Brasil [América do Sul]

Eugênio Bucci: O Supremo entre a imagem e a palavra

A superexposição banaliza a reputação dos ministros e fragiliza a casa da Justiça

No domingo passado, num seminário fechado em Ilhabela – sobre democracia e Judiciário –, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, anunciou que, a partir de agora, a instituição que ele comanda deverá pautar-se pelo recolhimento. Sua palestra foi cadenciada e serena: “É hora de o Judiciário se recolher. É preciso que a política volte a liderar o desenvolvimento do País.” Toffoli tem absoluta razão no que preconiza. Cumpra-se.

Todo mundo já percebeu que o excesso de exposição trouxe danos sérios para o prestígio (e para a autoridade) do STF. Danos para o STF, todo mundo também sabe, são danos para a normalidade do Estado de Direito e para a expectativa de justiça que cada brasileiro nutre (ou não nutre mais) no seu coração. Quando os ministros da Suprema Corte figuram como celebridades em programas de auditório, talk shows e revistas de gente famosa, algo está fora de ordem. A Justiça parece estar fora de lugar.

Todo mundo percebeu igualmente que essa visibilidade de pop star em torno de cada um (uma) dos (das) 11 integrantes do Supremo só vem servindo para amplificar, muito mais do que os egos de cada um (e de cada uma), a vulnerabilidade da instituição diante da fúria popular (e da falsa fúria dos incendiários oportunistas). Se os ministros e as ministras se prestam – inadvertidamente – ao papel de protagonistas de um teatro de gosto suspeito (como a troca de ofensas escabrosas, no horário nobre da televisão, durante sessões do plenário), oferecem-se – involuntariamente – para ouvir impropérios de qualquer um em qualquer lugar público.

Por vezes, os membros da cúpula do Judiciário – certamente sem se dar conta – estampam cenas de um realtity show macabro. Ato contínuo, o povo, que hoje se diverte nas redes sociais dirigindo insultos contra políticos, jogadores de futebol e atrizes de telenovela, acha que pode tratar com os mesmos maus modos os magistrados da Suprema Corte. O clima vai pesando. Há campanhas irracionais pelo “impeachment” do STF nas redes sociais. Está mais do que evidente que o ciclo de superexposição se voltou contra os superexpostos, banalizando a reputação dos ministros e fragilizando a casa da Justiça.

O que nem todo mundo percebeu, ao menos no Brasil, é que há uma incompatibilidade intransponível entre a natureza da função de julgar e a natureza dos holofotes da indústria do entretenimento e da imprensa sensacionalista. A cultura política brasileira não se deu conta desse fato elementar. Não é por acaso que os ritos e os protocolos da magistratura, em qualquer sociedade, primam pelo recolhimento. No Brasil, entretanto, até mesmo as sessões do pleno do Supremo passaram a ser transmitidas pela televisão – e ao vivo. É como se as excelências acreditassem que as câmeras são neutras e inertes. É como se acreditassem que um juiz pode ser habitué de colunas sociais e, ao mesmo tempo, imprimir aos seus julgamentos a marca inquestionável da isenção e da impessoalidade. Essa crença mora na raiz do problema – e o problema, infelizmente, não foi compreendido.

Os caminhos pelos quais a letra de lei se derrama sobre o mundo cotidiano (ou, em termos menos abstratos, os caminhos da aplicação da lei) pertencem ao domínio da palavra (pensamento, razão), não ao domínio da imagem (emoções imaginárias). A Justiça, para ser perceptível, identificável, reconhecida e acessível, depende de juízes que sejam discretos e recolhidos – juízes que não atuem para roubar a cena. Quando o juiz aparece em demasia, a entidade da Justiça some da vista. A única forma de que a Justiça dispõe para se fazer presente é o trabalho de juízes sem carisma – juízes recolhidos e competentes (em pelo menos dois sentidos).

