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Ricardo Noblat: Para completar a humilhação

Como reparar a lambança no Supremo

Não basta suspender a censura à reportagem da revista eletrônica Crusoé e do site O Antagonista sobre “O amigo do amigo do meu pai”, no caso o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, que à época dos fatos era o Advogado Geral da União no primeiro governo Lula.

É preciso com urgência acabar com o inquérito aberto por Tóffoli e conduzido por Alexandre de Moraes sobre autores de fake news que tenham como alvo o Supremo, seus ministros e eventuais familiares. Porque da maneira como foi criado o inquérito é uma aberração jurídica. Simples assim.

Toffoli só pôde abri-lo porque se valeu de uma leitura para lá de absurda de suas atribuições. A escolha de Alexandre para presidi-lo desprezou o rito do sorteio que sempre foi respeitado no tribunal. Poderia ter sido sorteado qualquer um dos 11 ministros. Mas Toffoli quis Alexandre de Moraes, e ponto.

Por quê? Porque os dois haviam combinado a manobra. Compartilhavam as mesmas intenções. Perseguiam os mesmos objetivos. De resto, Alexandre, além de juiz, no passado foi um policial. Durante parte do último governo de Geraldo Alckmin, em São Paulo, foi secretário de Segurança Pública.

É bem possível que os demais ministros recusassem a tarefa. O Supremo é a instância mais alta da justiça, o que significa a última a que se pode recorrer.

Como ele poderia, pois, exercer ao mesmo tempo os papéis de investigar, oferecer denúncia e julgar por fim? Onde já se viu isso? Onde?

Justamente porque nunca se viu é que o tribunal tem agora pela frente um abacaxi de casca grossa e amargo para descascar. Toffoli e Alexandre foram humilhados ao recuarem da imposição da censura ao site e à revista. Nova humilhação os aguarda com o arquivamento do inquérito.

Como disfarçá-la ou torná-la mais suportável? Por enquanto, ninguém no tribunal tem a resposta. Alguma terá de ser arranjada para contornar uma das maiores lambanças da história da solene e austera figura que é o Supremo.


Ricardo Noblat: Cem dias jogados no lixo

Bolsonaro x Bolsonaro

E no centésimo dia do seu governo, por mais que possa dizer o contrário, o presidente Jair Bolsonaro pouco tem a comemorar.

Se até aqui há algo de original neste governo é o fato de que dispensa oposição. Ele detém o monopólio da oposição.

A oposição conhecida como tal ainda padece da surra que levou nas eleições do ano passado e se ocupa em lamber suas feridas.

O espaço reservado a ela por enquanto foi totalmente ocupado pelo governo. Ele é seu principal adversário. E à sua cabeça, Bolsonaro.

O ex-presidente Fernando Henrique notabilizou-se por desinflar as crises que batiam à porta do seu gabinete. Lula, também.

A exemplo de Dilma Rousseff, mas talvez muito mais do que ela, Bolsonaro faz justamente o contrário. Infla as crises. Ele é a crise.

Dois ministros foram decapitados, quatro secretários-gerais de ministérios e dois presidentes da Agência de Promoção das Exportações.

O novo ministro da Educação tomou posse dizendo que governará para todos. Em seguida, disse que demitirá quem pisar fora da linha.

Saiu da Educação um discípulo do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, o guru do clã Bolsonaro. Entrou outro.

Segue o governo dividido em três grupos: o dos militares, o ideológico de extrema direita, e o dos técnicos.

Os militares tentam apagar os incêndios provocados pelo capitão e sua turma ideologizada que nega ser ideológica.

Os técnicos tentam trabalhar – e à falta de um projeto verdadeiramente de governo, orientam-se pelo próprio faro.

A política externa foi entregue aos cuidados de um ministro que não se envergonha de dizer que é trumpista. É também incompetente.

O presidente da República mais viaja do que governa e dá a impressão de que trabalha pouco, e sem gosto.

O Congresso aprovará a reforma da Previdência. Mas não a reforma dos sonhos do ministro Paulo Guedes. Longe disso.

A maioria dos políticos pensa assim: se Bolsonaro os trata mal quando mais precisa deles, imagine depois se deixar de precisar?

Portanto, nada de lhe dar o que pede. Bolsonaro deve ser alimentado com pouca coisa e mantido sob rédea curta.

Se a receita serve para a reforma, servirá também para o pacote de medidas contra o crime do ministro Sérgio Moro, da Justiça.
A má vontade com o que Moro pede será maior porque Moro é Moro. Ninguém mais do que ele demonizou a política.

A não ser que mude de ideia, Bolsonaro celebrará seus 100 dias de governo com o anúncio do 13º salário para o Bolsa Família.

Para quem diz que programas sociais não tiram ninguém da miséria, o anúncio só prova que Bolsonaro não sabe o que fala.

Um presidente agastado

O desabafo do capitão
E no 99º dia desde que subiu pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto, o capitão da reserva Jair Messias Bolsonaro recebeu em seu gabinete a visita dos deputados Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade, e Augusto Coutinho, líder do partido na Câmara. Em pauta, a reforma da Previdência Social.

“Bom dia, presidente, onde devo me sentar?” – perguntou Paulinho à chegada. “Desde que não seja em meu colo, pode sentar onde quiser”, respondeu Bolsonaro com o sorriso largo de sempre. Foi o que bastou para ditar o ritmo descontraído da conversa, testemunhada pelo ministro Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil.

Bolsonaro alternou momentos de bom humor com outros de sonolência, segundo Coutinho. E sempre que os dois deputados faziam críticas ao projeto da reforma despachado pelo governo ao Congresso, Bolsonaro se apressava em concordar com eles. “É, vamos dar um jeito nisso”. Ou: “Isso dá para mexer, sim”.

Concordou, por exemplo, que daria para tirar do projeto a parte que trata da reforma da Previdência de Estados e municípios. Assim como outros pontos já criticados pelos políticos. A certa altura do encontro, Bolsonaro fez um desabafo que causou forte impacto nos dois deputados:

– Sabe, Paulinho, eu já poderia estar aposentado, em casa, tomando uma caipirinha… Mas estou aqui nesta porra…

E sorriu, para variar.

Um afiado observador da política brasileira, que recentemente esteve com Bolsonaro no Palácio do Planalto, saiu de lá com a impressão que nem mesmo João Batista de Oliveira Figueiredo, o último general-presidente da ditadura militar de 64, pareceu mais agastado com as funções do cargo do que o capitão.