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El País: Bolsonaro demite Bebianno, mas o elogia em vídeo, na tentativa de atenuar crise

Nota de demissão foi lida por porta-voz do Planalto nesta segunda. Desfecho sem sequelas depende de reação de ex-ministro e reverberação na base do Congresso

Chegou ao fim nesta segunda-feira a lenta fervura de Gustavo Bebianno no Governo de Jair Bolsonaro (PSL). A partir de amanhã, o advogado deixará oficialmente o ministério da Secretaria-Geral da Presidência da República. Ele é a primeira baixa no primeiro escalão desta gestão. Depois de quase uma semana sob fortes ataques, o ministro sai pela porta dos fundos do Palácio do Planalto – demitido sob a suspeita de ter patrocinado um esquema de candidaturas laranjas do PSL no ano passado, quando presidiu interinamente a legenda a pedido de Bolsonaro, e após uma queda de braço com Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente, que criticou publicamente Bebianno e foi endossado pelo pai. O anúncio de sua demissão foi feito pelo porta-voz da presidência, Otávio Rêgo Barros.

O presidente não detalhou quais seriam os desentendimentos ou interpretações equivocadas, o que foi lido como uma tentativa de evitar que Bebianno, de 54 anos, se torne um homem-bomba, já que, pela proximidade com o presidente e por ter coordenado toda a sua campanha eleitoral, teve acesso a informações que poucos tiveram

O sucessor na Secretaria-Geral será o general Floriano Peixoto, o antigo número dois do órgão. Com a presença dele na pasta, apenas um dos quatro ministérios sediados no Palácio do Planalto passará a ser ocupado por alguém que não seja militar, a Casa Civil de Onyx Lorenzoni (DEM-RS). As outras pastas são comandadas por generais da reserva. O Gabinete de Segurança Institucional, por Augusto Heleno, e a Secretaria de Governo, por Carlos Alberto Santos Cruz. Agora, 8 dos 22 ministérios de Bolsonaro são ocupados por militares.

Influência da família e sequelas políticas

O desfecho com a demissão de Bebianno é uma tentativa de por fim aos ruídos no círculo mais íntimo da presidência enquanto o Governo tenta levar adiante agendas que dependem do Congresso, como a reforma da Previdência, cujo projeto deve ser enviado na quarta-feira. No entanto, os dias de idas e vindas e as mensagens públicas –e mais ou menos públicas– trocadas entre os protagonistas da novela sinalizam que pode haver mais capítulos.

A fritura de Bebianno começou na quarta-feira passada, quando o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), disse que o então ministro havia mentido que ele tinha conversado três vezes com seu pai pelo telefone para tratar das denúncias sobre candidaturas laranjas do PSL em Pernambuco. Reportagens da Folha de S. Paulo publicadas nas últimas duas semanas mostraram indícios de que o partido do presidente lançou candidaturas femininas de fachada apenas para atingir a cota de 30% de mulheres candidatas. Uma delas teria recebido 400.000 reais de fundo partidário e recebido apenas 274 votos.

Desde que o presidente sinalizou que demitiria Bebianno, o então ministro passou a fazer ameaças. Dizia que não pediria demissão e que não cairia sozinho. Por ora, Bebianno ainda não se manifestou sobre sua exoneração. Para amenizar eventuais críticas e para evitar que seu antigo assessor, o presidente chegou a oferecer dois cargos a ele: conselheiro na estatal Itaipu ou embaixador do Brasil em Roma. O primeiro cargo foi refutado por Bebianno, apesar de receber quase três vezes o salário de um ministro. O segundo estava sendo analisado. Até a conclusão dessa reportagem, não houve o anúncio sobre decisão do ex-ministro. Quando questionado sobre essa oferta, o porta-voz presidencial disse desconhecer essa informação.

Otávio Rêgo Barros também não soube dizer se Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), o ministro do Turismo, que é apontado como patrocinador de candidaturas laranjas em Minas Gerais, também teria o mesmo fim que Bebianno. Nas redes sociais, apoiadores do presidente e família promoviam uma hashtag de apoio para sinalizar que a crise estava debelada.

Agora, resta saber se haverá sequelas da decisão de Bolsonaro, para além da reação do ex-ministro. Na semana passada, tanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, como a ala militar do Governo defenderam Bebianno. No caso de Maia, foi explícita à crítica sobre a influência do filho de Bolsonaro nos rumos do Governo, e nos bastidores os militares avaliavam o mesmo. "(É um) risco muito grande pra um Governo que precisa analisar a liderança, unidade, porque vai ter desafios importantes começando pela Previdência", disse Maia ao G1.


O Globo: Gestão Bolsonaro tem segunda demissão mais rápida em início de governo desde a redemocratização

Considerando os últimos sete presidentes, primeira baixa no alto escalão ocorreu em média com 178 dias de governo

Por Marlen Couto, de O Globo

RIO — Com a saída de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral , a gestão do presidente Jair Bolsonaro tem a segunda demissão de um ministro mais rápida em um início de governo desde a redemocratização. A queda de Bebianno, 49 dias após tomar posse, só não foi mais rápida que a de Romero Jucá, em 2016, quando o então ministro do Planejamento de Michel Temer pediu licença do cargo 11 dias após assumi-lo. Na época, foram divulgadas gravações em que Jucá falava de um pacto para "estancar a sangria" provocada pela Operação Lava-Jato.

