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Bolsonaro afirma que Lula 'não tem mais futuro'

Presidente disse que não se preocupa com candidaturas de petista e de Sergio Moro

André de Souza e Daniel Gullino / O Globo

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "não tem mais futuro" e que "passou" o tempo do PT. Bolsonaro disse que está disposto a debater com Lula e declarou que não se sente ameçado pela pré-candidatura do petista, nem pela do ex-juiz Sergio Moro (Podemos).

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Lula lidera as pesquisas eleitorais e Moro aparece em terceiro lugar, atrás de Bolsonaro. As declarações do presidente foram feitas em entrevista ao Portal Correio, da Paraíba.

— Não tem mais futuro o ex-presidente. Acabou a vida... — disse Bolsonaro. — Passou (o tempo do PT). Foi marcado muito por corrupção na Petrobras, Correios, em tudo quanto é lugar, o loteamento, um descaso com a coisa pública.

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O presidente afirmou que não vê problemas em debater com Lula:

— Eu não estou preocupado com isso. Se me preocupar com isso, não durmo. A gente vai para debate? Vai. Quero debater com Lula sem problema nenhum.

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Em outro momento da entrevista, Bolsonaro já havia dito que a pré-candidatura de Sergio Moro, seu ex-ministro da Justiça, não é uma ameaça:

— De jeito nenhum. Não estou preocupado com isso. O povo que escolha o melhor.

Na mesma entrevista, Bolsonaro disse que seu processo de filiação ao PL "está praticamente resolvido" e que deve conversar com o presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, "nos próximos dias". A negociação foi dificultada por divergências nos palanques estaduais.

— Está praticamente resolvido. Eu converso com ele nos próximos dias. Está quase fechado. Mas, na política, só está fechado depois que fecha.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/bolsonaro-afirma-que-lula-nao-tem-mais-futuro-1-25288767


Celso Ming: O Brasil não está quebrado. Está sem rumo

Percepção manifestada pelo presidente Bolsonaro não é compartilhada pelo mercado financeiro, o disjuntor mais sensível em situações de inadimplência

Se o presidente Bolsonaro não pode fazer nada, como disse, “porque o País está quebrado”, então, para começar a fazer alguma coisa, ele tem de consertar o País.

Ele aponta duas causas da quebra: o novo coronavírus, que paralisou a atividade econômica e derrubou a arrecadação em 2020; e a “mídia sem caráter, que potencializou a covid-19”.

Sobre o diagnóstico de que o País está quebrado, não há o que acrescentar ao que seu próprio ministro da Economia e economistas independentes já disseram. 

A percepção manifestada pelo presidente não está sendo compartilhada pelo mercado financeiro, o disjuntor mais sensível a cair ao primeiro curto-circuito produzido por situações de inadimplência. Não há corrida ao dólar; o índice de risco Brasil medido pelo Credit Default Swap de 5 anos (CDS5) está em queda, como mostra o gráfico; e a Bolsa vive seu momento de pico. Além dos US$ 356 bilhões em reservas externas, a balança comercial apresentou superávit de US$ 50 bilhões em todo o ano de 2020. Portanto, as contas externas não preocupam.

Há, sim, um rombo de R$ 651 bilhões contabilizado nas contas públicas em 2020, que pode comprometer o futuro. A dívida pública deve ter terminado o ano passado nos 93,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e avança rumo aos 100% do PIB (veja o gráfico). Esse rombo poderia ser coberto ou reduzido com três providências: com uma estratégia confiável de retomada da economia; com o encaminhamento das reformas administrativa e tributária; e com mais competência na administração dos recursos do setor público. Mas o governo não se move nessa direção.

É verdade que a pandemia de covid-19 produziu enorme estrago no mundo e também por aqui. Foi ela a causa da queda do PIB do Brasil, próxima dos 4,5% em 2020. Mas a depressão foi menor do que o projetado em abril e maio, o tal recuo de 9,5%.

Se o novo coronavírus foi a causa principal da quebra apontada por Bolsonaro, então seria de esperar que seu governo montasse um aparato destinado a combatê-lo. Não foi o que se viu. Até agora, Bolsonaro insistiu em negar a gravidade da pandemia e chegou a tratá-la como “gripezinha”. Para ele, não havia o que fazer para enfrentar a pandemia além de levar a população a tomar cloroquina. Era deixar que as leis de Darwin e as reações espontâneas do sistema imunológico dos brasileiros começassem a funcionar, supostamente até alcançar a polêmica imunização de rebanho. 

Foi essa postura negacionista que deixou o País despreparado para as vacinas que vêm vindo aí. Quando, finalmente, o Ministério da Saúde, comandado por um “especialista em logística”, entendeu que seria preciso correr atrás dos suprimentos, ficou tarde demais. Na atual marcha das estatísticas, até fevereiro, o Brasil terá contabilizado pelo menos 200 mil mortes.

Os países avançados já haviam se adiantado para garantir seus suprimentos de vacina e de tudo o que a acompanha: pessoal, equipamentos de conservação, seringas e tudo o mais. Até mesmo países mais pobres do que o Brasil começaram a vacinar sua população, como é o caso da Argentina, da Índia, do México e do Chile.

