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Bernardo Mello Franco: O capitão entre os generais

No primeiro ano de governo, Bolsonaro esvaziou os militares para mostrar que estava no comando. Agora ele vai entregar a Casa Civil a um general da ativa

O convite ao general Braga Netto cria uma situação inédita em Brasília. Pela primeira vez desde o fim da ditadura, a Casa Civil será chefiada por um militar. Isso não ocorria desde que o general Golbery do Couto e Silva deixou o governo Figueiredo. Ele esvaziou as gavetas em agosto de 1981, três meses depois do atentado do Riocentro.

Agora o governo de Jair Bolsonaro passa a ter nove militares entre os 22 ministros. Isso inclui as quatro pastas com assento no Planalto. Já estavam lá os generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), além do major da PM Jorge Oliveira (Secretaria-Geral).

Eleito por um partido nanico, Bolsonaro apelou aos militares para compensar a falta de quadros sem dividir poder com o Congresso. Logo passou a esvaziar os auxiliares de farda. Isolou o vice Hamilton Mourão e demitiu o general Santos Cruz. Os dois haviam entrado em colisão com o guru do clã presidencial, Olavo de Carvalho.

No auge do conflito, o autoproclamado filósofo disse que a contribuição dos militares à cultura nacional se limitava a “cabelo pintado e voz impostada”. A ala verde-oliva ensaiou uma rebelião, mas preferiu engolir as humilhações calada.

Além de decapitar Santos Cruz, o presidente demitiu generais que chefiavam órgãos como Correios, Funai e Incra. Agora ele volta a recorrer à caserna para substituir o deputado Onyx Lorenzoni.

“Bolsonaro não queria ser visto como um capitão entre os generais. Por isso, usou o primeiro ano do governo para mostrar quem manda”, explica o cientista político João Roberto Martins Filho, da UFSCar.

Referência no estudo das Forças Armadas, ele diz que os militares acumularam desgastes ao associar sua imagem ao governo. Agora a aliança dos quartéis com o palácio ganha um reforço de peso. Até ontem, Braga Netto chefiava o Estado-Maior do Exército.
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Depois de chamar os servidores públicos de parasitas, Paulo Guedes reclamou que as empregadas domésticas estavam aproveitando o dólar baixo para ir à Disney. No posto Ipiranga do bolsonarismo, pobre só tem lugar como frentista.


Bernardo Mello Franco: Tempos anormais

Num governo normal, em tempos normais, um imitador de nazistas jamais alcançaria o topo do poder. Alvim chegou lá porque estamos no Brasil de Bolsonaro

“Antes de mais nada, é preciso lembrar o que o governo Bolsonaro não é: um governo normal em tempos normais”. Assim começa o artigo “O método do governo Bolsonaro”, do cientista político Christian Lynch. O texto teve repercussão modesta quando foi publicado, em agosto passado. Cinco meses depois, transformou o autor em alvo da caça às bruxas federal.

Na quarta-feira, Lynch foi anunciado para um cargo técnico no centro de pesquisas da Casa de Rui Barbosa. Horas depois, teve a indicação vetada pelo secretário de Cultura do governo. Roberto Alvim acusou o pesquisador de pregar “ideias execráveis” sobre o presidente. A nomeação subiu no telhado antes de sair no “Diário Oficial”.

No dia seguinte ao expurgo, Alvim foi elogiado publicamente pelo chefe. “Depois de décadas, agora temos um secretário de Cultura de verdade”, celebrou o capitão. O dramaturgo cairia horas depois, após copiar um discurso de Joseph Goebbels. A indignação de meia República não bastou para derrubá-lo. Bolsonaro só entregou sua cabeça após uma ligação do embaixador de Israel.

Antes de tropeçar no próprio fanatismo, Alvim cumpriu todas as tarefas que recebeu. Desmontou programas, perseguiu servidores, atacou artistas e entregou instituições culturais a militantes de extrema direita. Seu último ato foi lançar um prêmio de R$ 20 milhões para financiar o que ele mesmo definiu como um “bombardeio de arte conservadora”. O plagiador caiu, mas a guerra cultural continua — e o destino do dinheiro público permanece incerto.

Num governo normal, em tempos normais, um imitador de nazistas jamais alcançaria o topo do poder. Alvim chegou lá porque estamos no Brasil de Bolsonaro. É um país em que o ministro da Educação insulta professores, o ministro do Meio Ambiente ataca ambientalistas e um assessor da Presidência se sente livre para repetir gritos de guerra do fascismo espanhol.

Ainda há quem tente contemporizar com o inaceitável a pretexto de defender as reformas. Na sexta, analistas de mercado se apressaram em dizer que a escalada autoritária “não abala” a agenda econômica. Nelson Rodrigues já ensinou que o dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro. Ocorre que não existem dois governos paralelos, um extremista e um moderado. O projeto em curso é um só, e aposta na radicalização para se perpetuar no poder.

No texto que irritou Alvim, o professor Lynch descreve as armas do bolsonarismo para encurralar as instituições democráticas. “Fazem parte do seu arsenal de guerra política a intimidação, o espírito de vingança, a perseguição e o exercício da violência psicológica”, escreveu. A ordem é mobilizar a militância e acuar o Congresso e o Supremo. Ao mesmo tempo, o governo captura os órgãos de controle e investe contra entidades da sociedade civil.

O cientista político observa que o projeto em curso não se contenta com vitórias eleitorais. Seu objetivo é “pôr abaixo o mundo que a Constituição de 1988 criou”, a pretexto de restaurar valores “da autoridade, da hierarquia e da religião”. O artigo também descreve a fórmula para a ascensão de figuras como Alvim: “A adesão ao extremismo ideológico é escada para os candidatos que desejarem assumir cargos na administração”.