Desde o governo Sarney, a primeira demissão no alto escalão ocorreu, em média, com 178 dias de governo, ou seja, pouco mais de seis meses após o presidente tomar posse. O levantamento foi feito, a pedido do GLOBO, pelo cientista político e pesquisador Paulo Franz, do Observatório de Elites Políticas e Sociais, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

 


Para Paulo Franz, especialmente após as manifestações de junho de 2013, a rotatividade ministerial tem sido intensa no país:

— As redes sociais, sem dúvida, têm cumprido um papel central nas decisões e recuos dos últimos governos. Da mesma forma, a tentativa de acomodar partidos nos ministérios de forma que se conquiste apoio o suficiente num parlamento ultrafragmentado leva o governo a recrutar atores e legendas pouco disciplinados. É o retrato da fraqueza institucional brasileira — avalia o pesquisador.

As primeira demissões ocorreram sob condições não favoráveis, marcadas por escândalos ou crises internas. A saída de Bebianno se enquadra nos dois critérios. O ministro caiu após denúncias envolvendo supostas irregularidades na sua gestão à frente do caixa eleitoral do PSL e em meio ao seu degaste com o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ).

A exceção foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No caso do petista, o então ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, deixou a pasta um ano após assumir o cargo, em meio a uma reforma ministerial.


O Globo: Governo oficializa exoneração de Bebianno e alega 'foro íntimo'

General Floriano Peixoto Vieira Neto vai assumir o cargo|

Por Jussara Soares e Karla Gamba, de O Globo

BRASÍLIA —  Após a crise instalada desde a última semana no governo, a demissão do ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, foi confirmada na noite desta segunda-feira pelo porta-voz da Presidência da República, Otávio do Rêgo Barros. Em um pronunciamento à imprensa, ele leu uma nota na qual comunicou oficialmente que o presidente Jair Bolsonaro decidiu pela exoneração de Bebianno.

Perguntado sobre a razão da demissão, o porta-voz explicou que foi uma questão de "foro íntimo" do presidente. No pronunciamento ele não respondeu as principais perguntas sobre a crise, nem sobre a demora no anúncio da demissão. Rêgo Barros disse apenas que Bolsonaro usou o "tempo necessário" pensando na decisão.

POLITICANDO : Demissão não será a última decepção de eleitores

PERFIL : Bebianno, um fã que chegou ao coração da família Bolsonaro

Em nome do presidente Jair Bolsonaro, o porta-voz agradeceu ao ministro Bebianno e lhe desejou sucesso:

— O presidente agradece sua dedicação à frente da pasta e deseja sucesso na nova caminhada — afirmou Rêgo Barros em seu pronunciamento.

De acordo com o porta-voz, o general Floriano Peixoto Vieira Neto, que ocupava o cargo de secretário executivo do ministério,será o novo ministro da Secretaria Geral . Com a nomeação dele, o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) será o único ministro sem patente militar a despachar do Palácio do Planalto. Floriano Peixoto será o oitavo militar no primeiro escalão do governo.

O porta-voz negou ainda que o governo tenha intenção de fazer mudanças nas atribuições da pasta.

— O general Floriano passará a ser o Secretário Geral da Presidência de forma definitiva e não há a possibilidade de mudanças na estrutura da pasta — disse Rêgo Barros.

Agora, fora do governo, Bebianno diz que voltará a advogar . Segundo o empresário Paulo Marinho, um dos mais próximos aliados do ex-ministro, ele não descarta seguir na política.

A demissão ocorre após uma crise ao longo de toda a última semana. O ex-ministro foi chamado de mentiroso pelo vereador Carlos Bolsonaro, na última quarta-feira. No Twitter, o filho mais próximo do presidente disse que Bebianno mentiu ao falar ao GLOBO que havia conversado três vezes com o presidente no dia anterior. A declaração foi dada para negar que ele estava protagonizando a crise. Na ocasião, Bebianno disse que só havia tratado de assuntos institucionais e não sobre uma possível instabilidade no governo.

Carlos chegou a compartilhar um áudio do presidente para Bebianno como forma de comprovar que não o houve uma conversa entre os dois. As mensagens foram posteriormente compartilhadas pelo próprio Bolsonaro.

O processo de desgaste de Bebianno começou com denúncias envolvendo supostas irregularidades na sua gestão à frente do caixa eleitoral do PSL, partido dele e de Bolsonaro, publicadas na "Folha de S. Paulo". Bolsonaro e os filhos, no entanto, acusam o ex-coordenador da campanha de vazar informações para a imprensa.

A "fritura" do ministro ocorria desde a transição, quando o presidente esvaziou a Secretaria-Geral da Presidência para tirar poderes do desafeto do filho. Durante todo o período de mudança de governo, Bebianno evitou declarações à imprensa e se cercou de militares em seu gabinete como modo de se blindar no Planalto.

Bebianno nega as acusações e promete, fora do poder, comprovar com textos e áudios que não mentiu e que não é responsável pelos casos de candidaturas laranjas nos estados. Ele também está disposto a rebater os ataques de Carlos Bolsonaro.

Na semana passada, políticos e militares atuaram para tentar debelar a crise e evitar a demissão. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chegou a ligar para o ministro da Economia, Paulo Guedes, para dizer que a demissão poderia atrapalhar a aprovação da reforma da Previdência.

Na sexta-feira, durante uma reunião no Palácio do Planalto, Onyx disse a Bebianno que ele ficaria no governo, mas foi alertado a permanecer em silêncio.