Se Bolsonaro estivesse correto e se a principal causa da suposta quebra do Brasil fosse mesmo a pandemia, pela mesma lógica, seria preciso admitir que a omissão do governo em combatê-la terá sido causa equivalente. Se se recusam a combater um incêndio, os bombeiros também são causa e têm de ser responsabilizados por ele.

A alegação de que a “mídia sem caráter” ajudou a afundar o País não merece consideração.

Bastam as contradições do presidente para mostrar como o País está sem rumo e sem liderança.


Quem é o profissional do futuro com novas formas de trabalho? Dora Kaufman explica

Em artigo publicado na revista da FAP de dezembro, pesquisadora da USP cita habilidades imprescindíveis

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A pesquisadora de impactos sociais da Inteligência Artificial Dora Kaufman diz que a crise socioeconômica provocada pela Covid-19 tornou visível a premência da sociedade em enfrentar desafios cruciais. “As mudanças na prática de negócios, provavelmente, consolidarão formas totalmente novas de trabalhar”, afirma ela, que é doutora em mídias digitais pela USP (Universidade de São Paulo), em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!

Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Segundo Dora, as primeiras evidências sugerem que os empregadores devem acelerar a automatização, ampliando a possibilidade de uma ‘recuperação sem empregos’. “Além do deslocamento do mercado de trabalho, em paralelo, emerge inédita forma de relacionamento homem-máquina que demanda novas habilidades dos profissionais”, diz.

Em seu artigo na revista Política Democrática Online, a pesquisadora também afirma que documentos de políticas públicas de distintos países contemplam o desenvolvimento de habilidades como estratégico. “O profissional do futuro irá lidar com questões complexas e multidisciplinares, que requerem, além de conhecimentos técnicos, habilidades de lógica, análise crítica, empatia, comunicação e design”, explica.

De acordo com Dora, é um equívoco, amplamente difundido, considerar a automação ameaça apenas aos trabalhadores com baixa qualificação, que tendem a desempenhar tarefas rotineiras e repetitivas. “O avanço acelerado das tecnologias – particularmente os algoritmos preditivos de inteligência artificial – substituirá igualmente as funções cognitivas. A qualificação e requalificação dos profissionais é crítica para evitar o cenário de desemprego em massa e aumento da desigualdade”, alerta.

Ela cita, em seu artigo, relatório do Fórum Econômico Mundial, publicado em 21 de outubro de 2020, que analisa o cenário atual do trabalho impactado por “dupla interrupção”: a pandemia causada pela Covid-19 e o avanço da automação. Seu pressuposto, explica, é que o desenvolvimento e o aprimoramento das habilidades e capacidades humanas por meio da educação e aprendizagem são os principais motores do sucesso econômico, do bem-estar individual e da coesão social. “A escassez de habilidades e de competências compromete a capacidade das empresas de aproveitar o potencial de crescimento proporcionado pelas novas tecnologias”, pondera.

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‘STF é um dos pilares da estrutura democrática, mas tem problemas’, diz João Trindade Filho

Em artigo publicado na revista da FAP de dezembro, constitucionalista cita casos em que a Corte evitou negacionismo do governo federal

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Consultor Legislativo do Senado Federal, o advogado João Trindade Cavalcante Filho afirma que o STF (Supremo Tribunal Federal) é um dos pilares da estrutura democrática brasileira, mas aponta problemas. “Decide causas demais, os ministros dão muitas decisões monocráticas, a Corte poderia e deveria ter uma jurisprudência mais estável, previsível, além de precisar, de tempos em tempos, praticar as ‘virtudes passivas’”, analisa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro. 

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!

Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. “No combate à pandemia, ao reforçar a descentralização política e assegurar o poder de governadores e prefeitos definirem as medidas sanitárias, o Tribunal evitou que o negacionismo do governo federal deixasse ainda mais mortos do que os mais de 180 mil atuais”, disse. 

Em outras ocasiões, de acordo com a análise publicada na revista Política Democrática Online, postou-se em defesa de minorias. “Foi o caso da ADO nº 26, quando decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia. Porém, tal decisão é ambígua”, diz. “Reforçou a defesa de grupos minoritários, mas, ao estabelecer um crime sem lei anterior que o defina, vulnerou um princípio milenar do direito penal (a legalidade). Teria sido melhor para Corte e para a democracia que se tivesse utilizado da técnica do ‘apelo ao legislador’”, sugere. 

Houve outras situações em que o papel concreto do STF não foi tão positivo para a democracia, segundo o advogado, que também é mestre e doutorado em Direito Constitucional. “A Corte acaba de decidir sobre a impossibilidade de reeleição dos presidentes das casas legislativas dentro da mesma legislatura. Não deveria haver qualquer dúvida de que o artigo 57, § 4º, da CF, diz o que efetivamente busca dizer”, afirma. “Permitir a reeleição dos dirigentes das casas legislativas por conta do reconhecido papel que desempenharam parece uma espécie de ‘casuísmo do bem’”, observa.

No entanto, ressalta o consultor do Senado, mesmo os que votaram pelo respeito à literalidade do texto constitucional não o fizeram todos por respeito à Constituição, mas sim – alguns – por pressão da opinião pública.

