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El País: Queda dos PIBs de EUA e Alemanha prenunciam tombo da economia brasileira

Pessimismo tomou conta das principais bolsas globais nesta quinta. Mercado financeiro estima um recuo de 5,77% da atividade no Brasil neste ano. FMI calcula recuo de mais de 9%

Heloísa Mendonça, do El País

tamanho do impacto econômico inicial causado pela pandemia do coronavírus começa pouco a pouco a emergir, e os números não são alentadores. A economia dos Estados Unidos, a maior do mundo, encolheu a uma taxa anualizada de 32,9% entre abril e junho, a maior contração desde a Grande Depressão, na década de 1930, segundo dados divulgados pelo Departamento de Comércio na manhã desta quinta-feira. Um colapso da economia sem precedentes. Os efeitos da paralisia da atividade também são sentidos em outros indicadores. A onda de demissões causada pela crise sanitária continuou a avançar nos EUA, onde novos pedidos de seguro-desemprego aumentaram pela segunda semana consecutiva.

Na Alemanha, a maior potência econômica da Europa, o tombo da economia também foi histórico. O Produto Interno Bruto (PIB) alemão de abril a junho recuou 10,1% em relação ao trimestre anterior, de acordo com a agência de estatística do governo federal. É a queda trimestral mais acentuada desde 1970, quando os registros começaram. Se comparado ao mesmo período do ano passado, o recuo foi de 11,7%. Diante dos números divulgados, o pessimismo tomou conta das principais bolsas globais que operaram com perdas. O dia também foi de resultados negativos de balanços de empresas importantes, como o banco Lloyds, a AirBus e a Volkswagen. No Brasil, chamou a atenção a queda de 40% do lucro do banco Bradesco no segundo trimestre.

Os dados do PIB brasileiro de abril a junho ― período em que grande parte das atividades foi paralisada para conter a disseminação do coronavírus ― só serão divulgados no início do setembro, quando a extensão da crise gerada pela pandemia no país começará a se materializar em números. Mostrará um retrovisor do provável pior trimestre de 2020, segundo analistas. Por enquanto, as previsões sobre o tamanho do tombo da economia variam. A projeção do boletim Focus, desta semana, fala em um recuo de 5,77% no fim de 2020, enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que o PIB brasileiro irá despencar mais de 9%.

“Há ainda muita divergência sobre o que acontecerá até o fim do ano, porque não há certezas sobre como será de fato a retomada econômica e como irá evoluir o enfrentamento ao coronavírus no país. O que temos de fato agora é uma quebradeira muito grande das empresas no Brasil”, afirma o economista Mauro Rochlin, da FGV. Desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, 716.000 empresas fecharam as portas, de acordo com a Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas, realizada pelo IBGE e publicada neste mês.

“Nos Estados Unidos, vimos uma leve melhora com a abertura das atividades, mas alguns Estados americanos começaram a ter que fechar parte das atividades e as empresas outra vez com o avanço de novos casos”, diz Rochlin. Os EUA registravam nesta quinta-feira 4,4 milhões de casos de coronavírus e mais de 151.000 mortes pela doença. Embora as piores perdas econômicas tenham se concentrado em abril, a ameaça de pausas na reabertura reduz as esperanças de uma recuperação mais robusta da maior economia do mundo. “Como os EUA são o segundo parceiro comercial do Brasil, essa retomada mais lenta da economia americana pode chegar a comprometer as nossas exportações e ainda mais o PIB brasileiro”, diz o professor.

Na avaliação do economista André Perfeito, da corretora Necton, a ação de enfrentamento à covid-19 por parte do presidente Jair Bolsonaro e governadores não foi suficiente para frear o coronavírus e fez com que as próprias reaberturas das atividades econômicas também fossem menos eficientes. “Não basta liberar a abertura da economia, porque as pessoas estão constrangidas e inseguras. Em vários locais os casos estão aumentando. Países que foram mais duros na quarentena, estão colhendo mais louros, com famílias mais confiantes em sair e consumir”, diz. Para Perfeito, nem a política liberal do ministro Paulo Guedes, que aposta no investimento privado para a retomada da economia, nem reformas, como a tributária que começa a tomar forma, serão capazes de gerar um efeito no curto prazo. “Infelizmente não temos uma evidência de melhora, por isso ainda projeto uma queda de cerca de 7%, 7,5%”.PUBLICIDADE

Também pessimista é a projeção da Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas para América Latina e Caribe (Cepal) para a economia da região: um tombo de 9,1% com desemprego e pobreza aumentando. A expectativa da Cepal é de que o número de pessoas desempregadas aumente de 18 milhões para 44 milhões em toda a região, enquanto a pobreza deve subir 7 pontos percentuais, alcançando mais 45 milhões de pessoas.


