os críticos de Bolsonaro e estimular a polícia dos estados a seguir essa diretriz, mesmo que cometa abusos no caminho.

A campanha reflete a essência autoritária do bolsonarismo, que busca um dispositivo da ditadura para calar desafetos. Mas o movimento também revela o medo de um governo fragilizado. Nenhum presidente forte precisa intimidar seus críticos.