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Bruno Carazza: O antes e o depois de Bolsonaro

Coronavírus marca o fim da primeira fase do governo

James Carville é um consultor político que em 1992 assessorou Bill Clinton na disputa pela Presidência dos EUA, então ocupada por Bush pai. Reza a lenda que Carville afixou numa das paredes do comitê de campanha um cartaz com três lembretes para que o candidato democrata não perdesse o foco durante os debates. Diziam eles: “Não se esqueça do sistema de saúde”, “Mudança vs Mais do Mesmo” e “A economia, estúpido”.

Muito antes de Carville, economistas e cientistas políticos já estudavam as íntimas relações entre a política econômica e seus impactos nas urnas. Políticos normalmente se esquecem disso, mas além de eleitores, somos empregados, empresários, profissionais liberais ou aposentados. E percepções sobre crescimento, desemprego e inflação afetam nossas decisões de votar tanto ou mais do que preferências ideológicas ou inclinações por este ou aquele candidato.

William Nordhaus, vencedor do prêmio Nobel de economia em 2018, lançou em 1974 a hipótese de que políticos são tentados a se valer da política econômica como estratégia para se reelegerem ou fazerem seus sucessores. De acordo com sua teoria dos ciclos político-econômicos, governantes tendem a adotar políticas restritivas no início do governo, aprovando reformas e apertando o cinto das despesas enquanto sua popularidade está alta. À medida em que o mandato se aproxima do fim, é hora de afrouxar as rédeas e expandir os gastos e o crédito, apostando que o crescimento dos empregos e dos lucros lhes trarão mais votos.

Em 2018, ao se colocar à disposição de Bolsonaro para ser o seu Posto Ipiranga, Paulo Guedes prometeu mundos e fundos. Com números espetaculosos, convenceu o ex capitão de que valeria a pena apoiar um programa amargo de reformas no primeiro ano de governo (Previdência, privatizações e cortes de despesas), pois dali em diante os investimentos iriam bombar e o crescimento, deslanchar.

Seguindo a receita de bolo do ciclo econômico-eleitoral, Guedes persuadiu Bolsonaro de que as medidas liberais se reverteriam em uma fácil reeleição em 2022.

No entanto, o mesmo antigo compositor baiano que dizia que “tudo é divino, tudo é maravilhoso” também nos alertava que “a vida é real e de viés”. E se no início do ano, quando tudo parecia tranquilo, Bolsonaro já estava incomodado com a demora de Guedes em entregar os resultados prometidos, a pandemia causada pelo novo coronavírus torna ainda menos provável que os planos de Guedes se concretizarão.

Analisando as pesquisas de opinião pública conduzidas pelo Ibope nos últimos 35 anos, fica evidente como a gestão da economia foi determinante para as ambições eleitorais de praticamente todos os presidentes brasileiros. José Sarney, por exemplo, viu sua aprovação cair da casa dos 70% no lançamento do Cruzado para menos de 10% após os sucessivos fracassos de seus planos heterodoxos. O mesmo aconteceu com Collor: engana-se quem imagina que sua popularidade despencou com as denúncias de corrupção. Com a inflação subindo e a economia em recessão, sua avaliação positiva já estava abaixo de 20% quando Pedro Collor contou tudo. Daí em diante foi só ladeira abaixo.

FHC segurou o quanto pôde para se reeleger, mas viu a sua reprovação crescer de 20% para 50% com a liberação do câmbio no início de 1999. A partir desse ponto seu segundo mandato se arrastou em meio a políticas fiscais e monetárias restritivas para salvar o Real, racionamento de energia e problemas externos como a crise na Argentina e os atentados terroristas nos Estados Unidos. Como resultado, o projeto de permanência do PSDB no poder foi abortado com a derrota de José Serra em 2002.

Lula foi o único presidente do atual ciclo democrático a conseguir aplicar as recomendações do manual da teoria do ciclo político-econômico. Com Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, foi dada continuidade à política contracionista de Pedro Malan nos primeiros dois anos de governo, comprando credibilidade nos mercados interno e externo. Com o mensalão batendo às portas do seu gabinete, Lula abriu as torneiras do gasto público e do crédito dos bancos oficiais para estimular a economia e impulsionar sua popularidade. Sua aprovação subiu de 30% em meados de 2005 para atingir impressionantes 80% em 2010, atropelando a crise financeira de 2008 e elegendo com facilidade a sua sucessora para o Palácio do Planalto.

A história de Dilma na Presidência pode ser contada em três atos.

Enquanto a economia rodava acelerada pela política expansionista de Guido Mantega, seus índices de aprovação giravam em torno de 60%. A insatisfação popular com a classe política irrompeu com os protestos de rua de 2013, e dali até a reeleição Dilma se equilibrou entre 30% e 40% de popularidade.

Mas então a tempestade perfeita se formou: os excessos econômicos do passado cobraram seu preço no mesmo momento em que o maior escândalo de corrupção da história brasileira atingia o PT e os principais partidos da coalizão governista. Com sua reprovação batendo em 70% da população, todos sabem o que aconteceu.

A crise da covid-19 marca o fim prematuro da primeira fase do governo Bolsonaro. Ninguém sabe qual será o saldo macabro de mortes da pandemia no Brasil, e muito menos qual a duração e a gravidade dos seus efeitos econômicos. Simulações do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estimam que a economia brasileira crescerá de 2,3% a 4,4% menos do que o esperado, enquanto no mercado já há instituições financeiras que trabalham com uma recessão de 5%, segundo o boletim Focus do Banco Central.