A toga, a propósito, simboliza exatamente isso: ela barra o corpo físico daquele que julga e sobre ele faz descer o manto da vontade da lei. A toga indica – ou deveria indicar – que ali não está em cena uma subjetividade eivada de paixões, idiossincrasias e vaidades, mas apenas os desígnios impessoais da lei. Hoje se nota, contudo, que a toga em voga no Supremo mais parece uma capa de Batman ou de Darth Vader. Aí, a veste talar, cujo papel simbólico seria ocultar a pessoa como forma de interditar o personalismo, serve antes para emoldurar, para enfeitar a silhueta do meritíssimo.

O que dizer, então, da TV Justiça? Muita gente de boa vontade sustenta que ela trouxe mais transparência aos atos do Judiciário. Eu mesmo já me alistei nessas fileiras. Em 2002, quando a TV Justiça estreou, eu afirmava que ela representaria para a Justiça no Brasil do século 21 o que o Concílio Vaticano II representou para a Igreja Católica no século 20: obrigaria a autoridade a parar de falar latim. Para serem compreendidos os julgadores teriam de tentar falar a língua do povo, o que seria positivo. Bem, era nisso que eu apostava e, digamos, parece que eu estava parcialmente errado (o que, de vez em quando, muito de vez em quando, acontece). Há coisas boas na TV Justiça, claro, mas, se a palavra de ordem é mesmo recolhimento, valeria repensar tudo isso.

O que o Brasil vai cobrar do seu Judiciário não passa nem perto de qualquer modalidade de estrelato. A nossa democracia espera de seus juízes que eles assegurem a vigência dos direitos fundamentais e saibam fazer valer os freios constitucionais contra o arbítrio. Para tanto eles terão de firmar padrões jurisprudenciais menos erráticos e prestigiar as decisões colegiadas sem tanto apego (egoico) às monocráticas. Só assim, pela letra da lei e pela impessoalidade, a Justiça vai aparecer como precisa. É nesse sentido que a Justiça depende do recolhimento dos seus agentes. No universo da Justiça (que é o universo do simbólico), uma palavra vale mais que mil imagens.

* Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP

 


Pedro de Camargo Neto: Embrapa em alerta!

Tomar para si o sucesso da agropecuária do País talvez tenha sido o que mais a prejudicou

Neste mesmo espaço, com o título Por favor, Embrapa: acorde!, o pesquisador Zander Navarro incitou o debate sobre o investimento público em pesquisa agronômica realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Apresentou diversas questões pertinentes, cujo debate público e aberto com a sociedade em geral, e não só com seus pares ou os mais diretamente envolvidos tanto academicamente como na prática, pode contribuir para o avanço das ideias. A troca de ideias é o fundamento para o aprofundamento do conhecimento.

Muitos dos desafios que a Embrapa enfrenta hoje não são muito diferentes de inúmeras outras instituições públicas. Decidir sobre a alocação de recursos entre centenas de projetos, todos apresentados como prioritários; avaliar resultados de pesquisas, bem como o desempenho de seus 10 mil funcionários em 47 centros espalhados pelo País; evitar corporativismos, prestigiando a meritocracia; incentivar o diálogo, permitindo que do debate as melhores ideias prosperem – isso seria o dia a dia de qualquer gestor.

A Embrapa não é uma universidade, embora seja essencial que esteja próxima de todas. Pesquisa aplicada é diferente e complementa a pesquisa pura. Seu método de avaliação é também diferente da pesquisa acadêmica. A governança de alocação de recursos e avaliação de resultados precisa incorporar a vinculação com a prática.

Em minha atividade profissional, embora longe da pesquisa, sou usuário de seus resultados. Já avaliava que a Embrapa se havia tornado uma instituição burocrática e com poucos resultados práticos. Vivia de um passado de bons resultados para alguns produtos. Embora tenha centros de pesquisa para as diversas produções, nem sempre sua pesquisa tem grande relevância para os produtores.

