baleia rossi

Folha de S. Paulo: Baleia acusa Lira de mentir e vê rival de salto alto em disputa na Câmara

Candidato de Rodrigo Maia afirma também que adversário está cantando vitória antes do tempo

Danielle Brant, Folha de S. Paulo

Candidato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à Presidência da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) tem plantando notícias mentirosas e está de “salto alto” na disputa, afirma seu adversário na corrida eleitoral, deputado Baleia Rossi (MDB-SP).

Baleia, presidente do MDB, é o nome apoiado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para sucedê-lo. Nos últimos dias, ganharam força notícias de que o bloco de Maia estaria enfrentando defecções importantes, inclusive dentro do DEM, partido do deputado.

A eleição acontece nesta segunda-feira (1º), no plenário da Câmara.

Em entrevista após participar de uma rodada de perguntas promovidas pela frente parlamentar contra a corrupção nesta quinta-feira (28), Baleia afirmou que seu adversário está desesperado.

“Quem está ganhando a eleição não precisa mentir. E os nossos adversários estão mentindo muito, e isso é sinal de desespero”, afirmou. O presidente do MDB disse que está conversando com deputados e descartou qualquer possibilidade de o DEM migrar para o bloco de Lira —aliados do líder do centrão calculam ter dois terços de apoio no partido de Maia, que nega.

“Vejo um desespero muito grande por parte do nosso adversário. Vejo plantações de notícias mentirosas, vejo eles de salto alto, cantando vitória”, afirmou. “E vejo também uma interferência brutal do Palácio do Planalto na tentativa de diminuir o debate da Câmara, de fragilizar o trabalho dos parlamentares.”

Na quarta-feira (27), o próprio Bolsonaro admitiu interferência nas eleições à Presidência da Câmara.

Para tentar eleger Lira, o Planalto tem, desde o final do ano passado, acenado com cargos e emendas e ameaçado retirar de funções na máquina federal indicados políticos de deputados federais de siglas como MDB e DEM.

Em reação, Maia afirmou que essa intervenção vai deixar sequelas para os lados envolvidos na disputa.

“É um alerta aos deputados e deputadas que a intenção do presidente é transformar o Parlamento num anexo do Palácio do Planalto, o que enfraquece o mandato de cada deputado e cada deputada e, principalmente, o protagonismo da Câmara dos Deputados nos debates com a sociedade.”

O presidente da Câmara estimou que o Executivo tenha prometido cerca de R$ 20 bilhões em emendas extraorçamentárias para tentar assegurar apoio a Arthur Lira (PP-AL).

Nesta quinta, Baleia afirmou ainda que pretende votar a reforma tributária, relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), ainda no primeiro trimestre. Segundo ele, caso as mudanças já tivessem sido aprovadas, a montadora Ford não teria deixado o país.

“Nós temos a saída da Ford como algo muito forte nesses últimos tempos. Se nós tivéssemos a simplificação tributária pela PEC [Proposta de Emenda à Constituição] 45, da união dos cincos impostos federais, estadual e municipal, já implementada, com certeza a Ford não sairia. Nós não estaríamos vivendo esse processo de desindustrialização que nós estamos vivendo hoje.”

O presidente do MDB disse ainda ser favorável à regulamentação do lobby. “Esse é um tema que já se arrasta na Câmara há muito tempo”, disse. “Não entendo por que ainda não houve deliberação do assunto.”


O Globo: Confira a estratégia do governo para atrair apoio a Arthur Lira

Parlamentares das legendas têm indicações no governo Bolsonaro e temem retaliações

Natália Portinari, Paulo Capelli e Bruno Góes, O Globo

BRASÍLIA - A pressão do governo federal com oferta de cargos e verbas e ameaças de retaliação estão por trás do crescimentos de dissidências a favor da candidatura de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara no DEM de Rodrigo Maia e no PSDB do governador paulista João Doria. As cúpulas das duas legendas acertaram o apoio a Baleia Rossi (MDB-SP).

Entenda:  O racha no DEM, que fez Maia cobrar ACM Neto

Maia chegou a dizer nesta semana a ACM Neto, presidente de seu partido, que o DEM corria o risco de ficar conhecido como “partido da boquinha” se cedesse à pressão do governo. Segundo ele, estava repassando o que um empresário havia dito. Neto afirma que há apoio institucional a Baleia, mas não pretende punir dissidentes.

Os apoiadores de Lira nas duas legendas têm diversos cargos no governo federal. Elmar Nascimento (DEM-BA) mantém um indicado na presidência da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco), Marcelo Andrade Moreira Pinto. Arthur Maia (DEM-BA) tem indicações na Codevasf, Incra e Secretaria de Patrimônio da União (SPU).

Paulo Azi (DEM-BA) indicou o superintendente do Incra na Bahia, Paulo Emmanuel Macedo de Almeida Alves. Ele assumiu o posto em setembro do ano passado. José Mario Schreiner (DEM-GO), também contabilizado pelos apoiadores de Lira como um voto no candidato governista, tem um apadrinhado à frente da superintendência da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) em Goiás.

Leur Lomanto Jr. (DEM-BA) tem a indicação de um superintendente do Ibama na Bahia. O próprio ACM Neto é tido como responsável pela recondução de José Carlos Aleluia (DEM) ao conselho de Itaipu.

Cota tucana

Os deputados do PSDB também já tiveram direito a indicações. Adolfo Viana (PSDB-BA) apadrinhou Lucas Maciel Lobão Vieira, coordenador do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) na Bahia. O superintendente do Ministério da Agricultura em Goiás é indicado de Célio Silveira (PSDB-GO). Luiz Carlos (PSDB-AP), por sua vez, indicou um coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena.

Reunião com deputados:  Bolsonaro diz que espera influenciar na eleição da Câmara

Como revelou o GLOBO anteontem, diversos deputados já foram retaliados pelo governo. Flaviano Melo (MDB-AC), Hildo Rocha (MDB-MA), Fabio Reis (MDB-SE) e Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) perderam seus indicados por apoiar Baleia Rossi.

Além de manter os cargos que já têm, deputados ouviram de Arthur Lira a promessa de que receberão verbas “extra” liberadas pelo governo. Nesse tipo de negociação, o Executivo paga valores para um município indicado pelo deputado de forma informal, e não com emendas parlamentares.

Embora o governo tenha sinalizado que pode pagar R$ 636 milhões em verbas para os deputados, não há como cumprir essa promessa agora, já que o Orçamento de 2021 não foi aprovado pelo Congresso. Arthur Lira, portanto, fica restrito a prometer valores pagos “a prazo”, depois da eleição.

Ontem, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acusou o governo de prometer R$ 20 bilhões em verbas desse tipo, “emendas extraorçamentárias”, em troca de votos. Ele ressaltou, no entanto, que esse seria um valor inexequível para o Orçamento previsto para 2021.

— Pela conta que eu fiz, e pelo orçamento que nós teremos para 2021, pelo que eu já vi que o governo está prometendo junto com o seu candidato, vai dar pelo menos uns R$ 20 bilhões de emendas extraorçamentárias. Eu quero saber em que orçamento para o ano de 2021, com todo o problema do teto de gastos, (terá espaço). (Como) eles poderão cumprir, se vitoriosos, essa promessa? — questionou.

No DEM, há 13 deputados com apoio declarado a Arthur Lira. É preciso 16 para definir a posição na eleição à presidência. Apoiadores de Lira pressionam ACM Neto para que o partido possa aderir ao bloco governista. ACM é resistente à ideia e argumenta que uma “guerra de listas” deixaria o partido desmoralizado.

Disputa:  Rossi intensifica atuação para evitar votos em Lira dentro do próprio bloco

Maia tem criticado ACM Neto nos bastidores por não ter agido de forma enérgica para impedir as traições. Para Elmar Nascimento, apoiador de Lira, ACM Neto não deve isso a Rodrigo Maia.

— Ele (Maia) se julga credor de todo mundo. Por que é que o Neto vai fazer um trabalho em prol da candidatura do Baleia, do MDB, quando ele é presidente do partido e tem que enxergar o todo? O Neto já está fazendo demais pelo Rodrigo ficando neutro. O certo era ele ficar do nosso lado.

Dissidência no PSDB

O líder do DEM, Efraim Filho (PB), deve convocar uma reunião para que a bancada debata de que lado quer estar. Assim, evita a “guerra de listas”, mas dá espaço para que os deputados a favor de Arthur Lira virem o jogo.