Míriam Leitão: Dia de susto no meio do carnaval

Casos de coronavírus na Itália e na Coreia do Sul derrubam as bolsas e aumentam risco de desaceleração da economia mundial

O mercado financeiro global vai entendendo por espasmos o impacto da crise do coronavírus na economia, o que deveria estar claro desde o início, porque a China é o país mais inserido na globalização. Segunda-feira de carnaval foi um destes dias de compreensão do grau de risco em que todos os países estão. No mar das quedas abruptas de ontem, as cotações de produtos que exportamos e as ações de empresas brasileiras foram afetadas. Desta vez, o susto veio da Itália, com cidades isoladas e o carnaval de Veneza suspenso, e do aumento de casos na Coreia do Sul e no Irã.

A China é o hub global. O mundo quase todo importa de lá ou vende para o país. Ela produz milhões de peças para todo o tipo de indústria, eletrônica, digital. O Japão não produz sem a China. A Coreia do Sul proclamou alerta máximo e pôs sete mil soldados em quarentena. Diante dos 43 casos no Irã, com 12 mortes, Turquia, Jordânia, Paquistão e Afeganistão fecharam as fronteiras ou restringiram as viagens com destino ou origem no país. O turismo, a indústria de aviação, a farmacêutica, tudo depende da potência asiática, é o que alertam observadores que acompanham de forma mais atenta a economia chinesa.

A Itália atingida, com 10 cidades isoladas, coloca em questão a política das fronteiras abertas na qual a Europa se assenta. Investidores ontem alertavam sobre a proximidade da região com a zona industrial alemã. O país faz parte de um continente que dissolveu as fronteiras. Bruxelas está emitindo sinais de que é preciso agir, mas evitar o pânico. Produtos que são importantes para a exportação brasileira, como minério de ferro, caíram e derrubaram as ações de grandes mineradoras internacionais. BHP, Rio Tinto e Vale caíram 7% nos mercados internacionais.

Bancos brasileiros caíram 5%. Petrobras, 6%. Tudo isso lá fora, já que a bolsa brasileira só reabre na próxima quarta. A segunda-feira começou mostrando que enquanto nos países mais devotos da folia a população se diverte, o mundo vivia um momento de queda nos preços dos ativos. O mercado de ações no mundo todo despencou, e os investidores correram para as proteções de sempre, o ouro e os títulos do Tesouro americano. A Ásia teve queda forte e foi seguida pela Europa, enquanto o futuro do S&P já apontou que seguiria a mesma tendência. Assim começou a segunda-feira. Ao fim do dia, ficou claro que a parada do Mardi-gras seria muito bem-vinda para que todos pudessem tentar refletir sobre a real dimensão dos acontecimentos.

Aqui neste espaço, alerta-se desde o começo que este é um evento sem precedentes, porque na última pandemia, a do Sars, o mundo era menos conectado e a China era menos importante para as cadeias globais de suprimento. Então, estamos no terreno das incertezas no qual a volatilidade é a regra.

O mercado financeiro oscila entre dois polos. Ou subestima os riscos ou tem picos de pânico. Quando o mais racional seria ter análises mais profundas sobre o grau de conexão entre as cadeias globais de produção.

Na China, há algumas boas notícias. A província de Guangdong, cuja capital Guangzhou fica a uns 500 quilômetros do centro da crise, baixou o nível de gravidade. A partir desta segunda-feira puderam ser abertos restaurantes, bares, fast foods. As escolas, inclusive as estrangeiras, voltaram a funcionar no dia 16.

Apesar das muitas críticas feitas ao governo chinês, diplomatas que vivem lá dentro do país reportam que é impressionante a rapidez com que a sociedade respondeu ao problema. No começo, e instantaneamente, todos os locais públicos, hotéis, shoppings, estações de metrô passaram a ter sempre pessoas medindo a temperatura de todo mundo. Uma semana depois, os termômetros foram substituídos por câmeras infravermelhas capazes de identificar, em uma multidão, quem tem temperatura acima de 37,3 graus. Agora, todo cidadão tem um código e a cada lugar que entra, shopping, metrô, ônibus tem que registrar o seu código. Se por acaso ele aparecer com sintomas, será possível rapidamente refazer seus passos. A tecnologia na qual a China investiu para ser vencedora no mundo globalizado e digital, e para controlar sua vasta população num regime autoritário, está sendo usada, desta vez, para criar a cordão de proteção sanitária.

Ainda não está claro o quanto o mundo será atingido, mas qualquer avaliação que subestime os riscos não é aconselhável. O fato é que o mundo ainda não sabe. E esse é o terreno mais pantanoso para a economia.