No fim da tarde do mesmo dia, Bolsonaro e Bebianno se encontraram pessoalmente. O presidente chegou a a oferecer a ele  um cargo na diretoria da hidrelétrica de Itapu, mas Bebianno recusou. Após uma conversa ríspida, com ataques de ambos os lados, Bolsonaro saiu decidido a demiti-lo e integrantes do governo vazaram para a imprensa que o ato de exoneração do ministro já havia sido assinado.


Ricardo Noblat: Aumentem a crise, senhores!

Suicídio à vista

Ele sabe muito. E se contar um terço do que insinuou nas últimas 48 horas que possa contar, de fato o advogado Gustavo Bebianno, a essa altura possivelmente já demitido do cargo de ministro da Secretaria-Geral da presidência da República, causará severo estrago à imagem do presidente Jair Bolsonaro e do seu governo mal iniciado.

Mas nada capaz de antecipar o seu desfecho, e nem mesmo de comprometer o seu êxito no longo prazo. O que de fato poderá contribuir para o fim precoce da Era Bolsonaro é a ideia de jerico em exame pelo capitão e seus aguerridos garotos de largarem o PSL e irem se abrigar em outro partido de aluguel, a UDN.

A União Democrática Nacional (UDN) foi um partido fundado em abril de 1945 para fazer oposição às políticas e à figura de Getúlio Vargas. Era de orientação conservadora. Adotou como lema uma frase apócrifa de Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.

O golpe militar de 1964 extinguiu todos os partidos – inclusive a UDN que o apoiou. Mas há uma UDN fake em formação, com CNPJ e pedido de registro no Tribunal Superior Eleitoral. Ela já tem diretórios em nove Estados e espera obter seu registro definitivo em breve. É um dos 75 partidos em fase de criação.

Um dos seus principais dirigentes é o advogado Marco Vicenzo, que lidera o Movimento Direita Unida. Vicenzo mudou-se de Vitória para Brasília e está à caça de parlamentares dispostos a trocar de partido. A lei permite que um parlamentar eleito por um partido possa se transferir para outro – desde que seja uma legenda nova.

Para quem, como Bolsonaro, que não confere a mínima importância a partidos, e que já foi filiado a sete deles (PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP e PSC) em 30 anos de vida pública, sair do PSL onde está e aderir à UDN fake seria tão simples como mudar de sapato – isso quando não se exibe de sandálias para fotos oficiais no Alvorada.

É aí que o bicho pode pegar. Quem está no PSL se elegeu pegando carona na boleia de Bolsonaro e com a promessa de apoiá-lo sem condições. Natural que essa gente se sinta abandonada. A relação de confiança entre o líder e os liderados será rompida. A maioria talvez não o acompanhe e se sinta liberada para votar como quiser.

E o dia seguinte? E como ficará a reforma da Previdência, a joia da coroa que Bolsonaro por enquanto lustra para apresentá-la ao Congresso? Ali, na Câmara dos Deputados, ele precisará de três quintos de um total de 513 votos para aprovar a reforma e tudo mais que implique em mudança na Constituição.

Confiança é a base dos compromissos na política. A demissão de Bebianno era a prova que faltava para demonstrar que Bolsonaro só tem compromisso com seus garotos. No passado, ele foi capaz de eleger e reeleger vereadora no Rio sua primeira mulher. Para depois lançar Carlos como candidato só para derrotar a própria mãe.

Que ele experimente fugir do PSL para fazer de conta que nada teve a ver com os rolos do partido! Aí a crise não terá mais fim.


Alon Feuerwerker: Exigir que o poder mande os mais fiéis para a degola a troco de nada é um passaporte para a desgraça

As escaramuças (por enquanto são só isso) em torno do presidente da República (e com a participação dele) têm sido retratadas como disputa entre um núcleo fundamentalista imaturo e outros núcleos maduros e, portanto, carregados de razão.

O primeiro reuniria antes de tudo os filhos, em primeiro lugar o do meio. Na periferia, alguns ministros da esfera de influência do chamado olavismo. Já os segundos congregariam a equipe econômica e os militares.

Desconfie das simplificações. Elas são como a Física do ensino médio: úteis para fins didáticos mas inúteis quando precisam explicar o fenômeno na essência. Dizer que “o problema de Jair Bolsonaro são os filhos” explica tudo e ao mesmo tempo não explica nada.

Duvida? Faça o teste. Tente responder a esta pergunta que deriva da afirmação acima: “Se o presidente precisar afastar do entorno os filhos, especialmente Carlos, com quem exatamente poderá contar?”

Hoje em dia, a lista mais comprida da área que reúne a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios é a de candidatos a tutelar o presidente da República. É consequência, esperada, do projeto “vamos eleger o Bolsonaro para derrotar o PT e depois a gente vê o que faz”.

O então candidato do PSL aceitou jogar esse jogo, cuidando de reduzir a incerteza na política econômica. Mas nunca deu qualquer sinal de que, no poder, faria um governo de paulos guedes.

Presidentes muito fracos são levados a engolir a tutela, e isso não costuma ser suficiente. Fernando Collor, acuado, montou um ministério dito ético, vertebrado pelo PFL, e mesmo assim caiu. Dilma Rousseff entregou a articulação política a Michel Temer, e o resultado é sabido.

Nos dois casos, o que era para ser ampliação da base de governo acabou virando o centro ou parte da conspiração para derrubar o governo. Bolsonaro tem muitos defeitos, mas não nasceu ontem.

