BNDES
Samuel Pessôa: Uma história de dois Planos Marshall
Entre 1948 e 1951, os EUA despenderam pouco mais de US$ 13 bilhões para ajudar na reconstrução de 16 países europeus, com população, à época, de 290 milhões.
O gasto do programa de recuperação da Europa, também conhecido por Plano Marshall, corresponderia a preços de hoje a cerca de US$ 100 bilhões, ou R$ 315 bilhões ao câmbio de R$ 3,15 por dólar.
Por aqui, entre 2008 e 2014, o Tesouro emprestou ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a taxas muito reduzidas e em condições extremamente favoráveis, R$ 400 bilhões. Ou seja, uma quantia de dinheiro 25% maior e que atingiu uma população 31% menor do que aquela beneficiada pelo Plano Marshall.
No nosso "Plano Marshall", diversos trabalhos acadêmicos documentaram que as firmas que se beneficiaram do crédito subsidiado eram as maiores, mais antigas e menos arriscadas. Essas empresas não investiram mais do que as empresas equivalentes não beneficiadas pelos créditos subsidiados.
A elegância dessa literatura é que a evidência foi obtida comparando empresas incentivadas com empresas com as mesmas características, mas que não tiveram acesso ao incentivo. As empresas não incentivadas funcionaram como um grupo de controle, sugerindo, portanto, que o efeito medido representa de fato a causalidade do incentivo sobre o comportamento das firmas.
Adicionalmente, as empresas beneficiadas efetivamente experimentaram redução de seu custo financeiro e aumentaram seu grau de endividamento.
Dado que essas empresas não elevaram seu investimento, mas aumentaram seu endividamento e seu custo financeiro foi reduzido, provavelmente o crédito subsidiado foi empregado para liberar recursos dos acionistas para serem aplicados no mercado financeiro com maiores retornos.
O leitor encontra resenha recente da evidência empírica no trabalho "Brazil - Financial Intermediation Costs and Credit Allocation", texto para discussão do Banco Mundial de março de 2017, preparado por diversos autores.
Evidentemente, os subsídios saíram caro para o Tesouro. Segundo cálculos de meu colega do Ibre, Manoel Pires, o custo total dos subsídios foi, somente em 2015, de R$ 57 bilhões, algo próximo ao custo anual de dois programas Bolsa Família.
Também há evidência de que o crédito subsidiado dificulta a política monetária, aumentando o juro necessário para estabilizar a inflação. Segundo trabalho recente de Monica de Bolle (goo.gl/VTEunr), cada 1 ponto percentual do PIB de crédito subsidiado eleva os juros em 0,5 ponto percentual.
Esse resultado é mais sujeito a crítica. A razão são as dificuldades naturais de inferência de causalidade com dados macroeconômicos. De qualquer forma, outros estudos têm obtido resultado equivalente.
É praticamente consensual entre diversos analistas -suportando, portanto, a evidência de Mônica- que a taxa de juro neutra brasileira, aquela que estabiliza a inflação, reduziu-se recentemente por volta de um ponto percentual, em razão da mudança de política do BNDES.
Aqui temos que desfazer nosso Plano Marshall para arrumar a casa de uma economia devastada por esta e outras iniciativas da ruinosa nova matriz econômica. Na Europa, o verdadeiro Plano Marshall estabeleceu as bases do formidável crescimento do pós-guerra.
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV
Míriam Leitão: Dilma e as elites
A presidente Dilma disse que as elites econômicas querem derrubá-la, porque sua eleição feriu seus interesses. Entre 2014 e 2015, o governo deu pelo menos R$ 94 bilhões só em redução de impostos às empresas, além de subsídios através do BB e do BNDES. Na sua defesa, ontem, atuaram Kátia Abreu e Armando Monteiro, que lideraram os donos de terra e a indústria.