Se o cenário de desemprego recorde e quebradeiras no setor privado se concretizar, e de mãos atadas pela piora fiscal provocada pelas medidas de socorro contra a pandemia, a maldição de Carville (“é a economia, estúpido!”) assombrará os 30 meses que separam Bolsonaro das eleições de 2022. Haja cloroquina para tentar evitar a queda na sua popularidade.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


William Waack: Quando fechar, quando abrir

Bolsonaro não é o único chefe de Estado que não sabe como sair do dilema

A realidade se encarregou de lembrar Jair Bolsonaro de que ele pode trocar de ministro quanto quiser, mas não pode trocar quanto quiser de política de saúde. Os limites aplicados às vontades do presidente – não importam méritos ou motivações – foram antes de mais nada institucionais. Em princípio, não é mau sinal.

Entrou como freio uma estrutura federativa que, no caso do combate ao coronavírus, concede aos operadores do SUS uma grande margem de ação. E os operadores são, em primeira linha, governadores e prefeitos. Além da eterna crise fiscal, eles se ressentem hoje sobretudo de falta de coordenação política, e estão assustadíssimos com a nada remota probabilidade de colapso de partes do sistema de saúde. Clamam por liderança.

É outro problema que veio junto de Bolsonaro e que a crise do coronavírus apenas escancarou. O presidente acha que seu poder vem da caneta, que ele diz não ter pavor nenhum de usar (mas não pode). Na verdade, o poder presidencial no Brasil vem de algo que o atual ocupante do Planalto renunciou a aplicar ou o faz de forma inconsistente, errática e subordinada exclusivamente ao curtíssimo prazo de redes sociais: ditar a agenda política.

Sob o avanço da doença, a postura de Bolsonaro consiste o tempo todo em “salvar” seu governo, que ele enxerga exclusivamente pelo prisma de uma ameaça de crise social urdida por adversários reais ou imaginários mancomunados para destruir a economia e criar o caos. As manobras que faz para neutralizar inimigos (governadores, por exemplo) e afastar obstáculos ao que considera necessário realizar (o ministro da Saúde e o isolamento social, por exemplo) são perfeitamente racionais dentro desse quadro mental que beira a paranoia.

O problema é muito maior e, mesmo em seu jeito tosco (Bolsonaro sobre Bolsonaro), o presidente fala diariamente de um dilema para o qual os principais chefes de governo nas democracias liberais ainda não encontraram saída. Em termos bastante brutais, trata-se de saber até quando precisa durar o fechamento de economias antes que a devastação delas se torne irrecuperável. Na outra ponta, reabrindo as economias, trata-se de saber qual é o limite tolerável do número de mortos, a partir do qual a falência de qualquer carreira política é irrecuperável.

Projeções e análises de curvas estatísticas sobre economia e saúde pública permitem no máximo contornos de cenários nebulosos, sem horizonte de tempo e qualquer “certeza”. Em outras palavras, dirigentes políticos ao redor do mundo democrático liberal estão sendo obrigados a “sentir” o dia a dia de temperaturas políticas e situações de degradação econômica e social que parecem ser, neste momento, muito mais abrangentes e que aparentemente estão reagindo timidamente ao inédito volume de medidas de estímulo e combate à recessão.

Para os que se sentem fascinados por entender qual papel exercem personalidades na História, a atual crise e sua imprevisibilidade oferecem alguns contrastes eloquentes. Donald Trump, por exemplo, ziguezagueia exibindo seu narcisismo (ele se proclamou um “gênio muito estável”). Angela Merkel, na outra ponta, demonstra uma postura próxima ao estoicismo (filha de um teólogo protestante em país comunista). E Jair Bolsonaro?

Chegou ao Palácio do Planalto na crista de uma onda política e social que ele apenas em parte entendeu e controlou, onda que vai ficar parecendo apenas uma marola diante das proporções da crise de saúde e economia que começamos a enfrentar agora. Nela, Bolsonaro não aprendeu a nadar, e está se afogando.


Demétrio Magnoli: O enigma de Adriano

A estratégia de Bolsonaro, cínica e inteligente, persegue o objetivo de lavar sua própria reputação

Por que Jair Bolsonaro acusou a PM da Bahia de assassinar deliberadamente o miliciano Adriano da Nóbrega? Por que 20 governadores assinaram o manifesto em defesa das PMs — e da PM da Bahia? Por que, afinal, a polícia baiana eliminou o foragido cercado? A análise política oferece respostas às duas primeiras perguntas. A terceira, porém, forma um enigma de elevado interesse público que exige investigação judicial.

A estratégia de Bolsonaro, cínica e inteligente, persegue o objetivo de lavar sua própria reputação. Os laços entre o clã presidencial e o miliciano conduzem à conclusão lógica de que o evento policial em Esplanada (BA) deve ser classificado como uma queima de arquivo cujos beneficiários são os Bolsonaro. A acusação à PM da Bahia, “do PT”, turva as águas, desviando a agulha magnética para um ator inesperado.