O sucesso da agropecuária, que inclui significativos aumentos de produtividade agronômica, não pode ser atribuído só à Embrapa. A participação de inúmeras empresas privadas, nacionais e multinacionais, teve importante relevância.

Tomar para si o sucesso da agropecuária brasileira talvez tenha sido o que mais a prejudicou. Não se trata de negar valor à Embrapa. É um orgulho nacional. Teve, e ainda tem, um quadro profissional de excelência. Teve profissionais dedicados e intimamente vinculados ao campo. Mas não se deve exagerar. A prestação de contas sobre sua relevância para a sociedade deixou de ser uma preocupação interna, pois estaria acima de qualquer dúvida. Protegida por essa aura, burocratizou-se, perdeu agilidade, isolou-se em sua suposta indiscutível competência.

Enfrentamos hoje um momento de inflexão. A rapidez com que os avanços tecnológicos, em todos os setores, ocorrem é surpreendente. Precisamos estar muito atentos. Manter a competitividade da agropecuária continuará a ser um grande desafio, maior do que foi no passado. Produzir mais e melhor, dentro de um ambiente extremamente competitivo e com a pressão das transformações ambientais e econômicas globais, não será tarefa fácil.

Mesmo com uma empresa pública eficiente e revigorada, os avanços virão de todos os cantos, principalmente do setor privado. O desafio incluirá articular e induzir o setor nacional a ocupar esses espaços.

A biotecnologia produz resultados inimagináveis, gostemos ou não, com investimentos cada dia menores, muito menores, e numa velocidade que qualquer burocracia terá dificuldade de acompanhar. Certamente, a da Embrapa não acompanha. O Brasil demorou para incorporar a biotecnologia, registre-se, não por culpa da Embrapa. Mas hoje a empresa vem sendo incapaz de apoiar e induzir a criatividade de nossos pesquisadores e facilitar empreendedores, aí, sim, tarefa para uma empresa pública.

A nanotecnologia representa um futuro ainda pouco nítido, porém com a certeza de que estará presente e com a capacidade de resultados impressionantes. A tecnologia digital, acoplada à de georreferenciamento, acelera sua incursão no setor agropecuário, com automatização de inúmeras atividades. Sensores, drones, robôs, processamento de megadados, acesso a satélites, a precisão de milímetros onde eram metros transformam a atividade produtiva e o produtor. Como exemplo, entre os três destaques da participação, esta semana, do presidente norte-americano, que pela primeira vez compareceu ao congresso anual da American Farm Bureau Federation, entidade de agricultores, foi o anúncio de investimento em infraestrutura em rede de internet, banda larga, no meio rural. Os outros dois destaques, de igual nível de importância, foram a questão tributária e de trabalhadores imigrantes.

Os equipamentos que serão utilizados estão hoje sendo inventados, e numa velocidade surpreendente. Não saberia dizer o que será o futuro. O futuro de alguns poucos anos.

Precisamos da Embrapa. O artigo do pesquisador aqui citado tem o mérito de expor, e oferecer destaque, à sociedade em geral para os desafios que precisarão ser enfrentados. Desafios difíceis de ser alcançados e que exigirão o esforço de todos, a ser construído em amplo e aberto debate. Recebeu, infelizmente, como resposta, sua demissão. Demitido por publicar um artigo expondo à sociedade questões extremamente pertinentes. Artigo que, como qualquer outro, contém sua visão, certamente não a única, e que deve participar com as demais visões da construção do futuro. Não teria seguido as normas internas e os canais de diálogo. Teria infringido o código de ética da empresa. A Embrapa entendeu não ser necessário contestar publicamente os argumentos do autor. Julgou que, como funcionário, não teria o direito de expor publicamente suas críticas.

A empresa é pública. O pesquisador é funcionário público. Os canais internos claramente não deram resposta a contestações que, antes de serem dele, são de todos nós, principalmente nós agricultores e pecuaristas. O debate precisa também ser público.