No PSDB, que terá 29 votantes, o líder do partido, Rodrigo Castro, declarou voto em Baleia Rossi, mas ao menos quatro integrantes da legenda afirmam abertamente que votarão em Arthur Lira: Luiz Carlos (AP), Célio Silveira (GO), Celso Sabino (PA) e Mara Rocha (AC). Há expectativa de dissidências também na bancada mineira. Deputados da legenda ouvidos em caráter reservado avaliam que, apesar do discurso, Baleia deve compor com Bolsonaro em caso de vitória e, por isso, é melhor melhor se antecipar e já costurar essa proximidade com o Planalto.


Luiz Felipe D’Ávila: Três medidas para enfrentar o populismo

Para derrotá-lo, a união do centro em torno de propostas factíveis e um candidato competitivo

A democracia necessita de civilidade, instituições e lideranças exemplares para prosperar. Os valores e princípios que moldaram o florescimento da liberdade, do Estado de Direito, da igualdade de oportunidades e da criação de riqueza por meio da economia de mercado livraram milhões de pessoas de três males que acometeram a humanidade durante séculos: a tirania, a miséria e a barbárie.

Mas as democracias não são perfeitas. Elas enfrentam crises que as obrigam a rever crenças, valores e leis. Nos Estados Unidos, a escravidão era um direito constitucional no século 18, mas foi abolida na segunda no século 19. O apartheid racial só foi sepultado em 1964, quando se aprovou a Lei dos Direitos Civis. Em 2008 os americanos elegeram Barack Obama, o primeiro presidente negro do País.

Crises costumam liberar os glóbulos brancos das democracias, permitindo que elas evoluam de maneira gradual para adaptar as instituições, as leis e os costumes aos novos tempos. A democracia norte-americana deve sair mais forte da era Trump. O presidente que dizimou a civilidade na política e buscou destruir a credibilidade das instituições foi expurgado do poder pelos eleitores. O Partido Republicano, que agiu de maneira oportunista e abandonou suas bandeiras para surfar no populismo de Trump, foi dilacerado. As fissuras internas entre a ala histórica e os trumpistas demandarão um penoso esforço para desintoxicar o partido do populismo e resgatar seus valores e ideais. A intolerância e o ódio desencadeados pelo populismo acirraram a divisão política, econômica e social, obrigando os Estados Unidos a enfrentar os reais problemas: a questão racial, a crescente desigualdade de oportunidades e a raivosa política de identidade que minou a civilidade e a tolerância no País.

Joe Biden assumiu a presidência dos Estados Unidos prometendo restaurar a decência na política. Não há missão mais importante neste momento. Restaurar a decência significa respeitar a Constituição, as leis e as instituições, e não se sublevar contra elas quando as decisões não nos agradam. Implica honrar o mandato, travando o debate político no âmbito das regras do jogo, da civilidade e da cordialidade, e repudiando os atalhos do ódio e da intolerância, que esgarçam a confiança na democracia. Requer esclarecer a opinião pública e ter a coragem de frustrar alguns eleitores para defender os interesses da nação e das futuras gerações.

O Brasil pode extrair lições importantes da experiência norte-americana. Os efeitos colaterais do populismo podem ser mitigados com três medidas.

Primeira: a imprensa séria não pode agir como as redes sociais – que muitas vezes atuam como a cracolândia da informação. Precisa concentrar-se em noticiar os fatos que afetam o destino do País, mas necessita de discernimento para ignorar o turbilhão de impropérios que alimentam o Twitter dos populistas e de seus seguidores. Ao dar projeção nacional ao palavrório irresponsável que encanta a tribo dos radicais, a imprensa contribui para alimentar a covid do populismo. A indiferença é um potente antibiótico, sem a luz dos holofotes o vírus perece.

Segunda: os contrapesos constitucionais têm de agir para preservar a democracia. O Congresso precisa aprovar as reformas para tirar o País do atoleiro do baixo crescimento e libertar a Nação do cativeiro de privilégios concedidos ao corporativismo público e privado. Esses males comprometem a qualidade do serviço público, a eficiência do governo e a credibilidade das instituições democráticas. É imperioso que o Judiciário restaure o seu papel de guardião das leis e da Constituição e abandone o voluntarismo de juízes e de promotores que transformaram a interpretação da lei num vespeiro de insegurança jurídica. Por fim, tanto o Legislativo como o Judiciário devem exercer o seu papel fiscalizador e empregar os contrapesos constitucionais para frear as tentativas espúrias de governantes populistas que buscam achincalhar o Estado de Direito e as instituições democráticas.

Terceira: o centro democrático precisa se organizar rapidamente. Hoje, sua atuação é marcada pela absoluta ausência de ideias, propostas e liderança. Como diz o poeta W. B. Yeats, “o centro não se sustenta. Os melhores sem suas convicções, os piores com as mais fortes paixões”. A maioria dos eleitores precisa estar convencida de que existem alternativas concretas e líderes preparados para livrar o País do desastroso legado populismo: aumento recorde da pobreza e do desemprego, baixo crescimento econômico, calamitosa gestão da crise da pandemia, descrédito internacional e governos incompetentes e incapazes de reformar o Estado.

Em 1994 o centro tinha um plano (o Real) antes do surgimento da sua candidatura (Fernando Henrique Cardoso). Quando Fernando Henrique se tornou o rosto do Plano Real, venceu o populismo no primeiro turno em 1994 e em 1998. Somente a união do centro em torno da construção de propostas factíveis e de uma candidatura competitiva podem derrotar o populismo nas urnas em 2022.


Rosângela Bittar: Com as mãos ao alto

A capitulação da Câmara significa muito mais do que engavetar o impeachment

As lideranças políticas estão a cinco dias da rendição ao presidente Jair Bolsonaro, o que se consumará ao elegerem o novo comando do Poder Legislativo. A confirmarem-se as prévias, estarão os parlamentares promovendo sua incorporação às vilanias do governo. Tiremos desta grave onda de cumplicidade o Senado, onde a extremada independência de cada um supera qualquer imposição de compromissos da cúpula.

Na Câmara, porém, é outra a essência do poder. As indicações de insidiosa conspiração parlamentar fazem o favoritismo do candidato Arthur Lira, patrocinado por Bolsonaro com todas as garantias de sucesso. Inclusive os habituais objetos da feira de trocas de favores, avançando pela coação em casos de resistência.

À população, traída, resta levantar as mãos ao alto enquanto alimenta a esperança de reversão do golpe legislativo, pela traição. Embora o momento exija coragem e não esta covardia marota, os deputados, em maioria, estão levando na displicência esta grave iminência de desastre político.

Como se fosse natural, os brasileiros amanhecem o dia temendo a morte, que já levou 220 mil cidadãos por idiossincrasias, crendices e incompetência do governo. Têm crescido os protestos de rua e manifestos propondo o impedimento do presidente. Crimes de responsabilidade foram cometidos, sobretudo na gestão da crise sanitária mundial. O País tinha, até agora, no Judiciário e no Legislativo, sua fresta de oxigênio.

Mas a Câmara parece disposta a sujeitar-se e debandar. Sem ter consciência de que está prestes, inclusive, a referendar o projeto de reeleição de Jair Bolsonaro para continuar o desgoverno que vem liderando.

A capitulação da Câmara significa muito mais do que engavetar o impeachment. O compromisso inclui a aprovação de políticas contrárias aos interesses da população.

O candidato favorito fala a linguagem do presidente. Fugiu do debate alegando que a pandemia é assunto demagógico. Se ainda houvesse dúvida sobre tão estreita afinidade, está sobre a mesa, já compromissado, o aumento de impostos, com a aprovação da mal afamada CPMF.

Negacionista desumano, para quem vida e morte são a mesma coisa, Bolsonaro escolheu para exercer o controle da Câmara, em seu nome, alguém ardorosamente com ele identificado. O faroeste não é um modelo de projeto parlamentar, entretanto será o único possível com a direção da Câmara subjugada pelo presidente da República.

Bolsonaro perdeu Donald Trump, cujo exemplo copiava e se esgotou como modelo. Está isolado politicamente e escolheu para o Brasil a posição de pária. Seu governo é fraco, sem maioria, investigado em inquéritos judiciais variados. Contudo, supera estas desvantagens com um arsenal de guerra que construiu para resguardar sua cidadela.

Registros de uma breve memória: já reuniu a proteção do procurador-geral da República; duas vagas no STF; duas vagas no TSE por onde tramitará sua denúncia de fraude no sistema eleitoral; a cooptação das polícias militares, que deseja agregar oficialmente ao portfólio de poder; boa parte da Polícia Federal; o apoio das tropas armadas, que cultiva como se líder sindical ainda fosse; acesso às violentas seitas da conspiração; a fidelidade de extremistas e milícias, sob o comando do gabinete do ódio e de empresários do círculo íntimo.

