ascanio seleme

Ascânio Seleme: Nova sugestão contra o vírus

O melhor caminho é a imprensa parar de cobrir a atividade dos três zeros de Bolsonaro

No dia 7 de maio do ano passado, uma quinta-feira como hoje, publiquei nesta página um artigo dando três sugestões para combater o bolsovírus, praga mais infectante e perigosa que o corona. Uma delas era parar de cobrir os faniquitos do presidente na porta do Palácio da Alvorada. Ali, diante daquele grupelho de apoiadores cegos que se reúnem para babar seus ovos, Bolsonaro dá vazão aos seus instintos, com mentiras aos quilos, grosserias aos montes e, sobretudo, ataques à imprensa. Claro que não foi para atender à minha recomendação, mas muitos veículos deixaram de cobrir aquela triste rotina, e apenas os mais mansos e amigos seguem dando microfone para as asneiras matinais ou vespertinas de Bolsonaro.

Esta semana, a ONG Repórteres Sem Fronteiras divulgou o número de ataques que jornalistas brasileiros sofreram em 2020, e não deu outra. Os Bolsonaros lideram com folga o ranking nacional. Os dados são estarrecedores para um país que se quer democrático. Das 580 ofensas contra jornalistas contabilizadas pela ONG, 85% (469) foram proferidas pelo presidente da República e seus três zeros. O mais ignóbil é o golpista (um cabo e um soldado bastam para fechar o Congresso) Eduardo, com 208 impropérios. O mais leve é o Flávio das rachadinhas, autor de 69 agressões. De Carlos, chefe do gabinete do ódio, partiram 89 ataques.

Da boca de Jair, saíram 103 ofensas a jornalistas. Um absurdo se analisado de qualquer ponto de vista. Os ataques dessa gangue se devem ao fato de seus membros não suportarem críticas. Julgam que podem fazer ou dizer o que bem entenderem e que ninguém tem o direito de lhes contestar. Eles carregam em seu organismo o germe do autoritarismo e da intolerância, por isso a avalanche de barbaridades que pronunciam sistematicamente contra jornais e jornalistas, na média de 1,28 a cada dia.

Todo mundo sabe que atacar jornalistas é igual a combater o mensageiro. O problema não é quem traz a notícia, mas quem a produz. No Brasil, quem fabrica as notícias negativas que incomodam a família presidencial é o próprio chefe do clã ou o seu governo. Não foram jornalistas que encaminharam à Câmara 62 pedidos de impeachment do presidente. Em média, o imóvel Rodrigo Maia recebeu um pedido de afastamento de Bolsonaro a cada 12 dias. Trata-se de um recorde que merecia entrar para o Guinness. Esta semana, 380 líderes religiosos cumpriram o ritual. Eles querem o afastamento do presidente por suas ações e omissões durante a pandemia.

Enquanto isso, o capitão e seus filhos agridem jornalistas com suas costumeiras baixarias. O que se deve fazer diante desse descalabro? O melhor caminho é a imprensa parar de cobrir a atividade dos três zeros. Eles importam pouco. Claro que são mais do que filhos do homem, são parlamentares. Mas conte nos dedos quantos deputados e senadores merecem a atenção dos jornalistas. Alguém já ouviu falar do deputado Júnior Marreca Filho (Patriotas-MA) ou do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR)? Pois é. Sugiro dar aos zerinhos a mesma atenção dedicada a Mecias (com c mesmo) e a Marreca.

A história sempre foi boa conselheira. Vejam o espaço que a imprensa deu aos filhos de presidentes no passado, fora os escândalos que são de cobertura obrigatória. Os filhos de Sarney, Roseana e Zequinha, eram parlamentares e só foram notícia por esporádicas ações políticas, todas legais, ou por denúncias. Não se metiam no governo do pai, embora se projetassem com seu sobrenome. Os filhos de Fernando Henrique também não eram protagonistas e não tinham mandatos eletivos. Os de Lula, da mesma forma, não davam pitaco e só apareceram em escândalos. A única filha de Dilma sempre se manteve discretamente afastada. A filha de Temer só virou notícia por causa de uma denúncia, e Michelzinho era um menino quando o pai governou.

Impossível impedir que os bozinhos continuem atacando jornalistas nas suas redes. Mas seria inteligente se os jornalistas de verdade não lhes dessem eco.


Ascânio Seleme: De costas para o Brasil

Ao que parece, mais uma vez o Congresso vai dar as costas aos brasileiros. Os números apurados pelo GLOBO e pela Folha de S. Paulo indicam que o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco devem ser eleitos presidentes da Câmara e do Senado. Os dois, como se sabe, são os candidatos apoiados por Jair Bolsonaro. Pacheco em duas entrevistas disse que até agora não viu crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente e que “erros do governo na pandemia são escusáveis”. Lira não precisa dizer nada, todo mundo sabe o que ele pensa e como ele age.

O que se desenha com a eleição destes dois senhores é que os evidentes crimes praticados por Bolsonaro, contabilizados já na casa das duas dezenas, serão ignorados pelo Congresso. E obviamente também não tramitará qualquer outra denúncia por novos crimes que certamente o presidente perpetrará. Até o momento, 61 pedidos de impeachment de Bolsonaro foram encaminhados ao Congresso por partidos políticos e entidades civis. O presidente deveria ser julgado por apoiar o golpe de 1964, apoiar motim da PM, tentar interferir na PF, apoiar manifestações antidemocráticas, se calar diante de declarações antidemocráticas de ministros, ameaçar o STF, ameaçar procuradores, atentar contra a vida na pandemia, entre outros crimes.

