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Dois grandes nomes da Educação brasileira: Paulo Freire e Anísio Teixeira

Paulo Freire é, sem dúvida, um dos grandes educadores que o Brasil produziu. Certamente é o mais conhecido de todos, tendo sua obra principal, “Pedagogia do Oprimido” como uma das mais citadas e estudadas no mundo. No início dos anos 1960 quando o Brasil fervilhava com ideias de desenvolvimento autônomo, de construção de uma cultura civilizacional própria, logo após a inauguração de Brasília, Paulo Freire elaborou um método de alfabetização para populações pobres e marginalizadas que produziu efeitos imediatos. Aplicou com sucesso este método em comunidades de cortadores de cana de Pernambuco e numa pequena comunidade de uma cidadezinha do interior do Rio Grande do Norte.

O método Paulo Freire consiste principalmente na ideia de que o conhecimento é construído pelo indivíduo, onde o professor seria tão-somente um facilitador. Uma variação desse método foi emulado por um programa educacional em mais larga escala, chamado “De pé no chão também se aprende a ler”, pela prefeitura de Natal, liderada por um político extraordinário chamado Luiz Maranhão, hoje esquecido. O golpe de Estado de 1964 desbaratou esse programa e tantos outros projetos educacionais criados naqueles anos, inclusive a Universidade de Brasília, concebida e criada por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. Paulo Freire foi exilado, trabalhou no Chile por cinco anos e por volta de 1973 passou a desenvolver seu programa como consultor da ONU, da FAO e do Conselho Mundial de Igrejas em diversos países da África, notadamente Guiné-Bissau e Moçambique, ambos ex-colônias portuguesas. Em sua volta ao Brasil, a partir de 1979, Paulo Freire foi reconhecido como um grande educador e sua obra teve imensa divulgação. Filiado ao Partido dos Trabalhadores, entre 1989 e 1991 foi secretário de Educação da cidade de São Paulo, sob o governo de Luiza Erundina (gestão 1989-1993).

O grande mérito educacional de Paulo Freire é seu método, de cunho dialético, onde o indivíduo aprende por uma espécie de diálogo entre aspectos de sua experiência vivenciada e as ideias novas a serem pensadas e elaboradas. Filosoficamente, é um método que fora elaborado anteriormente pelo filósofo americano John Dewey ainda na década de 1920. Porém Paulo Freire vai adiante ao propor que a educação deve servir para conscientizar e libertar o homem de suas condições sociais e econômicas, reconhecendo a opressão que muitos sofrem. É aí onde reside o carisma do Método Paulo Freire. Na prática, a alfabetização de adultos tem sido o maior sucesso de aplicação do método Paulo Freire, ainda que suas reflexões sirvam para pensar o homem como um ser premido pela busca da liberdade e da igualdade social. Em 2012, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei que o declara Patrono da Educação brasileira.

Ultimamente, têm surgido muitas críticas ao legado educacional de Paulo Freire, desafiando inclusive o mérito de ser Patrono da Educação brasileira. As críticas se referem ao seu uso do método dialético e sua orientação política, sugerindo-se que esse título foi-lhe dado por influência de um partido político. Ora, o título foi dado por decisão do Congresso Nacional, portanto, tendo havido intensas discussões a respeito. Sugerem seus detratores que um nome mais adequado seria o jesuíta e missionário dos primeiros anos do governo geral do Brasil, o padre José de Anchieta, que foi uma grande figura nacional, sem dúvida, mas, na verdade, um doutrinador.

Penso, por outro lado, que a elevação de Paulo Freire a figura maior da Educação brasileira, sombreia outros grandes educadores nacionais que tiveram influência mais abrangente e que precisam ser resgatadas e estudados para se repensar a educacional nacional. Dentre eles está Anísio Teixeira, que não somente tratou da filosofia da educação, como exerceu papéis político-educacionais que deixaram permanência mais consistente em nossa educação, sem dúvida combalida nesses anos que vivemos. Anísio criou um método de educação integral, fundou escolas na Bahia (início da década de 1920) e no Rio de Janeiro (início da década de 1930), fundou a Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, em 1935, que, embora extinta por Getúlio Vargas em 1937, deu raízes à criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que terminou se consolidando na Universidade do Brasil, hoje UFRJ. Criou também a Escola Parque, em Salvador, em 1951, e, junto com Darcy Ribeiro, concebeu e edificou a Universidade de Brasília, em 1960-61, que serviu de modelo para o sistema de ensino superior em nosso país.

Interessa, nesse momento crucial para a Educação brasileira que vivemos, reconhecer grandes mestres, inclusive Darcy Ribeiro, que dedicaram suas vidas a pensar o papel da Educação na formação do ser humano brasileiro.