Na nota do Planalto, incluiu-se o registro de que a culpa de Adriano não transitou em julgado. Assim, em flagrante contradição com seu supremo desprezo pela presunção de inocência, o presidente sugere que Adriano foi um herói da lei e da ordem perseguido pelo “Estado profundo”. Nesse passo, aproveitando-se da conhecida circunstância de que mortos nunca mais falam, o presidente desenha uma auréola de santidade em torno da condecoração ofertada por seu filho 01 ao policial-miliciano.

O manifesto dos governadores é menos um ato de solidariedade com o governador da Bahia, Rui Costa, e mais um gesto preventivo de proteção de suas próprias PMs. O bloco carnavalesco da União dos Governadores invoca o princípio federativo para bloquear o funcionamento do sistema de justiça. A meta é converter suas polícias em batalhões de intocáveis.

Wilson “mira na cabecinha” Witzel, o inspirador do manifesto, enxerga a PM fluminense como esquadrão da morte. João “Paraisópolis” Doria celebra um inquérito policial que, num exercício fanático de corporativismo, isenta a PM paulista de responsabilidade pelo massacre de nove adolescentes num baile funk. Se não se puder mais exterminar um miliciano procurado, e armado, como matar impunemente os suspeitos de sempre, pretos e pobres, nas favelas ou periferias?

Resta o fato incontornável que deflagrou a controvérsia. Como explicar que, numa operação planejada, 40 agentes policiais da Bahia não prenderam, mas eliminaram a tiros, um foragido solitário? Há, no caso, duas hipótese excludentes. A mais benevolente pode ser sintetizada na palavra incompetência — grifada e grafada em maiúsculas. A outra mora na boca do povo: queima de arquivo. Diante das alternativas inconvenientes, Rui Costa cobre-se no manto providencial do manifesto da União dos Governadores, vestindo a fantasia desbotada da normalidade.

Bolsonaro triunfou. A esquerda, sempre loquaz, recolhe-se ao silêncio, como se dissesse que a indignação deve tirar férias quando se trata do cadáver de um miliciano. De fato, diante da hipótese mais provável — que “faz corar, me salta aos olhos, me aperta o peito a me atraiçoar” — a esquerda prefere subscrever a carta da impunidade ditada por Witzel. Afinal, qual é a ligação da polícia baiana, “do PT”, com a queima de arquivo?

A sugestão de que a PM da Bahia é comandada pelo PT só faz sentido para militantes bolsonaristas incuráveis. Ninguém, exceto os que acreditam em bruxas, compartilha a narrativa delirante de uma ordem de Rui Costa para o cancelamento do miliciano cercado. A pergunta legítima é mais grave: será que a polícia do B da Bahia executou, às costas de seus superiores, o serviço sujo encomendado pela polícia do B do Rio? E, por implicação, duas outras: já existiria uma clandestina polícia do B interestadual, talvez nacional? Qual é a extensão da influência das milícias sobre as polícias?

A Colômbia é aqui? A indagação, que emana diretamente da acusação presidencial contra a PM da Bahia, deveria ser dirigida ao ministro da Justiça, o santo guerreiro do combate ao crime organizado. O problema é que Sergio “Excludente de Ilicitude” Moro nunca se interessou por Adriano da Nóbrega, seu Escritório do Crime e suas condecorações parlamentares.


El País: Conflito escala com disputa política sobre motim de PMs no Ceará e espiral de agressões

“O hoje parece muito pior que ontem” é o ditado do momento em Brasília. Bolsonaro autoriza envio de Forças Armadas ao Estado e volta a defender isenção de culpa para militares que matarem em serviço

Na Brasília de 2020, há um ditado do momento: “o hoje parece muito pior que ontem”. E a semana que se encerra neste sábado de Carnaval faz jus ao bordão. Começou com o presidente aderindo aos ataques machistas contra uma repórter, seguiu com um ministro chamando parlamentares de chantageadores e um ex-presidente depondo sob a suspeita de infringir a lei de segurança nacional. Foi quando um senador da oposição foi baleado enquanto usava um trator para investir contra um quartel com policiais militares amotinados. Tudo culminou em uma espiral de ataques entre os políticos e a decisão de enviar o Exército para debelar o motim policial. Em outros tempos, poderia se imaginar que o país estaria à beira de uma convulsão. Nos dias de hoje, contudo, a tendência é que esses fatos sejam esquecidos durante a farra carnavalesca —ou soterrados por desdobramentos ainda mais absurdos.

O clima de beligerância na política brasileira ficou bem delimitado no arroubo do senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE), que é opositor de Bolsonaro e apoiador do governador cearense Camilo Santana (PT), chefe da polícia local. Na quarta, Cid usou uma retroescavadeira para investir contra um quartel onde policiais militares amotinados protestavam em Sobral. O senador levou dois tiros no tórax, disparados por PMs que estavam com os rostos encobertos. O ato foi definido pelo diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sociólogo Renato Sérgio de Lima, como um “momento de insanidade coletiva”. “É preciso urgente frear a escalada de confrontos e violência”, disse.

A contenção dos ânimos, no entanto, não foi o que se viu na quarta-feira. O jornal O Povo, de Fortaleza, publicou vídeo em que policiais encapuzados cercam uma viatura numa via importante da cidade, num cenário em que a avaliação da adesão à paralisação, às vésperas do feriado, ainda era incerta. Enquanto o governador recebia lideranças parlamentares ligadas aos policiais, Ciro Gomes atacava diretamente o presidente Jair Bolsonaro por insuflar o contingente de PMs e defendia o ato de seu irmão Cid: “Não se enfrenta o fascismo com flores.”

Jair Bolsonaro, por sua vez, usou sua transmissão semanal via Facebook para comentar a decisão de enviar as Forças Armadas ao Ceará, que atuarão respaldadas por um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Bolsoanaro aproveitou para voltar a defender que os militares que cometam homicídio durante as ações do tipo GLO não sejam punidos, por meio da extensão do chamado excludente de ilicitide. “É uma irresponsabilidade. Até 30 anos de cadeia nesse garoto que tem uma namorada, que tem um time de futebol, que tem uma vida social, que é um inocente. E que por estar com um fuzil, é atacado muitas vezes e reage. Vai que morre inocente, porque pode morrer inocente. De quem é a responsabilidade?”, disse, segundo registro da Folha de S. Paulo.

A democracia nunca esteve tão forte?

Nesse cenário, de rompantes de um lado e de outro, cresce o debate a sobre os perigos impostos à democracia. Algo que o Bolsonaro refuta. Na semana em que o presidente se fecha no Palácio do Planalto entre um quarteto de ministros militares, sem prévia experiência na política, ele sentenciou pelo seu Twitter: “A democracia nunca esteve tão forte”. Será?

Na última semana, o chefe do GSI, o general da reserva Augusto Heleno, foi flagrado por uma transmissão oficial na internet proferindo a seguinte frase: “Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente o tempo todo. Foda-se”. Esses “caras”, citados pelo militar, são congressistas que conseguiram se articular para garantir o controle de 30 bilhões de reais do orçamento da União por meio de emendas impositivas. Ou seja, o Governo perderia autonomia sobre essa fatia de suas despesas e seria obrigado a investir onde os deputados e senadores determinassem. As reações a essa fala foram quase instantâneas. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) chamou Heleno de “radical ideológico”. Alcolumbre afirmou “nenhum ataque à democracia será tolerado pelo Parlamento”.

Outro campo de batalha entre bolsonaristas e seus opositores também ocorre nas redes sociais, onde ainda reverberam os impropérios de cunho sexual que o presidente disparou contra a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo. O presidente aderiu ao discurso falso de Hans River do Rio Nascimento de que a repórter se insinuou sexualmente a ele para obter informações que pudessem comprometer Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Ela escreveu uma série de reportagens que demonstravam o uso das milícias digitais e a compra de disparos de fake News por meio do WhatsApp e Nascimento foi uma de suas fontes. O resultado: os esquerdistas pediram o seu impeachment, enquanto que os radicais da direita tentam angariar apoio para promover um ato de apoio a ele, no dia 15 de março.

Na mesma toada de verdades e meias verdades, a CPI Fake News também serviu de palco para que o antigo patrão de Nascimento na empresa que disparou mensagens pró-Bolsonaro omitisse informações relevantes. O empresário Lindolfo Antônio Alves Neto, da Yacows, escondeu em um documento entregue à CPI das Fake News os nomes de dois dos três presidenciáveis (Bolsonaro e Fernando Haddad) para quem prestou serviço na campanha de 2018. Pressionado, admitiu que prestou o serviço a eles indiretamente, por meio de outras agências de comunicação. Contradizendo-se, acabou confessando que nem tudo o que era disseminado pela sua empresa era previamente analisado, ou seja, não sabia se boatos acabavam sendo disparados pelo seu sistema de envio de mensagens. Para não se incriminar, abriu mão de declarar que tudo o que dizia era verdade. E deu munição, mais uma vez, para os dois lados. Uns dizendo que Bolsonaro fora inocentado. Outros, afirmando que não era possível provar nada com o discurso falacioso de Alves Neto.

Quando o Carnaval passar

Em meio à espiral de conflitos, o Governo ultraconservador espera aproveitar o Carnaval, a festa nacional a qual não demonstra tanta simpatia, para acalmar a situação ao menos no Congresso. A oposição, no entanto, lutará para manter as polêmicas vivas nesses 12 dias de folga parlamentar e, dessa maneira, protelar ainda mais a reforma tributária e administrativa que o Executivo e parte do Legislativo querem aprovar.

Na primeira semana de março, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ameaça colocar em votação um pedido de convocação do general Augusto Heleno. A solicitação, elaborada pela bancada do PT, é para que o ministro explique seus ataques verbais contra parlamentares. Na Câmara, Maia se deparará com a tentativa de convocação do ministro da Justiça, Sergio Moro. A oposição o acusa de usar a Polícia Federal para usos políticos, já que abriu um inquérito para investigar se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) infringiu a lei da segurança nacional ao chamar o presidente Bolsonaro de miliciano. O inquérito contra o petista acabou arquivado no mesmo dia em que ele prestou depoimento a policiais federais.


Vinicius Torres Freire: Quando está sem rumo, governo e dinheiro, país fala de parlamentarismo

Sem rumo, governo, dinheiro e dividido, Brasil volta a falar de mudar de regime

Quando a elite política está perdida, ressurge a conversa de parlamentarismo, seja “branco”, pingado, semidesnatado ou até integral, com mudança de fato de regime de governo.

Isso deu em nada ou jamais prestou, em 1961, 1988, 1993 ou 2016. No entanto, a pressão do presidente e do bolsonarismo contra o Congresso incita medo e revolta parlamentar, clima propício para o impasse, beco sem saída onde justamente vivem fantasmas ou fantasias como a do parlamentarismo.

Vários senadores, não apenas tucanos, planejam lançar a mudança constitucional para o governo que começa em 2022. Vários deputados, no limbo entre a falta de liderança do governo e a pressão de ruas e redes, se interessam pelo assunto.

Além desse devaneio, há o programa conhecido, mas ainda tateante, de limitar os desvarios de Jair Bolsonaro e de substituir a inoperância do governo. Como se tem sabido, a Câmara em particular pretende, imagina ou fantasia:

1) ter “pauta própria”, a começar pelas reformas da Previdência e tributária;

2) limitar o poder do presidente de baixar medidas provisórias;

3) evitar que Bolsonaro faça nomeações estrambóticas para agências de governo, Ministério Público e Judiciário;

4) derrubar decretos ilegais, ineptos ou repugnantes do presidente, que tem apreço especial pelo instrumento.

Apesar dessas vontadezinhas de poder, a voz esganiçada das redes e a ameaça das ruas assustaram deputados, como se notou nas votações da semana passada. O ronco das redes também fez aumentar na Câmara aquela raiva derivada do medo. Um dos principais motes das manifestações convocadas pela extrema direita neste domingo (26) é “Contra o centrão”.

Além disso haverá faixas e discursos pela reforma da Previdência, pela Lava Jato e gritos golpistas. Desse modo, o centrão e, em geral, o miolão do Congresso, mais de 300 deputados, ficam no triângulo das bermudas assim demarcado: a) pelos chinelos de Bolsonaro, que os detesta; b) pelas ruas adversárias da reforma; c) pelas ruas que os odeiam e os pressionam a votar com o presidente, até pela reforma.

Ficam, pois, acuados, sem ter para onde correr e com dificuldade de fazer qualquer coisa. Mesmo com o bom senso de lideranças que querem evitar o colapso econômico e administrativo, o Parlamento não tem condições de governar no presidencialismo.

Em outra era geológica do Brasil, o parlamentarismo foi o meio de evitar um golpe militar, apenas adiado em 1961.

Na ruína de José Sarney (1985-90), o Congresso dominado pelo velhoMDB (incluía tucanos e “autênticos”) tentou controlar o governo —não evitou o naufrágio nem o descrédito das lideranças políticas, o que daria em Fernando Collor.

No começo dos anos 1990, depois de uma década de crise econômica, com o colapso de Collor (outro salvacionista populista) e com a perspectiva de um plebiscito, voltou a conversa parlamentarista, derrotada de lavada pelo eleitorado.

Pouco antes da derrubada de Dilma Rousseff, ainda se pensou em trocar impeachment por parlamentarismo. Depois do Joesley Day, Michel Temer falava em mudar o regime em 2018.

Essa conversa de parlamentarismo é sintoma de país desembestado, desgovernado, sem acordo nenhum do que deve ser feito, sem força hegemônica capaz de impor direção, desarticulado politicamente e com sociedade dividida e à deriva. Não é remédio, é diagnóstico. Errado.

Se a re-recessão vier, florescerão ainda mais flores de ideias malucas.


Ascânio Seleme: Bolsonaro, o infiltrado

Algumas poucas vezes ao longo dos seus primeiros cinco meses de governo o presidente Jair Bolsonaro surpreendeu positivamente. Sua declaração contra os que querem ir ao ato de hoje para atacar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional foi uma dessas vezes. Bolsonaro fez a afirmação durante café da manhã com jornalistas, o quinto encontro desse tipo marcado pelo presidente, e que também podem ser incluídos na sua lista de bola dentro. Quem defender o fechamento do STF e do Congresso “estará na manifestação errada”, disse. “Isso é manifestação a favor de Maduro, não de Bolsonaro”, concluiu o presidente.

Não podia estar mais correto. Os Poderes constituídos são a base da democracia. Pode-se até criticar o Supremo e o Congresso por decisões que tomarem, mas jamais pregar o seu fechamento. Os que acusam o Judiciário e o Legislativo pelos problemas de Bolsonaro estão equivocados. Os que sugerem que a saída é interromper o funcionamento das duas casas maiores são pessoas de baixa qualificação cognitiva e falam da boca para fora sem medir consequências.

O próprio Bolsonaro já atacou o Supremo mais de uma vez. Ele também defendeu, pouco antes da eleição, aumentar de 11 para 20 o número de ministros do STF. “Para equilibrar as coisas”, nas palavras de seu filho Eduardo, o ideólogo da família, sugerindo um viés de esquerda dos membros da casa. Bobagem, claro, mas enfim, era assim que os Bolsonaro pensavam no ano passado. O mesmo filho disse, algum tempo antes, que bastariam um soldado e um cabo para fechar o Supremo.

O presidente também já bateu à vontade no Congresso. Outro dia mesmo afirmou que o grande problema do Brasil é a classe política. Nesse caso o ataque era generalizado, e ele ressaltou que incluía-se dentro da citada classe problemática. Em momentos mais remotos da sua atividade política, Bolsonaro defendeu a ditadura, estado que pressupõe um Executivo forte que funcione sem fazer consultas e sem sofrer avaliações, com o fechamento ou a submissão dos outros Poderes. Esse é o problema do presidente. Ele diz uma coisa num dia e outra diferente no dia seguinte.

No café com jornalistas, o presidente disse também que, embora condene os ataques, nada impede que durante o ato “apareça um infiltrado defendendo essas ideias e usando a camisa amarela”. Quer dizer, ele condena quem ataca, mas admite que haja, no meio da manifestação a seu favor, gente gritando pelo fechamento do STF e do Congresso. Trata-se do famoso “morde e assopra”. Condena, mas não tanto assim. E, ao que parece, perdoa os que se equivocarem.

O presidente é ele próprio um infiltrado. Assumiu o comando da nação depois de anos produzindo declarações contra a democracia e a favor de qualquer barbaridade que lhe parece apropriada. Como a tortura, por exemplo. O presidente Jair Bolsonaro é um infiltrado no jogo democrático. Nenhuma dúvida. O importante é que agora, com o poder que obteve das urnas, continue produzindo considerações como aquela do café da manhã.

Jogar a favor dos Poderes constituídos é obrigação do presidente da República. Ao defender o Supremo e o Congresso, Bolsonaro estava simplesmente cumprindo uma de suas principais atribuições constitucionais. Mesmo assim pode-se dizer que, vindo de quem veio, ele fez muito bem.


William Waack: Lição americana

Toda política externa sofre quando profissionais são desprezados e vence a gritaria na internet

Para interessados em diplomacia e política externa, vale a pena ler The Back Channel, as memórias profissionais de William Burns, um dos mais importantes diplomatas americanos dos últimos 30 anos. Ele serviu a cinco presidentes e dez secretários de Estado e acompanhou todos os principais momentos que vão da vitória na Guerra Fria à concepção de mundo de Trump. É uma rica descrição da transição da diplomacia da era pré para a era pós-Twitter.

É uma obra com importantes lições para o debate atual sobre política externa brasileira, desatado pela crise da Venezuela. Burns serviu a republicanos e democratas e sua principal crítica a figuras como George W. Bush ou Barack Obama é basicamente a mesma: a de que o profissionalismo de diplomatas (e suas escolas) cedeu lugar à esfera do Twitter e ficou em segundo plano a ideia de que diplomacia serve sobretudo para comunicar, convergir e manobrar para obter vantagens futuras, especialmente por meio de alianças. Lição para o Brasil.

Burns contribui para provar que um “staff” profissional bem conduzido é capaz de identificar tendências com grande antecedência, como demonstra memorando que ele enviou a Bill Clinton, em 1992, afirmando que a vitória americana na Guerra Fria traria maior fragmentação e o mundo recuaria para nacionalismos e extremismo religioso, ou uma combinação dos dois – é uma boa descrição de parte das crises internacionais atuais. Como governantes se preparam ou reagem a contingências é outra história. Nesse sentido, Burns é duro com Obama, mas a paulada maior é na política da “America First” de Trump. “Uma sopa nojenta de unilateralismo beligerante, mercantilismo e nacionalismo bruto”, caracterizada por “posturas de força e afirmações desvinculadas de fatos”, escreve Burns. Lição para o Brasil.

O maior problema de Trump, porém, é o que Burns chama de “sabotagem ativa” contra o Departamento de Estado, ou seja, o “staff” profissional. Mais uma lição para o Brasil. Quando Lula assumiu em 2003 o Itamaraty foi subordinado à influência de um guru com ideias totalmente desvinculadas da realidade (e presas ainda ao esquerdismo infantil dos anos cinquenta) e um chanceler dedicado a vendetas contra qualquer um identificado com o “ancien regime” na casa, ou seja, que não fosse da turma dele. É muito similar ao que acontece agora, e as consequências começam a se desenhar da mesma maneira: perda de foco, ênfase no espetáculo em torno de um líder “infalível” e a confusão entre postulados ideológicos de franja do espectro político com interesse nacional de longo prazo.

A “lacração” típica do comportamento de militantes, empenhados em ganhar no grito “debates” em redes sociais, leva a afirmações do tipo “o Brasil guiou os Estados Unidos” na crise da Venezuela. A frase fica valendo como argumento para o qual não há fatos – a não ser que se despreze o fato básico de que só os americanos têm recursos para bater (com poderio militar sem rival no planeta) e para pagar (com o músculo financeiro para impor sanções ou conseguir alívio para amigos). E são eles os que batem e/ou pagam, que teriam sido conduzidos numa crise de amplas proporções internacionais por quem não consegue nem um nem outro.

A atual crise da Venezuela não foi uma “escolha” brasileira. Mas demonstra como a falta de profissionalismo na condução da política externa, ideias erradas e cumplicidade oportunista de classes empresariais (não só no episódio da molecagem diplomática que colocou a Venezuela no Mercosul) criam problemas de difícil solução. A época do Twitter, lamenta o veterano Burns, sepultou o frio racionalismo da diplomacia de contatos, informação e influência. Pior ainda quando a política externa fica a cargo de amadores arrogantes.