assaltos a bancos

Ascânio Seleme: Cidades sitiadas

Comunidades e bairros inteiros são dominados por traficantes, milicianos ou bandos organizados

Na semana em que assistimos ao renovado espetáculo da democracia, quando se demonstrou mais uma vez a força e a integridade das instituições nacionais com a eleição de prefeitos de 5.567 municípios brasileiros, duas cidades, no interior de Santa Catarina e do Pará, foram barbaramente atacadas por grupos de criminosos que causaram pânico na madrugada.

O que se viu nos dois casos foi outro tipo de espetáculo, este cotidiano. O do desespero, da intimidação da população e das forças policiais locais, da violência desmedida em assaltos a banco. De quantos ataques desses você consegue se lembrar? Cinco, dez, vinte? Nesta semana foram dois, ambos com tiros, reféns e terror no meio da noite.

Se pequenas cidades não conseguem dormir em paz, o que se passa em metrópoles como Rio, São Paulo, Belo Horizonte ou Fortaleza é ainda mais alarmante. Não se trata somente de Criciúma ou Cametá, o Brasil todo está sob ataque há décadas. As cenas vistas em Santa Catarina e no Pará são parte da paisagem em todos os cantos do país. As notícias de violência no interior já nem surpreendem, tão banais se tornaram.

Nas grandes cidades, comunidades e bairros inteiros são dominados por traficantes, milicianos ou bandos organizados. Em lugares como o Complexo do Alemão, a polícia não entra, a menos que protegida por caveirões. Mesmo assim, apenas em rápidas incursões e até um determinado ponto.

No Rio, segundo o Mapa dos Grupos Armados, 3,7 milhões de cariocas vivem em áreas dominadas pelo crime. A milícia controla 57,5% da região, e o tráfico domina outros 15,4% do território municipal. Quem manda não é Marcelo Crivella e não será Eduardo Paes, aos quais restam 27,1% da cidade. Quem manda são militares de baixa patente que viraram milicianos ou descamisados que controlam bocas de fumo, todos armados com fuzis e metralhadoras.

O mencionado Complexo do Alemão é um exemplo de como se podem desocupar regiões tomadas por bandidos. O método para retomar áreas dominadas se conhece. Trata-se de anunciar o dia, preparar um conjunto de forças de dissuasão imbatível (com apoio das Forças Armadas) e subir o morro. Os bandidos fogem como baratas, já se viu isso.

O problema vem a seguir: é a manutenção do controle do espaço retomado do tráfico ou da milícia por meio da presença efetiva do estado nas comunidades. Isso ainda não se viu. No Rio, e em todo o país, a melhor forma de combater a violência é oferecendo melhores serviços à população. Povo educado e saudável tem mais oportunidades, é menos violento e comete menos crimes.

No Brasil ocorre exatamente o contrário. Não bastassem as cenas de violência produzidas por traficantes, milicianos, assassinos e ladrões armados até os dentes, a principal autoridade do país fez de conta que não lhe diziam respeito os dois ataques que ganharam enorme espaço no noticiário nacional, disputando em tamanho com a Covid-19 e as eleições municipais.

Jair Bolsonaro, o homem que daria um jeito na bandidagem do Brasil, criou o Ministério da Justiça e Segurança Pública e nomeou para o cargo o ex-juiz Sergio Moro, que preferiu se ocupar com política no seu ano e meio no cargo. Depois de demitir Moro, instalou no seu lugar um sonso.

O presidente do Brasil tem ainda um outro problema que, ao contrário de inibir o crime, o deixa à vontade. Sua proximidade ancestral com a milícia do Rio mostra abertamente o caminho que adotou. E ele não trata da defesa das cidades e dos cidadãos, mas dá guarida aos irmãos de farda que saem por aí a controlar comunidades pela força.

Também é muito grave a defesa intransigente que o presidente faz da liberação das armas e da suspensão do rastreamento de armas e munições. A primeira não atende a um suposto fazendeiro desguarnecido que pretende defender suas terras, ou ao pobre cidadão que tenta proteger sua casa, como quer fazer crer sua excelência. Apenas ampara a indústria. O fim do rastreamento beneficia milicianos, traficantes, assassinos e os ladrões dos bancos de Criciúma e Cametá.