Há exceções? Uma que confirma a regra foi Itamar Franco. No começo achou que governaria. Foi trucidado pela imprensa do Sudeste (nessas horas Minas Gerais não faz parte do Sudeste). Teve de entregar a presidência de fato ao ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.

Só sobreviveu porque abriu mão de qualquer poder, ou perspectiva de poder imediato. Caiu sem cair, esperando voltar em quatro anos. Mas FHC aprovou a reeleição e deixou Itamar na mão.

Bolsonaro, ao contrário de Collor, Dilma e Itamar, não está fraco. O núcleo da sua base social continua mobilizado pela agenda maximalista de endurecimento penal, valores conservadores e alinhamento com Donald Trump.

E o empresariado só quer saber da reforma da previdência, remédio do momento para curar a economia atacada pela estagnação. E na hora “h” o mercado vai apertar o torniquete no pescoço do Congresso até este entregar a mercadoria.

O que pode dar errado? Alguém das internas reunir massa crítica e começar a drenar poder. O vice dá seus passinhos mas, notem, Bolsonaro nunca passa recibo. O vice tem estabilidade no emprego.

Então, a bazuca presidencial volta-se contra quem ensaia apresentar-se como moderado, confiável e racional. É por aí que o poder começa a cortar cabeças. O que fica mais fácil quando o alvo potencial comete um erro.

E o erro número zero em palácio é o sujeito achar que há espaço para fazer uma política própria diferente da do chefe. Ainda mais quando o chefe está forte e cercado por fiéis.

Exigir que o poder mande os mais fiéis para a degola a troco de nada é um passaporte para a desgraça.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 

 


O Estado de S. Paulo: ‘Quando acabar vou dar satisfações’, diz Bebianno

Ministro tem avisado que não cai sozinho – uma referência a Carlos Bolsonaro – e reclama de tratamento desigual

Julia Lindner e Anne Warth, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, disse neste sábado, 16, que “quando acabar” sua participação no governo, “se sentir vontade”, vai “dar satisfações”. A frase foi dita em resposta ao ser questionado sobre seu desafeto, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.

O ministro, que deve ser demitido nesta segunda-feira, 18, passou o dia num hotel de Brasília. Bebianno não recebeu visitas ao longo do dia, mas, em conversas com pessoas próximas, deixou claras a frustração e a mágoa com Carlos Bolsonaro. O ministro desabafou que considerou uma covardia o fato de Jair Bolsonaro não ter tido coragem para demiti-lo e considerou inaceitável assumir um cargo em Itaipu, apesar do salário três vezes maior – pouco mais de R$ 1 milhão por ano. A amigos disse que não veio para o governo para ganhar dinheiro e que será leal até o último minuto em que permanecer ministro.

Nas conversas, Bebianno tem avisado que não cai sozinho, pois tanto a ala política, quanto a ala militar do governo, estão decididas a afastar Carlos da Presidência. Nos últimos dias o vereador tem sido mais comedidos nas redes sociais, compartilhando mensagens institucionais do governo e assuntos do Rio, como a venda da bebida em blocos de carnaval.

O ministro soube de parte das informações sobre sua demissão pela imprensa, na noite de sexta, o que o deixou chateado. Na madrugada deste sábado, publicou nas redes sociais um texto sobre lealdade e amizade. A jornalistas, afirmou que compartilhou porque “teve vontade” e que foi algo “conceitual”.

Também na fala à imprensa questionou o tratamento “diferenciado” em relação ao ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. No início do mês, Álvaro Antônio também foi alvo de suspeitas sobre o uso de candidaturas laranjas em Minas Gerais em 2018. Na época, o ministro do Turismo era presidente do Diretório Estadual. Ele foi mantido no cargo.

“Minha consciência está tranquila. Trata-se de bom senso, trata-se da lei, trata-se do estatuto do partido. Tanto é assim que, no caso do Marcelo Álvaro Antônio, por que eu não sou culpado, então?”, questionou, pois, segundo ele, os dois casos são semelhantes e só em um o culpam. Álvaro Antônio era presidente do PSL em Minas, no ano passado. No caso de Pernambuco, o presidente do diretório era o hoje deputado Luciano Bivar.

Em seguida, questionado por que estaria recebendo um tratamento diferente do ministro do Turismo, que permaneceu no cargo, Bebianno disse que não sabe. “Não sou eu que dispenso o tratamento, eu estou recebendo o tratamento com perplexidade. Quem dispensa o tratamento é que tem que explicar os seus motivos.”

Para ele, não há razão para ligá-lo ao caso de Pernambuco. “Não tem nada a ver comigo, isso é a lei, o estatuto do partido, é o bom senso. Como alguém na nacional pode controlar o que acontece no Acre, em Rondônia?” Bebianno disse que não fez “nada de errado” e está com a consciência “absolutamente tranquila e limpa”. / COLABOROU VERA ROSA


Ascânio Seleme: Pai Permissivo

Pai permissivo detesta enfrentar seus filhos. Desde muito cedo faz todos os gostos dos meninos, mesmo quando racionalmente reconheça que deveria agir de modo contrário. Teme que as crianças se irritem com a negativa, façam uma cena e lhe tirem a tranquilidade. Esse homem é um egoísta que não quer problema e faz qualquer concessão para evitar conflito. Seus filhos são mimados e crescem com uma autonomia inadequada para suas idades e capacidades cognitivas. São meninos-problema e serão homens-problema.

