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Ascânio Seleme: ‘Vou chamar o Pires’

Não é a primeira vez que acontece de um presidente acuado ameaçar a nação com a convocação das Forças Armadas

Não é a primeira vez que acontece de um presidente acuado ameaçar a nação com a convocação das Forças Armadas. Jair Bolsonaro é mestre em citar os militares como salvadores da pátria sempre que se encontra em situação difícil, causada normalmente por ele mesmo em razão de declarações estapafúrdias ou gestos politicamente equivocados. O último general-presidente da ditadura iniciada em 1964, João Figueiredo, repetiu inúmeras vezes a frase “Olha que eu vou chamar o Pires”, sempre que um fato o incomodava. O Pires de Figueiredo era o carrancudo Walter Pires, ministro do Exército.

A frase de Figueiredo queria significar uma volta ao passado, à linha-dura. Embora Figueiredo tenha sido o último presidente do regime, a ditadura vivia seus estertores. O presidente tinha ainda poderes excepcionais, como o decreto-lei, uma espécie de Medida Provisória de sinal trocado. O decreto passava a valer no ato da sua publicação e só perdia a validade se o Congresso o derrubasse. A MP cai se o Congresso não a apreciar. Mas o famigerado Ato Institucional número 5 havia sido revogado. E aos poucos o país voltava à normalidade com a Anistia de 1979, a volta dos exilados e a libertação de todos os presos políticos

Nos últimos anos do governo Figueiredo, fora os extraordinários problemas econômicos, o Brasil só queria eleger o próximo presidente e desenhar uma nova Constituição para substituir a Carta escrita pelos militares. O primeiro objetivo foi enterrado com a derrota da emenda Dante de Oliveira, que restabelecia a eleição direta, mas o substituto do último ditador seria o civil Tancredo Neves, adversário da ditadura. E a nova Constituição democrática, que o deputado Ulysses Guimarães batizou de “Constituição Cidadã”, era só uma questão de tempo.

Apesar da ameaça comum de chamar um militar para resolver um problema civil, param por aí as semelhanças entre o governo do general e o do capitão. Bolsonaro é um presidente eleito legitimamente pelo voto popular, enquanto Figueiredo foi escolhido solitariamente pelo seu antecessor, o general Ernesto Geisel, e ungido por um colégio eleitoral formatado para atender as ordens do Palácio do Planalto. Mas isso não torna o primeiro melhor do que o segundo.

A composição dos ministérios dos dois presidente é um bom exemplo da diferença entre eles. Com mais ministros do que hoje, Figueiredo tinha sete militares na Esplanada contra 11 de Bolsonaro. Dos sete ministros fardados de Figueiredo, três ocupavam cargos que eram privativos de oficiais generais, os Ministérios de Exército, Marinha e Aeronáutica (hoje departamentos subordinados ao Ministério da Defesa). O que isso significa? Não muito, mas pelo menos pode-se dizer que o general confiava mais nos civis do que o capitão.

Figueiredo era mal educado e frequentemente falava barbaridades, mas não se pode comparar suas grosserias com as de Bolsonaro. Nunca se ouviu o general mandar um jornalista calar a boca. Também se desconhece reunião ministerial com tantos impropérios quanto aquela famosa do dia 22 de abril. Figueiredo era mais tolerante, talvez porque não tivesse os poderes extraordinários e antidemocráticos de que usufruíram seus antecessores. Bolsonaro é mais intolerante, talvez porque queria ter aqueles poderes para si.

Bolsonaro olha para o seu futuro querendo enxergar o passado. Figueiredo sabia que não tinha futuro.

Mourão precipitado
O vice-presidente Hamilton Mourão anda se precipitando.

Por duas vezes nos últimos 30 dias publicou artigos, digamos, politicamente inconvenientes. Inconvenientes para ele. Mesmo que eventualmente demonstrem um estado de espírito ou um alinhamento ideológico com Bolsonaro, podem ser tratados como equívoco. O texto que publicou quarta-feira no Estadão, carregado nos tons, pinta seu autor com o verde e o amarelo que de uns tempos para cá passaram a ser as cores da intolerância e do golpismo. O artigo de nada serve para Mourão, que é o substituto imediato do presidente. O texto, que não tranquilizou a maioria, serviu somente para atiçar os ânimos já exaltados dos extremistas de direita. Mourão não é do ramo e não sabe fazer política. Bastão pode, general?

Ninguém sabe onde o vice-presidente viu barras de ferro e armas brancas nas manifestações pela democracia de domingo passado, como ele menciona no artigo. O que se viu, isso sim, foi uma manifestante fantasiada com a bandeira dos EUA, da turma que defende o fechamento do Supremo e do Congresso, carregando um bastão de basebol. Bastão pode, general?

Silvinho de farda
O encarregado de distribuir cargos e verbas para os aliados do centrão, o general Luiz Eduardo Ramos, escreveu aos seus colegas de farda para explicar como está cumprindo a missão que um dia coube ao Silvinho da Land Rover. Disse que nenhuma indicação passa por ele se não for “republicana, legal e ética”. Acrescentou que todas são submetidas a “intensa pesquisa da vida pregressa do indicado, sob aspectos morais, jurídicos e político-ideológicos”. A carta do general foi escrita antes da nomeação de Alexandre Borges Cabral para a presidência do Banco do Nordeste. Indicado pelo megaenrolado Valdemar Costa Neto, Borges caiu no dia seguinte, quando o TCU lembrou que investiga o sumiço de R$ 2,2 bilhões da Casa da Moeda durante sua gestão. Aparentemente, este só foi aprovado por Ramos no quesito político-ideológico.

Apoio zero
A coisa vai mal mesmo para o ministro da Educação. Abraham Weintraub está sendo rejeitado pelo centrão. Até pelo centrão. E não é mais pela amarração de cargos, que estes ele já entregou. Mas sim porque a turma do “É dando que se recebe” acha que a companhia do maluco atrapalha os negócios. Além dos abobados que fazem qualquer coisa que o líder mandar, como carregar o ministro nos ombros, Weintraub só tem o apoio dos três zeros de Bolsonaro e de outro aloprado, o terraplanista Olavo de Carvalho.

No justice, no peace
O ex-presidente americano Jimmy Carter conclamou americanos poderosos e privilegiados a sair das suas áreas de conforto para combater o racismo. Ele afirmou que “o silêncio pode ser tão mortal quanto a violência”.

As manifestações dos últimos 12 dias, que seguem pelo menos até terça, quando George Floyd será epultado, representam um enorme grito contra a violência. No pacífico Brasil, 59 negros são assassinados a cada dia.

BYE, BYE, LULA
O ex-presidente Lula da Silva surpreendeu até mesmo os aliados mais chegados ao se recusar a assinar os manifestos em favor da democracia lançados no fim de semana passado. Lembrou o velho PT que, em 1985, proibiu seus deputados de votarem em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral que pôs fim à ditadura; e, em 1988, votou contra a Constituição recém-aprovada.

MAGRELAS ELÉTRICAS
As bicicletas disponíveis para alugar em muitas cidades brasileiras vão ganhar a companhia de magrelas elétricas. Servirão para locomoção profissional depois da pandemia de coronavírus. Hoje, as bicicletas são alugadas principalmente para lazer. Imagina-se que no futuro próximo serão locadas para as pessoas irem ao trabalho, por exemplo. As elétricas permitirão que se chegue seco ao seu destino, sem suar. Muitos entregadores das empresas iFood e Rappi já usam bicicletas alugadas para fazer suas entregas. Com as elétricas, suas performances vão melhorar.


Ascânio Seleme: Mirando o passado

Que importância têm PT, PSOL, PCdoB? Nenhuma. No momento, nem oposição fazem corretamente. No futuro, talvez, mas terão de rebolar muito para conseguirem voltar a ter a preponderância que culminou nas eleições de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Então, por que Bolsonaro, seus filhos, seus ministros mais engajados e toda a ala ideológica do governo não param de falar nesses partidos? Porque não têm mais desculpa para o fracasso político do chefão. O presidente, que poderia ter governado em paz, mesmo tocando aqui e ali sua tresloucada pauta conservadora, perdeu completamente o rumo e a liderança quando os escândalos de seus filhos começaram a bater em sua porta. E então apontou seus canhões para o passado.

Os alvos de Bolsonaro e sua turma passaram a ser os partidos de esquerda, sobretudo o PT, do qual o presidente se julga o verdadeiro antagonista. Por isso, todas as vezes que se vê confrontado parte para cima do que já passou, do que virou história. Discurso contra a bandeira vermelha é de uma obviedade sem limites. Atacar os governos de Lula e Dilma virou quase um bordão na boca do presidente e de seus aliados. O que eles fazem é explorar o sentimento de rejeição ao PT que transbordou pelos quatro cantos do país depois da desilusão provocada pelos escândalos do petismo.

Tem o mesmo valor o continuado discurso anticorrupção do clã, que também motiva a militância bolsonarista. Não há um dia em que Bolsonaro, um de seus zeros, um de seus ministros ou um aliado importante não fale que a era da corrupção acabou no país. Em seus monólogos para sua claque e alguns microfones na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro não se cansa de repetir: “querem a volta da corrupção”; “perderam a boquinha e querem a mamata de volta”; “estou há 500 dias no governo e não há nenhum caso de corrupção contra mim”. Claro que combater a corrupção é importante, mas não é tudo.

Alguém tem dúvida de que mais cedo ou mais tarde vão começar a eclodir casos de corrupção no governo, sobretudo agora que Bolsonaro embarcou a turma do centrão em postos que comandam orçamentos de bilhões de reais? Ninguém. Quando houver, têm de ser cortados, corrigidos e os responsáveis devem ser punidos. É assim que a banda toca. Esta é uma questão bem encaminhada no país. Com a Lava-Jato, abriu-se um caminho nunca antes trilhado no combate à corrupção. Nem por isso, aliás, Bolsonaro deixou de tirar seu ministro-símbolo, Sergio Moro, para poder manipular a Polícia Federal em favor dos meninos, da família e de amigos, como ele mesmo explicou.

Mas estes argumentos têm prazo de validade. Os militantes mais sofisticados e sinceros e menos engajados e radicais já começam a perceber que Bolsonaro quer tapar o sol que queima a todos com a peneira dos partidos de esquerda e os escândalos de corrupção da era petista. E, mais grave, usa uma cortina de fumaça para tentar esconder o que mais o apavora, a fragilidade dos filhos enrolados com a Justiça. Bolsonaro se exaspera, eleva a voz e xinga desbragadamente por um único motivo, percebe que a navalha se aproxima de sua garganta.

Os novos inimigos de Bolsonaro, Supremo e Congresso servem eventualmente como argumento substituto dos partidos de esquerda e da corrupção. Na ótica de sua excelência, tem a mesma intenção, impedir que o capitão purifique a nação do comunismo e da roubalheira. A indigência intelectual dessa lógica é óbvia, mas dela a turma do Palácio do Planalto não se afasta. Naquela já famosa reunião ministerial, quando Abraham Weintraub se volta na cadeira e aponta para a Praça dos Três Poderes, ele falava dos dois Poderes instalados ali do lado. Embora tenha mencionado apenas o Supremo, queria mandar prender também “os vagabundos” do Congresso. Seu gesto e sua fala não deixam margem para a dúvida.

O aloprado prestou depoimento ontem à Polícia Federal. Não disse nada, exercendo o direito de não produzir prova contra ele mesmo (e precisava?). Mas se tivesse falado, com certeza diria que defendia o Brasil, a moralidade e os bons costumes, que tratava retoricamente de um retrocesso do país ao tempo da corrupção e da ameaça vermelha. Weintraub é tão atrasado e retrógrado quanto Bolsonaro. Pior do que Bolsonaro, porque é de uma sabujice de fazer inveja ao Barão de Pindaré, um dos maiores puxa-sacos de Dom Pedro II. Weintraub é a prova incontestável de que este governo só mira o passado, mesmo quando tenta sobreviver no futuro.

Saudades de FH e Lula
Tolerância é a mola que movimenta a política. Sem ela, não se faz política. Os últimos presidentes brasileiros deram show de tolerância. Michel Temer foi objeto de uma denúncia de altíssima combustão, não saiu das páginas dos jornais e teve seu governo contaminado por ela, mas jamais perdeu a fleuma. Dilma foi impedida de continuar governando e nunca ameaçou qualquer tribunal ou casa legislativa. Lula foi julgado e acabou preso depois de ser denunciado em cinco casos de corrupção. Nem por isso ameaçou descumprir a sentença, apesar de aloprados ao seu redor aconselharem que não se entregasse ou se refugiasse numa embaixada. Fernando Henrique foi denunciado por compra de votos na emenda da reeleição e acusado no falso dossiê Cayman e nunca ameaçou virar o barco. Eram outros tempos.

Degenerativa
Professores gostam de dar nomes a etapas da História. Batizaram de “República do Café com Leite” a política dos anos 30, de “Nacional Populismo” a ditadura Vargas, de “Nova República” a transição democrática de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Chamaram de “Social-Liberalismo” a era FH, e de “Reformista” a de Lula. Difícil encontrar um nome para atual etapa da (turbulenta) vida nacional. Há os que já chamam o governo de Bolsonaro de “Neofascista”, mas o ex-deputado e professor de História Chico Alencar prefere a designação de “República Degenerativa do Brasil”. Faz sentido.

Reconhecendo a fake
A frase de Bolsonaro é esclarecedora. No monólogo irresponsável em que ameaçou não cumprir determinação do Supremo Tribunal Federal, produziu mais uma confissão de culpa: “(Querem tirar) a mídia que tenho a meu favor”. Oras, presidente, mídia a favor não se têm. Compra-se. No seu caso, o que existe é mídia paga ou ideologicamente comprometida. É mídia mentirosa, falsa e criminosa.

Indo às compras
Em qualquer lugar do mundo o gesto seria tratado como um acinte à Justiça. No Brasil desses dias parece apenas mais uma bobagem do presidente. Ao afirmar que o procurador Augusto Aras é merecedor de uma terceira vaga no STF, Bolsonaro mostrou que está disposto a pagar qualquer preço para o processo contra ele não caminhar no Supremo. Além de, embora diga que não, estar desejando a aposentadoria (ou a morte) precoce de um dos ministros do tribunal.

Ex-futuro ministro
Muito dificilmente o ministro da Justiça, André Mendonça, ganhará cadeira no Supremo Tribunal Federal. Pode até ser indicado para a vaga por Bolsonaro, mas depois da aberração que produziu, na forma de um habeas corpus em favor do colega Abraham Weintraub, a coisa se complicou para ele. Primeiro, será discretamente detonado pelos atuais ministros do STF. Depois, vai ter que se explicar no Senado onde será sabatinado. O problema é que seu caso não tem explicação.

Ódio a índio
O amalucado ministro da Educação disse naquela reunião memorável no Palácio do Planalto que tem “ódio da expressão povos indígenas”. Pois é. No início desta semana, o general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde, inaugurou uma ala de hospital no Amazonas que atenderá exclusivamente a índios, onde disse: “A gente vai ter capacidade de recebê-los num local preparado para eles, na sua cultura, na sua essência como povo indígena”. E agora, Weintraub?

Influência
“Sou a deputada mais influente do Congresso, que mais tem visualização de vídeos”, disse esta semana, orgulhosa, Carla Zambelli. Saudades do tempo em que influência na Casa se media pela participação em comissões, pelo número de projetos aprovados, pela capacidade de aglutinar e produzir entendimentos.

Benedita fora
O jornalista José Maria Trindade, da Rádio Jovem Pan, comentando esta semana a ação da PF contra o governador do Rio, Wilson Witzel, lembrou que quatro dos últimos cinco mandatários estaduais já foram presos, só Benedita escapou. E disse que perguntou a ela por que nunca foi alcançada. Bené teria respondido, segundo Zé Maria, “fiquei pouco tempo, meu filho”.

Bacana SP 1
Casas chiques em subúrbios e condomínios elegantes no entorno de São Paulo, como Boa Vista e Terras de Itú, estão sendo alugadas para a quarentena por até R$ 100 mil por mês. O proprietário de uma dessas mansões alugou a sua por quatro meses e com o dinheiro comprou uma quitinete para sua filha nos Jardins.

Bacana SP 2
Outra novidade desta crise é o aumento importante do interesse por residências fora das áreas mais densas da cidade, já que as pessoas perceberam que dá para trabalhar sem sair de casa. Em São Paulo, o Jardim Guedala, um bairro bacana mas de baixíssima valorização, de repente virou o queridinho de quem tem algum dinheiro e quer sair da muvuca. Três casas foram vendidas na mesma rua do Jardim Guedala na semana passada. Uma delas estava encalhada há mais de dois anos.

Bacana SP 3
Quase todas as lojas de decoração da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, em São Paulo, estão funcionando a todo vapor, apesar de não serem essenciais e por decreto estarem proibidas de abrir. Basta chegar e bater na porta. Muitos dos que alugaram casas no interior durante a pandemia estão aproveitando para fazer reformas nas suas casas paulistanas. E as lojas de decoração são indispensáveis numa hora dessa, não é mesmo?


Ascânio Seleme: O golpista e o interventor

A nação assistiu estarrecida ao vídeo da fatídica reunião ministerial que culminou na demissão do ministro da Justiça, Sergio Moro

A nação assistiu estarrecida ao vídeo da fatídica reunião ministerial que culminou na demissão do ministro da Justiça, Sergio Moro. Foi um festival de barbaridades e palavrões capaz de fazer corar até mesmo Celsinho da Vila Vintém. Tão grave quanto a reunião, ou até mais, foi a nota do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, que ameaçou o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, e de resto todo o país, numa defesa despropositada do presidente Jair Bolsonaro. Foi a declaração mais acintosamente antidemocrática de um general desde o fim da ditadura, há 35 anos.

A nota de Heleno, sugerindo uma instabilidade nacional no caso da apreensão do celular de Bolsonaro, é tão absurda que enterra de uma vez por todas a aura de democrata que o general tenta mostrar. Como uma biruta que sopra de acordo com o vento, dois dias antes ele afirmara que não haverá golpe no país. Claro que não haverá. Estamos tratando de um aloprado, com certeza. Mas um aloprado com propósito. No mínimo, Heleno queria atrair para si a atenção do dia, toda voltada para o vídeo da reunião ministerial. No limite, queria constranger ou assustar um ministro do STF, tentando subverter sua vontade, a vontade da Justiça.

O fato é que a nota é uma ameaça ignóbil e deve ser tratada distintamente da questão que envolve o presidente e a intenção de interferir na Polícia Federal. Heleno deve responder pela nota absurda e ser sancionado adequadamente. O que ele fez foi igual ao que fazem os que carregam faixas pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo. Mais grave, na verdade, porque o ministro tem assento do Palácio do Planalto e, por ser um ex-chefe militar, alguma ascendência sobre outros oficiais. O biruta pregou um golpe.

Sobre a denúncia propriamente dita, não resta dúvida que Bolsonaro ameaça intervir na Polícia Federal por não receber dela informações que julga merecedor. Reclama que a instituição não o ajuda: “Eu não posso ser surpreendido com notícias, eu tenho a PF e não tenho informações.” Depois reclama também das que recebe da Abin e das Forças Armadas. Diz que prefere não ter informação a ser mal informado. A certa altura, afirma: “Não sou informado, eu vou interferir”, e olha para Moro.

Ao se referir à segurança no Rio, é óbvio que se referia à Superintendência da PF, mas não é claro o suficiente nesse ponto específico. Depreende-se essa conclusão ao se entender o todo. Como este é o ponto crucial da investigação em curso contra Bolsonaro, haverá argumento para quem quiser varrer a sujeira para debaixo do tapete. Significa que, se o procurador Augusto Aras for um mau entendedor, pode isolar a fala, dizer que dela não se consegue retirar nenhuma vontade intervencionista e engavetar o inquérito.

A reunião tem tudo aquilo que já se publicou. Mas é assustador ver e ouvir as sandices e os palavrões do presidente da República num ambiente que deveria ser de alto nível. Fala em liberdade com a mesma entonação com que ataca jornais. Fala em armar a população para impedir uma ditadura e diz que o povo armado não aceitaria o decreto de prefeitos regrando o confinamento contra o coronavírus. Um absurdo. Chama os governadores João Doria e Wilson Witzel de “bosta” e “estrume”. Diz que eles querem “nossa hemorroida”, não explicando direito o que queria significar.

Não há dúvida que quem inflama Heleno e outros ministros é o próprio Bolsonaro. Ele nunca fala baixo, grita muito e extrapola no uso de palavrões, mas isso é quase uma bobagem quando se observa o teor das suas colocações. Ele pinta o governo como se fosse um ente ungido por Deus sendo atacado por todos os lados, mas nomeia apenas a imprensa. E ameaça ministro que for elogiado pelo GLOBO ou pela Folha.

O ataque de Weintraub ao Supremo está lá, com todas as mesmas letras que escrevemos e lemos nos últimos dias. O ministro fala de modo inflamado em liberdade, sem explicar a que tipo de liberdade se referia, já que acrescenta que se dependesse dele “colocava todos esses vagabundos na cadeia, começando pelo STF”. Weintraub vira-se na cadeira apontando para a Praça dos Três Poderes. Ninguém o condena.

Festejando o quê?
A reunião de quinta-feira do presidente da República com os presidentes da Câmara e do Senado e com governadores (estes online) não seria nada mais do que um encontro importante, porém normal, se esse fosse um governo normal. Mas em se tratando de Bolsonaro, foi um sucesso que entusiasmou muita gente, dentro e fora do Palácio do Planalto. Por quê? Porque Bolsonaro não levantou a voz, não xingou, não ameaçou ninguém, comportou-se como um ser humano civilizado. Alguma coisa está muito errada quando se festeja um presidente que faz nada mais do que sua obrigação. O chato é que não vai durar.

Bobo ele não é
Curioso que o modo civilizado, para não dizer bonzinho, de Bolsonaro ocorreu no dia seguinte à divulgação de uma pesquisa em que 60% dos brasileiros dizem que seu governo é ruim ou péssimo e 76% apoiam o isolamento social contra o coronavírus. Outro fator que influenciou favoravelmente o humor do presidente foi a iminente retirada do sigilo sobre o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril. Era bom mesmo mostrar alguma inimaginável civilidade.

O uso do cachimbo
No domingo passado, dezenas de manifestantes que carregavam faixas com dizeres antidemocráticos deixaram os estandartes dentro dos seus carros antes de se agruparem na Praça dos Três Poderes para ovacionarem o capitão. Mas a coceira foi tanta que uma mulher não aguentou o novo comando do gabinete do ódio e deu uma paulada na cabeça de uma jornalista com o mastro da bandeira do Brasil que portava. É a boca torta que não consegue esconder o velho hábito da intolerância.

Oposição?
A frase que deve ter acordado o ex-presidente Lula é do filósofo e professor Luiz Felipe Pondé. “O Brasil não tem governo nem oposição”, disse Pondé numa live com o jornalista Willian Corrêa. Lula deve ter pensado “calma lá”, e rapidamente reintroduziu a oposição no festival de besteiras que assola o país (obrigado, Sergio Porto).

Restos do vídeo
Não dá para deixar passar o que falou o ministro do Meio Ambiente, o absurdo Ricardo Salles, na reunião ministerial do dia 22 de abril. Disse que era hora de aproveitar que a imprensa está ocupada com a Covid-19 para “passar de boiada” medidas que dependem apenas de parecer e caneta para “simplificar” os controles ambientais no Brasil. Parecia uma pessoa querendo cometer um crime enquanto ninguém vê. Bobagem, ministro, haverá sempre um jornalista atento aos seus movimentos.

O cientista e o sábio
O cientista Jair Bolsonaro recomenda o uso da cloroquina desde os primeiros sinais do contágio, tanto que mandou o Ministério da Saúde baixar protocolo nesse sentido, que nenhum médico assinou. O sábio Osmar Terra, que há um mês disse que o número de casos estava desabando, assina embaixo, embora ele próprio seja um ex-médico. Por sorte não estão juntos. Caso estivessem, sábio e cientista encaminhariam o país rapidamente para a beira do precipício.

Os três patetas
A última vez em que simultaneamente três oficiais generais deram as cartas no Palácio do Planalto foi entre 31 de agosto e 30 de outubro de 1969, quando uma junta militar assumiu o governo após o derrame que incapacitou o então presidente e marechal Costa e Silva. Para impedir a posse do civil Pedro Aleixo, os ministros de Exército, Marinha e Aeronáutica abiscoitaram o poder. Proibiram a imprensa de usar o termo “junta militar”, mas não conseguiram impedir que o apelido dado a eles pelo deputado Ulysses Guimarães ganhasse até os livros de História. O almirante Augusto Rademaker, o general Aurélio de Lira Tavares e o brigadeiro Márcio de Sousa e Melo ficaram conhecidos como “Os três patetas”. Eram outros tempos, hoje o pateta do Palácio tem patente inferior.

Nem o mdb
Você percebe que está mal quando convida o MDB para o seu governo e o partido gradece dizendo que neste momento prefere manter a sua “independência”.


Ascânio Seleme: Até papagaio bate continência

Os milhares de cargos federais entregues a militares, suas famílias e seus amigos se transformam em motivadores do apoio a Bolsonaro

Nunca, desde abril de 1985, as Forças Armadas foram usadas de maneira tão escancarada em favor de um projeto político. E nunca, em toda a história do Brasil, cederam tão docilmente. A ocupação das estruturas do Executivo por militares já depõe sobre a subserviência das forças ao presidente Bolsonaro. Não se trata de disciplina, de obediência ao comandante em chefe, que podem ser até a desculpa oficial, mas é porque há uma compensação. Com esse loteamento de cargos, Jair Bolsonaro interfere à vontade em todas as instâncias de poder militar, sobretudo no Exército.

Não fosse assim, sua ordem para a revogação de três portarias do Comando Logístico do Exército que estabelecem controle, identificação e rastreabilidade de armas e munições jamais passaria. Passou e foi mais um dos muitos ataques de Bolsonaro ao Estatuto do Desarmamento, que o Ministério Público Federal denunciou por inconstitucional. O presidente já baixou diversos decretos autorizando porte, aumentando volume de compra de munições, reduzindo idade e ampliando áreas para uso de armas de fogo. Quase todos foram revogados depois de reconhecidas suas inconstitucionalidades.

Um desses decretos aumentava de 50 para 5.000 o número de munições que poderiam ser compradas anualmente por qualquer pessoa que tivesse arma registrada. Ela autorizava a compra de pouco mais de 2 bilhões de balas por ano, permitindo que se dessem quase 6 milhões de tiros a cada dia no Brasil. Caiu, claro. Em outro, Bolsonaro flexibilizava de tal forma a lei de compra de armas que um cidadão como você e eu poderia ir ao mercado e comprar um fuzil para defesa pessoal. Há quem veja nisso apenas o atendimento de uma pauta da turma da bala. Ma há os que veem mais do que isso.

Haveria um projeto em curso para armar e municiar pessoas e grupos que apoiam o presidente? O fato é que as pessoas estão cada vez mais à vontade para portar armas. No acampamento paramilitar da Esplanada dos Ministérios há gente armada, como revelou a líder do grupo, Sara Winter. Ela disse que as armas servem para o grupo se defender. Se defender de quê? Todos os acampados de Brasília são radicais antidemocráticos e atacam sistematicamente o Congresso, o Supremo e a imprensa, e muitos são membros efetivos ou reformados de forças militares.

Nesse sentido, os milhares de cargos federais entregues a militares, suas famílias e seus amigos se transformam em motivadores do apoio a Bolsonaro. Além de membros das três Forças Armadas, há cargos ocupados por oficiais e praças da ativa ou da reserva das forças auxiliares estaduais, como PMs e Bombeiros, e por delegados e agentes das polícias Civil, Federal e Rodoviária. A aposta é consolidar de tal maneira a presença militar e policial nas estruturas do poder que qualquer solavanco que ameace esses empregos se transforme num gatilho de defesa do governo.

Eles estão por todos os lados, nos ministérios, nas autarquias, nas estatais, nos bancos oficiais. Mas o caso do Ministério da Saúde é exemplar. Lá há tantos militares em cargos de chefia, 18 segundo contabilidade do GLOBO, que até papagaio bate continência. A expressão é do falecido escritor Joel Rufino, se referia à antiga CBD, Confederação Brasileira de Desportos e dava conta da militarização da seleção brasileira sob o comando do almirante Heleno Nunes. Na Saúde do general Pazuello ocorre o mesmo.

A explicação de que são bons porque são disciplinados é mais esfarrapada que pano de chão velho. Ninguém é melhor em qualquer coisa apenas porque foi ou é militar. Com certeza, pode-se garantir apenas que os militares são melhores em ordem unida. Fora isso, podem ser melhores ou piores, de acordo com a formação acadêmica de cada um. O que está ocorrendo sob o manto da eficiência militar é a distribuição de cargos com salários que variam de R$ 10 mil a R$ 39 mil. E, nas ruas, colegas de farda, amigos e parentes armados e municiados servem de apoio. Assim Bolsonaro se protege, dando boquinhas aos militares e bocarras ao centrão.


Ascânio Seleme: Ministro da saúde não importa

Quem comanda as ações nacionais no combate ao coronavírus são governadores e prefeitos

Para nossa sorte, o ministro da Saúde não tem muita importância. Quem comanda as ações nacionais no combate ao coronavírus são governadores e prefeitos. O Supremo Tribunal Federal já deixou isso resolvido. Teich, Pazuello ou Terra, nenhum deles tem poder para alterar a jornada de combate e controle da maior crise sanitária desde a gripe espanhola. O distanciamento social, principal mecanismo para conter o contágio, é determinado pelos gestores estaduais e municipais. Nem o decreto de Bolsonaro ampliando os setores considerados essenciais, como salões de beleza e academias, colou. Os governadores ignoraram o presidente.

A demissão de Nelson Teich guarda, entretanto, alguns problemas de naturezas diversas. A primeira e mais grave, aumenta a desconfiança dos agentes econômicos no Brasil. O drama da economia vai se transformando em caos diante de mais este terremoto promovido por Bolsonaro. Em seguida, medidas como compras centralizadas de ventiladores, EPIs e outros produtos usados pela rede pública de saúde podem sofrer solução de continuidade. Sob Teich já se via este imobilismo. Ele gastou apenas o equivalente a 9% do despendido pelo seu antecessor.

E há um outro problema, que foi objeto de crítica do vice-presidente Mourão em artigo publicado na quinta-feira no Estadão. A demissão amplia o prejuízo à imagem do Brasil no exterior. Mas, ao contrário do que escreveu o vice, este prejuízo é sempre causado porque o presidente brasileiro insiste em mostrar ao mundo como age de forma atabalhoada e difusa em qualquer ambiente, mesmo em meio a uma pandemia. Finalmente, escancara para todos os brasileiros a enorme capacidade do capitão em causar problemas para o país e para si próprio. Bolsonaro parece um macaco em loja de louças. Quebra tudo em que seus braços, suas pernas e seu rabo tocam.

De outro lado, apesar de tentar agora passar uma imagem de independência, Teich foi um desastre na Saúde. Quando sentou-se na cadeira de Mandetta, torrado pelos ciúmes doentios de Bolsonaro, desmontou um time técnico super dedicado, militarizou as estruturas do ministério e suspendeu as coletivas diárias de imprensa (usadas por governos em todo mundo para orientar a população). Hoje, 200 mil casos e 15 mil mortos depois, Teich sai dizendo que não quer manchar sua biografia. Tarde demais, ela já foi irremediavelmente tingida.

O ex-ministro deixou o cargo se rebelando contra o uso da cloroquina. Foi um gesto nobre, mas antes de pedir demissão Teich foi checar em hospitais se havia alguma chance de o remédio funcionar. No pronunciamento que fez não tocou no assunto e ainda agradeceu a confiança de Bolsonaro depositada nele. Se sua gestão foi uma tragédia, sua saída foi lamentável, não porque saiu, mas pelo que não disse. Não atacou o entusiasmo do presidente com a cloroquina. Desde a primeira onda do presidente em favor do remédio, o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército multiplicou por dez a fabricação da droga e tem tudo para ficar com o mico na mão. A menos, claro, que o novo ministro da Saúde obrigue os hospitais federais a comprar os estoques do Exército, mesmo que não sejam usados.

Não importa quem seja o substituto de Teich, ele será ruim ou pior. O que é incrível. Ruim é o general Pazuello, por ora interino. Pior seria o deputado Osmar Terra, que esta semana voltou com tudo. Um mês depois de dizer a Eduardo Bolsonaro que os casos não estavam apenas caindo, mas sim “despencando”, ele retomou a palavra para insistir no fim do distanciamento social. Afirmou que uma epidemia dura no máximo 13 ou 14 semanas, salientando que estamos na sétima semana e que o pior já passou. No dia em que Terra viu os casos despencando, dizendo que ao filho do presidente que já dava para “comemorar”, havia no país 25.684 casos confirmados e 1.552 mortes registradas. De lá para cá, o número de casos e mortes aumentou dez vezes.

Ilegal, e daí?
O acampamento de apoiadores radicais de Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios é daquelas coisas que apenas no Brasil são toleradas. Ele é ilegal, todo mundo sabe, mas permanece lá. Já aconteceu antes com líderes da UNE, com sindicalistas do PT, com os sem-terra do Stédile e os sem-teto do Boulos. Há uma lei que proíbe acampamentos na Praça dos Três Poderes, nos gramados em frente ao Congresso e nos que se estendem entre os prédios dos ministérios. A lei era e é ignorada. Há, porém, uma grande diferença entre os acampados da esquerda e os da extrema direita. Aqueles era militantes, estes são milicianos armados que ultrajam a democracia e representam risco para a segurança pública.

E mais
Parece bobagem, pode ser, mas também não é legal acampar na Praça Lafayette, em frente à Casa Branca, ou nos Jardins dos Champs-Élysées, diante da sede do governo francês. Em Washington e em Paris a lei é cumprida. Quem a desrespeita sofre com a mão pesada do Estado. Não há jeitinho, não tem conversa. É ilegal, não pode. No Brasil, não só pode como as autoridades deixam estar. A novidade do acampamento dos milicianos da Esplanada é que a Justiça autorizou sua permanência no local. O juiz Paulo Cavichioli Carmona julgou tratar-se de uma manifestação legítima. Armas? Atos antidemocráticos? Agressões? A Justiça é cega e o magistrado não viu.

Outros interesses
Jair Bolsonaro tem outros interesses no Rio para os quais a PF pode ser útil, além de proteger seus filhos e seus novos aliados políticos do centrão. São os amigos milicianos e os inimigos no governo do estado, a começar pelo governador Wilson Witzel.

Nunca antes
Rodrigo Maia perdeu uma grande chance de ficar calado. Ao sair do gabinete de Bolsonaro falando em pontes e diálogos, o deputado mostrou que insegurança pode bater em qualquer um, mesmo no manda-chuva que mostrou determinação e personalidade ao aprovar a reforma da Previdência no ano passado. Rodrigo não deveria sequer ter ido ao Planalto no dia em que o presidente disse que ele jogava para “afundar o país e ferrar com a economia”. E lá estando, deu mole e foi fisgado como um peixinho perdido. Nunca antes se viu um presidente da Câmara tão amador como Maia neste episódio.

Marido traído
A alternativa do presidente Bolsonaro para evitar aborrecimentos em reuniões ministeriais foi cancelar os encontros.

“De agora em diante, não tem mais isso, será só um cafezinho com bandeira hasteada”, disse o capitão, tirando o sofá da sala.

Silvinho de farda
O general Luiz Eduardo Ramos, secretário-geral da Presidência da República, foi designado por Jair Bolsonaro para controlar a distribuição de cargos e verbas para a turma do centrão.

Ele é quem decide quanto cada parlamentar pode levar em dinheiro para o seu município e quais cargos serão entregues aos partidos e seus líderes.

Ramos cumpre a mesma tarefa que Sílvio Pereira, o Silvinho Land Rover, realizava durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula. Silvinho era o operador de cargos durante o mensalão. Abre o olho, general.

Aliás
De cargos, aliás, os militares entendem muito bem. Para onde quer que se olhe na Esplanada dos Ministérios, vê-se militares e parentes de militares em postos de segundo e terceiro escalões.

Os 20 mil cargos de livre nomeação no governo federal já foram ocupados majoritariamente por sindicalistas, na era petista, políticos e amigos de políticos, na gestão do ex-presidente Michel Temer, e agora são de oficiais das três Forças Armadas, suas famílias e suas turmas.

Distanciamento da realidade
Bolsonaro não consegue ver a realidade. Se ele não tivesse atrapalhado tanto, incentivando as pessoas a desrespeitarem o distanciamento social, talvez agora pudéssemos já estar discutindo o relaxamento das medidas e a cuidadosa reabertura da economia.

A MP inútil
A MP que blinda agentes públicos de processos civis ou administrativos durante a pandemia de coronavírus não serve para crimes contra a humanidade. Tampouco alcança quem cometa negligência que resulte na morte de milhares de pessoas. Parece que Bolsonaro foi mal assessorado.


Ascânio Seleme: Arquivador-geral da República

Hoje, estamos no limiar de ver surgir no cenário nacional um outro operador de gavetas e arquivos

Num passado não muito distante, o Brasil conviveu com um procurador que se destacava por engavetar a maioria dos pedidos de investigação sobre malfeitos federais. Ele era tão eficiente nessa tarefa que ganhou o apelido de Engavetador-Geral da República. Trata-se de Geraldo Brindeiro, nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995 e reconduzido ao posto outras três vezes. Nos seus oito anos de mandato, engavetou 242 inquéritos, arquivou outros 217 e aceitou apenas 60 de 626 denúncias a ele oferecidas. Foram beneficiados 194 deputados, 33 senadores, 11 ministros. Quatro processos contra FHC também foram parar na gaveta de Brindeiro.

Hoje, estamos no limiar de ver surgir no cenário nacional um outro operador de gavetas e arquivos. Augusto Aras pode se tornar um Arquivador-Geral no inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal contra o presidente Jair Bolsonaro, embora obviamente possa surpreender. Assim como Brindeiro, Aras não estava na lista tríplice que é oferecida ao presidente como balizadora para a indicação. Quando a lista foi instituída, em 2001, Brindeiro ficou em sétimo lugar na eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República, mas mesmo assim foi nomeado por Fernando Henrique. Embora se tratasse de uma recondução, o fato é que a lista não foi respeitada. Aras sequer concorreu para a vaga na eleição e ainda assim foi nomeado por Bolsonaro.

Deve-se dizer a favor de Aras que ele não engavetou o pedido do PDT de abertura de inquérito contra Bolsonaro e o encaminhou ao STF, que pelo ministro Celso de Mello autorizou sua abertura. Todos os seus movimentos até aqui seguiram o rito normal esperado de um procurador-geral. O perigo, entretanto, mora logo ali na frente. Terminada a fase de inquérito, Aras decidirá se apresenta ou não denúncia contra o presidente da República. Se ele não denunciar Bolsonaro, o caso é arquivado, mesmo que esteja repleto de provas e evidências de que um crime foi cometido.

Pelo que se apurou até aqui, não resta dúvida de que o presidente Jair Bolsonaro demitiu Sergio Moro e Maurício Valeixo porque queria interferir na Polícia Federal, receber informações privilegiadas, e acima de tudo proteger “familiares e amigos”. A desculpa inventada de última hora, de que ele se referia à segurança dos filhos, não cola em ninguém, a não ser na turma mais chegada ao capitão. Mas vai que cola em Aras. Será no momento em que escrever sua decisão, depois de terminado o inquérito, que Augusto Aras escolherá como vai querer ser retratado pelos livros de história. Pode se alinhar no panteão onde já estão Aristides Junqueira e Sepúlveda Pertence ou figurar na galeria de Geraldo Brindeiro.

O que não se falou

Sabe-se já sobejamente o que se falou na reunião ministerial do dia 22 de abril no Palácio do Planalto, e não precisaríamos voltar a ela não fosse por um detalhe. O que disseram os ministros técnicos quando ouviram as barbaridades que saíam da boca do capitão e de alguns de seus ministros mais aguerridos? Como o ministro Paulo Guedes, por exemplo, reagiu quando Bolsonaro disse que queria sim proteger seus filhos e amigos da sanha da PF? Ele falou alguma coisa ou ficou calado? E a ministra da Agricultura, Tereza Cristina? Ela expressou algum espanto quando Abraham Weintraub, da Educação, pediu cadeia para os ministros do STF? Ficou ruborizada?

Será que o astronauta Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia e Etc, mostrou indignação quando sua colega Damares Alves disse que Bolsonaro deveria mandar prender também prefeitos e governadores que determinaram isolamento social? Ou ficou rindo quietinho em seu canto? Não vou perguntar sobre o ministro da Saúde, Nelson Teich, porque este devia estar dormindo. Mas, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, reagiu quando o chanceler Ernesto Araújo chamou o coronavírus de “comunavírus”, culpando a China pelo seu surgimento? Em política, calar e consentir são sinônimos.


Ascânio Seleme: Regina, fria, insensível e debochada

Entrevista que Regina concedeu à CNN mostrou o lado mais obscuro da atriz, a sua frieza e insensibilidade, o caráter tão deformado quanto o do seu antecessor

Quando Regina Duarte foi anunciada como substituta do nazista demitido da Secretaria de Cultura há dois meses, muitos se equivocaram (este colunista inclusive) acreditando que o setor ganharia com sua nomeação. Afinal, era uma atriz com meio século de experiência e que conhecia muito bem a cultura nacional, suas necessidades e precariedades. O fato de ser aliada de primeira hora de Jair Bolsonaro fazia parte do jogo, não se podia esperar que o presidente chamasse Chico Buarque para o posto. Foi um engano terrível.

A entrevista que Regina concedeu aos repórteres Daniel Adjuto, Daniela Lima e Reinaldo Gottino, da CNN, mostrou o lado mais obscuro da atriz, a sua frieza e insensibilidade, o caráter tão deformado quanto o do seu antecessor Roberto Alvim. Debochada, a secretária zombou da morte, da tortura, fazendo uma dancinha patética na cadeira enquanto cantarolava “Pra Frente Brasil”, música-hino da seleção brasileira de 1970 mas que também serviu como propaganda do governo do general Emílio Médici, o mais brutal do ciclo militar que durou 21 anos.

Somente uma pessoa gelada pode tratar de tortura e assassinatos a mando do Estado como coisa natural. “Sempre houve tortura”, disse Regina. “Na humanidade, não para de morrer (gente)”, acrescentou desavergonhadamente. E depois, ridícula, perguntou “por que que as pessoas ficam oh, oh, oh (diante da morte), por que?”. A atriz não difere em nada dos trogloditas que avançam sobre enfermeiras, que agridem jornalistas, que carregam faixas pregando a volta do AI-5, a intervenção militar ou o fechamento de Supremo e Congresso.

Regina também protagonizou um episódio de incoerência explícita, atributo muito comum entre os radicais do bolsonarismo. Ao iniciar sua entrevista, disse que falava à CNN porque adora “essa ideia de dois lados”. A atriz quis sugerir que os demais veículos não dão os dois lados de uma história. Bobagem. O importante foi o que se viu mais adiante, quando a secretária produziu um faniquito ao vivo porque a emissora colocou um vídeo com Maitê Proença cobrando medidas da secretária de Cultura. Regina não quis ouvir o outro lado e chegou a tirar o fone de ouvido que usava.

Não preciso repetir aqui a confusão produzida ao vivo pela atriz ao perceber que um VT de Maitê estava entrando no ar para questioná-la. Mas é necessário lembrar um ponto pelo menos. Ao retirar o fone para não ouvir a colega de profissão, Regina cobrou dos jornalistas por terem colocado um contraditório na entrevista que ela imaginou ser propriedade sua. “Pra quê desenterrar uma mensagem da Maitê? Quem é você?”, perguntou a secretária para Daniela Lima, estufada de autoridade e claramente irada porque a emissora apresentou o que antes ela disse adorar, o outro lado.

Ontem, menos de 24 horas depois de a entrevista ir ao ar, os robôs do bolsonarismo começaram a torpedear Maitê e a CNN nas redes sociais. A emissora que entrou no ar há menos de dois meses passou a ser atacada pelos mesmos energúmenos habituais. Aqueles que confundem jornalismo com propaganda, os que só querem ler, ver e ouvir boas histórias. As ofensas foram as de sempre, mudando apenas o seu objeto. “Imprensa canalha, jornalismo comunista, CNN Lixo”. Bem-vinda ao clube.

Milícia de lobistas
Se não estivessem todos de terno e gravata, a turma que atravessou a Praça dos Três Poderes com o presidente Bolsonaro na quinta poderia ser chamada de milícia em rota para o confronto. Foi o que se viu. Uma tentativa de ocupação de território. Poderiam também ser traficantes, não fossem os ternos e as gravatas, querendo tomar uma boca de fumo de favela vizinha. Já havia se visto quase de tudo na famosa praça de Brasília, mas essa foi nova.

DNOCS
Mais uma vez o governo entrega o controle do órgão que cuida do maior drama nordestino a um partido político. Criado em 1909 pelo presidente Nilo Peçanha como Inspetoria de Obras Contra a Seca (IOCS), o órgão virou Departamento em 1959, centralizando todos os gastos federais (mais de R$ 1 bi/ano) necessários para levar água até localidades onde ela não chega naturalmente. Desde os primeiros dias, o Dnocs serve a interesses políticos. Seus dirigentes já foram indicações de partidos ancestrais como UDN, PTB e Arena. Nos últimos anos, o órgão abrigou indicados de PMDB, DEM, PP, PT e similares. Hoje, pertence ao Progressistas do senador Ciro Nogueira (Lava-Jato, organização criminosa e desvios de recursos públicos). O anterior, José Rosilonio Magalhães de Araújo, pertencia ao Solidariedade do deputado Genecias Noronha (condenado em segunda instância por improbidade administrativa por contratar sem necessidade e sem concurso 2,6 mil servidores para uma cidade cearense com 31 mil habitantes).

Pede o boné
O ministro Paulo Guedes levou dois tocos do presidente Jair Bolsonaro em 15 dias. O primeiro foi o anúncio do programa Pró-Brasil, que estabelecia gastos bilionários sem que Guedes fosse consultado. Agora foi a questão da suspensão por dois anos do reajuste do funcionalismo, quando o presidente autorizou a inclusão de exceções na Câmara, contrariando orientação do ministro. Em ambas, Bolsonaro voltou atrás. No ano passado, ao ser criticado no calçadão de Ipanema em razão da sua fala deselegante sobre a mulher do presidente francês, Guedes disse que se ocorresse outra crítica pública como aquela pegaria o boné e iria embora. Não falou sobre tocos presidenciais. Esses podem ser múltiplos e com certeza vão ocorrer outros.

Anitta arrebentou
Se Anitta já estava em alta desde que Nelson Motta escreveu a primeira coluna sobre sua inteligência, força e determinação, cresceu ainda mais depois do corretivo que aplicou no deputado Felipe Carreras (PSB) numa live na internet. O parlamentar tinha incluído na MP 948 uma emenda estabelecendo novas regras no recolhimento de direitos autorais. Beneficiaria produtores culturais que recolheriam menos e prejudicaria todo o segmento musical. Anitta desmascarou Carreras, que recuou e retirou a emenda. O deputado é produtor cultural em Pernambuco.

Aliás
A Medida Provisória 948 atende demanda do setor de turismo, estabelecendo regras para o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão da pandemia de coronavírus. Foram propostas 279 emendas, quase todas de correção de texto, alteração de vigências ligadas diretamente à questão. Dois jabutis atropelaram o tema, ambas do deputado Carreras. A já citada, que reduziria pagamento de direitos autorais, e outra baixando para zero o percentual de cobrança de contribuições para o PIS/Pasep, Cofins, CSLL e ISS sobre receitas decorrentes das produções culturais que forem realizadas nos próximos 12 meses.

Pelas manhãs
O jornalista Ricardo Lessa escreveu para informar que há mais uma razão para Bolsonaro ser tão intratável pelas manhãs. Ele sofre de refluxo e por isso dorme muito mal quase todas as noites. Se não for sintoma da Covid-19, a tosse desses últimos dias indica que o refluxo piorou, o que colabora com o enfezamento.

Minas merece?
Leitor de Belo Horizonte achou errada nota publicada aqui na semana passada dizendo que Minas não merecia um governador como Zema. “Estado que já elegeu Aécio Neves e Fernando Pimentel fez por merecer Romeu Zema”, escreveu o leitor.


Ascânio Seleme: Um presidente que odeia pelas manhãs

Presidente se vê esvaziado dos ensinamentos do dia quando se deixa contaminar pela ignorância da noite

Quase todo mundo sabe que política é a arte do entendimento, a busca do possível, a técnica de guiar ou orientar um grupo, uma comunidade, uma cidade, um estado ou uma nação através de argumentos e medidas que atendam ao interesse da maioria. É isso o que se espera do homem público, seja ele um veterano conservador ou um novato reformador. Ele precisa pensar muito antes de tomar uma decisão, calcular antecipadamente o impacto de cada passo que for dar, cada frase que for pronunciar. Procurar não cometer erros e evitar turbulências que o atrapalhem alcançar o objetivo da maioria. Ter jogo de cintura, buscar a paz. Exatamente o contrário do que faz cotidianamente o presidente Jair Bolsonaro.

Quando as coisas chegam a um ponto de ebulição capaz de gerar uma explosão, o bom político recolhe-se, cala-se, conta até dez, dorme sobre o problema para ter tranquilidade para decidir no dia seguinte. Comete o conhecido “sleep on it”, que é a técnica de deixar a matéria esfriar antes de nela tocar, ou consultar o travesseiro antes de reagir. Com Bolsonaro ocorre o oposto. Ele quase sempre amanhece atazanado, pronto para dar uma bronca em repórter, para reagir ao que considerou um insulto recebido na véspera, a reverberar sobre algo que por prudência deveria ter sido deixado para trás ou sobre o qual seria melhor discorrer com a calma das manhãs.

Duas razões parecem estar por trás dessa volúpia matinal do presidente. A primeira e mais evidente é que no “sossego do lar”, Bolsonaro passa horas sem ouvir seus assessores, seus generais, aqueles que tentam e muitas vezes conseguem colocar freios em seus ímpetos. No Alvorada, quando a noite cai, o presidente só tem os seus filhos, os três zeros que entopem sua cabeça com as ideias que ele vai desovar ao longo do dia e expelir de modo mais direto e sem rodeios na entrevista que dá na porta do palácio aos jovens repórteres atônitos, que produzem as principais manchetes de quase todos os dias.

A segunda razão tem natureza emocional. Bolsonaro sente-se encorajado pela claque que amanhece diariamente com ele na saída da residência oficial. Dá para ver como ele se regozija com os aplausos e palavras de apoio quando fala, quando ofende jornais ou manda jornalista calar a boca, quando desce o pau em governadores, deputados e senadores ou quando ataca ministros do Supremo Tribunal Federal. Percebe-se em alguns momentos que ele fala e olha para a claque rindo, buscando incentivo, que obviamente obtém. Essa turma o incensou mesmo quando defendeu o fim do isolamento e disse que a Covid-19 não passava de uma gripezinha.

Se da claque não se deve esperar mesmo muita coisa, afinal essa turma é composta por seguidores e admiradores fiéis e cegos, o mesmo não devia se dizer do presidente. Mas é o que ocorre. Não se pode esperar muito de Jair Bolsonaro. Sobretudo pelas manhãs. O ataque ao ministro Alexandre de Moraes é um exemplo da clássica frase “de onde menos se espera daí é que não sai nada mesmo”, do Barão de Itararé. Quando sai alguma coisa, vem nesse formato que atenta contra o mais elementar dos mandamentos do bom político, que é não permitir que a coisa fuja do seu controle. No episódio, Bolsonaro entregou o controle ao Supremo, que reagiu em coro contra ele.

E não adianta tentar explicar os arroubos presidenciais pela lógica bolsonarista de que o mundo mudou com o fim da política clientelista. Até porque essa máxima besteira, que há muito tempo tinha sido explodida, foi agora soterrada pelo acordo com o centrão. E depois não é disso que se trata. O que ocorre é que o presidente se vê esvaziado dos ensinamentos do dia quando se deixa contaminar pela ignorância da noite. Woodrow Wilson, que governou os Estados Unidos de 1913 a 1921, produziu um frase que qualquer brasileiro adulto que acompanhou a política nacional dos últimos 20 anos entende bem: “Nos assuntos públicos a burrice é mais perigosa do que a desonestidade, porque é mais difícil de ser combatida”.


Ascânio Seleme: Os homens do presidente

Suas ligações com criminosos profissionais sempre foram conhecidas

Um gabinete do ódio foi instalado no governo para dar vazão ao maior de todos os sentimentos de um presidente movido pelo desejo permanente de retaliação. Ele se disse perseguido e sempre odiou todos aqueles que identificava como inimigos ou que imaginava um dia poderem se transformar em inimigos. Por isso, destilou sua ira contra políticos de oposição, aliados que não mostravam firmeza, ex-aliados, juízes, desembargadores, ministros da Suprema Corte, jornalistas ou qualquer outro tipo de gente que não pensasse como ele ou que se interpusesse entre ele e seu projeto político.

O gabinete usou todos os instrumentos que conseguiu dispor para construir constrangimentos aos inimigos do chefe. Espionou, divulgou notícias falsas, impediu acesso a documentos oficiais, criou barreiras entre o presidente e a imprensa, proibiu veículos de informação de entrar na sede do governo, mentiu para o Congresso, privilegiou amigos. Suas ligações com criminosos profissionais, milicianos que trabalhavam por dinheiro, sempre foram conhecidas. Recursos do fundo partidário eram usados para pagar por serviços prestados por esses indivíduos, de resto tão inescrupulosos quanto os membros do gabinete do ódio e o próprio presidente da República.

Acossado pelo Congresso que ameaçava instalar um processo de impeachment, o presidente demitiu sumariamente o chefe das investigações sobre crimes cometidos por pessoas do seu círculo mais próximo, inclusive os assessores que dentro do governo davam substância à ira presidencial. A demissão foi o último passo de sua corrida vertiginosa em direção ao abismo. Sabe-se que ele também cometeu crimes de responsabilidade e que não conseguiria escapar do julgamento do Congresso. O presidente deveria renunciar, ou então seria impedido pela vontade da maioria absoluta de deputados e senadores.

Embora se pareça muito com a história em curso de Jair Bolsonaro, esta conta a saga do presidente Richard Nixon no escândalo da invasão da sede do Partido Democrata no edifício Watergate, em 1972. Nixon, que foi um trambiqueiro mas não era bobo, resolveu renunciar ao cargo dois anos depois para não sofrer o impeachment. Foram condenadas e presas 49 pessoas, inclusive membros do gabinete do ódio, como H. R. Haldeman, secretário-geral da Casa Branca, John Mitchell, ministro da Justiça, e os assessores John Ehrlichman e John Dean III. Os cinco bandidos que arrombaram o escritório do partido adversário também foram presos. Dois eram ex-agentes da CIA e do FBI e os outros três eram anticastristas de Miami.

Os assessores do presidente foram presos por instrumentalizar o bando que invadiu o escritório no Watergate, por mentir sobre o episódio, e por sonegar informações. O dinheiro do fundo partidário para a eleição usado na operação agravou o caso.

Nixon, que tentou obstruir a Justiça e também mentiu, só não foi condenado e preso porque, antes de se afastar, negociou com o vice-presidente Gerald Ford um perdão pelos crimes que cometeu. Ford cumpriu a promessa, e o trambiqueiro nunca foi chamado para prestar contas.

Em Watergate, Nixon mandou demitir Archibald Cox, promotor especial designado para investigar o escândalo. No Brasil, Bolsonaro mandou demitir Maurício Valeixo da PF. Nixon só obteve sucesso quando o terceiro da hierarquia da Procuradoria-Geral aceitou encaminhar a encomenda, depois que se demitiram o titular do cargo e seu substituto imediato. No Brasil, o presidente teve que fazer ele mesmo o serviço sujo, uma vez que o ministro Sergio Moro se negou a afastar Valeixo e se demitiu.

Bolsonaro também tem um gabinete do ódio no Palácio, da mesma forma ataca parlamentares, juízes e jornalistas. Mantém laços sólidos com milicianos, chegando a empregar alguns e a homenagear outros. Na campanha, recursos do fundo eleitoral foram usados para financiar a máquina de propaganda de Bolsonaro baseada na distribuição de fake news. São muitas as semelhanças, mas, apesar delas, é claro que Nixon e Bolsonaro não são iguais em tudo. Como Bolsonaro, Nixon também desprezava a democracia, mas pelo menos fingia o contrário.


Ascânio Seleme: O discurso do cadafalso

Bolsonaro usou argumentos absurdos para tentar desmontar a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que a demissão do diretor-geral da PF serviria para poder controlar investigações

Rodeado por todos os seus ministros, para demonstrar uma força que ele já não tem, o presidente Bolsonaro usou argumentos absurdos para tentar desmontar a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que a demissão do diretor-geral da PF serviria para poder controlar investigações em curso na instituição e que podem chegar aos seus filhos e ao seu gabinete. Foi patética a afirmação de que demitiu o diretor-geral da Polícia Federal porque ele estava cansado. Maurício Valeixo estava cansado, sim, mas da pressão de Bolsonaro. Argumentou também que a PF não investigou “quem mandou matar Bolsonaro”. Oras, já foi esclarecido que Adélio Bispo é um lunático. Por fim, e mais importante, afirmou que Moro disse topar a demissão de Valeixo, mas apenas depois de ser nomeado para o Supremo.

Alguém acredita nessa história? Só os mais fanáticos defensores de Bolsonaro acreditarão que um ministro como Moro enfrentaria o presidente e faria uma barganha dessa natureza e de forma aberta, direta, por uma vaga no STF. Moro disse que Bolsonaro demitiu o chefe da PF, acarretando por consequência sua própria saída, para poder interferir em processos determinados pelo Supremo para investigar as fake news e os responsáveis pelas convocações dos atos antidemocráticos que pediram a intervenção militar e o fechamento do STF e do Congresso. Bolsonaro participou de dois desses atos, um na porta da Palácio do Planalto, no dia 15 de março, e outro no domingo passado, em frente ao QG do Exército.

Como se não bastassem todas as barbaridades que Bolsonaro vem cometendo seguidamente, como participar desses atos e pregar contra o isolamento social, a demissão de ontem foi um ataque direto às investigações em curso. Você já ouviu e leu isso antes, mas vale repetir o que disse Moro sobre esse episódio. “O presidente mostrou preocupação com inquéritos no STF e a troca (na PF) seria oportuna por esta razão”. Todos sabem quem está por trás dos crimes sob análise, só faltam a provas que a polícia está buscando.

Bolsonaro vem derretendo diante dos seus eleitores desde o dia da sua posse. Com a fala de Moro, o presidente passou a contar apenas com os membros da manada cega que o acompanha, aqueles que fazem manifestações radicais e os que vão para a porta do Alvorada tirar selfie com o presidente. Os que votaram nele imaginando estar varrendo a corrupção do país são os mais humilhados com a demissão de Moro e de Maurício Valeixo. O que sobrou foi um governo ultradireitista construído por Olavo Carvalho nas cabeças desabitadas dos três zeros da família Bolsonaro e do próprio patriarca.

No Ministério, uma adestrada tropa de macaquinhos de circo mantém-se disposta a incensar o chefe custe o que custar. Fora alguns bons nomes concretamente comprometidos com suas pastas, há ministros desmiolados na Esplanada para dar com o pau. Nunca é demais citar Weintraub, Wajngarten, Salles, Araújo e Damares. Mas, aos poucos, a estes vão se juntando outros bobalhões da corte, como Onyx Lorenzoni. A imagem da fala de Bolsonaro, com os ministros perfilados atrás, mostra um grupo indignado, como se o chefe houvesse sido agredido, e outro visivelmente constrangido. Aliás, o que mesmo fazia ali o ministro da Saúde?

No Congresso, de quem Bolsonaro procura se aproximar pelo lado da banda podre, não há qualquer chance de reconciliação. Orientado pelos militares de seu governo, que ainda tentam encontrar saídas institucionais para as crises por ele geradas, o presidente foi procurar os políticos. E, para a estupefação dos seus generais, começou por Valdemar da Costa Neto, Ciro Nogueira e Roberto Jefferson. Pode? Pode e foi feito. E claro que para esses uma PF amiga ajuda muito. Bolsonaro colocou enfim a cereja que faltava sobre o bolo de humilhação que impôs à absoluta maioria dos seus eleitores.

O que se viu ontem foi o mais claro sinal para o impeachment do presidente. Em qualquer conversa que se mantivesse até aqui, quando o assunto eram os crimes cometidos por Bolsonaro que ensejariam a abertura do processo, dizia-se que era cedo e que o processo não poderia caminhar num ambiente de epidemia grave como a que atravessamos. Bolsonaro conseguiu ontem queimar também esta ponte de tempo que havia entre ele e o seu futuro. Um processo não deve apenas andar, mas pode ser célere, pelo modo fast-track. Se a Câmara quiser, em dois meses Bolsonaro será passado e o país voltará a respirar sem a ajuda de ventiladores.

Eu, caçador de mim
Os dois maiores programas de retomada do crescimento lançados no Brasil nos últimos 20 anos, o Avança Brasil de Fernando Henrique e o PAC de Lula, com seus erros e acertos (mais erros, é verdade) foram elaborados ao longo de meses. Uma equipe multitarefa trabalhou durante quase um ano e meiob para erguer o Avança Brasil.

O PAC foi negociado com setores da sociedade civil por pelo menos seis meses. Os ex-ministros Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil) consultaram o Congresso e o Supremo, visitaram instituições públicas e privadas, foram a sindicatos de patrões e de empregados, percorreram redações vendendo o projeto antes de apresentá-lo formalmente.

O Programa Pró-Brasil do governo Bolsonaro para recuperar a economia após a pandemia, anunciado na quarta-feira, foi imaginado 48 horas antes. Nenhum detalhe foi oferecido, nenhum dado, nenhuma métrica. Apenas seu almejado resultado de gerar um milhão de empregos foi anunciado com pompa.

Era mais um atentado de Jair Bolsonaro contra o seu governo. E o alvo o seu ministro da Economia, que não foi ouvido.

Deixa prá lá
Enviado do senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI) ligou para um grande executivo paulista

do setor de logística para pedir a indicação de um nome para presidir a Companhia Docas do Estado de São Paulo, que administra o Porto de Santos. A empresa foi oferecida por Bolsonaro a Ciro em troca de apoio político. O executivo respondeu a consulta dizendo que tinha, sim, “mas é gente séria”. O interlocutor então agradeceu, desligou o telefone e desapareceu.

Ato falho
Nada como um bom ato falho para mostrar a verdadeira alma das pessoas. No discurso que fez no dia seguinte ao ato no QG, Jair Bolsonaro reclamou quando um dos bajuladores de plantão no Alvorada pediu o fechamento do Congresso. “Aqui, não, na minha casa, não”, reagiu como se fosse um democrata. Um pouco depois, o cachimbo torto mostrou a boca que frequenta, o presidente avisou que o país vai bem institucionalmente: “(Esta é) uma nação que ainda está na sua normalidade”. Ainda, presidente?

Um dia depois do outro
No já longínquo dia 2 de abril, o presidente do Brasil disse a seguinte frase para justificar sua campanha contra o isolamento: “Eu desconheço algum hospital que esteja lotado. Muito pelo contrário. Tem um hospital no Rio de Janeiro, um tal de Gazolla, que tem 200 leitos e só 12 estão ocupados”. Não se sabe de onde Bolsonaro tirou aqueles números. Hoje, apenas um dos 269 leitos do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla está disponível. E não é de UTI. No Rio, a lista de espera para um leito de atendimento intensivo tem mais de 300 pacientes.

A Constituição sou eu
Ninguém foi mais ofendido do que o ex-deputado Ulysses Guimarães com a declaração de Bolsonaro. O presidente da Constituinte de 1988 não merecia um desaforo desse tamanho 18 anos depois da sua morte. A Constituição é Ulysses.

Médicos cubanos

Pergunta de um leitor:

“Os médicos cubanos que Bolsonaro expulsou do Brasil seriam úteis hoje?”

Eu vou, eu vou
A Polícia Militar de Belo Horizonte está percorrendo as favelas da cidade tentando fazer com que as pessoas saiam das ruas e voltem para suas casas. A buzina dos carros da PM foi equipada com a batida da música dos Sete Anões: “Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou”.

E aos que continuam sem se mexer, os soldados mandam recados bem-humorados pelos alto-falantes das viaturas. “Vai pra casa, Zangado”. “Recolha-se, Soneca”. Melhor do que sair distribuindo porrada.

Um grande brasileiro
Quer conhecer melhor um grande brasileiro? Tem duas formas e estão disponíveis na Netflix e na HBO. Trata-se de um documentário e de um filme sobre Sergio Vieira de Mello, ex-funcionário da ONU e uma vez Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. O documentário é minucioso e mostra o diplomata em ação em todos os países onde atuou, até a sua morte num atentado ao QG da ONU em Bagdá. O filme, estrelado por Wagner Moura e a cubana Ana de Armas, conta a mesma história de modo romanceado. Difícil dizer qual é o melhor.


Ascânio Seleme: A manada de Bolsonaro

Não enxergam nada à frente, atropelam tudo o que se interpõe no seu caminho

Um meme circulou nesses dias na internet mostrando animais invadindo cidades vazias em razão do isolamento contra a contaminação do coronavírus. Há quatro imagens. A primeira mostra cervos nas ruas de uma cidade no Japão. Na segunda veem-se cabras circulando num adensamento urbano no País de Gales. A terceira são peixes nas agora cristalinas águas de Veneza. E a quarta mostra brasileiros vestidos de verde e amarelo, pregando a intervenção militar, a volta do AI-5 e o fim da quarentena, e tem como legenda “gado no Brasil”.

Era para ser uma brincadeira? Claro. Mas o fato é que a brincadeira retrata muito bem o tipo de gente que sai às ruas para pedir que se cometam atentados contra a vida e contra a democracia. São pessoas que se aglomeram e seguem na mesma direção num comportamento de manada causado por um agente que eles nem sempre conhecem ou conseguem identificar. No caso dos bolsonaristas, a origem é o “gabinete do ódio” do Palácio do Planalto. Ou alguém tem dúvida sobre quem produz as convocações para essa manada? Inquérito determinado pelo Supremo Tribunal Federal vai responder a essa questão.

As pessoas que carregam cartazes pedindo a intervenção militar, o fechamento do Supremo e do Congresso parecem estar em estado de euforia gerado pelo uso da codeína presente em certos xaropes. Os viciados, quando sob o efeito da droga, são chamados de “bois”, porque ficam muito excitados, respondem rapidamente a estímulos externos e são facilmente manipulados. Como não enxergam nada à frente, atropelam tudo o que se interpõe no seu caminho. Por estarem cegos, acabam sendo violentos.

Veem-se repetidamente agressões a jornalistas ou a qualquer um que pense de maneira diferente da manada. Os gritos que ela produz são insolentes, autoritários, nervosos. O sentimento de euforia de grupo causa uma impressão de impunidade, e a manada sente que adquiriu superpoderes e se comporta como se fosse inalcançável. O mais grave é que, além dos sentidos, o intelecto dessas pessoas também parece sofrer descompensações causadas pelo efeito manada. Mas, ao contrário da emoção, que só é mexida quando a manada está reunida, a razão parece sofrer dano permanente.

Só assim se explica a crença de que o presidente Jair Bolsonaro é o novo que veio para expurgar o Brasil da velha política. Esse é o maior e o pior de todos os enganos da manada. Bolsonaro é político mais velho do cenário político nacional. O que ele ambiciona, e faz com que a manada também ambicione como se fosse original, é a volta a um passado tão distante quanto macabro. A manada é burra, não há outra forma de entender os pedidos de intervenção militar com Bolsonaro no poder. Se concretizado, teríamos um Estado militar/miliciano de consequências nefastas para todos, inclusive para a manada.

Além das permanentes loas ao passado remoto, o presidente também pratica a política corriqueira do passado recente. Ele e seus filhos cometeram enquanto parlamentares as famosas rachadinhas, a maneira mais sórdida de se fazer um dinheiro rápido. Retiravam parte dos salários dos servidores dos seus gabinetes e o embolsavam. E a afirmação de que não iria negociar nada feita na porta do QG diante da manada era uma mentirinha típica do velho político. Bolsonaro está negociando, sim, e com o que há de pior na política nacional.

Seus interlocutores no Congresso e nos partidos são, entre outros, o ex-deputado Valdemar Costa Neto (criminoso condenado tanto no mensalão quanto no petrolão), o senador Ciro Nogueira (investigado pela Lava-Jato), o ex-prefeito e ex-deputado Gilberto Kassab (processado por improbidade administrativa, financiamento ilegal de campanhas e contratação ilegal de empresas), o deputado e ex-ministro Marcos Pereira (denunciado pela Lava-Jato por receber propinas da Odebrecht) e o ex-deputado Roberto Jefferson (criminoso condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro).

A síndrome que acomete a manada que acredita em Bolsonaro poderia ser também chamada de efeito “Maria vai com as outras”. Mas aí, não. Esses homens e mulheres não toleram o gênero feminino.


Ascânio Seleme: O negacionismo e a boa notícia

Não se pode negar que Nelson Teich tem um bom currículo. Seu problema é o “alinhamento completo” que disse ter com o presidente Jair Bolsonaro

Não se pode negar que Nelson Teich tem um bom currículo. Até porque, como ele próprio fez questão de lembrar na reunião em que foi convidado para o Ministério, estudou em Harvard. Aliás, parece que todo ex-aluno de Harvard precisa dizer nos primeiros dez minutos de conversa com uma pessoa que acaba de conhecer que estudou naquela universidade americana. Por isso, pelo currículo, que além da medicina tem graduações e mestrados em economia, gestão e negócios da saúde, Teich tem tudo para ser um bom ministro da Saúde. Seu problema é o “alinhamento completo” que disse ter com o presidente Jair Bolsonaro.

Não é possível se produzir uma boa gestão da epidemia do coronavírus usando o mesmo caminho de Bolsonaro. Ao contrário do que afirma, o presidente tem uma visão reduzida do cenário. Ele nega a importância da crise sanitária em favor da economia. Diz ter uma visão mais ampla do que os ministros que estão focados nas suas pastas enquanto ele pensa no todo. Não é verdade. No caso da saúde, Bolsonaro acha que o coronavírus pode gerar em pessoas como ele apenas uma “gripezinha”, desrespeita regras de distanciamento social de maneira deliberada e insiste em reabrir já a economia.

Se Teich seguir este caminho e sair por aí abraçando pessoas, cobrando de prefeitos e governadores a reabertura do comércio e debochando do vírus, o colapso hospitalar será inevitável. Claro que ele não chegará a este ponto, apesar do anunciado alinhamento total com Bolsonaro. Até porque, para seu constrangimento, o próprio presidente lhe pediu que seja um meio-termo entre ele e o demitido Luiz Henrique Mandetta, como se dissesse “nem tanto ao mar, Teich”.

No seu discurso de posse, o novo ministro voltou a repetir o óbvio. Falou que o combate ao vírus será mais eficiente se baseado em informações, o que cansou de repetir o seu antecessor. Disse que precisa do apoio dos outros ministérios para conduzir o seu, o que já vem sendo feito desde que, para tirar o protagonismo de Mandetta, Bolsonaro transferiu para o Palácio a coordenação dos trabalhos. Falou em formar time de qualidade, enquanto o que mais se ouviu nesses últimos dias foram elogios à equipe técnica do ministério.

Na véspera, ao ser apresentado, Nelson Teich disse que era hora de trazer boas notícias para os brasileiros. E deu um exemplo do que seria uma boa notícia: o número de casos de pacientes que se curam no Brasil. Apesar de esses dados já serem distribuídos pelo ministério (o último boletim informa que 55% dos infectados pela Convid-19 já se recuperaram), a proposta do ministro revela uma outra questão, talvez mais importante. Teich utiliza a boa notícia como Bolsonaro abusa do negacionismo. Ambos levam ao mesmo lugar, o relaxamento do distanciamento social.

“Temos que trabalhar dando confiança às pessoas”, disse Teich no discurso de posse. O que isso quer significar? O próprio Teich explicou que as pessoas estão em pânico e é preciso reduzir a sua ansiedade. Como se fosse um psicanalista, sugeriu que lhe cabe “administrar o comportamento da sociedade”. Disse que pode restabelecer a confiança da população oferecendo a ela informações, acrescentando que o desconhecimento gera o achismo. E então, sem nenhum detalhe ou dado complementar, fez o seu achismo particular ao anunciar que um novo antiviral está sendo estudado que pode resultar num remédio contra a doença.

O discurso do novo ministro atende à retórica presidencial em favor da reabertura da economia. Ele não é explícito, obviamente. Mas pode-se ler essa intenção nas entrelinhas das suas duas falas. Não é tarefa de um ministro da Saúde no auge do combate a uma pandemia letal como a do coronavírus gerar boas notícias, administrar a ansiedade das pessoas ou criar confiança na população. Ao contrário, talvez o medo seja o melhor companheiro nessa hora, porque segura as pessoas em casa. Também não lhe cabe gerar expectativas em torno de novo medicamento que está sendo estudado e do qual ele não sabe mais nada.

De todo modo deve-se registrar que Teich é um bom médico e muito provavelmente pensa sempre no melhor para o seu paciente. No discurso de posse disse que é importante dar atenção aos mais frágeis e que as pessoas estarão sempre em primeiro lugar. O grande problema é o anunciado alinhamento completo com o presidente, que pode ser perigoso. Mas poderia ter sido pior. Imagine se o escolhido fosse o deputado Osmar Terra.

Louco ou Psicopata?
Merval Pereira disse que Bolsonaro é louco. Ruth de Aquino discordou e o chamou de psicopata. Metendo minha colher no debate dos colegas, acho que não é nem uma coisa nem outra. Ele não é insano mas tampouco tem método. Bolsonaro é um perverso. Identificado por Freud em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, de 1905, o perverso mantém na vida adulta uma sexualidade infantil, edipiana. Em conflito interno permanente, ele segue uma vida aparentemente normal enquanto, ao mesmo tempo, mantém comportamentos considerados inaceitáveis pela sociedade. Só isso explica sua busca por aglomerações humanas em meio a uma pandemia.

Aliás
Bolsonaro iniciou seu discurso na posse de Nelson Teich com uma frase que só os muito amigos conseguiram entender e explicar. “Hoje é dia de alegria!”, sentenciou o presidente ao transferir o comando da saúde nacional no meio da maior crise sanitária dos últimos cem anos. Àquela hora, o Brasil já contabilizava oficialmente mais de 2 mil mortos e acima de 30 mil infectados. E ainda riu e fez gracinha com alguns convidados para só então tratar da coisa séria.

Abrir fronteiras
No mesmo discurso, o presidente reiterou seu desejo de acabar imediatamente com o isolamento social e fazer a economia reagir. A certa altura disse que era hora de reabrir as fronteiras. E indagou: “Por que a fronteira com o Paraguai está fechada? Tem que abrir”, afirmou sua excelência. Não dá, presidente. Foi o Paraguai que a fechou e, a certa altura, impediu que até mesmo paraguaios retidos no Brasil entrassem de volta para casa.

Tecnologia pra quê?
O pessoal que produz efeitos especiais digitais para redes sociais e os técnicos e engenheiros que fazem aquelas deep fakes, em que reproduzem falas falsas sobre imagens reais de pessoas com sincronia incrível, estão preocupados com o seu negócio no Brasil. É que na terra de Jair tem gente que acredita em tudo. Não importa o tamanho do absurdo ou da incoerência, para conseguir um certo conforto ideológico as pessoas não apenas levam essas baboseiras a sério como as compartilham. Pra que tecnologia?

Tudo para dar certo
Bolsonaro repetiu na quinta-feira o discurso do ministro Paulo Guedes: “O Brasil tinha tudo para dar certo”, disse salientando que a economia dava sinais de rápida recuperação. Guedes disse, há mais ou menos um mês, que a economia brasileira “estava decolando” quando foi alcançada pela megacrise do coronavírus. Será? Não era o que diziam os analistas. Aliás, o ministro da Economia já havia dito no início do governo Bolsonaro que com a aprovação da reforma da Previdência o crescimento seria bárbaro e haveria de jorrar empregos no Brasil. Pois é.

Guerra pós-corona
A vida nunca mais será a mesma. No plano pessoal, é muito possível que o isolamento social de hoje gere insegurança futura, tornando algumas pessoas mais egoístas e reservadas. Na economia, o mundo será outro. Ou você acha que as relações comercial e política dos Estados Unidos com a China voltarão à normalidade? Muito difícil, mas se ocorrer não será sob Trump. Só Binden pode salvar a desgastada relação entre os dois gigantes depois do coronavírus.

Isso pode?
O general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército de fevereiro de 2015 até janeiro do ano passado, quando deixou o serviço público, mora numa casa oficial no Setor Militar Urbano de Brasília. Um general da reserva morar num próprio nacional é como um ex-deputado continuar num apartamento funcional depois de terminado seu mandato.

Osmar Terra
Corrigindo informação publicada no meu artigo de quinta-feira. O zap do deputado Osmar Terra dizendo que os números da epidemia estavam desabando em São Paulo foi para Flávio, e não para Eduardo Bolsonaro. Era a última e desesperada tentativa do ex-médico de ganhar do papai do Zero Um a vaga de Luiz Henrique Mandetta. Não funcionou. Mentira tem perna curta.