São itens especiais: o culto às armas de fogo, que segue em velocidade e disseminação preocupantes; e a produção de uma rede de filhos e amigos dispostos a cometer o que for preciso para autenticar seu método.

A rendição irrestrita da presidência da Câmara é armação política de um pacto que tornará o Executivo e o Legislativo um só bloco, indiferente à dor, ao luto e à indignação do povo.


Correio Braziliense: Lira crê em vitória no primeiro turno; Maia aposta em virada final

Aliados do candidato apoiador por Bolsonaro estimam que conseguirão aproximadamente 300 votos. Para isso, contam com diversas traições entre os partidos que apoiam Baleia Rossi

Jorge Vasconcellos e Wesley Oliveira, Correio Braziliense

Faltando menos de uma semana para a eleição da Mesa Diretora do Legislativo, aliados do deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato à presidência da Câmara, apostam na vitória no primeiro turno. A eleição ocorre em 1º de fevereiro e, para vencer, o postulante precisa reunir no mínimo 257 votos entre os 513 parlamentares.

O grupo do candidato do Progressistas e líder do Centrão estima ter 300 votos no primeiro turno. O bloco de Lira é composto por 11 partidos, que, juntos, somam 230 deputados. Seus aliados apostam nas “traições” contra Baleia Rossi (MDB-SP), principal adversário na disputa.

A maioria dessas dissidências, segundo apoiadores do deputado alagoano, deverá ocorrer na bancada do Democratas, partido do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), padrinho da campanha de Rossi. Dos 29 deputados do DEM, cerca de 18 já teriam sinalizado apoio a Lira. Entre eles, os deputados Elmar Nascimento (BA) e Luís Miranda (DF).

O presidente do DEM, ACM Neto, e a bancada de cinco deputados da sigla na Bahia estiveram, ontem, reunidos com Lira. Os parlamentares baianos sinalizaram que pretendem apoiar o nome do Centrão, o que foi visto como um atrito entre o ex-prefeito de Salvador e Maia dentro da cúpula do partido.

Apesar disso, o presidente da Câmara minimizou o encontro e, mais uma vez, reforçou que Lira é o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro. “Esse jogo que a candidatura patrocinada pelo presidente da República faz, é um jogo que nunca vi aqui na Câmara, de trabalhar para criar conflito interno dentro dos partidos. Todo mundo, aqui, tem maturidade. O DEM estará no bloco (de Baleia), é isso que o ex-deputado e ex-prefeito ACM Neto vai informar ao deputado Arthur Lira. Falei com ele mais cedo, que o partido vai formar parte do bloco do deputado Baleia”, disse Maia.

Aliados do emedebista e do presidente da Câmara no DEM afirmam que as dissidências na bancada devem chegar a oito, incluindo os ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Tereza Cristina (Agricultura), que pedirão exoneração dos cargos para a votação. Ambos são deputados licenciados de seus mandatos.

Além do DEM, o PSDB é outro partido que está no bloco de Baleia, mas que poderá render uma boa quantidade de votos para o candidato do PP. O partido soma 33 votos, mas Lira deverá receber a chancela de 15 parlamentares tucanos. Além disso, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) lançou seu nome na disputa de forma independente.

Tebet expõe compromisso para gestão do Senado

Os candidatos à Presidência do Senado Simone Tebet (MDB-MS) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) aprofundaram as articulações para atrair apoios. Ela protocolou, ontem, uma carta-compromisso dirigida aos colegas em que prega a união de forças no apoio ao plano nacional de vacinação contra a covid-19 e defende a aprovação de reformas importantes para o país enfrentar a crise. A parlamentar também se comprometeu a “assegurar a soberania do plenário, com a participação democrática de cada uma das senadoras e dos senadores” e “democratizar a deliberação das pautas, com implantação efetiva e representativa do Colégio de Líderes”. Até o momento, Pacheco, que tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro, é apontado como favorito na disputa, contando com o apoio de nove partidos (DEM, PSD, PP, PL, PT, PDT, Republicanos, Pros e PSC), que reúnem 41 parlamentares. Tebet, por sua vez, conta com apoios do MDB, Podemos, Cidadania e PSB, que somam 28 senadores.

Enquanto os aliados do deputado Arthur Lira (PP-AL) estão otimistas com a vitória no primeiro turno, o grupo de Baleia Rossi (MDB-SP) acredita na vitória no segundo turno. O bloco do emedebista conta com 11 partidos, que somam 238 votos, mas estima-se que ele deverá receber cerca de 220 votos.

Mesmo sem o número mínimo para vencer a disputa, a pulverização de candidatos –– nove nomes estão na disputa até o momento –– deverá fragmentar as escolhas no primeiro turno, fazendo com que Lira não alcance os 257 votos necessários. Com isso, os aliados afirmam que será possível virar contra o deputado do PP. O PSol, que lançou Luiza Erundina (SP) na disputa, se juntaria às demais legendas da oposição na campanha por Baleia.

Segundo aliados de Rossi, muitos deputados que estão no bloco partidário de Lira pretendem votar em Baleia, no entanto, não pretendem declarar voto por medo de represálias por parte do governo. Durante a campanha, a articulação do Palácio Planalto sinalizou liberação de emendas e distribuição de cargos para os parlamentares que embarcassem na candidatura de Lira.

“Nossas projeções caminham para um segundo turno, no qual Baleia termina o primeiro turno em primeiro lugar. Acho que, hoje, pelas nossas projeções, Baleia já passou a ser favorito”, estimou Rodrigo Maia. Ele projeta que seu candidato tem, atualmente, 230 votos e disse que Lira teria menos de 200, perdendo espaço para o candidato avulso Fábio Ramalho (MDB-MG).

O presidente da Câmara voltou a criticar a decisão dos aliados de líder do Centrão de fazer a eleição de forma presencial. Ele disse que deputados de grupo de risco da covid-19 estão preocupados, mas que não há mais tempo para preparar o pleito para um sistema híbrido.

“Alguns deputados que estão no grupo de risco me mandaram mensagem, questionando, preocupados. Qualquer servidor ou deputado que esteja no grupo de risco, e venha a ser contaminado saindo da sua cidade para cá, e tenha algo mais grave, quero deixar claro que essa responsabilidade não é minha e não será minha porque votei contra”, salientou.

Maia também criticou a decisão de fazer a eleição para a Presidência da Câmara em 1º de fevereiro –– defendia que fosse dia 2. Para ele, isso fará com que a votação ocorra por volta das 21h30, já que os blocos partidários devem ser registrados no mesmo dia.


Bruno Carazza: Cheiro de reforma no ar

Não importa quem vença, Bolsonaro terá que mudar

Arthur Lira (PP) ou Baleia Rossi (MDB)? Simone Tebet (MDB) ou Rodrigo Pacheco (DEM)? A disputa para o comando da Câmara e do Senado entra na semana decisiva, e o envolvimento direto do presidente da República nas negociações comprova que tudo voltou ao normal na política brasileira.

A Lava-Jato abalou as estruturas do sistema partidário, e a eleição de Bolsonaro foi anunciada como o fim da “velha política”. Apenas dois anos depois, o presidencialismo de coalizão, explicado lá atrás, em 1988, por Sérgio Abranches, dita mais uma vez o ritmo de funcionamento da nossa instável democracia.

A partir da próxima segunda-feira a (01/02) o destino do país estará nas mãos de filhos de políticos tradicionais - Benedito de Lira, Wagner Rossi e Ramez Tebet. Pacheco, por sua vez, vem de uma família de proprietários de empresas de ônibus, um setor tradicionalmente dependente e credor de poderosos. Brasília girou, girou, e parou no mesmo lugar.

Também não é estranho que os quatro principais candidatos à presidência das Casas Legislativas venham de partidos herdeiros dos dois grandes blocos conservadores sob os quais se estruturou nosso sistema político desde a ditadura militar. Enquanto PP e DEM são filhos legítimos da Arena, o MDB de hoje, apesar de ter se despido do “P”, nunca deixou de ser o que restou de mais retrógrado da legenda original de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves.

Como um pêndulo, todos os presidentes brasileiros desde a redemocratização tiveram que recorrer aos filhotes da velha Arena ou do velho PMDB para se equilibrar no poder - embora nem todos tenham conseguido completar a travessia sem cair.

Sarney convocou, em diferentes momentos, caciques como Jorge Bornhausen, Hugo Napoleão e Prisco Viana (egressos da Arena) e Iris Rezende (PMDB) para tentar dar base de sustentação ao Plano Cruzado (1986), influenciar a nova Constituinte para obter um quinto ano de mandato (1987/1988) ou abafar uma CPI e um pedido de impeachment (1989).