Como se vê, o presidente do Brasil é um criminoso contumaz. E a maioria dos 594 deputados e senadores que vão eleger os novos chefes das duas casas do Congresso tende a se alinhar àqueles que já disseram publicamente que os erros de Bolsonaro são desculpáveis ou que ele não cometeu crime. Não precisa ser muito esperto para entender o que a constatação explica. E a sua compreensão depõe ainda mais contra o Congresso brasileiro. Deputados e senadores estão trocando votos por cargos, vantagens e benesses do poder executivo, como sempre. Em alguns casos, compreende-se. Em outros, não.

Não surpreende, por exemplo, que mesmo alguns parlamentares do DEM de Rodrigo Maia, que apoia Baleia Rossi para dirigir a Câmara, votem em Arthur Lira. O Democratas é um partido de aglomeração. Reúnem-se nele políticos de centro, de centro-direita ou de direita. O partido não vota monoliticamente como orientação política, mas sempre apoia medidas de caráter liberal. Sucessor da Arena e do PDS, que dominaram o Congresso durante a ditadura, virou coadjuvante em todos os governos civis desde José Sarney. O DEM é conhecido pelo seu gosto de apoiar governos, não importa qual.

Os senadores do PT, por outro lado, anunciaram que vão votar em Rodrigo Pacheco. E não é por falta de opção. Significa que o maior partido de esquerda do país, teoricamente o principal opositor do governo de extrema direita de Bolsonaro, se alia a este e como consequência o auxilia a encobrir seus crimes de responsabilidade. Um petista que circula pelos altos escalões do partido diz que no Senado “o bicho é outro”, que as razões internas superam as questões partidárias. Como? Pois é. O partido que em 1985 expulsou os deputados Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes, que votaram em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, vai permitir agora que seus senadores votem com Bolsonaro.

No meio do caos que o governo promoveu no país, especialmente durante a pandemia que já matou mais de 210 mil brasileiros, é incrível que Bolsonaro ainda tenha prestígio no Congresso a ponto de conseguir eleger os presidentes de Câmara e Senado. Sob qualquer ângulo que se olhe, nenhum presidente desde Deodoro da Fonseca, que derrubou um império e instaurou uma república, tumultuou tanto o país quanto Bolsonaro. O Congresso é cego? Não, claro que não. Ele se faz de cego porque as votações para presidentes das duas casas serão secretas. E no escuro tudo fica mesmo muito embaçado.

Antes de a vaca ir de vez para o brejo, dá tempo para o presidente Rodrigo Maia cumprir seu papel histórico antes do fim do seu mandato, aceitando um dos 61 pedidos de impeachment de Bolsonaro que repousam em sua mesa. Não vale dizer que o processo daria em nada. Porque não é verdade. Impeachments são votados a plenos pulmões, a viva voz e com o rosto descoberto dos parlamentares, que usariam no máximo uma máscara profilática, pelo menos os não negacionistas. Aí a coisa muda, não é mesmo? Apoiar publicamente um presidente com popularidade de míseros 26% (Pesquisa Exame/Idéia) é diferente de votar num parlamentar bolsonarista, ainda mais protegido pela escuridão.

CONTANDO COM O OVO

A turma do deputado Arthur Lira, candidato de Bolsonaro à presidente da Câmara, garante que vai ganhar a eleição em fevereiro, quando os deputados voltarem do recesso parlamentar. Diz que vai fazer barba, cabelo e bigode.

Um dos mais fiéis deputados da base governista afirma que Lira fará maioria de votos até mesmo no DEM de Rodrigo Maia, o que seria um vexame para o filho de Cesar. O fato é que Lira está contando com o ovo mesmo sem antes ter combinado com a galinha.

A MELHOR ESCOLHA

Bolsonaro pode ter se frustrado com seus escolhidos para os ministérios da Justiça e da Saúde. Afinal, Sergio Moro e Luiz Mandetta não o obedeceram cegamente quando as primeiras demandas absurdas foram apresentadas. Moro não entregou o controle da PF ao presidente e Mandetta não endossou bestamente a cloroquina. Mas de onde menos se esperava é que veio o melhor cúmplice, quero dizer, o melhor aliado ou a melhor escolha de Bolsonaro. Trata-se do procurador-geral da República, Augusto Aras. Logo ele, quem tem mandato e prerrogativas.

BOBALHÃO

O chanceler Ernesto Araújo disse ao Congresso que não há nenhuma crise diplomática entre o Brasil e a China. As negociações entre os dois países seguem sem sobressalto, garantiu o ministro que apenas a ala fascista (que muitos chamam de ideológica) do governo apoia. Quem acha que a China é pragmática demais para retaliar, veja o que ela fez na quinta com líderes do governo Trump. Até Mike Pompeo, ex-secretário de Estado dos EUA, não pode mais entrar no país. Se alguma empresa americana o empregar, terá eventuais contratos com o gigante asiático suspensos. Outros 26 apoiadores ou membros da equipe de Trump receberam as mesmas sanções. Quem sabe Ernesto Araújo não toma emprestado o hipnotizador do general Pazuello para negociar com os chineses.

Vai ser bobo assim lá na China.

CARTA DO BOZO

Quem escreveu a carta que Jair Bolsonaro mandou para o recém empossado presidente dos Estados Unidos? Não importa, desde que seja imediatamente nomeado ministro das Relações Estrangeiras. Ou, não. Pode ser mais uma falsidade emanada daqueles porões escuros do Planalto.

SE FOSSE SERRA

Foi em 2001, na gestão do ex-ministro das Saúde José Serra, que o Departamento de Comércio dos Estados Unidos e os laboratórios globais produtores de medicamentos contra a Aids se dobraram ao Brasil e passaram a negociar preços. Depois de muita pressão de Serra no Congresso, tinha sido aprovada lei autorizando a quebra de patentes dos remédios que compunham o coquetel anti HIV. As negociações, que só ocorreram para evitar a quebra daquelas patentes, foram uma vitória brasileira e os preços despencaram. A lógica de Serra vale ainda hoje: o mercado nacional é muito grande para ser tratado com descaso e o Estado brasileiro é um dos maiores compradores globais de remédios. Depois da pandemia, o mundo continuará consumindo medicamentos para todas as outras doenças.

FALTAM LEITOS

Os dados são do IBGE. Enquanto a população brasileira cresceu 8,4% entre 2012 e 2019, o número de leitos do SUS, por mil habitantes, caiu 12,8%. No Rio, no mesmo período, a população cresceu 6,4% e os leitos do SUS diminuíram inacreditáveis 28,4%. Pode?

VACINA PRIVADA

Faz sentido impedir que clínicas e empresas privadas comprem diretamente lotes de vacinas para vender aos seus clientes ou para aplicar em seus empregados. Afinal, estamos falando de uma pandemia que alcança a todos indistintamente, mesmo os desempregados e aqueles que não teriam dinheiro para comprar uma dose privada. Mas há quem defenda a liberação, que poderia reduzir a pressão sobre a rede pública. Pode ser. Mas, talvez mais adiante.

AGORA VAI

Rebuliço no Palácio da Paz Celestial. Chegou a carta do deputado Fausto Pinato (presidente da Comissão Parlamentar Brasil/China) para o líder Xi Jinping pedindo prioridade para o Brasil na liberação das vacinas e dos insumos necessários para a sua produção. Não se fala de outra coisa em Pequim.

PAPO ADIADO

Algumas horas antes do início previsto, foi cancelado o bate papo organizado pela Lide Talks de Santa Catarina entre o governador Gean Loureiro e o deputado estadual Júlio Garcia, presidente da Assembleia Legislativa do estado. É que no amanhecer do dia do “talk”, Garcia foi preso pela PF numa operação contra uma organização criminosa especializada em fraudes, desvios de verbas públicas e lavagem de dinheiro. Fica para a próxima.


Ascânio Seleme: O exemplo de Trump

O caminho que ele percorreu até a derrota para Biden é o mesmo que Bolsonaro trafega

Trump seria muito provavelmente reeleito se não houvesse o coronavírus, que o desmascarou. Suas mentiras, apesar de contadas aos milhares, eram absorvidas como mais do mesmo. Pareciam uma bobagem. Não eram, como se veria mais tarde. Seu estado de confrontação permanente também não assustava no princípio. Seus adversários do Partido Democrata tampouco se entusiasmaram com a campanha que viam se encaminhar para uma derrota inevitável. Por isso, talvez, Biden tenha sido o candidato escolhido para a disputa, por ser o mais talhado para o sacrifício.

Embora seja um político valoroso, de trajetória impecável, Biden era visto como um homem velho, de outra época. Eleito, seria o mais velho presidente a tomar posse nos Estados Unidos. Além disso, ou talvez por isso mesmo, seus lapsos de memória eram considerados até por seus mais fiéis aliados como um problema político sério. Biden foi gago na juventude. Corrigiu o problema com tempo e terapia, mas eventualmente tropeça numa palavra ou engasga no meio de uma frase. Um problemão num debate eleitoral.

E foi assim, atropelando aqui e ali uma palavra que não conseguia pronunciar, esbarrando num detalhe, numa cifra, numa referência de que não podia se lembrar, que Biden foi tocando a campanha até ganhar a eleição com margem folgada. Surpresa? Vista desde janeiro de 2020, imensa surpresa. Mas, como a campanha refletiu a negligência de Trump com a pandemia e o transformou num símbolo do negacionismo, a vantagem substancial do republicano foi aos poucos evaporando.

Não foi a economia. Em janeiro do ano passado, a economia americana bombava, e o emprego era pleno. O presidente Donald Trump tinha autoridade, embora sua arrogância tenha sido seguidamente confundida com liderança. Claro que foi enorme o impacto do vírus sobre a vida econômica americana, como de resto em todo o mundo. Milhões de pessoas perderam o emprego, milhares de empresas fecharam suas portas definitivamente. Um número sem tamanho de esperanças e sonhos foi sepultado com os 400 mil americanos que perderam a vida para a Covid-19.

Mas o eleitor saberia interpretar o problema como uma tragédia global e não o atribuiria ao candidato Donald Trump, não fosse ele o mais antidemocrático, mentiroso, arrogante, beligerante e perverso presidente da história americana. Seu descaso negacionista com o vírus contribuiu para a exorbitância das mortes. Trump rejeitou sistematicamente o uso de máscaras, repetiu que o vírus era perigoso apenas para cardíacos e idosos e, já em outubro do ano passado, disse aos americanos: “Não deixem que o vírus domine suas vidas, não tenham medo, saiam às ruas”.

O caminho que Trump percorreu desde sua posse até a derrota para Biden é o mesmo que Jair Bolsonaro trafega no Brasil. E seu desfecho tem tudo para ser o mesmo. Se Bolsonaro não for cassado antes, muito provavelmente vai perder a eleição de 2022. Como ocorreu com Trump, a confiança popular, que era seu maior patrimônio quando tomou posse, foi se deteriorando pelos mesmos motivos que destruíram o ídolo norte-americano: a mentira, o ódio, o desprezo à vida e o desrespeito à democracia.

No Brasil, a pandemia contaminou o governo Bolsonaro da mesma forma que destruiu o de Trump. Uma boa parte das mais de 210 mil vítimas brasileiras deve ser atribuída à negligência e ineficiência do governo federal. A ilusão do tratamento precoce e o descaso com cuidados básicos, além dos maus exemplos, da politização do vírus e do atraso deliberado na compra de vacinas, aumentaram a conta de brasileiros mortos. Bolsonaro, seus pazuellos e ernestos um dia pagarão pelos crimes agora cometidos.

E agora, quando percebeu estar encurralado, tornou a ameaçar a democracia. Uma de suas velhas retóricas, a mais infame delas, voltou a brotar na boca do presidente. Os brasileiros devem dar ao golpismo de Bolsonaro o mesmo destino que os americanos deram ao de Trump: o lixo. Se não for já, que seja logo mais, em outubro do ano que vem.


Ascânio Seleme: O Brasil de Bolsonaro afunda

País vive sob o comando de um alucinado

Os sinais estão espalhados por todos os lados. Só não vê quem não quer. O Brasil de Jair Bolsonaro desmorona. Todos os erros cometidos ao longo dos dois primeiros anos de seu mandato começam a ser cobrados. O problema é que a conta será paga por todos, inclusive por aqueles que têm pavor da figura presidencial, como você e eu.

Na terça-feira, o francês Emmanuel Macron expressou um sentimento com que a maioria dos líderes europeus concorda, o Brasil de Bolsonaro não é um país confiável. Como não se obtém um compromisso em favor do meio ambiente e da Amazônia, muito menos medidas nesse sentido, Macron propôs um boicote à soja brasileira. E sugeriu que se plante soja em solo europeu. Para Macron, continuar dependendo da soja brasileira seria “endossar o desmatamento da Amazônia”.

Talvez o presidente francês não ignore que os grandes produtores de soja brasileiros não cortam uma árvore nativa nem acendem um palito de fósforo nas florestas brasileiras há pelo menos 20 anos. Que os incêndios e as derrubadas de matas são feitas hoje em dia por madeireiros, garimpeiros, grileiros e pequenos produtores rurais, muitos deles de assentamentos de sem-terra. Mas há um símbolo nisso que precisa ser mantido.

Macron ataca esse símbolo, a política governamental brasileira que aceita e incentiva esses desmatadores, mesmo que sua contribuição para a economia nacional seja mixuruca perto da riqueza que geram os grandes produtores rurais. Estes, que já estavam sob enorme pressão graças a nosso bolsonarismo ambiental, agora ouvem do presidente de um dos dois maiores países agrícolas da Europa que é hora de reagir contra a soja nacional.

O relatório anual da Human Rights Watch (HRW), divulgado ontem, também ataca o frouxo combate do governo brasileiro ao desmatamento e às queimadas. Para os terraplanistas que cercam ou seguem cegamente sua excelência, a entidade deve ser ignorada porque é uma “ONG esquerdista”. Sobre Macron, devem fazer referência a sua mulher, como as que o nosso misógino presidente um dia fez, por isso ele também não deve ser levado em conta.

Agora, perguntem aos produtores rurais o que eles acham disso. O Ministério da Agricultura divulgou uma nota vaga dizendo que Macron estava enganado, que a soja brasileira é produzida de modo sustentável. Não foi assinada pela ministra Tereza Cristina e não se referiu ao relatório da HRW.

De outro lado, a Ford anunciou sua saída do Brasil. As razões devem ser as alegadas, por reposicionamento global da empresa, pelo movimento do mercado etc. Mas é evidente que o ambiente de negócios sob Bolsonaro não estimula qualquer argumento contrário. Macron, que está do outro lado do Atlântico, percebeu que este não é um país sério. Imagine, então, o que pensam os dirigentes da montadora que operam aqui dentro.

Se até o Banco do Brasil, joia do Estado nacional, orgulho provinciano de muitas gerações de brasileiros, anunciou um plano de demissão voluntária para acertar suas contas, pense como estão os outros bancos, as outras empresas que operam em solo pátrio, debaixo da incompetência governamental que conhecemos. Quem puder pular fora vai pular. Mesmo com algum prejuízo, a contabilidade mais adiante pode comprovar o acerto da saída.

Além das muitas deficiências nacionais (falta de infraestrutura, sobretudo ferroviária, produtividade baixa, barafunda tributária), o país agora vive sob o comando de um alucinado que só se ocupa de política. Pior, do lado escuro e sombrio da política. O mesmo relatório da Human Rights Watch acusou nominalmente Bolsonaro por tentar sabotar as medidas contra a Covid-19. A ONG afirma ainda que o governo mais espantoso que o país já viu incentiva a violência policial e desrespeita os direitos das mulheres, dos índios e de pessoas com deficiência.

O Brasil de Bolsonaro afunda no modo acelerado. Tudo o que ele puder fazer para jogar o país para baixo, vai fazer. A herança que deixará será maldita, essa sim. Para lá de maldita.


Ascânio Seleme: Justiça de um homem só

Nenhuma dúvida. Donald Trump tinha mesmo que ter sido afastado das redes sociais que usou durante todo o seu mandato para organizar a extrema direita em torno de seu projeto pessoal

Nenhuma dúvida. Donald Trump tinha mesmo que ter sido afastado das redes sociais que usou durante todo o seu mandato para organizar a extrema direita em torno de seu projeto pessoal. A turba ignara trumpista nunca se deu conta de que estava seguindo um homem arrogante e ambicioso que jamais pensou nos interesses do seu país. Os terroristas que invadiram o Capitólio na quarta-feira, no ápice da marcha golpista do mais infame presidente que os EUA já tiveram, apenas repetiam com a virulência do líder o discurso falso de que a eleição do adversário democrata havia sido fraudada.

Como Trump, há inúmeros outros líderes globais que abusam dessas plataformas para disseminar medos, mentiras e ameaças, ultrajando seus povos e suas nações. No Brasil, sabemos que Jair Bolsonaro e seu gabinete do ódio manipulam estas ferramentas para mentir e enganar, buscando tão somente confrontação e dividendos políticos. Tanto Trump quanto seu similar nacional, ambos golpistas potenciais, sofreram esporádicas e tardias sanções de Facebook, Twitter, Instagram e outras redes. A certa altura, o manda-chuva Mark Zuckerberg chegou a dizer que não podia se arrogar no direito de definir o que é verdade e que é falso na tormenta antidemocrática que estes canais de comunicação instantânea se transformaram.

Bobagem. Podia pelo menos ter tentado instituir em cada país um sistema de controle formado por membros de entidades civis, como as brasileiras OAB e ABI, e buscar apoio nos grupos de mídia profissionais para estabelecer um sistema eficiente de controle contra mentiras e manipulação no uso das redes. Dinheiro não seria problema para estas gigantes, mas a medida não seria boa para os negócios. Em determinados momentos no passado recente, algumas ações foram tomadas, mas muito mais para dar uma satisfação à opinião pública do que para de fato impedir o mau uso das plataformas. Deixou-se a coisa seguir de maneira solta, com bloqueios aqui e ali, até que se deu a invasão do Congresso americano, seguida de uma comoção mundial.

Aí, Zuckerberg acordou. Do alto de seu poder de dono das mais poderosas plataformas, defenestrou Trump de Face e Insta pelo menos até o fim do seu mandato. O Twitter o tirou do ar por 12 horas, seguido pelo Snapchat, que o suspendeu. Foi atrasado, mas por pouco não foi tarde demais. Imaginem se aquela turba tivesse conseguido empastelar o parlamento do maior país da terra. Suponham que os contrapesos não tivessem funcionado e Trump houvesse vencido a disputa impedindo a certificação da vitória de Joe Biden. A ordem global seria fortemente abalada graças a premissas falsas, ao ódio e a mentiras difundidas sistemática e livremente pelas redes sociais.

Logo depois da eleição de Biden, Trump fez um pronunciamento mentiroso, com as alegações falsas de fraude repletas do seu ódio contumaz. As emissoras de TV que transmitiam a fala ao vivo o tiraram do ar. As redes o mantiveram insuflando suas massas aturdidas. Por que a diferença entre elas? Porque as emissoras são controladas por gente e as redes não têm controle, ou são orientadas por algoritmos que incentivam a desordem, porque dá audiência. Agora, depois do vergonhoso cerco ao Capitólio, no limite de uma disrupção institucional que se espalharia globalmente, se fez a tardia reflexão, ou justiça. Mais grave, foi iniciativa isolada, iniciada por um homem só. Mark Zuckerberg.

O que o planeta precisa é de imediato e efetivo controle das redes para que atentados como o que vimos esta semana não consigam sequer brotar. Se por um lado as redes têm enorme potencial de difundir ideias e transmitir ensinamentos bons e gratuitos, por outro podem servir a golpistas como Trump e suas cópias mundo afora. Não se trata de um bicho de sete cabeças. É preciso cortar o acesso de quem mente, quem inventa, quem manipula informação. Se isso não for feito imediatamente por determinação inequívoca de governos democráticos, pode haver outras tentativas de golpe apoiadas nas redes sociais. E, se não forem novamente nos EUA, é muito possível que Zuckerberg não as veja ou simplesmente as ignore.

GOLPISTAS UNIDOS

Jair Bolsonaro não abandonou Donald Trump nem depois deste ter admitido que chegaram ao fim suas tentativas de golpear as instituições democráticas americanas. No dia seguinte à invasão do Capitólio pela turba trumpista, nossa excelência ainda nos ameaçou: “No Brasil pode ser pior”. Embora seja um crime de responsabilidade, a bravata não passa de uma bobagem rematada que por ora não se deve temer. Por duas razões. A primeira é que os aloprados de Bolsonaro são como aqueles 300 do ano passado, que não chegam a 30 e não valem dez. Segundo, porque aqui há um outro lado da mesma forma agressivo e disposto ao confronto. Ou vocês acham que os militantes da esquerda barulhenta deixariam a coisa correr solta como em Washington? Aqui o risco é outro, o da violência desmedida entre dois lados.

AINDA DÁ TEMPO

O presidente Jair Bolsonaro cometeu na quinta-feira mais um crime de responsabilidade, pelo qual pode ser afastado das suas funções, ao ameaçar o Brasil depois da invasão do Capitólio nos EUA. Na semana passada já havia perpetrado outro, ao fazer apologia à tortura.

PREVISIBILIDADE

Pelo menos em um ponto deve-se concordar com o candidato de Bolsonaro para a presidência da Câmara. O deputado Arthur Lira (corrupção, lavagem de dinheiro, bens bloqueados, agressão doméstica) diz que sua eleição seria uma vitória da previsibilidade. Exatamente. Com ele no comando da Casa, teríamos dois anos sem vento. O governo nadaria de braçadas e o presidente poderia seguir cometendo seus rotineiros crimes de responsabilidade sem desassossego. Se com Rodrigo Maia já foi aquela moleza, imagina com o Lira amigo do peito.

VOTO VIRTUAL

Lira protestou contra o possível voto virtual para a eleição da Câmara. Perguntou: “Qual a verdadeira intenção por trás disso?”, sugerindo que Rodrigo Maia e seu candidato Baleia Rossi estariam armando alguma. Pode? Só falta ele pedir o voto impresso. O atraso do atraso se manifestou pela boca do parlamentar bolsonarista.

PONTO POSITIVO

Cláudio Castro, o governador que caiu de paraquedas no Palácio das Laranjeiras, ganhou ponto importante ao indicar o mais votado da lista tríplice do Ministério Público para chefiar a entidade. Ele não se dobrou à pressão do zero das rachadinhas. Coragem é uma das qualidades que se espera dos homens públicos, inclusive para tomar decisões que contrariam pressões poderosas.

PONTO NEGATIVO

Em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil, reeleito no primeiro turno com quase 70% dos votos, voltou a fechar o comércio e todos os serviços não essenciais para conter a transmissão de coronavírus. No Rio, cidade que registra mais mortes no país, que tem 2048 leitos do SUS fechados e as pessoas aguardam na fila por vagas em hospitais públicos, o prefeito Eduardo Paes chegou a mandar reabrir as áreas de lazer na orla (depois voltou atrás) e já elabora plano para a volta presencial das aulas nas escolas municipais. Disse não entender porque shoppings estão abertos e escolas fechadas. Melhor fechar os shoppings, não é, prefeito?

FALTA DE CARÁTER

Bater na imprensa já não causa surpresa a ninguém. No Brasil tem sido assim desde a era petista. Bolsonaro disse esta semana que a imprensa “potencializou” a pandemia de coronavírus, chamando-a de “mídia sem caráter”. Em tom próprio, mais virulento, o capitão apenas repetiu o que se ouve desdea Era dos franklins e dos dirceus.

SERINGAS E AGULHAS

A ideia de Jair Bolsonaro de esperar o preço das seringas e agulhas baixar para só então comprá-las é de uma “inteligência” que acomete a poucos. Valendo-se da regra de mercado, o Brasil só compraria os suprimentos e iniciaria a vacinação quando o mundo inteiro já tivesse sido imunizado. O Ministério da Saúde fez de conta que não ouviu o presidente desmiolado e anunciou que as compras serão feitas diretamente pelo governo federal, sugerindo que vai proibir os estados de tomarem iniciativas isoladas. Como se fosse possível este tipo de intervenção. Daí ficou clara a estratégia. O objetivo era tentar atingir o plano de São Paulo de iniciar a vacinação por conta própria, antes da União, seguindo seu próprio calendário.

NOSSOS PREÇOS

Os preços na Europa, mesmo com 1 Euro valendo mais do que 6 Reais, estão em alguns casos mais em conta do que no Brasil. Exemplo: Quatro pessoas podem jantar num bom restaurante em Lisboa, Madri ou Roma pagando alguma coisa como 100 Euros (R$ 660,00). Isso com entradas e uma boa garrafa de vinho. No Rio, um jantar nestas mesmas condições em restaurantes do mesmo padrão no Leblon ou em Ipanema não sai por menos de R$ 800,00.

JÁ ERA

Quem foi a Portugal fazer um bom negócio imobiliário, foi. Não vai mais. O metro quadrado no Bairro Alto, na Graça, no Chiado ou na Alfama, que já foi barato para os padrões cariocas, hoje vale mais do que o do Leblon, o bairro mais caro do Brasil.


Ascânio Seleme: Contaminando Eduardo Paes

Correr para o colo de Bolsonaro foi um tremendo erro de cálculo político

Reza o manual das boas maneiras políticas que se devem dar pelo menos cem dias antes de criticar mais duramente um governante recém-eleito. Até mesmo o bispo Marcelo Crivella mereceu essa deferência quando iniciou seu ruinoso mandato como prefeito do Rio há quatro anos. Eduardo Paes recebeu a mesma benevolência ao assumir pela primeira vez a prefeitura. Talvez merecesse igual cuidado agora, apesar de ser um gato já bem escaldado. Mas não. Desta vez não dá para esperar o fim da “lua de mel”.

Primeiro. Como pode um prefeito que vem do campo democrático correr, antes mesmo de tomar posse, para o colo do presidente Jair Bolsonaro? Claro que Paes sabia muito bem que estava tratando com um homem perigoso, instável, que gera permanente risco para as instituições. Um presidente que apenas continua na cadeira porque os líderes que temos no Congresso são os que já vimos e sobre os quais já falamos. O presidente a que Paes se alinhou cometeu mais de uma dúzia de crimes de responsabilidade.

O prefeito vai dizer, e já disse antes, que precisa governar e fazer entendimentos em favor do Rio, do povo do Rio. Claro, mas para isto existem os canais tradicionais. Entendimentos se fazem pelos diversos mecanismos de interlocução entre os municípios e a União. Pelos secretários com ministros, por entidades municipais e federais, com os instrumentos que permeiam as diversas camadas de poder, formando pontes entre as instâncias. O prefeito não precisava pedir a bênção do presidente. Não precisava, não devia e de nada adiantará o gesto prematuro.

Se puxar o saco do presidente adiantasse, o abilolado bispo Crivella teria feito uma boa gestão, com dois anos cheio de dinheiro e projetos. E, se não fosse reeleito diante da “bonança”, pelo menos não deixaria um rombo de R$ 10 bilhões. Correr para o colo de Bolsonaro não foi apenas um tiro n’água. Foi um tremendo erro de cálculo político de Paes. Na terça passada, Bolsonaro disse que “o Brasil está quebrado” e que não pode fazer mais nada. A frase poderia ser lida assim: “Não adianta ninguém vir aqui me bajular, porque não tem dinheiro”.

Ainda durante a campanha, o então candidato afirmou, numa reunião virtual com dirigentes da Associação Comercial do Rio, que aqueles que o consideravam um bom gestor veriam que ele é “melhor ainda na articulação política”. Segundo reportagem do “Valor Econômico” do dia 5 de novembro do ano passado, ele destacou que o encontro se devia a sua “astúcia política”. Pois o astuto Eduardo Paes não esperou a posse para colar sua imagem na do homem que pisa sobre as instituições democráticas, despreza a vida humana e debocha da tortura.

Ao sair do encontro de uma hora com Bolsonaro, no dia 15 de dezembro, Paes disse que a “conversa foi muito agradável” e afirmou que seria um parceiro do presidente no Rio. Aproveitou e bancou seu porta-voz, anunciando uma MP que liberaria (?) R$ 20 bilhões para a compra de vacinas. E disse que o Rio queria ser a “vanguarda” da vacinação. Bobagem. Depois da posse, avisou que não fará nada e seguirá o plano de Bolsonaro. Quer dizer, o Rio não será vanguarda de coisa nenhuma, ao contrário.

É grave, mas tem mais. Na segunda-feira, num movimento típico do negacionismo bolsonarista, a prefeitura anunciou que vai fechar para carros as pistas da orla nos fins de semana. Para explicar a medida que nenhum infectologista entendeu, garantiu que ela foi “respaldada” pela Secretaria municipal de Saúde. Sim, e daí? Em seguida, inventou que a proibição de lazer na orla levou as pessoas a se aglomerarem nos calçadões. E fez gracinha, ao dizer que tem ainda de levar em conta “questões ligadas à saúde mental” das pessoas.

Embora seja tão letal quanto o coronavírus, o bolsonarismo é eliminado sem vacina. Basta um pouco de bom senso e um passo atrás. Mas tem que ser rápido, se não a doença entranha e gruda. Paes ainda pode ser descontaminado.


Ascânio Seleme: Quem vai pagar a conta?

Custos serão altos, mas ainda mais grave é o número assustador de mortes que a doença continuará produzindo, por causa e entre os negacionistas

Não se preocupe, se você se vacinar direitinho, tomar as duas doses como recomendado, não vai ser infectado por negacionistas, seja um vizinho, um parente, um amigo ou um desconhecido com quem esbarrar na rua. Você estará imune. Do ponto de vista da sua saúde ou da sua família, não precisa fazer mais nada, embora seja conveniente manter o uso de máscaras por ainda algum tempo. Também não custa nada lavar sempre as mãos com bastante água e sabão. Seu problema será outro e terá natureza financeira. Você vai solidariamente pagar a conta que os que se negaram a tomar a vacina contra a Covid acabarão gerando para os cofres públicos. E ela não será pequena.

Imagine o cenário final, pós-vacinação. Neste momento, 46 milhões de brasileiros, ou 22% da população, não estarão imunizados e continuarão a exercer pressão sobre a rede pública de saúde. Se hoje os leitos dos hospitais estão quase 100% ocupados por pacientes com Covid, no futuro terão 22% da sua capacidade tomada por pessoas infectadas por uma doença que poderia ser evitada. Quem vai pagar esta conta? Você e eu. Na verdade, este volume pode ser maior, se os planos de saúde corretamente se recusarem a pagar internações hospitalares e remédios de quem se recusou a se vacinar. Se a doença era evitável, os planos vão recorrer e os pacientes com planos poderão acabar na rede pública.

Se a Justiça acabar obrigando os planos de saúde a pagar as contas dos negacionistas, o que sempre é possível, mesmo assim você e eu arcaremos com um custo adicional. Ninguém aqui é bobo, claro que os planos repassarão a conta para toda a sua clientela. Nós.

Haverá ainda outros custos indiretos gerados pelos negacionistas mas que serão arcados por nós. Primeiro, calcule o impacto que terão sobre a cadeia produtiva quando o mundo voltar ao normal. Se uma gripezinha de influenza afasta uma pessoa por dois ou três dias do trabalho, uma infecção pela Convid pode tirar o funcionário por até 14 dias da linha de produção, quando não o afastar definitivamente. Isso tem um custo que as empresas pagam e repassam aos preços dos produtos e serviços que você e eu iremos consumir.

Os não vacinados vão também compor uma nova estatística de morbidade no Brasil. Com a vida de volta ao normal, os 22% de não vacinados serão eventualmente contaminados e muitos vão morrer. Aos números. Mantida a média de 1.000 óbitos por dia, morrerão então 220 negacionistas a cada 24 horas. Em um ano, serão 80 mil. Mais do que os 12 mil que falecem a cada ano por câncer de próstata ou mama, os 44 mil que morrem em razão de doenças hipertensivas ou os 54 mil que são acometidos de diabetes. Trata-se de índice igual ao de mortes por infarto, que também somam 80 mil por ano.

Sim, há os que já foram infectados e dizem que não vão se vacinar porque já têm anticorpos, como afirma o magnífico Jair Bolsonaro. Estes ignoram a potencialidade da reinfecção ou o surgimento de cepas diferentes que podem lhes acometer. Vejam o caso da gripe influenza, que já exige quatro vacinas diferentes para ser obstruída. Na rede pública, as vacinas aplicadas são as trivalentes, que imunizam contra até três variações da doença. Na rede privada já estão sendo aplicadas as tetravalentes.

Claro que os custos serão altos, mas ainda mais grave é o número assustador de mortes que a doença continuará produzindo depois da vacinação em massa, por causa e entre os negacionistas. E elas ocorrerão por todos os lados, mas serão maiores nos grotões bolsonaristas. São os seguidores fiéis de Sua Excelência que mais se rebelam contra a vacina. Seguem o líder cegamente, como ratos ao flautista de Hamelin, mesmo que seja em direção ao hospital ou ao cemitério.

Rebanho

O que vai acontecer com aqueles que se recusarem a ser vacinados? Certamente perderão alguns direitos, como o de frequentar escolas, academias e clubes. Devem também perder o acesso a bolsas e outros auxílios oficiais, o direito de participar de concursos públicos e de votar. Podem ainda ser proibidos de viajar de avião e ônibus. E também não serão imunizados. Serão apenas parte do rebanho.

Eles erram

Presidentes erram. Sarney errou na economia, mas foi o presidente que avalizou a reabertura democrática. Collor errou ao confiscar a poupança dos brasileiros e ao permitir que seu contador PC Farias trocasse influência por dinheiro, muito dinheiro. Mas é verdade também que abriu a economia brasileira para o mundo. Fernando Henrique errou ao fazer aprovar o instituto da reeleição, mas estabilizou a moeda nacional. Lula deixou seu governo e seu partido se corromperem, mas distribuiu renda como nenhum dos seus antecessores. Dilma errou feio na economia e ao tentar falsear seus resultados acabou afastada. Bolsonaro erra como jamais se viu. Erra no atacado, desde o primeiro dia de seu mandato e em todas as frentes. Como Dilma, e ao contrário de seus antecessores, não deixou até aqui qualquer legado.