O pai permissivo é um covarde por natureza. No fundo, ele tem medo dos filhos. No começo, é medo de se incomodar com o que julga ser bobagem, e vai deixando os filhos agirem como bem entenderem. Com essa lógica medrosa, permite que esses jovens cresçam sem controle e se tornem homens que desrespeitam limites. Daí, o pai começa a ter medo físico dos filhos.

Como o pai permite tudo, ou não se importa com nada, os filhos acabam tendo seu desenvolvimento psicoemocional descompensado. Sua capacidade de interagir em casa e na rua, sobretudo na rua, é balizada por essa permissividade. Esses meninos ficam autoritários, brigões, não aceitam não como resposta. Suas habilidades sociais são reduzidas, qualquer faísca é capaz de provocar reações bruscas, burras e algumas vezes brutais.

Esses meninos são normalmente arrogantes. Acham que podem tudo, afinal cresceram num ambiente em que tudo podiam. Muitos filhos de pais permissivos já quebraram empresas que herdaram da família. Como qualquer coisa que fizessem era abençoado pelo pai, envelheceram sem conhecer as suas próprias limitações e, acreditando saber mais do que de fato sabem, acabaram destruindo patrimônios. Esse é apenas um dos muitos problemas de arrogância gerada desde o berço.

Se meninos mimados podem quebrar a empresa do pai permissivo, imaginem o que serão capazes de fazer com uma nação se forem filhos do seu presidente. O modo com que o filho Carlos Bolsonaro age no governo do pai sugere ter tido esse tipo de criação permissiva. Ele faz o que lhe dá na telha e que se danem os incomodados. E, pior, o pai passa a mão na sua cabeça.

No primeiro dia de governo aquela carona patética que pegou no Rolls-Royce presidencial já mostrava até onde poderia ir. Um pai não permissivo diria: “Sai daí, menino. Que bobagem é essa?” Mas, não, Jair Bolsonaro fez nada e desfilou sorridente ao lado da mulher com aquela criatura estranha sentada sobre o encosto do banco traseiro do carro.

O ataque ao ministro Gustavo Bebianno na véspera de o governo enviar ao Congresso sua proposta de reforma da Previdência poderia ser tomado como sinal de demência. Mas, na verdade, parece tratar-se da tão banal quanto burra arrogância de filho de pai permissivo. E pior, se deu na hora em que o presidente voltava para o Palácio, no momento de maior tranquilidade de um governo que já havia começado conturbado com a bagunça de outro filho.

É difícil acreditar que Carlos agiu orientado pelo pai. A menos que o pai seja ainda mais cego e tapado que o filho. Não acredito. O fato é que, graças a desenvoltura desmedida de uma pessoa que sempre pôde tudo, o presidente Jair Bolsonaro se deixou engolfar por uma crise. Uma crise criada por uma birra de um filho mimado.


Bernardo Mello Franco: A mentira é o de menos

A polêmica sobre os diálogos de Bebianno é irrelevante. O que importa é saber quem embolsou o dinheiro do laranjal e o que ele está disposto a revelar sobre a campanha

Na versão oficial, o novo governo terá a primeira baixa por causa de uma mentira. O vereador Carlos Bolsonaro acusou o ministro Gustavo Bebianno de relatar conversas inexistentes com o pai. “Mentira absoluta”, tuitou o Zero Dois. O presidente apoiou o filho e reforçou a fritura do auxiliar.

O tiroteio verbal agravou a crise, mas desviou o foco de sua origem. Bebianno está na berlinda porque comandava o PSL quando o partido que prometeu limpar a política declarou gastos com candidatos fantasmas. A família do presidente culpa o ministro pelo laranjal. Ele ameaça espremer o chefe depois que virar suco.

Como os repasses saíram do fundo eleitoral, o conflito de versões é o que menos importa. O essencial é saber quem embolsou o dinheiro público. E o que Bebianno está disposto a revelar sobre a “campanha mais pobre da história do Brasil”, nas palavras do presidente.

Se a mentira virasse critério de corte, sobraria pouca gente no governo. Na última semana, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu que Chico Mendes era grileiro de terras. O ambientalista lutou pela floresta amazônica e foi assassinado a mando de um fazendeiro. Salles foi condenado por improbidade administrativa, acusado de fraudar mapas para favorecer uma mineradora.

A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, já virou folclore pelas cascatas em série. Antes de assumir o cargo, ela inventou que hotéis-fazendas incentivam a zoofilia e que os holandeses ensinam bebês a se masturbar. Em sua última contribuição ao anedotário, incentivou todos os pais de meninas a fugirem do país.

Os delírios da pastora sugerem que ela habita um mundo à parte, onde o fundamentalismo borra as linhas que separam realidade e ficção. O chanceler Ernesto Araújo parece orbitar o mesmo planeta quando nega as mudanças climáticas e promete libertar o Itamaraty do “marxismo cultural”.

Bolsonaro também tem uma relação conflituosa com os fatos. Na campanha, ele espalhou informações falsas sobre o voto eletrônico, a distribuição de livros escolares e a sua própria produção legislativa, entre outros temas. Em janeiro, foi a Davos e disse que o Brasil é “o país que mais preserva o meio ambiente”. Três dias depois, o mundo se chocou com as imagens de Brumadinho.