A reação da empresa com a sumária demissão do pesquisador, na rapidez em que ocorreu, horas após a publicação do artigo, é inadmissível. Nossas cultura e instituições democráticas não aceitam esse tipo de reação.

* Pedro de Camargo Neto foi presidente da Sociedade Rural Brasileira

 

 

 


FHC: Quais os rumos do País?

Se não organizarmos já um polo democrático, podemos ver no poder quem não sabe usá-lo

Quando ainda estava na Presidência, eu dizia que o Brasil precisava ter rumos e tratava de apontá-los. Nesta quadra tormentosa do mundo, cheia de dificuldades internas, sente-se a falta que faz ver os rumos que tomaremos.

Com o fim da guerra fria, simbolizado pela queda do Muro de Berlim, em 1989, tornou-se visível o predomínio dos Estados Unidos. Desde antes do final da guerra fria, por paradoxal que pareça, em pleno governo Nixon – do qual Henry Kissinger era o grande estrategista – começou uma aproximação do mundo ocidental com a China. Com a morte de Mao Tsé-tung e a ascensão de Deng Xiaoping, os chineses puseram-se a introduzir reformas econômicas. Iniciaram assim, ao final dos anos 1970, um período de extraordinário crescimento. A partir da virada do século passado, o peso cada vez maior da China na economia global tornou-se evidente. No plano geopolítico, porém, os chineses buscaram deliberadamente uma ascensão pacífica, escapando à “armadilha de Tucídides” (a de que haverá guerra sempre que uma nova potência tentar deslocar a dominante).

Enquanto a China não mostrava todo o seu potencial econômico e político, tinha-se a impressão de que o mundo havia encontrado um equilíbrio duradouro, sob a Pax Americana. A Europa se integrava, os Estados Unidos e boa parte da América Latina se beneficiavam do comércio com a China e a África aos poucos passava a consolidar a formação de seus Estados nacionais. As antigas superpotências, Alemanha e Japão, desde o fim da 2.ª Guerra Mundial haviam adotado a “visão democrático-ocidental”. No início do século 21 apenas a antiga União Soviética, transmutada em República Russa, ainda era objeto de receios militares por parte das alianças entre os países que formaram a Otan. Como ponto de inquietação restava o mundo árabe-muçulmano.

Na atualidade, o quadro internacional é bem diferente. Com a “diplomacia” adotada por Trump, a Coreia do Norte desenvolvendo armas atômicas, as novas ambições da Rússia, as tensões nos mares da China e o terrorismo, há temores quanto ao que virá pela frente. Os japoneses veem mísseis atômicos coreanos passar sobre sua cabeça, os chineses fazem-se de adormecidos, o Reino Unido sai da União Europeia, os russos abocanham a Crimeia e os americanos vão esquecendo o Acordo Transpacífico (TPP, ou Trans Pacific Partnership Agreement), abrindo espaço à expansão da influência dos chineses na Ásia e deixando perplexos os sul-americanos que faziam apostas no TPP. Também perplexos estão os mexicanos, ameaçados pela dissolução do Nafta, outro dos alvos de Trump. A inquietação americana pode aumentar pelas consequências da política chinesa de construir uma nova rota da seda, ligando a China à Europa através da Ásia e do Oriente Médio, bem como pela aproximação entre Pequim e Moscou.

É neste quadro oscilante que o Brasil precisa definir seus rumos. Toda vez que existem fraturas entre os grandes do mundo se abrem brechas para as “potências emergentes”. Há oportunidades para exercermos um papel político e há caminhos econômicos que se abrem. Não estamos atados a alianças automáticas e, a despeito de nossas crises políticas, nossos erros e dificuldades, estamos num patamar econômico mais elevado que no tempo da guerra fria: criamos uma agricultura moderna, somos o país mais industrializado da América Latina e avançamos nos setores modernos de serviços, especialmente nos de comunicação e financeiros. Podemos pesar no mundo sem arrogância, reforçando as relações políticas e econômicas com nossos vizinhos e demais parceiros latino-americanos.