Dilma citou várias vezes esse inimigo: “as elites econômicas e políticas”. O mesmo bordão do ex-presidente Lula. Sempre foi falso, mas agora soa ainda mais estranho diante dos fatos e números. Segundo Kátia Abreu, a presidente foi a que mais ajudou o agronegócio e a CNA. A entidade reúne os grandes proprietários rurais e entre outras ações, nos últimos anos, tentou suspender a divulgação pelo Ministério do Trabalho da lista suja das empresas flagradas com trabalho escravo.
A política econômica do PT beneficiou os grandes empresários através das desonerações, dos subsídios, de barreiras comerciais, de decisões que favoreciam as empreiteiras contra o meio ambiente. O Tesouro elevou a dívida pública em 8% do PIB, R$ 500 bilhões, para transferir para o BNDES e, assim, o banco emprestar para empresas com subsídio. Foram muitas as políticas que favoreceram os empresários. Os pontos do processo viraram motivo para um diálogo de surdos. Cada lado sustenta a sua convicção.
Sobre o uso do Banco do Brasil, a presidente Dilma repetiu, até cansar os ouvidos alheios, que a lei é de 1992 e que os outros presidentes também deram “subvenções” ao Plano Safra. O problema não é o Plano Safra, mas o fato de que o Tesouro não pagou o que devia ao Banco do Brasil e isso se transformou em uma operação de crédito bilionária. Os bancos privados receberam em dia; os públicos, só depois de muita pressão. A presidente Dilma foi bem no discurso lido, em que o ponto alto foi a luta da sua juventude.
Acertou também ao mostrar a contradição do governo Michel Temer: o Brasil elegeu uma mulher e assumiu um grupo sem mulher alguma entre os ministros. Ao dizer — nove vezes no discurso lido — que o processo no Congresso é um golpe, ela mostrou que não estava ali para conquistar votos e preferia o confronto. Até nos pequenos detalhes. Um senador levantou uma questão, e ela respondeu que ele estava mal informado. Outro reclamou da falta de diálogo e nem recebeu resposta. Senadores faziam discursos políticos, e ela respondia com respostas técnicas nas quais frequentemente se perdia.
Dilma se atrapalhou em datas e teses e deu respostas que pareceram contraditórias aos especialistas e incompreensíveis a quem não acompanha a economia. Que sentido faz falar em “tapering”? (A propósito: redução dos estímulos monetários americanos) Dilma tem razão ao dizer que no programa que a elegeu não havia a proposta — apresentada agora pelo presidente Michel Temer — de teto para os gastos públicos por 20 anos. Não havia também a proposta de um tarifaço de energia que elevaria a inflação a dois dígitos.
Pelo contrário, como lembrou ontem o senador Aécio Neves, no último debate antes das eleições, Dilma afirmou que a inflação era zero e que só os pessimistas diziam o contrário. A presidente culpou a crise internacional pela queda de 3,8% do PIB no ano passado. Os fatos: dos 191 países cuja economia é acompanhada pelo FMI, 180 tiveram desempenho melhor do que o do Brasil.
Nos dez que tiveram quedas maiores estão Líbia, em guerra, e Venezuela, em caos econômico e político. Durante o governo de Dilma algumas questões sociais avançaram como a participação da mulher e dos negros na estrutura do governo. O meio ambiente foi desprezado em favor dos interesses das grandes empreiteiras. A política energética sofreu uma desastrada intervenção. Mas o governo está caindo por ter desrespeitado a lei que o PT não assinou, a Lei de Responsabilidade Fiscal, e por ter jogado o país na mais profunda recessão de que se tem notícia.
As pedaladas não foram apenas no Plano Safra, foi a prática comum nos anos Dilma. As estatísticas fiscais foram fraudadas com truques que inventavam receita, escondiam despesas, e usavam bancos públicos como se fossem uma extensão do caixa do Tesouro. Foi sistemático, foi uma política de governo. (O Globo – 30/08/2016)
Fonte: pps.org.br