Quando as denúncias de corrupção começaram a pipocar, no início de 1992, Collor, que se elegeu prometendo que “um novo tempo iria começar”, trouxe para seu governo raposas como Célio Borja, Affonso Camargo e Reinhold Stephanes. Tudo em vão.

Fernando Henrique se elegeu anunciando uma “aliança programática” do PSDB com o PFL (atual DEM). Porém, à medida em que as reformas emperravam, ou a sua popularidade afundava com as denúncias de compra de votos para a reeleição e as crises do Real, teve que ir fazendo concessões e abrigar em seu ministério figuras como Renan Calheiros (Ministro da Justiça), Eliseu Padilha (Transportes) e Ney Suassuna (Integração Nacional).

Lula e o PT também chegaram ao Planalto garantindo renovação, mas já ao fim do primeiro ano tiveram que aceitar Eunício Oliveira e Alfredo Nascimento. Veio o mensalão e embarcaram Saraiva Felipe, Hélio Costa, Márcio Fortes e Silas Rondeau e companhia limitada. No segundo mandato ainda se juntaram Carlos Lupi, Geddel Vieira Lima e Wagner Rossi - tudo em nome da governabilidade.

Dilma já iniciou seu mandato com um amplo ministério que mesclava petistas-raiz com uma ampla base onde cabiam Edison Lobão, Garibaldi Alves, Fernando Bezerra, Mário Negromonte, Carlos Lupi e Alfredo Nascimento. Quando sua popularidade despencou, teve que nomear Marcelo Crivella, Gilberto Kassab, Helder Barbalho, Armando Monteiro e Henrique Eduardo Alves. Nada disso impediu sua queda no início de 2016.

A história brasileira demonstra que crises econômicas, aprovação popular em baixa e dificuldades de sustentação no Congresso sempre forçam o presidente da República a ceder à “velha política” - representada tanto pelo Centrão quanto pelo “pemedebismo”, como diria Marcos Nobre, atual presidente do Cebrap e que por muito tempo ocupou este espaço.

Desde a posse, Bolsonaro mexeu pouco no seu time, na maioria das vezes motivado por intrigas internas (Bebianno, Santos Cruz, Abraham Weintraub e Marcelo Álvaro Antônio) ou desentendimentos com o ex-capitão (Mandetta e Moro). À exceção da nomeação de Fábio Faria, até hoje o presidente resistiu a abrir as portas de seu primeiro escalão para construir alianças partidárias.

Com índices de rejeição em alta e os colapsos na saúde e na economia, Bolsonaro certamente terá que engolir em seco e fazer como todos os seus antecessores para dissipar a tempestade perfeita que se forma no horizonte.

Olhando o ministério atual, há postos cativos de militares, evangélicos, olavistas, agronegócio e da predileção pessoal do presidente - além de Paulo Guedes, que anda bastante sumido ultimamente. Numa eventual reforma ministerial, pastas com grande orçamento em tempos de pandemia e de uma eventual terceira onda do auxílio-emergencial serão bastante cobiçadas pelo Centrão: Saúde, Educação e Cidadania.

Independentemente de quem vença as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, Bolsonaro certamente sairá perdendo.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”


Folha de S. Paulo: Eleição na Câmara vai definir apoio de empresários a Bolsonaro

Estratégia de vacinação é uma das críticas dos acionistas das principais empresas brasileiras

Bruna Narcizo, Folha de S. Paulo

A eleição da Câmara dos Deputados vai definir quais serão os rumos políticos que os empresários que estão descontentes com a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) irão escolher.

O presidente tem recebido duras críticas, inclusive de apoiadores, pela demora na aprovação da agenda de reformas econômicas.

O descontentamento foi agravado pelas decisões tomadas pelo governo federal com relação às medidas feitas para mitigar os efeitos da pandemia do novo coronavírus e, sobretudo, na condução da compra das vacinas.

Na avaliação deles, no entanto, caso a eleição, que ocorre no dia 1º de fevereiro, seja vencida pelo deputado Arthur Lira (PP-AL) —candidato do Planalto e favorito ao pleito—, a agenda econômica proposta pelo ministro Paulo Guedes (Economia) terá mais chance de avançar.

A vitória de Lira e a aprovação das medidas acalmariam os ânimos do empresariado brasileiro. Apesar das crescentes críticas a Bolsonaro, muitos seguem apoiando as propostas econômicas de Guedes.

Na hipótese de vitória do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), candidato que tem o apoio do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do PT, os empresários enxergam que a agenda teria mais dificuldades de ser aprovada, o que poderia tornar o apoio ao presidente insustentável.

Folha conversou com grandes empresários que são acionistas das principais empresas da indústria, do entretenimento, dos serviços e do varejo, muitos com a condição de que seus nomes fossem mantidos em sigilo, e nenhum deles acha que um eventual impeachment está posto na mesa.

E que um cenário como o que ocorreu com Dilma Rousseff (PT), que sofreu debandada da classe empresarial após a vitória de Eduardo Cunha (MDB-RJ) para o comando da Câmara —em oposição ao governo da petista—, é um panorama ainda distante. Dilma sofreu impeachment em 2016.

Neste momento, nenhum dos empresários com os quais a reportagem conversou, mesmo aqueles que desde o início não são simpáticos ao governo, apoia um pedido de impeachment. Dizem até que o impedimento não pode ser usado como artifício para destituir presidentes que não estejam fazendo o que a população espera.

Porém, tudo vai depender do andamento das reformas, que, na visão dos empresários, serão fundamentais para a recuperação e o aquecimento do ambiente econômico, que está em uma situação muito delicada em razão da crise deflagrada após a pandemia.

Não tenho decepção nenhuma com o Bolsonaro. Nem eu nem meus amigos. Se ele conseguir um presidente da Câmara decente, vai conseguir aprovar as reformas ou parte delasJoão Carlos Camargo

Dono da Alpha FM

Camargo costuma reunir em sua casa candidatos e políticos e recebeu o apresentador Luciano Huck para um jantar com outros 20 empresários em novembro do ano passado.

O empresário afirma ainda que Maia não deu andamento adequado às reformas que já foram apresentadas.

Ainda assim, além do ambiente econômico, também vai pesar na avaliação dos empresários a condução na vacinação da população contra a Covid-19.

Existe uma preocupação quase unânime com a demora nas medidas tomadas pelo governo sobre esse tema —muitos já reclamaram publicamente.

É o caso de Horácio Lafer Piva, da Klabin. Segundo ele, o governo colhe o que planta.

“Não se muda em dias as bobagens que se vem fazendo por meses, seja na negação, incompreensão ou desorganização. Um espetáculo burlesco se não fosse tão triste. Os empresários estão de mangas arregaçadas, muita gente ajudando, uma rara unanimidade quanto à necessidade de envolvimento, mas a importância do poder público é fundamental.”

Piva afirma que parte do trabalho dos empresários tem sido convencer o governo quanto ao sentido de urgência. “Os números falam por si.”

O QUE QUEREM OS EMPRESÁRIOS

  • Redução do Custo Brasil Esse custo é o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas do país. Entre outros, pedem segurança jurídica, crédito e juros baixos
  • Reforma administrativaTrata do funcionalismo público. A proposta foi enviada pelo governo à Câmara dos Deputados em setembro do ano passado, mas segue sem previsão de análise
  • Autonomia do Banco Central Projeto de lei já foi aprovado pelo Senado em novembro e está na Câmara. Prevê mandato para o presidente e diretores da instituição, novas regras para suas demissões e também apresenta novas atribuições para a autoridade monetária
  • Concessões e privatizaçõesO atual governo esta há dois anos no poder sem vender estatais. Há uma série de concessões previstas para 2021
  • Pacto FederativoA PEC do Pacto Federativo, texto criado pela equipe de Paulo Guedes para cortar despesas e abrir espaço para outros gastos, já sofreu críticas do presidente Bolsonaro e está pendente de análise no Legislativo
  • Redução da dívida públicaNo Brasil ela superou 90% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020 e já há projeções indicando que chegará a 100% do PIB
  • Respeito ao teto de gastosO teto é visto pelo mercado como âncora fiscal do país. Há pressão no Congresso para que ele seja flexibilizado
  • Combate à Covid-19Os empresários cobram imunização coletiva imediata. O Brasil, porém, segue atrás de outros países na vacinação da população e enfrenta dificuldades na importação de vacinas e insumos​

O descontentamento também atingiu entidades que representam setores nacionais. Tanto é que dois manifestos endereçados ao governo federal foram publicados na semana passada.