A exemplo de Donald Trump, de quem é fã, o presidente reage a cada desmentido acusando a imprensa de difundir “fake news”. No fim de 2018, o jornal “The Washington Post” atualizou a contagem das declarações falsas do republicano, um farsante contumaz. Concluiu que ele contou mais de 5.600 mentiras no ano. Uma média superior a 15 embustes por dia.
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O vice-presidente Hamilton Mourão caiu na malha fina da Receita Federal. Ele recebeu o auto de infração em 2 de janeiro, um dia depois da posse. O vice diz que deixou de apresentar três recibos de despesas médicas com a primeira mulher, de quem ficou viúvo em 2016. Ele afirma que localizou os papéis em casa e já os encaminhou ao Leão.


Foto: Beto Barata\PR

Míriam Leitão: As revelações da crise política

Caso Bebianno envolve suposto desvio de dinheiro público, nos moldes da velha política, intervenção familiar, e cargos em estatais como moeda de troca

O governo Bolsonaro tem 48 dias e já viveu várias crises, a última tem elementos perigosos e reveladores. Primeiro, o caso do ministro Gustavo Bebianno envolve suposto desvio de fundos públicos, nos mesmos moldes da velha política que o presidente Jair Bolsonaro prometeu combater. Segundo, exibiu também de forma extravagante a anomalia que se temia: a intervenção da família nas questões de governo. Por fim, Bolsonaro tentou ajeitar tudo oferecendo a Bebianno uma diretoria da Itaipu, como se cargo fosse moeda de troca.

Bebianno foi copa e cozinha de Bolsonaro desde a pré-campanha. Não há o que o atinja que não respingue no presidente. Fez parte do círculo mais restrito que iniciou a caminhada que levou Bolsonaro ao Planalto. Foi o coordenador da campanha e, portanto, tinha o poder de distribuir dinheiro. O esquema que está sendo revelado é conhecido no Brasil. Verba eleitoral vai para candidatos-laranja, que depois não sabem explicar como foi usado o dinheiro. Neste caso, não falta nada, nem a gráfica suspeita.

A primeira reação do grupo governista foi a odiosa frase do presidente do PSL, Luciano Bivar, para explicar os duzentos e poucos votos na candidata que recebeu a maior parte do fundo partidário. “Política não é muito a vocação da mulher. Essa regra (de 30% de candidaturas femininas) violenta o homem”. Para ele, a vocação da mulher é ser bailarina. O país está tão calejado de frases discriminatórias que isso nem provocou maiores reações.

Afinal, na mesma semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os processos contra Bolsonaro, que foi acusado de incitação ao estupro. O STF fez isso porque ele virou presidente, e assim determina a lei, mas o tribunal não consegue explicar por que não o julgou em tempo hábil.

Bolsonaro nunca escondeu de ninguém seu pensamento jurássico sobre várias questões, mas ele havia garantido que combateria a corrupção. Já surgiram vários casos como o do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que teria usado quatro candidatas-laranja na campanha do PSL em Minas Gerais. O mesmo esquema no qual agora está envolvido Bebianno. Há ainda a fratura exposta das movimentações bancárias de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e do próprio senador.

O presidente Bolsonaro disse que mandou a Polícia Federal investigar as suspeitas sobre as candidaturas-laranja do PSL que receberam recursos do partido. Imagina-se que a PF investigue, em geral, sem esperar pedidos presidenciais, até para não aceitar vetos presidenciais. Os assuntos que precisam ser investigados que o sejam.

Mas a questão que permanece aberta, independentemente da exoneração de Gustavo Bebianno, é que muito cedo começaram a aparecer sinais da velha política no grupo político mais próximo do presidente. Também muito mais cedo do que se imaginava surgiram turbulências provocadas pelos filhos do presidente. O Brasil não elegeu um clã, até porque a democracia não toleraria isso. Elegeu Jair Bolsonaro. Os três filhos do primeiro dos três casamentos do presidente foram eleitos e exercem seus mandatos. É natural que tudo o que eles façam ganhe muito destaque, mas eles têm exagerado. O vereador Carlos Bolsonaro interferir em assuntos do Planalto é completamente fora de propósito. E o que ele disse foi confirmado pelo pai.

Tudo nesse episódio é esdrúxulo. E disso sabem integrantes do governo. Mesmo que a turma das patentes entre tentando pôr equilíbrio na bagunça, será difícil evitar novos episódios. Carlos, Eduardo e Flávio jamais terão perfil discreto porque nunca tiveram. Aliás, de todos, Flávio é o menos inflamado, mas é o mais encrencado pessoalmente. Jair Bolsonaro criou os filhos assim, eles se espelham no pai. A família jamais se notabilizou pela sensatez e pelo equilíbrio. Só que agora é tempo de governar, e esses poucos dias de exercício do poder têm dado sinais inquietantes.

O desfecho do caso Bebianno já foi dado, sejam quais forem os próximos desdobramentos. A “filhocracia”, na feliz definição do colega Ancelmo Gois na coluna de quinta-feira, está instalada, os métodos da velha política estão presentes no novo governo, e diretoria de empresa pública é moeda de troca e prêmio de consolação. A crise confirmou as piores previsões sobre o governo Bolsonaro.


Merval Pereira: Nas redes da intriga

O novo ativismo é individualista, isolado, orientado para questões de estilo de vida e crescentemente apolítico

A crise que culminou com a queda do ministro da Secretaria-Geral da Presidência guarda dentro de si uma crise maior, alimentada pelo próprio Governo, a crise da democracia representativa. Esse é um fenômeno contemporâneo globalizado que vai se alastrando à medida que os novos meios de comunicação vão abrindo espaço cada vez maior para a participação direta dos cidadãos nas decisões politicas.