Entretanto, nossas desigualdades gritantes são como pés de chumbo para a formação de uma sociedade decente, condição para o exercício de qualquer liderança. As carências na oferta de emprego, saúde, educação, moradia e segurança pública ainda são obstáculos a superar.

Pelo que já fizemos, pelo muito que falta fazer e pelas oportunidades que existem, há certa angústia nas pessoas. A confusão política, o descrédito de lideranças e partidos, se expressa na falta de rumos. A opinião pública apoia os esforços de moralização simbolizados pela Lava Jato, mas quer mais. Quer soluções para as questões sociais básicas, e também para os desafios da política, que precisam ser superados, caso contrário o crescimento da economia continuará baixo e a situação social se tornará insustentável. O Congresso, por fim, aprovou uma “lei de barreira” e o fim das coligações nas eleições proporcionais. Foram passos tímidos, na forma como aprovados, mas importantes para o futuro, pois levarão à redução do número de partidos, com o que se poderá obter maior governabilidade e talvez menos corrupção.

Entretanto, quem são os líderes com a lanterna na proa, e não na popa? A crer nas pesquisas de opinião, os políticos mais cotados para vencer as eleições em 2018 mais parecem um repeteco do que inovação, embora haja entre alguns que estão na rabeira das pesquisas quem possa ter posições mais condizentes com o momento. E boas novidades podem emergir. Alguns dos que estão à frente ainda insistem em suas glórias passadas para que nos esqueçamos de seus tormentos recentes, e pouco dizem sobre como farão para alcançar no futuro os objetivos que eventualmente venham a propor.

Se não organizarmos rapidamente um polo democrático (contra a direita política, que mostra suas garras), que não insista em “utopias regressivas” (como faz boa parte das esquerdas), que entenda que o mundo contemporâneo tem base técnico-científica em crescimento exponencial e exige, portanto, educação de qualidade, que seja popular, e não populista, que fale de forma simples e direta dos assuntos da vida cotidiana das pessoas, corremos o risco de ver no poder quem dele não sabe fazer uso ou o faz para proveito próprio. E nos arriscamos a perder as oportunidades que a História nos está abrindo para ter rumo definido.

*SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA.

 

 

 


Rubens Barbosa: Profissão: político

A profissionalização gera crescentes riscos para o exercício dos mandatos

O episódio lamentável da ocupação da Mesa Diretora do Senado – que serviu até de mesa de almoço – por senadoras que se opunham à aprovação da reforma trabalhista, contra todos os princípios de comportamento parlamentar, levou-me a reflexão sobre a atuação dos políticos na sociedade brasileira. Certamente, as nobres senadoras desconhecem uma das regras básicas na política, recomendada pelo cardeal Mazarino, homem público contemporâneo de Luís XIV, em seu Breviário dos Políticos, segundo a qual “é perigoso ser muito duro nas ações políticas”. A arte da política, como ensinou Maquiavel, consiste em organizar e superar as divergências entre partidos e pessoas, sem o que reinarão o conflito e a anarquia.

Max Weber, sociólogo alemão, assinalou que os políticos vivem “de” e “para” a política e que ela é não só uma vocação, mas também uma profissão. Uma vez entrando na política, são raros os que dela se afastam. Essa situação não existia na democracia ateniense. A regra era o sorteio, e não a eleição dos cidadãos, havia uma rotação de funções e as responsabilidades passavam de um cidadão para outro. Em alguns países essa situação ainda existe. Na Suécia, por exemplo, a renovação é de 40% e muitos dos que entram para a política depois retornam a suas atividades privadas.

Voltando para a nossa triste realidade, não surpreende que nas pesquisas de opinião pública aqui realizadas nos últimos anos seja justamente a classe política o grupo menos considerado pela sociedade. Há uma crise de representatividade. O grito das ruas é eloquente: “Eles não me representam”.