Na terça-feira (19), 22 entidades publicaram um anúncio intitulado “Prioridade para Todos os Brasileiros”. Nele, entidades como a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) e a Associação Comercial de São Paulo pedem prioridade no ajuste fiscal e respeito ao teto de gastos.

Na segunda-feira (18), a Coalizão Indústria, que reúne 14 entidades industriais do Brasil, lançou um manifesto pedindo a aprovação de reformas que ajudem na redução do chamado custo Brasil.

Foram os membros da Coalizão que, em maio de 2020, andaram ao lado de Bolsonaro e ministros do governo até o Supremo Tribunal Federal para apelar pela redução de medidas restritivas impostas no início da pandemia.

Um dos membros da Coalizão é José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico), que também participou da caminhada com o presidente em maio.

“A perspectiva era que 2021 seria um ano melhor. Mas estamos começando com muitas dívidas e com o atraso da vacinação. O governo de São Paulo até fez um trabalho correto, mas não é suficiente para o Brasil todo”, diz Roriz.

A vacinação tem sido uma das principais preocupações dos empresários. Já há até grandes grupos dispostos a doar vacinas para o SUS (Sistema Único de Saúde).

Uma proposta nesse sentido foi feita em uma reunião com membros do governo federal organizada pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) no dia 13 deste mês.

Na ocasião, a proposta foi recusada pelo governo, mas a Folha apurou que já existem empresas se movimentando nesse sentido.

Segundo pessoas envolvidas nas negociações, há dois tipos de proposta: a das empresas que querem comprar vacinas e doar a totalidade para o SUS e a das que querem comprar para vacinar seus funcionários e doar uma outra parte.

Há ao menos um grande banco entre as empresas que estão verificando a possibilidade de compra de imunizantes.

As negociações, no entanto, ainda estão em um estágio muito prematuro.

Existe uma urgência entre os empresários com relação à imunização de seus funcionários. A maior parte da força de trabalho reúne pessoas com idade entre 20 e 50 anos —grupos etários que não são prioritários para receber a vacina contra o coronavírus.


Ricardo Noblat: Acendeu a luz vermelha para a reeleição de Bolsonaro

Se tiver impeachment ainda vai demorar

Uma notícia boa para o presidente Jair Bolsonaro: a Câmara dos Deputados não deveria abrir um processo de impeachment contra ele. É o que pensam 53% das 2.030 pessoas em todo o Brasil entrevistadas por telefone pelo Datafolha nos últimos dias 20 e 21. O percentual era de 50% no início de dezembro. Os que defendiam o impeachment caíram de 46% para 42%. Parabéns, presidente!

Quanto ao mais descoberto pelo Datafolha, só tem notícia ruim – com efeito, em linha com pesquisas divulgadas nesta semana pelos institutos Paraná, Ipespe e IDEIA. Subiu de 32% para 40% os que avaliam o desempenho de Bolsonaro como ruim ou péssimo. Os que avaliam como ótimo e bom diminuíram de 37% para 31%. É a maior queda desde o começo do seu governo há dois anos.

Metade dos brasileiros considera que ele não tem capacidade para governar e não merece confiança. Nunca confiam em sua palavra 41% (eram 37% em dezembro) dos entrevistados, enquanto 38% o fazem às vezes (eram 39%) e 19%, sempre (eram 21%). Também pudera. Bolsonaro, hoje, diz uma coisa e amanhã o seu oposto. Fala mal das vacinas, depois as compra e fala mal outra vez.

As pessoas que têm medo de pegar o novo coronavírus estão entre as que mais rejeitam o presidente. A rejeição a ele entre os que têm muito medo de ser infectados pelo vírus saltou de 41% em dezembro para 51%. A aprovação caiu de 27% para 20%. Entre quem tem um pouco de medo de infectar-se, a rejeição subiu de 30% para 37%. A parceria com o vírus fez mal a ele.

O presidente é mais rejeitado entre os que ganham mais de 10 salários mínimos (52%), com curso superior (50%), mulheres e jovens de 16 a 24 anos (46%). Os mais ricos e instruídos são os que menos confiam nele, bem como os jovens. Os empresários – sabe como é… – seguem sendo o grupo profissional mais fiel a Bolsonaro. 58% acreditam na sua capacidade de governar.

O que explica a quantidade de más notícias para o presidente? O recrudescimento da pandemia com o aumento de casos e de mortes em todo o país, a crise da falta de oxigênio em Manaus, a performance desastrosa do governo neste início da vacinação em massa e o fim do pagamento do auxílio de emergência em 31 de dezembro aos brasileiros mais pobres.

No Nordeste, por exemplo, a rejeição a Bolsonaro passou de 34% para 43%, e tende a aumentar. Em junho do ano passado foi de 52%. O maior tombo ocorreu no Norte, onde fica Manaus, e no Centro-Oeste, região que sempre foi um reduto dos bolsonaristas. Bolsonaro amarga 44% de rejeição no Sudeste, a região mais populosa do Brasil, 10 pontos percentuais a mais do que no Sul.

Sempre poderia ser pior, e é nisso que se agarram os ministros de Bolsonaro e os políticos do Centrão gulosos por mais cargos no governo. Quanto mais crescerem as dificuldades para o presidente renovar seu mandato, mais o Centrão se oferecerá para ajudá-lo. Caso se convença mais adiante que Bolsonaro será derrotado, o Centrão negociará com quem possa se eleger.

Quem dispensa máscara e se aglomera é burro

Desabafo de prefeitos aflitos

Nas últimas 48 horas, dois prefeitos de grandes cidades perderam a paciência e chamaram de burros os que dispensam o uso de máscara, engrossam aglomerações e não querem se vacinar..

Um foi Alexandre Kalil (PSD), prefeito reeleito de Belo Horizonte no primeiro turno com a maior votação do país – 63,36% dos votos válidos. Foi curto e grosso, bem ao seu estilo:

 “Eu confio 200% na vacina, eu confio na ciência. Nós temos uma tradição de vacinas no Brasil. Todo mundo tem de se vacinar, quem não quer é negacionista, idiota e burro.”

O outro, Eduardo Paes (DEM), prefeito do Rio, eleito no segundo turno com 64,7% dos votos válidos, quase o dobro de Marcelo Crivella (Republicanos), seu adversário. Disse Paes:

“Para vocês que sabem que não vão pisar nas baladas, nas festas, deixem de ser burros. Vocês estão matando as pessoas”.

No Rio, todas as 33 Regiões Administrativas da cidade têm, agora, risco alto de contágio. Eram 25 na semana passada. Em São Paulo, só os serviços essenciais poderão abrir nos fins de semana.

Enquanto isso… No dia em que o governo federal celebrou a chegada de 2 milhões de doses de  vacinas da Índia, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar mal das vacinas. Faz sentido?

Antes, Bolsonaro falava mal apenas da Coronavac, a vacina chinesa bancada pelo governador João Doria (PSDB), de São Paulo, e produzida pelo Instituto Butantan. Agora, não faz distinção.

Esta semana, à falta do que fazer ou de querer fazer alguma coisa, Bolsonaro passou um largo pedaço de tarde assistindo ao treino do Flamengo que enfrentaria o Palmeiras em Brasília. Foi vaiado.

Se a Índia não se dispuser a vender mais vacinas da Astra/Zêneca, as que chegaram ontem aqui darão para imunizar apenas 1 milhão de pessoas. São duas doses por pessoa.

A China prometeu doar 1.700 cilindros de oxigênio para que Manaus volte a respirar relativamente em paz. Sobre a remessa de insumos para a fabricação da Coronavc, nada por ora.

Nesse ritmo, o Brasil entrará em 2022 vacinando e com mais mortos e doentes. Culpa do governo federal – e também dos milhões de burros que pastam por aí.


Ascânio Seleme: De costas para o Brasil

Ao que parece, mais uma vez o Congresso vai dar as costas aos brasileiros. Os números apurados pelo GLOBO e pela Folha de S. Paulo indicam que o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco devem ser eleitos presidentes da Câmara e do Senado. Os dois, como se sabe, são os candidatos apoiados por Jair Bolsonaro. Pacheco em duas entrevistas disse que até agora não viu crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente e que “erros do governo na pandemia são escusáveis”. Lira não precisa dizer nada, todo mundo sabe o que ele pensa e como ele age.