Esse empoderamento do cidadão tem seu lado negativo quando os políticos passam a se guiar pelas redes sociais, em vez de liderar ações necessárias ao país, mesmo quando impopulares. O atual Congresso é exemplo concreto desse momento conturbado que vive a democracia. Parlamentares montam estúdios em seus gabinetes para lançar mensagens permanentes, e votam de acordo com as redes sociais.

Um governo eleito fundamentalmente pela ação nas redes sociais, beneficiado pelo poder de expor suas ideias sem ser confrontado, devido à possibilidade de não comparecer a debates de televisão, sente-se dono da comunicação politica. E reputa de “inimigos” aqueles que contestam suas decisões. Um governo desse tipo fica exposto a intrigas e manipulações várias.

O caso em questão é exemplar dessa situação. Se o ministro Gustavo Bebianno foi demitido devido às acusações de manipulação ilegal de dinheiro na campanha eleitoral, a mesma decisão deveria ter atingido o ministro do Turismo, acusado também de desviar recursos partidários utilizando-se de “laranjas”.

Na verdade, independente de Bebianno ser ou não culpado, o que determinou sua derrubada foi uma disputa de poder com o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro. Especialista em usar as mídias sociais para defender seus pontos de vista, ele teve atuação permanente durante a campanha, mesmo que apartado do aparato formal.

Foi um trabalho solitário, ao lado do pai, sem características profissionais, o que permite a ele até hoje o papel de portador da voz do presidente, fora do circuito oficial que assume posições com base na intermediação com o Congresso, nas pressões da sociedade, na representatividade das corporações, todos representantes da opinião pública.

Carlos, não. É do tipo Twittero que pretende formar a opinião pública, com o uso das novas tecnologias que permitem inclusive a potencialização do alcance das mensagens com o uso de robôs e técnicas de disparos em massa de mensagens que desequilibram a disputa de ideias no espaço público.

A democracia representativa está sendo desvirtuada pelas mídias sociais, transforma-se em uma nova espécie de democracia direta. A ética da responsabilidade que Max Weber definiu para a atuação política não pode submeter-se à irresponsabilidade das redes sociais. O político, como ressaltava o próprio Weber, tem sua ética peculiar, mas quando ela se confronta com a ética da consciência, não pode prevalecer.

O homem moderno, de posse da tecnologia, dispensa intermediários e pretende assumir as rédeas do próprio futuro, interferindo nos governos, na política nacional. A contrapartida deveria ser uma classe política capaz de cumprir seus deveres, de assumir o papel contra-majoritário justamente para guiar, e não ser guiado.

A democracia representativa se apresenta em contraposição à democracia direta, que com o uso de plebiscitos e consultas populares, torna mais fácil assumir decisões difíceis. O prefeito do Rio, Marcelo Crivela, que anuncia pretender fazer um plebiscito para decidir se derruba a ciclovia Tim Maia é exemplar desse comportamento.

O surgimento de governos populistas seria, para alguns estudiosos, sintoma de uma época cujos fracassos só superaremos se nos engajarmos na defesa da política contra a democracia despolitizada. O novo ativismo, é individualista, isolado, orientado para questões de estilo de vida e crescentemente apolítico. A democracia representativa sofre, segundo esses especialistas, com a ambivalência de cidadãos cujas demandas desarticuladas são frequentemente contraditórias.

O cidadão empoderado não tem responsabilidade por suas opiniões nas redes sociais, e os políticos e governantes não podem resolver que a solução é seguir a maioria que se expressa nas redes sociais, que certamente não representa a maioria dos cidadãos e pode muito bem estar sendo manipulada.


Vera Magalhães: Autocombustão

Crise que prolonga paralisia de governo que mal começou foi fabricada pelo presidente

O governo Jair Bolsonaro já estava paralisado sem nem ter começado. A expectativa era de que essa letargia cessaria com a alta do presidente da República após duas semanas de internação. Mas a prioridade de Bolsonaro e família ao deixar o hospital não era a reforma da Previdência, mas incinerar um aliado nas redes sociais, sem se dar conta de que a chama poderia voltar e chamuscar o próprio governo.

A semana terminou com Gustavo Bebianno ainda pendurado ao cargo por um fio. Parece que Bolsonaro vai demiti-lo oficialmente na segunda-feira, mas não é bom cravar nada. Afinal, o presidente chamou o seu secretário-geral da Presidência de mentiroso enquanto ainda estava no hospital, deixou o filho brincar de fritá-lo no Twitter, deu ordem para mantê-lo no cargo e, depois, o demitiu verbalmente. Mas nada está formalizado. Este, aliás, não é um governo que se atenha a formalidades.

Num show de horrores digno de programa de barraco familiar vespertino, Carlos Bolsonaro deixa vazar áudios privativos do presidente e o ministro atingido replica fazendo vazar conversas suas com o mesmo presidente. Eis a “nova era” da comunicação direta com o povo. Um coquetel perigoso de despreparo, arrogância, autoritarismo e ingenuidade leva os Bolsonaros a jurarem que estão revolucionando a forma de fazer política e se comunicar, mas se esquecem de que as armas que usam para aniquilar inimigos (mesmo aqueles que eram amigos até ontem) podem se voltar contra eles. Afinal, se não há privacidade assegurada, vale tudo na selva das redes sociais.

Quem mais tem a perder com isso é quem tem mandato. No caso, o presidente, que insiste em brincar no Twitter ou bancar o sujeito bonachão que se deixa fotografar de chinelo e camiseta pirata de time de futebol enquanto arbitra o futuro dos brasileiros na questão mais relevante de seu governo.

Acontece que o teatro do caos vai cansando mesmo aqueles que votaram nele. Sim, porque o coquetel demoníaco a que me referi faz com que o clã tuiteiro viva a ilusão de que o patriarca foi eleito única e exclusivamente pelas redes sociais, quando muitos apenas taparam o nariz e apertaram o 17 achando que era menos pior que o 13 do PT, que levou o País à bancarrota.

Bolsonaro foi eleito por 57.797.456 de pessoas. Menos que os 58.151.241 que votaram em Fernando Haddad, em branco ou nulo. Quando se somam a esse contingente de votos contra ele os 31.371.704 que se abstiveram, tem-se um número que deveria ser eloquente para qualquer mandatário sensato ver que precisa mostrar serviço sob pena de ver a popularidade ruir.

Agora, paralelamente à apresentação de um texto que mexe diretamente com a vida das pessoas, como é a reforma da Previdência, tem-se a encenação de uma ópera bufa da demissão de alguém que sabe tudo da vida da família Bolsonaro. O presidente parece não se lembrar de que Bebianno, antes de ministro do palácio e coordenador da campanha, foi seu advogado! Conhece, portanto, o histórico patrimonial da família, as relações de amizade, as entranhas dos gabinetes de todos e os acordos que foram feitos para o desembarque da tropa bolsonarista no PSL, que era e continua sendo uma legenda de aluguel nas mãos de Luciano Bivar.

O poder que tem alguém com esse nível de acesso, humilhado reiteradamente e com uma clara disposição de não ter a reputação destruída, é imprevisível. A frase dita a mim por Bebianno dá uma pista do que está por vir: “O que eles que chamam de inferno, eu chamo de lar”. A citação não é de nenhum filósofo. Como uma boa metáfora da era Bolsonaro, ela é o slogan do segundo filme da série Rambo, que retrata um militar expurgado, armado até os dentes e disposto a tudo para se vingar.


O Globo: Em 500 tuítes, o que pensa Carlos Bolsonaro

Levantamento feito em perfil de filho do presidente mostra que 72,2% do que ele escreve são ataques; elogios representam somente 8,8%, e citações a atos do governo, 8,4%

Por Igor Mello e Juliana Castro, de O Globo

RIO — Filho mais próximo do presidente Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro deflagrou a primeira crise no coração do Palácio do Planalto ao usar o Twitter para atacar Gustavo Bebianno, ministro da Secretaria-Geral da Presidência. O comportamento, porém, não é exceção. O “pitbull” da família usa a rede social como uma metralhadora giratória.E não é repreendido pelo presidente por isso.

O GLOBO analisou 500 tuítes feitos por Carlos entre 15 de dezembro e 15 de fevereiro e constatou que 72,2% das postagens feitas pelo parlamentar são ataques. O alvo preferencial é a imprensa, mas também sobram bordoadas para a esquerda e até mesmo para aliados, como Bebianno.

Das 500 postagens — que incluem também publicações de outras pessoas compartilhadas por ele — 211 (ou 42,4%) criticam a cobertura da imprensa sobre o governo Bolsonaro. Ataques à esquerda (19,8%), a aliados (5,2%) e outros (4,8%) completam a lista.

Outro alvo preferencial de Carlos é a esquerda. Chamados de “bandidos”, “retardados” e “idiotas”, os opositores são ligados frequentemente à corrupção e ao atentado praticando contra Jair Bolsonaro por Adélio Bispo de Oliveira, em setembro. O maior alvo é o PSOL, mencionado por ele 21 vezes no período — o PSL, partido da família, só mereceu três citações.

Embora os ataques predominem, sobra espaço na rede social para que Carlos divulgue conteúdo institucional do governo ou elogie aliados. Os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Damares Alves (Direitos Humanos) e Santos Cruz (Governo) são alvos de menções elogiosas, assim como o guru da direita Olavo de Carvalho. Ele, aliás, provocou um dos poucos momentos de descontração de Carlos no período. O vereador postou uma foto ao lado de seu cachorro poodle na frente do computador, onde assistia uma das aulas de Carvalho.

 

Flávio esquecido
As interações com o perfil do pai e do irmão mais novo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), são frequentes — além de citá-los, o vereador costuma reproduzir seus tuítes em seu próprio perfil. Porém, o irmão mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), fica de fora de suas manifestações no período analisado.

Mesmo vendo o irmão em meio às denúncias envolvendo o ex-assessor Fabrício Queiroz e tendo suspeitas sobre sua movimentação bancária, Carlos Bolsonaro não fez nenhuma defesa de Flávio nos últimos dois meses. A única menção a ele foi lateral: o vereador compartilhou um vídeo no qual Eduardo bate boca com petistas que cobravam investigações contra Flávio no plenário da Câmara.

Carlos e Flávio cultivam rusgas desde 2016, quando o irmão mais velho teve um mal-estar durante um debate à Prefeitura do Rio e decidiu agradecer à rival Jandira Feghali (PCdoB), que o socorreu, por meio de uma nota oficial. A atitude foi motivo de críticas de Carlos e do pai.

Os dois travaram um novo round no ano passado, quando disputaram quem seria o candidato da família ao Senado. Após perder a disputa, Carlos desistiu de tentar outro cargo.

O GLOBO procurou Carlos para comentar os dados do levantamento, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.