No meu livro, O BRASIL INEVITÁVEL: ÉTICA, MESTIÇAGEM E BOROGODÓ, Cap. 8, trato do papel de Anísio Teixeira como um dos principais pensadores do Brasil. Eis o trecho sobre esse mestre da Educação.

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Anísio Teixeira (1900-1971)

Muito antes de despontar como um educador que podia tomar a responsabilidade de criar uma universidade para o Distrito Federal, em 1935, Anísio Teixeira já era o principal formulador de uma visão moderna para a educação brasileira tanto em aspectos de filosofia quanto como visão pedagógica e prática escolar, para todas as classes sociais brasileiras. Em 1932, ele e um grupo de educadores de ponta – com destaque para Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Hermes Lima, Cecília Meireles, Afrânio Peixoto e o indefectível Roquette-Pinto (que estava em todas nesses anos) – assinaram o “Manifesto dos pioneiros” que introduzia um programa com uma série de conceitos sobre educação no Brasil que ficou conhecido como Escola Nova. A Revolução de 1930 tinha despertado a possibilidade de mudanças no Brasil e, ainda que regida por gente ligada ao positivismo, havia abertura para novidades, se estas viessem com força persuasiva política. O programa se manifestava pela inclusão de todas as classes sociais, sem discriminação, em um programa pedagógico universal, para todos com idades entre sete e quinze anos. O Manifesto falava também sobre o “desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma de suas etapas de crescimento”.

Na década de 1920, depois de ter sido inspetor de ensino público na Bahia, Anísio Teixeira passou uma temporada na Europa, observando as escolas de diversos países e, depois de uns anos na Universidade Columbia, em Nova Iorque, a mesma onde estivera alguns anos antes Gilberto Freyre, lá concluiu um mestrado em filosofia da educação com ninguém menos que John Dewey, o filósofo americano por excelência, talvez o maior responsável pela consolidação da visão de educação públicanorte-americana desde o início do século XX. Para Dewey a educação era uma dimensão da vida moderna que deveria contribuir para o espírito de igualdade social e democracia política. Acreditava também que o indivíduo devia ser visado como um ser integral para ser tanto cidadão como profissional e que a escola deveria ser de turno integral, misturando disciplinas do espírito com as do corpo. Foi mais ou menos isso que Anísio Teixeira quis estabelecer no Brasil para o nível juvenil, ao longo de sua vida de educador e político, e de fato estabeleceu um protótipo do que seria essa educação pela famosa Escola Parque, quando foi secretário de educação na Bahia, no final da década de 1940. Essa mesma ideia foi repercutida no programa educacional conhecido pela sigla CIEP, criado e dirigido por Darcy Ribeiro, em um período de oito anos, entre os anos 1983 e 1995, no estado do Rio de Janeiro.

Para Anísio Teixeira e seu confesso discípulo Darcy Ribeiro, não poderia haver muito mistério em se prover educação de qualidade para todas as crianças brasileiras. Bastava vontade política e recursos humanos e financeiros. A simplicidade e a clareza de sua visão sobre educação constituem a sua grande contribuição ao pensamento social brasileiro. Mas nada foi fácil quando ambos tentaram tocar projetos ambiciosos e, eventualmente, não alcançaram êxito permanente.

Anísio Teixeira, como Darcy Ribeiro, também elaborou e organizou universidades no Brasil. Anísio foi o principal responsável pela concepção e instalação da Universidade do Distrito Federal, na cidade do Rio de Janeiro, sob o patrocínio do prefeito Pedro Ernesto, em 1935, tendo já sido secretário de educação municipal nos anos anteriores, quando construiu diversas escolas públicas que elevaram a qualidade do ensino no Distrito Federal por muitas décadas. A UDF não durou muito, pois Getúlio Vargas mandou fechá-la após a tentativa do levante comunista em novembro daquele mesmo ano. Gilberto Freyre chegou a preparar um curso de antropologia cultural, naquele ano, com algumas aulas. O modelo sobreviveu na criação ainda em 1939 da Faculdade Nacional de Filosofia, a qual abrangia as ciências humanas, a filosofia e as demais ciências, como física, química e biologia, até que foi fundada a Universidade do Brasil, e cada bloco de ciências criou seus próprios institutos. Hoje é a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Anísio e Darcy também criaram juntos a Universidade de Brasília, novamente para ser um exemplo e modelo da educação superior no Brasil. De fato, mesmo tendo sofrido a intervenção militar durante os anos da ditadura, a UnB serviu de modelo para o sistema universitário brasileiro que foi instalado no final da década de 1960 pelo ministério da Educação do governo militar-ditatorial.

A história brasileira é um redemoinho de ironias e tragédias. Anísio morreu em 1971 em condições até hoje consideradas suspeitas. Seu corpo foi encontrado no fosso do elevador de um prédio no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Ou ele era muito distraído ou um vento o empurrou ao vazio.