O que se desenha com a eleição destes dois senhores é que os evidentes crimes praticados por Bolsonaro, contabilizados já na casa das duas dezenas, serão ignorados pelo Congresso. E obviamente também não tramitará qualquer outra denúncia por novos crimes que certamente o presidente perpetrará. Até o momento, 61 pedidos de impeachment de Bolsonaro foram encaminhados ao Congresso por partidos políticos e entidades civis. O presidente deveria ser julgado por apoiar o golpe de 1964, apoiar motim da PM, tentar interferir na PF, apoiar manifestações antidemocráticas, se calar diante de declarações antidemocráticas de ministros, ameaçar o STF, ameaçar procuradores, atentar contra a vida na pandemia, entre outros crimes.

Como se vê, o presidente do Brasil é um criminoso contumaz. E a maioria dos 594 deputados e senadores que vão eleger os novos chefes das duas casas do Congresso tende a se alinhar àqueles que já disseram publicamente que os erros de Bolsonaro são desculpáveis ou que ele não cometeu crime. Não precisa ser muito esperto para entender o que a constatação explica. E a sua compreensão depõe ainda mais contra o Congresso brasileiro. Deputados e senadores estão trocando votos por cargos, vantagens e benesses do poder executivo, como sempre. Em alguns casos, compreende-se. Em outros, não.

Não surpreende, por exemplo, que mesmo alguns parlamentares do DEM de Rodrigo Maia, que apoia Baleia Rossi para dirigir a Câmara, votem em Arthur Lira. O Democratas é um partido de aglomeração. Reúnem-se nele políticos de centro, de centro-direita ou de direita. O partido não vota monoliticamente como orientação política, mas sempre apoia medidas de caráter liberal. Sucessor da Arena e do PDS, que dominaram o Congresso durante a ditadura, virou coadjuvante em todos os governos civis desde José Sarney. O DEM é conhecido pelo seu gosto de apoiar governos, não importa qual.

Os senadores do PT, por outro lado, anunciaram que vão votar em Rodrigo Pacheco. E não é por falta de opção. Significa que o maior partido de esquerda do país, teoricamente o principal opositor do governo de extrema direita de Bolsonaro, se alia a este e como consequência o auxilia a encobrir seus crimes de responsabilidade. Um petista que circula pelos altos escalões do partido diz que no Senado “o bicho é outro”, que as razões internas superam as questões partidárias. Como? Pois é. O partido que em 1985 expulsou os deputados Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes, que votaram em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, vai permitir agora que seus senadores votem com Bolsonaro.

No meio do caos que o governo promoveu no país, especialmente durante a pandemia que já matou mais de 210 mil brasileiros, é incrível que Bolsonaro ainda tenha prestígio no Congresso a ponto de conseguir eleger os presidentes de Câmara e Senado. Sob qualquer ângulo que se olhe, nenhum presidente desde Deodoro da Fonseca, que derrubou um império e instaurou uma república, tumultuou tanto o país quanto Bolsonaro. O Congresso é cego? Não, claro que não. Ele se faz de cego porque as votações para presidentes das duas casas serão secretas. E no escuro tudo fica mesmo muito embaçado.

Antes de a vaca ir de vez para o brejo, dá tempo para o presidente Rodrigo Maia cumprir seu papel histórico antes do fim do seu mandato, aceitando um dos 61 pedidos de impeachment de Bolsonaro que repousam em sua mesa. Não vale dizer que o processo daria em nada. Porque não é verdade. Impeachments são votados a plenos pulmões, a viva voz e com o rosto descoberto dos parlamentares, que usariam no máximo uma máscara profilática, pelo menos os não negacionistas. Aí a coisa muda, não é mesmo? Apoiar publicamente um presidente com popularidade de míseros 26% (Pesquisa Exame/Idéia) é diferente de votar num parlamentar bolsonarista, ainda mais protegido pela escuridão.

CONTANDO COM O OVO

A turma do deputado Arthur Lira, candidato de Bolsonaro à presidente da Câmara, garante que vai ganhar a eleição em fevereiro, quando os deputados voltarem do recesso parlamentar. Diz que vai fazer barba, cabelo e bigode.

Um dos mais fiéis deputados da base governista afirma que Lira fará maioria de votos até mesmo no DEM de Rodrigo Maia, o que seria um vexame para o filho de Cesar. O fato é que Lira está contando com o ovo mesmo sem antes ter combinado com a galinha.

A MELHOR ESCOLHA

Bolsonaro pode ter se frustrado com seus escolhidos para os ministérios da Justiça e da Saúde. Afinal, Sergio Moro e Luiz Mandetta não o obedeceram cegamente quando as primeiras demandas absurdas foram apresentadas. Moro não entregou o controle da PF ao presidente e Mandetta não endossou bestamente a cloroquina. Mas de onde menos se esperava é que veio o melhor cúmplice, quero dizer, o melhor aliado ou a melhor escolha de Bolsonaro. Trata-se do procurador-geral da República, Augusto Aras. Logo ele, quem tem mandato e prerrogativas.

BOBALHÃO

O chanceler Ernesto Araújo disse ao Congresso que não há nenhuma crise diplomática entre o Brasil e a China. As negociações entre os dois países seguem sem sobressalto, garantiu o ministro que apenas a ala fascista (que muitos chamam de ideológica) do governo apoia. Quem acha que a China é pragmática demais para retaliar, veja o que ela fez na quinta com líderes do governo Trump. Até Mike Pompeo, ex-secretário de Estado dos EUA, não pode mais entrar no país. Se alguma empresa americana o empregar, terá eventuais contratos com o gigante asiático suspensos. Outros 26 apoiadores ou membros da equipe de Trump receberam as mesmas sanções. Quem sabe Ernesto Araújo não toma emprestado o hipnotizador do general Pazuello para negociar com os chineses.

Vai ser bobo assim lá na China.

CARTA DO BOZO

Quem escreveu a carta que Jair Bolsonaro mandou para o recém empossado presidente dos Estados Unidos? Não importa, desde que seja imediatamente nomeado ministro das Relações Estrangeiras. Ou, não. Pode ser mais uma falsidade emanada daqueles porões escuros do Planalto.

SE FOSSE SERRA

Foi em 2001, na gestão do ex-ministro das Saúde José Serra, que o Departamento de Comércio dos Estados Unidos e os laboratórios globais produtores de medicamentos contra a Aids se dobraram ao Brasil e passaram a negociar preços. Depois de muita pressão de Serra no Congresso, tinha sido aprovada lei autorizando a quebra de patentes dos remédios que compunham o coquetel anti HIV. As negociações, que só ocorreram para evitar a quebra daquelas patentes, foram uma vitória brasileira e os preços despencaram. A lógica de Serra vale ainda hoje: o mercado nacional é muito grande para ser tratado com descaso e o Estado brasileiro é um dos maiores compradores globais de remédios. Depois da pandemia, o mundo continuará consumindo medicamentos para todas as outras doenças.

FALTAM LEITOS

Os dados são do IBGE. Enquanto a população brasileira cresceu 8,4% entre 2012 e 2019, o número de leitos do SUS, por mil habitantes, caiu 12,8%. No Rio, no mesmo período, a população cresceu 6,4% e os leitos do SUS diminuíram inacreditáveis 28,4%. Pode?

VACINA PRIVADA

Faz sentido impedir que clínicas e empresas privadas comprem diretamente lotes de vacinas para vender aos seus clientes ou para aplicar em seus empregados. Afinal, estamos falando de uma pandemia que alcança a todos indistintamente, mesmo os desempregados e aqueles que não teriam dinheiro para comprar uma dose privada. Mas há quem defenda a liberação, que poderia reduzir a pressão sobre a rede pública. Pode ser. Mas, talvez mais adiante.

AGORA VAI

Rebuliço no Palácio da Paz Celestial. Chegou a carta do deputado Fausto Pinato (presidente da Comissão Parlamentar Brasil/China) para o líder Xi Jinping pedindo prioridade para o Brasil na liberação das vacinas e dos insumos necessários para a sua produção. Não se fala de outra coisa em Pequim.

PAPO ADIADO

Algumas horas antes do início previsto, foi cancelado o bate papo organizado pela Lide Talks de Santa Catarina entre o governador Gean Loureiro e o deputado estadual Júlio Garcia, presidente da Assembleia Legislativa do estado. É que no amanhecer do dia do “talk”, Garcia foi preso pela PF numa operação contra uma organização criminosa especializada em fraudes, desvios de verbas públicas e lavagem de dinheiro. Fica para a próxima.


Marco Aurélio Nogueira: O presidente caricato

Democratas precisam evitar que Bolsonaro passe a controlar o Poder Legislativo

Surpreende que o mundo político, em sentido estrito – Congresso, parlamentares, partidos –, somente agora comece a cogitar de um possível impeachment presidencial por crimes de responsabilidade.

Quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ativo militante do moderantismo, veio a público declarar (15/1) que o afastamento de Bolsonaro do cargo de presidente da República “será debatido de forma inevitável no futuro”, ele deu o tom de uma inflexão que se poderá consolidar nos próximos meses. Aproveitou para chamar às falas o Congresso, que inexplicavelmente se mantém em recesso enquanto o País pega fogo.

Bolsonaro não havia sido, até agora, atingido por uma ameaça desse tipo. A primeira etapa de seu mandato foi um período de desgoverno e tragédia, em que ele pintou e bordou, agindo com uma mistura patética de tiranete, chefe de gangue e godfather tropical. O escárnio diante do vírus, do povo, da vacina e dos cientistas foi constante, mastigado com indiferença e como prova de “autenticidade” por uma população em grande parte anestesiada. Com a pandemia, sua personalidade desequilibrada e narcisista ganhou plena manifestação. Os meses foram se passando e os estragos, aumentando. Seu prontuário engordou.

O presidente fez política contra a política, empenhado em criar confusão para camuflar sua incompetência e atiçar seus seguidores. Em nenhum momento, porém, pôde proclamar-se vitorioso.

O padrão oposicionista seguiu roteiro conciliador, que travou os planos maléficos do presidente. Fez o rei ficar nu. Meio que em silêncio, com muito jogo de bastidores, possibilitou que houvesse alguma governação no Brasil, paralisando a Presidência da República.

Bolsonaro foi reduzido a uma caricatura de presidente, que fala compulsivamente, de modo agressivo, com cálculo de malandro, boca cheia de impropérios e grosserias, mas é inepto e pouco faz de positivo. Age como um animal encurralado, que ameaça sem morder. Continua a atacar as instituições, a instigar as Forças Armadas, a ameaçar retrocessos. Com os venenos que produz na cozinha do Palácio constrói um imaginário negativo, polarizador, que confunde e corrói. Suas orientações esvaziam e destroem setores estratégicos das políticas sociais, dos direitos humanos, da economia, da proteção ambiental. Sua indigência diplomática comprometeu até mesmo a produção das vacinas e a campanha de vacinação.

A oposição teve sucesso nessa que a mente afiada do cientista político baiano Paulo Fábio Dantas Neto chamou de “estratégia maricas”: o bolsonarismo foi forçado a negociar.

Os humores mudaram, porém. Quanto mais a pandemia se agravou, quanto mais os ministros de Bolsonaro mostraram sua desqualificação, quanto mais o País se foi marginalizando no sistema internacional e fracassando no comércio bilateral, mais aumentou a pressão para o encontro de uma solução.

Abriu-se assim uma nova etapa da luta política. Ainda que a “estratégia maricas” consiga continuar arrancando a fórceps decisões do governo federal, ela precisa ser complementada por uma estratégia mais contundente, que aperte o cerco, mas saiba evitar tentações polarizadoras, escolhos e armadilhas.

A nova fase transcorrerá em algumas frentes principais.

A primeira é a afirmação de um campo oposicionista democrático consistente, que consiga soldar os diferentes partidos e forças políticas numa unidade programática mínima, forjada sem vetos ideológicos, firulas acadêmicas e cálculos políticos sofisticados.

A segunda é a organização do clamor popular, com a invenção de formas de protesto que aumentem o som das panelas e contornem a dificuldade de se ter gente nas ruas.

A terceira é o processamento político das denúncias de crime de responsabilidade contra Bolsonaro. Disso dependerá a abertura ou não do impedimento constitucional do presidente. Por mais que esse seja um passo delicado, sobretudo quando se considera que o presidente tem apoio popular e parlamentar, há no Congresso lideranças com inteligência política e dignidade cívica para impedir que as labaredas da crise institucional incendeiem o País.

No curto prazo, uma quarta frente passa pelo desfecho da disputa pelas presidências da Câmara e do Senado. Muitos parlamentares estão em flutuação, marcando posição, sem compreender a importância de um evento que poderá definir muito do ritmo político daqui para a frente. Mas é o que se tem. Os operadores democráticos precisarão trabalhar dobrado, sensibilizar setores do Centrão e da esquerda para evitar que Bolsonaro passe a controlar o Poder Legislativo.

O recurso ao impeachment poderá catalisar o mal-estar que hoje, impregnado de horror, medo e repulsa, se espalha pela sociedade. Como está não pode ficar. A perspectiva conciliadora, vitoriosa em nossa História recente, só tem a ganhar se adquirir corpo e poder de direcionamento, contrapondo ao negativismo radical do presidente o ar renovado da política positiva. Sem o qual, aliás, nenhum vírus será derrotado.

*Professor titular de teoria política da Unesp


El País: Popularidade de Bolsonaro despenca ante piora da pandemia e fim do auxílio emergencial

Pesquisa Datafolha aponta aumento da desaprovação no Norte e no Nordeste, e levantamento da XP/Ipespe indica piora na percepção da atuação do presidente para enfrentar o novo coronavírus

Rodolfo Borges, El País

O presidente Jair Bolsonaro começou o ano dizendo que o país está quebrado e que, portanto, ele não consegue “fazer nada”. As últimas pesquisas de opinião de uma série de institutos indicam, contudo, que a população espera, cada vez mais, que o presidente faça alguma coisa. Um levantamento do Datafolha divulgado nesta sexta-feira aponta que a rejeição de Bolsonaro subiu para 40% desde dezembro, quando estava em 32%. já a aprovação caiu de 37% para 31% ―a maior queda desde o início de seu Governo. A última pesquisa XP/Ipespe, que circulou nesta semana, também mostra que o percentual de críticos do presidente (que foi de 35% para 40% em relação a dezembro) superou o de apoiadores (que caiu de 38% para 32%), algo que não acontecia desde julho do ano passado. Entre as razões apontadas por esses institutos de pesquisa para a mudança de humor dos brasileiros em relação ao presidente, estão o fim do auxílio emergencial e a forma como Bolsonaro tem lidado com a pandemia do novo coronavírus.

As análises são sustentadas pelos números das pesquisas. De acordo com o Datafolha, que ouviu 2030 pessoas em todo o Brasil por telefone, na região Nordeste, onde os moradores são mais dependentes do auxílio federal, a rejeição do presidente subiu de 34% para 43% ―até agora, a pior avaliação (ruim ou péssimo ) de Bolsonaro entre os nordestinos foi de 52%, em junho de 2020. Como se esperava, a retirada do auxílio emergencial para o enfrentamento da pandemia derrubou a última defesa de Bolsonaro contra o desconforto da população. Mas seu efeito na aprovação de Bolsonaro ainda pode ser sentido, como indica pesquisa PoderData divulgada na quinta-feira: entre aqueles que receberam o auxílio nos últimos meses, 52% aprovam o Governo, enquanto a maior parte do grupo que não o recebeu rejeita Bolsonaro (58%). O Instituto ouvi 2.500 pessoas por telefone.

Segundo o Datafolha, a maior queda na popularidade do presidente foi registrada no Norte, que, além de também depender mais do auxílio, viu a capital do Amazonas passar pelo desespero de não ter oxigênio para tratar seus pacientes. Desde de dezembro, o índice de ótimo e bom de Bolsonaro caiu de 47% para 36% por lá. Uma quarta pesquisa, da Exame/Ideia Big Data, deixa mais claro a influência da crise em Manaus na popularidade de Bolsonaro. Da semana passada para esta, a aprovação do presidente caiu de 37% para 26%, na maior queda semanal medida pelo instituto desde que ele assumiu o cargo ―60% dos entrevistados, aliás, consideram que o desempenho do presidente deve ser avaliado à luz do que acontece em Manaus.

“O movimento [de queda na popularidade] coincide com uma piora na percepção da atuação de Bolsonaro para enfrentar o coronavírus. São 52% os que a consideram ruim ou péssima, 4 pontos a mais que em dezembro”, diz o relatório da XP/Ipespe divulgado nesta semana ―o instituto ouviu 1000 pessoas por telefone entre 11 e 14 de janeiro. Não faltam exemplos para ilustrar esses números. Além de não ter conseguido prevenir a crise de saúde em Manaus, o Governo federal comprou todas as vacinas Coronavac produzidas pelo Instituto Butantan, mesmo depois de o presidente ter dito enfaticamente, três meses antes, que nunca o faria. Além disso, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que se mantém no cargo há meses porque, ao contrário dos dois antecessores, não ousa questionar as questionáveis posições do presidente, tentou convencer a população de que nunca tinha recomendado o controverso “tratamento precoce” contra a covid-19, apesar dos extensos registros de que o Ministério o fez.

O EL PAÍS publicou em primeira mão nesta semana um estudo em que Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e a Conectas Direitos Humanos diagnosticaram “a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”. Os pesquisadores analisaram 3.049 normas federais produzidas em 2020 e concluíram: “Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência de parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço na publicação para tantos eventos, revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”.

Tudo isso se soma às declarações desdenhosas de Bolsonaro sobre a pandemia e sobre as vacinas que podem ajudar a controlá-la. Nesta sexta-feira, em mais uma tentativa de atingir o governador de São Paulo, João Doria, que avança politicamente contra o presidente ao promover a Coronavac pelo país, Bolsonaro disse a jornalistas em Brasília que o imunizante do Butantan “não está comprovado cientificamente”, apesar do aval emergencial da Anvisa para a vacinação. O resultado das atitudes e afirmações de Bolsonaro durante a pandemia deve começar a ser sentido nas ruas neste fim de semana, para quando movimentos à direita, como o Movimento Brasil Livre (MBL), e à esquerda, como a Frente do Povo sem Medo, agendaram manifestações.

Protagonistas do clamor popular pelo impeachment de Dilma Rousseff, MBL e Vem pra Rua chamaram atos para o domingo. Já a Frente do Povo sem Medo convoca carreatas pelo país para o sábado. A pressão popular visa a tirar Brasília da letargia contra Bolsonaro. Nesta sexta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski encaminhou à Procuradoria Geral da União uma notícia crime oferecida pelo PCdoB contra o presidente. O partido pede que Bolsonaro e o ministro Pazuello sejam responsabilizados pelo colapso do sistema de saúde de Manaus. “O encaminhamento foi feito, pois apenas o PGR pode oferecer denúncia pela prática de crime comum contra o Presidente da República e Ministro de Estado,”, justificou Lewandowski.

O procurador-geral Augusto Aras avisou em nota divulgada na quarta-feira, entretanto, que “eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República são da competência do Legislativo”. Apesar do desconforto causado pela manifestação entre os subprocuradores e mesmo no próprio STF, o procurador-geral deixou claro que não pretende incomodar o presidente no âmbito de suas política de enfrentamento à pandemia. Enquanto isso, o Congresso Nacional se prepara para uma sucessão que encaminha-se para colocar no comando da Câmara e do Senado nomes da preferência do Palácio do Planalto. Caso isso se confirme, a pressão popular daqueles que desaprovam o presidente terá de se manifestar de forma muito expressiva para conseguir algum efeito prático na capital federal.


Folha de S. Paulo: Em eleição marcada por traições, deputados infiéis fazem ligações sigilosas e reuniões até de madrugada

Parlamentares se reúnem com bloco adversário em encontros reservados em hotéis e hangares de aeroporto; Lira e Baleia trabalham para reduzir margem de defecções

Gustavo Uribe e Julia Chaib, Folha de S. Paulo

Com uma eleição acirrada, os dois principais candidatos à presidência da Câmara dos Deputados têm adotado método pouco usual para garantir margem segura de vantagem na disputa.

Em uma corrida marcada por ameaças de defecções, tanto Arthur Lira (PP-AL) como Baleia Rossi (MDB-SP) têm recebido ligações sigilosas e participado de encontros reservados com deputados filiados a partidos do bloco adversário.

As reuniões discretas não são incluídas nas agendas oficiais dos candidatos, um pedido dos deputados infiéis para não sofrerem retaliações de seus partidos, e costumam ser solicitadas pelos próprios traidores.1 8

O objetivo deles ao declarar de maneira reservada apoio ao candidato rival é tanto garantir que nomeados políticos não sejam exonerados como assegurar um canal de diálogo caso o adversário ganhe a eleição a presidente.

Os encontros têm ocorrido durante as viagens de campanha dos candidatos.

Segundo relatos feitos à Folha, reuniões são promovidas nos apartamentos de deputados, nos hotéis onde os candidatos estão hospedados ou até mesmo em hangar de aeroporto.

Para garantir a discrição, alguns dos encontros são marcados em horários de pouco movimento, como de madrugada, e com a presença de pouca gente, para não chamar a atenção.

Os infiéis reclamam da marcação cerrada de governadores para apoiarem seus candidatos.

Uma dessas reuniões ocorreu neste mês em Fortaleza. Para evitar que o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), ficasse sabendo, já que ele apoia a candidatura de Baleia, um encontro de Lira com deputados federais do PDT foi promovido no apartamento de um dos participantes.

No Ceará, o candidato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem a simpatia de parcela dos partidos de esquerda. Isso torna maior o risco de traições.

Nas conversas reservadas, Lira faz questão de lembrar que votou em Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno da eleição presidencial de 2018.

Neste mês, outro encontro foi promovido em Florianópolis, desta vez pelo candidato do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Segundo relatos de aliados, Baleia se reuniu, em uma sala da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, com deputados federais do PSD, sigla que forma o bloco de apoio a Lira.

No estado, MDB e PSD têm uma relação de proximidade, apesar de os partidos terem lançado candidaturas próprias à Prefeitura de Florianópolis no ano passado.

Além do PDT, Lira também teve conversas individuais em São Paulo, Rio de Janeiro e Teresina com congressistas de PT, PSB e PSDB, siglas que apoiam Baleia. Já o emedebista teve reuniões discretas com deputados do centrão, bloco liderado justamente por Lira.

O candidato de Maia também tem sido obrigado a manter reserva em encontros com parlamentares que integram seu próprio bloco de apoio. Isso porque eles detêm indicados em cargos no governo federal e têm sido ameaçados de exoneração pelo Palácio do Planalto.

O deputado federal Flaviano Melo (MDB-AC), por exemplo, relatou a três colegas que o governo demitiu nomes apadrinhados por ele que estavam empregados em postos no Acre. Melo declarou apoio a Baleia e apareceu em fotos com ele.

Ainda no Acre, há deputados federais do PSDB que também possuem postos no governo e se reuniram de forma reservada com integrantes da campanha de Baleia pelo receio de serem retaliados.

Segundo relatos de aliados, ao tomar conhecimento das agendas dos candidatos, os deputados infiéis costumam telefonar para pedir audiências privadas. Com receio de serem descobertos, alguns deles optam por declarar apoio apenas pelo telefone.

Hoje, os dois blocos fazem um cálculo de que há um percentual de risco de defecção de pelo menos 20%. Ou seja, que no mínimo um quinto dos deputados federais que formam cada grupo partidário poderá votar no candidato adversário.

Para evitar uma margem grande de traições, tanto Lira como Baleia trabalham para reduzir esse percentual a 10%. Para isso, contam com a pressão de prefeitos e governadores, que sinalizam com a perda de cargos e liberação de obras.

Na tentativa de ter mais controle sobre a base de apoio, Lira e Baleia trabalham com um mapa de votações, que é dividido por partidos ou regiões.

Segundo relatos de deputados, cada grupo é delegado a um aliado, que tem o objetivo de checar e assegurar aquele apoio.

A contagem de votos é feita inclusive nos deslocamentos aéreos, realizados em jatinhos contratados pelas campanhas. Na tentativa de fidelizar apoios, Baleia conta com a atuação direta de seu padrinho eleitoral.

Maia tem participado de boa parte das viagens. Não só o presidente da Câmara dispara ligações para deputados como tem sido o principal responsável pelo contato com governadores, apoios considerados cruciais para evitar traições.

Bolsonaro expressa claramente a deputados a preferência por Lira. Além disso, o líder do centrão recebe apoio e ajuda de colegas cujos partidos integram o bloco antagônico, como Elmar Nascimento (DEM-BA) e Celso Sabino (PSDB-PA).

A vitória de Lira já era uma questão de honra para Bolsonaro, que deseja impor uma derrota política a Maia. Agora, porem, ganhou um peso maior.

Bolsonaro quer evitar que Baleia tenha o poder de decidir sobre a possibilidade de abertura de um processo de impeachment. Há 56 pedidos de impeachment contra Bolsonaro aguardando análise do presidente da Câmara.

O movimento tem ganhado força desde a semana passada, quando, além das siglas de oposição, entidades da sociedade civil encamparam a defesa da saída de Bolsonaro por causa da crise da Covid-19.

Apesar de a campanha legislativa não ter votação popular, Baleia e Lira cumprem agendas típicas de candidatos a cargos majoritários.

No Piauí, por exemplo, Baleia tomou cajuína, bebida típica do Nordeste. No Norte, Lira fez questão de comer chocolates de castanha e cupuaçu.

Além dos dois favoritos, candidatos avulsos também recebem ligações de infiéis. O deputado federal Fábio Ramalho (MDB-MG), por exemplo, teve sinalizações de apoio de parlamentares de partidos como PT e PSL.