barão do rio branco

Elio Gaspari: Uma festa séria para 2022

O Brasil era atrasado, mas não se orgulhava disso

Tomando notas para sua obra “Efemérides brasileiras”, o Barão do Rio Branco registrou que amanhã, há 200 anos, realizou-se a “eleição primária de eleitores de paróquia no Rio de Janeiro. Foram as primeiras eleições desse gênero a que se procedeu no Brasil”.

O barão foi um obsessivo pesquisador da linda História do Brasil, e a Fundação Alexandre de Gusmão botou na rede as suas “Efemérides”, tornando-as acessíveis para pesquisadores.

Essa migalha aponta para a importância de outra data: no dia 7 de setembro de 2022, comemoram-se os 200 anos da Independência do Brasil. Afora a provável reinauguração do Museu do Ipiranga, não se tem notícia de iniciativa séria para que ela seja lembrada. Nem há muito que se possa esperar.

Em 1922, quando o Brasil fez 100 anos, viveu-se um ano de festas. O país tinha um pé no atraso, mas encantava-se com o progresso. O Rio mudou de cara, realizou-se uma exposição internacional, e várias nações ergueram pavilhões para mostrar seus produtos. O da França hospeda hoje a Academia Brasileira de Letras.

Cinquenta anos depois, no governo do general Emílio Médici, produziu-se uma patriotada circulando pelo país os ossos de D. Pedro I, até que os puseram numa cripta no Museu do Ipiranga. (Anos depois, descuidada, virou mictório.) Enquanto o mito banal ia de um lugar para outro, a verdadeira figura do primeiro imperador era escondida. Foi proibida a transcrição do decreto pelo qual aboliu a censura à imprensa. Com a economia crescendo a taxas de milagre, a ditadura podia dizer que, com censura, o Brasil era um país que ia “pra frente”.

Até 2022, o Estado continuará empurrando o Brasil para trás. Como diria Lula, “nunca na história deste país” foi tão forte o culto ao atraso, um atraso sinistro. Em 1922, já havia sido instituída a vacina obrigatória contra a varíola. Anos antes, quando a epidemia da Gripe Espanhola bateu em Pindorama, a taxa de estupidez que a acompanhou foi desprezível numa comparação com o espetáculo da pandemia de hoje. O Brasil era atrasado, mas não se orgulhava disso. Pelo contrário, encantava-se com os bondes, o rádio e os aviões.

O bicentenário cairá no meio da campanha eleitoral, e a capacidade do governo para produzir novas patriotadas será infinita. Daqui até lá, de algum lugar poderá sair uma discussão para entender que Brasil é este. A geração que fez a Independência tinha nível, e D. Pedro I foi um grande personagem. Deu-se atenção demais ao que fazia deitado quando, além de ter proclamado a Independência do Brasil, liderou uma revolta liberal em Portugal para colocar sua filha no trono.

Nos anos 1970, o criminoso Lúcio Flávio Vilar Lírio celebrizou-se com a frase “bandido é bandido e polícia é polícia”.

Lúcio Flávio queria apenas que cada um ficasse no seu quadrado. As coisas pioraram.

O delegado Alexandre Saraiva, superintendente da Polícia Federal no estado do Amazonas desde 2017, foi criticado pelo ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, depois de ter realizado a maior apreensão de madeira de todos os tempos. Ele disse à repórter Camila Mattoso:

— Ou a gente faz um país baseado na lei ou faz baseado no crime.


O Globo: Governo prepara decreto para construir hidrelétrica e ponte e concluir rodovia na Amazônia

Batizado de Projeto Barão do Rio Branco, texto deve ser assinado dentro do prazo de 100 dias de gestão

Por Jussara Soares, de O Globo

BRASÍLIA — A equipe do presidente Jair Bolsonaro prepara um decreto para a criação de um programa de desenvolvimento da Amazônia, considerada estratégica para o novo governo e vista por militares como um ponto de vulnerabilidade nacional. Batizado de Projeto Barão do Rio Branco, o plano prevê a construção de uma usina hidrelétrica no Rio Trombetas, uma ponte sobre o Rio Amazonas, no município de Óbidos, e a conclusão da rodovia BR-163 até a fronteira com Suriname, todos no estado do Pará.

O decreto, segundo integrantes do Planalto, deve ser assinado ainda dentro do prazo de 100 dias da gestão Bolsonaro. Os detalhes do programa estão sendo desenhados pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), subordinada à Secretaria-Geral da Presidência e comandada pelo secretário especial Maynard Marques de Santa Rosa.

O projeto considerado interministerial ainda não tem previsão de investimentos, impacto ambiental, nem da população atingida. Entretanto, já contaria com o aval do presidente Bolsonaro.

General da reserva e idealizador do projeto, Santa Rosa escreveu, em 2013, um artigo intitulado "Uma Estratégia Nacional para a Amazônia Legal" em que já defendia esses mesmos investimentos tanto para o desenvolvimento econômico e social da região, como também como uma tática para "quebrar o braço" de subsidiárias nacionais de organizações não-governamentais (ONG) internacionais que atuam em causas ambientais e indígenas.

Publicado em diversos sites, o texto do atual secretário de Assuntos Estratégicos defendia a construção "do complexo hidrelétrico do rio Trombetas, a fim de prover energia para o médio Amazonas, viabilizar a exploração do alumínio e expandir o polo estratégico de Oriximiná". Localizada na região de Óbidos, o município faz fronteira com os países de Suriname e Guiana e abriga a maior produtora de bauxita do país.

No mesmo artigo, Santa Rosa defende o plano de desenvolvimento para "paralelamente, vitalizar a presença diplomática e de inteligência junto aos centros decisórios do movimento indigenista-ambientalista internacional, antecipando providências e neutralizando as suas campanhas midiáticas".

A estratégia, segundo o texto de Santa Rosa, visa "quebrar o braço nacional desse movimento, por meio de um controle estrito sobre as ONGs internacionais que operam no Brasil e suas subsidiárias nacionais". Ele argumenta que "essa estratégia implica estancar as transferências de recursos públicos para as ONGs indigenistas e ambientalistas."

Secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa no governo Lula, Santa Rosa, já naquela época, condenava a atuação de ONGs na região amazônica, assim como o que considerava "excessiva a demarcação de terras indígenas."

Integrantes do governo negam que o Projeto Barão do Rio Branco tenha relação com o chamado "Triplo A", citado em diversas oportunidades por Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral como uma "ameaça à soberania nacional". Técnicos envolvidos no desenvolvimento do projeto afirmam que todo o programa estará amparado na sustentabilidade e reforçam que serão encomendados estudos de impacto ambiental.

A ideia do "Triplo A", citada diversas vezes por Bolsonaro, é creditada ao colombiano Martín von Hildebrand, fundador da Fundação Gaia Amazonas, sediada em Bogotá, capital do país. Chamada de "Triplo A" ou "Corredor AAA", proposta consistiria na formação de um grande corredor ecológico abrangendo 135 milhões de hectares de floresta tropical, dos Andes ao Atlântico, passando pela Amazônia — daí os três "A" do nome.