Como explicar o comportamento anárquico, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, durante as discussões e votações de matérias de grande interesse para cada cidadão e para o País, por serem reformas modernizadoras que vão permitir ao Brasil acompanhar as tendências num mundo em fase de grandes mudanças?

A política no Brasil virou profissão no mau sentido. Na França o novo presidente, Emmanuel Macron, classificou a política como um “negócio de profissionais convictos”. Pelo que estamos vendo nos fatos apurados na Operação Lava Jato, a palavra negócio ganha uma atualidade impressionante.

No Brasil, é difícil reconhecer na maioria dos políticos as três qualidade do homem público lembradas por Max Weber: paixão, no sentido próprio de realizar; sentimento de responsabilidade, cuja ausência os leva a só gozar o poder pelo poder, sem nenhum propósito positivo; e senso de proporção, a qualidade psicológica fundamental do político.

A profissionalização da política causa crescentes riscos ao exercício de mandatos, seja no Executivo, seja no Legislativo. A defesa das prioridades partidárias e de seus próprios interesses leva os políticos em geral a atuar deixando de lado o interesse nacional e o bem comum. De forma crescente, os interesses corporativos passam a dominar os objetivos da classe política, como temos podido observar nos últimos tempos. Além disso, com o crescimento da economia o Brasil mudou de escala e as oportunidades de negócios se tornaram muito atraentes, como vimos nos escândalos da Petrobrás. Regras instáveis para as eleições, para o financiamento das campanhas, para a criação e o funcionamento dos partidos, entre outros aspectos, levam à confusão entre o público e o privado e à defesa de interesses pouco republicanos. Aumenta o fosso entre o governante e o governado, cai o nível cultural e instala-se a corrupção.

Como justificar a permanência na vida política por tanto tempo? Muitos apontam para a complexidade das matérias em pauta e a necessidade de conhecimentos jurídicos, econômicos e outros que facilitariam a discussão de temas especializados. Historicamente, a política iniciou-se como uma atividade reservada à chamada elite rural e urbana e houve momentos em que só participavam dela os alfabetizados e os que tinham certo nível de renda. A democratização da vida política foi muito positiva, mas provocou distorções que hoje afastam muitas vocações da militância partidária e abre espaço para políticos que roubam para o partido, como assinalou o juiz Sergio Moro. Há um apego aos mandatos porque a profissão política oferece vantagem material e retribuição simbólica (sem falar narcisista) de grandeza, autoestima, capacidade de sedução e do “sabe com quem está falando”... O índice de renovação nas eleições proporcionais para o Congresso é muito baixo, embora esteja crescendo (43% no último pleito). A longa presença dos políticos na vida pública, com sucessivos mandatos (há mais de 15 deputados com mais de seis mandatos e alguns com mais de 30 anos na Câmara), torna-se regra, agora ampliada pela eleição de membros da mesma família (mulheres, filhos e outros parentes).

A França, depois a última eleição presidencial, está discutindo reformas institucionais que merecem ser acompanhadas pelos que se interessam pelo aperfeiçoamento dos costumes políticos. Macron propôs na campanha ampla reforma institucional. Eleito chefe de Estado, propôs algumas medidas visando a reduzir a acumulação de cargos: os parlamentares não podem exercer mandato nas Casas do Congresso e ao mesmo tempo ser nomeados para cargos no Executivo. Em discurso perante os parlamentares, ousou propor a redução do número de deputados e senadores em um terço e a reeleição a, no máximo, três mandatos. Se os políticos não aprovarem essas medidas, anunciou que vai convocar referendo para que o povo decida.

Eis uma agenda política que, se aplicada no Brasil, mudaria o cenário nacional e melhoraria a percepção dos eleitores quanto à representatividade e à importância da renovação política. Procura-se candidato, com coragem, para enfrentar esse desafio na eleição de 2018.

*Rubens Barbosa é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior