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George Gurgel de Oliveira: Brasil - Os Desafios da Sustentabilidade. Qual PETROBRAS?

A PETROBRAS volta à cena política nacional. Na verdade, sempre esteve. É uma das joias da Coroa, devemos cuidá-la e preservá-la, mesmo se for transformada em uma Empresa de Energia, como sugerido no presente texto. Ela faz parte da nossa identidade nacional, desde a fundação em 1953, quando colocou o Brasil no seleto grupo de países com indústria de petróleo. Desde então, ela foi sempre discutida, defendida e atacada no Brasil e no exterior. Portanto deve ser avaliada permanentemente por toda a Sociedade, além do Estado e do Mercado, considerando as transformações que estão acontecendo na área de energia, particularmente na indústria de petróleo mundial.

As minhas primeiras lembranças sobre a PETROBRAS são familiares: meu pai e seus companheiros do PCB na Bahia, como milhares da geração dele, participaram da campanha o Petróleo é Nosso – o povo nas ruas venceu, com apoio de Getulio e dos militares - não foi pouca coisa.

Ainda, e por isso tudo, a minha escolha profissional quando fui estudar na URSS foi na área de petróleo e gás, de novo a PETROBRAS em minha vida: lembro do entusiasmo que escrevi à sua direção, quando estava iniciando a minha dissertação de mestrado, no início de 1980, em Moscou: queria fazer meu trabalho em uma área que houvesse algum interesse da própria PETROBRAS – a minha frustração foi enorme, nunca obtive resposta do meu bem intencionado gesto.

A vida seguiu e o meu interesse pela Indústria de Petróleo, pela Energia nas suas diversas formas, e a questão ambiental persistem até hoje.

Como avaliar a PETROBRAS? A partir da sua própria história, realidade atual e o que ela e a sociedade brasileira almejam hoje e no futuro próximo – analisando a situação da própria PETROBRAS, da Indústria Mundial de Petróleo e de outras formas de energia: qual a matriz energética que temos e a que queremos ter nos próximos anos, no horizonte de 5, 10, 15, 20 anos?

São questões relevantes a serem enfrentadas para uma melhor compreensão do papel atual e do futuro da maior empresa brasileira e dos sistemas energéticos brasileiros.
A questão energética, particularmente a que envolve a Indústria de Petróleo, caso explícito da PETROBRAS, reflete interesses variados de caráter público e privado, tanto nos países capitalistas industrializados, grupo seleto no qual está concentrado o consumo energético mundial, quanto nos países não industrializados, nos quais vive a maioria absoluta da humanidade, com baixos níveis de consumo de energia.

A maneira como o petróleo e o gás são apropriados da natureza, produzidos, distribuídos e consumidos ainda determina os níveis de bem-estar de uma determinada sociedade e suas inter-relações com a própria natureza. Assim, a escolha nos tempos atuais de um modelo empresarial na área de petróleo e gás é reflexo das distintas realidades nacionais, a partir das potencialidades energéticas de cada sociedade.

No Brasil, a discussão em relação à PETROBRAS deve ser feita com e além da própria empresa, avaliando as demandas existentes da Sociedade em relação à indústria de petróleo e o lugar desta indústria na matriz energética, na economia e na indústria brasileira em geral.

O Sistema PETROBRAS, como o Sistema ELETROBRAS, de BIOMASSA, Solar, Eólico e Nuclear no Brasil foram e são opções construídas a partir de decisões e múltiplos interesses políticos, econômicos e sociais estabelecidos na Sociedade brasileira.

Nessa perspectiva, a PETROBRAS é parte do problema e da solução. A partir dos anos 90, o processo de privatização do Sistema Elétrico e do Sistema Petrolífero e a criação das respectivas agências reguladoras e da própria Agencia Nacional de Petróleo, a ANP, nos anos 90, mudam o funcionamento do Sistema Energético brasileiro.

Desde então, os diversos Sistemas Energéticos, o modelo da Agência Nacional de Petróleo, como também da Agência Nacional de Energia Elétrica, de Biomassa, Solar e Eólica são os responsáveis pela regulação da Política Energética brasileira. Em relação ao funcionamento das Agências reguladoras, constata-se desde a criação, uma forte influência do Executivo federal na definição dos dirigentes e da prevalência dos interesses de conjuntura no funcionamento destas Agências, retirando a necessária autonomia para o cumprimento das suas funções institucionais, de pensar a questão energética com uma visão sistêmica, para atender as demandas energéticas atuais e futuras da Sociedade brasileira.

Institucionalmente, a área energética deveria reestruturar-se buscando a integração dos diversos sistemas (elétrico, petrolífero e gás natural, álcool e bagaço de cana, carvão mineral, lenha e carvão vegetal, solar e eólica), buscando criar mecanismos, construindo novas relações entre o Estado, o Mercado e a Sociedade, que proporcionem uma participação social mais ampla na discussão, formulação e implementação dessa nova Política Energética desejada para o Brasil.

Hoje, quando mais uma vez a PETROBRAS está na berlinda, quais as questões a serem discutidas sobre a empresa? As mudanças a serem realizadas nela devem estar vinculadas a um projeto maior de reforma do Estado brasileiro, a uma política industrial e tecnológica, enfim a um projeto sustentável para o Brasil. Urge a volta de políticas públicas nacionais de longo prazo, particularmente em relação à questão energética e à própria indústria de petróleo.

A PETROBRAS para sobreviver e ser contemporânea do futuro deve se tornar uma empresa de energia, não apenas de petróleo e gás. Discute-se muito e pouco se fez e se faz nesta direção. Aqui as parcerias são fundamentais, algumas estratégicas: a partir de iniciativas da própria empresa, em diálogo com a comunidade cientifica, com outras empresas da área de energia, com as agências reguladoras, com a indústria brasileira e com toda a Sociedade, buscando definir um novo formato dela para atender as demandas atuais e futuras de energia da Sociedade brasileira.

Nesse processo de mudança, no caminho de uma economia de baixo carbono, a PETROBRAS – por tudo que ela representa, pode e deve ter um papel relevante. Em parceria com outras empresas que trabalham com a questão energética no Brasil e no mundo, ela pode desencadear um processo virtuoso na economia brasileira, com reflexos positivos na área social, de educação, científica e tecnológica, possibilitando ao nosso país aproveitar as suas potencialidades e riquezas naturais, nos levando a construção de uma economia de baixo carbono, aproveitando a energia solar, eólica e de biomassa, cada vez mais, na matriz energética brasileira.

Assim, o Brasil e a PETROBRAS devem caminhar juntos no fortalecimento do Sistema dela, reconhecendo a sua importância como empresa e a necessidade de realizar mudanças, transformando-a em uma empresa de energia, contemporânea no presente com o futuro da Sociedade brasileira. A PETROBRAS e a Sociedade brasileira estão desafiadas de juntas colaborarem na construção de um Brasil moderno, afirmando e reafirmando os valores da Democracia, da Cultura, da Educação, da Ciência e da Tecnologia, apontando para um Brasil solidário, com mais inclusão social, respeitando a diversidade e preservando a natureza.

*George Gurgel de Oliveira, Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade, da UFBA e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia


Merval Pereira: A que ponto chegamos

Nossa mais recente crise institucional, não a derradeira, é consequência da leniência com que as instituições vêm tratando os frequentes abusos autoritários do presidente Bolsonaro e de seus radicais seguidores. Chegamos a essa situação, e não é a primeira desse tipo, porque o Congresso aceitou que deputados bolsonaristas e milícias digitais promovessem, como continuam a fazer depois da prisão do deputado federal (ainda?) Daniel Silveira, ataques às instituições, e que as Forças Armadas aderissem acriticamente ao governo Bolsonaro e aceitassem, algumas vezes com o endosso tácito até mesmo do ministro da Defesa, diversas tentativas de transpor as linhas da legalidade, contra a democracia.

O general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo encarregado das negociações com os parlamentares, quase nunca fundadas em bases republicanas, declarou que não se envergonha dessas negociações. Deveria, pois assumiu, na sua faceta civil, a parte apodrecida das relações políticas, a mesma tática que o leva, e a outros generais, a repudiar o lulopetismo e, anteriormente, o próprio Centrão. Lembram-se do general Heleno cantando na campanha eleitoral “se gritar pega ladrão, não sobra um no Centrão?”.

A revelação do general Villas Bôas de que a nota de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) na véspera do julgamento de um habeas corpus a favor do ex-presidente Lula foi feita não em caráter pessoal, mas pelo Alto-Comando do Exército, é muito mais grave do que já parecia há três anos. Não importa se você gosta do Lula ou não, se acha que ele merecia o habeas corpus ou não. É um absurdo que o Alto-Comando do Exército respalde uma declaração daquelas às vésperas de um julgamento do STF.

É por isso que gente como esse deputado bolsonarista se acha em condições de fazer o que fez, de afrontar o Supremo. É inexplicável, também, a ironia atual do general em relação à nota que o ministro Edson Fachin soltou, de repúdio à revelação. Fachin não falou há três anos porque falou pelo STF o decano Celso de Mello, rebatendo vigorosamente a tentativa de pressão ilegal.

Esta crise que estamos vivendo, política e institucional, vem da aceitação de um governo autoritário, antidemocrático, que usa as Forças Armadas para se respaldar nessas ações e usa milícias digitais, que podem se transformar em milícias reais com os decretos de liberação de armas. Bolsonaro está armando a população claramente com o intuito de ter uma militância armada para se impor, como aconteceu com Trump nos Estados Unidos.

Trump tinha milícias armadas que desfilavam pelas ruas. Nos EUA é mais comum o porte de arma, então os militantes andavam altamente armados nas ruas e invadiram o Capitólio por incitação do ex-presidente Trump, que agora será processado civilmente por essa atitude, já que, politicamente, o Partido Republicano não permitiu que fosse impedido de continuar atuando na política.

Estamos chegando ao ponto em que as autoridades terão que tomar uma decisão, porque a democracia está permanentemente sob ataque neste governo Bolsonaro. O mais importante hoje é saber como a Câmara se comportará. No caso de Delcídio do Amaral, o Senado aprovou imediatamente a decisão do STF. Neste caso, há muita resistência, inclusive na base bolsonarista radical que está atuando e continua atacando o Supremo e a democracia, continua atacando os representantes das instituições que consideram agir como agentes da esquerda internacional, numa das várias teorias conspiratórias que espalham.

O importante é saber se a nova base do governo Bolsonaro vai se impor, a ponto de não aceitar a prisão do deputado (ainda?), um sujeito desqualificado, já investigado em dois outros inquéritos no STF, por atitudes antidemocráticas e por espalhar fake news. Saber se o corporativismo que protege uma deputada acusada de homicídio e outro, um senador, apanhado em flagrante com dinheiro escondido nas suas partes íntimas, chega ao ponto de acobertar ataques antidemocráticos de um autoritário que, ironicamente, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional da ditadura militar que tanto venera.