Falando em Collor

O governo de Jair Bolsonaro mergulhou de corpo e alma na política de negociação de cargos por apoio político. Um dos membros da tropa de choque de Fernando Collor no Congresso, o deputado Ricardo Fiuza, batizou este tipo de operação com um trecho da Oração de São Francisco: “É dando que se recebe”. Uma prática comum na política nacional ganhava um apelido. Fiuzão, que era um conhecido “caneleiro”, morreu em 2005, mas sua criação sobreviveu. Hoje, o capitão dá cargos para receber em troca votos para o deputado Arthur Lira (desvio de dinheiro público, enriquecimento ilícito, rachadinhas, violência doméstica) na sucessão da Câmara. E, para não perder a coerência, Bolsonaro mantém Roberto Jefferson, o segundo líder da velha tropa de choque de Collor, como seu brucutu de plantão.

Extrapolei

Foi engraçado ver Bolsonaro tentando representar o papel de estadista, que se desculpa com o país quando erra. Na cerimônia de divulgação do plano (?) de vacinação, o capitão disse que se alguém extrapolou foi na busca de resultados. Uma piada. A frase deveria ser lida assim: “Se algum de nós extrapolei ou até exagerei, foi no afã de buscar solução”. O pior é que mesmo que tivesse sido franco, o presidente não teria sido honesto. Ele exagerou e extrapolou por outras razões, você sabe, não porque queria encontrar saídas.

E há o Rio

No Brasil, vices seguidamente ocupam o posto principal pelo impeachment, a desincompatibilização ou a morte do titular. Em alguns casos tivemos sorte. Itamar Franco, por exemplo, substituiu Fernando Collor e devolveu dignidade ao cargo. Em São Paulo, Bruno Covas era vice de João Doria, assumiu a prefeitura e fez uma boa gestão, a ponto de ser reeleito. Há outros exemplos no país. E há o Rio. Por aqui, parece que não tem remédio. O governador em exercício Cláudio Castro fica melhor quando não fala, ou quando não faz nada. Esta semana ele quis fazer alguma coisa e falou. Foi uma calamidade. Num discurso ao lado do zero das rachadinhas, Castro disse para quem quisesse ouvir: “Eu confio no general Pazuello”. Pasmem, há alguém que confia no general. E acrescentou: “Não é fazendo politicagem com a saúde que vamos sair dessa”. Embora seja o presidente quem faz politicagem rasteira com o vírus, o recado de Castro era para seu colega João Doria. Puxou tanto o saco do governo Bolsonaro que até mesmo o zerinho que ouvia tudo calado não conseguiu esconder seu constrangimento.

Mais mortes

Um estudo feito pelo jornal The New York Times mostra que o crescimento do número de mortes por Covid é maior em cidades universitárias depois do retorno das aulas presenciais. A pesquisa do NYT foi feita em 203 cidades cuja população estudantil é maior do que 10% do total. Também cresceu exponencialmente o número de infectados nestas localidades, bem acima da média nacional. No Rio, as aulas nas escolas públicas estaduais voltam em janeiro. Em São Paulo, as escolas estaduais funcionam com até 35% da sua capacidade desde setembro. Doria anunciou que começará a vacinar em janeiro. Aqui, vacinação só em fevereiro, março, sei lá, já que Claudio Castro diz que vai seguir seu líder, o general paradão.

Assédio

O assédio do deputado Fernando Cury à deputada Isa Penna é uma demonstração absurdamente explícita do desrespeito e do abuso. Como pôde o deputado imaginar que podia se esfregar assim numa mulher sem o seu consentimento e que não aconteceria nada? Ainda mais em se tratando de uma parlamentar do PSOL, partido conhecido por sua constante luta contra este tipo de abuso. O partido de Marielle Franco, convenhamos. E, depois, o local do assédio era o plenário da Assembleia Legislativa de SP, local monitorado por câmeras o tempo todo. Cury deve ser punido por importunação sexual, falta de decoro e burrice atroz.


Ascânio Seleme: Brava gente

São 46 milhões, ou 22% das almas nacionais, que não pretendem se vacinar. É assustador

Somam-se aos milhões os brasileiros que não se vacinarão contra a Covid-19. Segundo o Datafolha, são 46 milhões, ou 22% das almas nacionais, que não pretendem se vacinar. O número é assustador, sem qualquer dúvida. Mas talvez mais aterrorizante ainda, seja a constatação de como esse contingente se formou. Como essas pessoas chegaram à conclusão de que é melhor ficar exposto ao risco de se contaminar com um dos vírus mais violentos e letais que já passaram pelo planeta do que contra ele se imunizar. A primeira resposta é o comportamento do governo e do presidente Bolsonaro, sobretudo. Mas é mais, muito mais do que isso.

Bolsonaro não vai se vacinar e não recomenda vacina alguma. Ao contrário, sugere que elas podem fazer mal. O ministro general Pazuello, todos sabem, adorou o brilho do cargo, mas deslustrou sua farda ao ficar paralisado diante do caos. Claro que essas sinalizações afetam muitas pessoas, mas são as mais débeis que trocam a segurança pelo risco, apenas porque o líder assim orientou. Essas pessoas normalmente não leem, leem pouco ou se deixam mal informar. Buscam esclarecimentos em fontes erradas e acreditam em impressões alheias, desprovidas de embasamento.

O mar de pessoas presente na Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) ouvindo Bolsonaro na terça-feira, fora os puxa-sacos de sempre, era formado por esse tipo de gente. Que desdenha o vírus e debocha dos que tentam se proteger (os “maricas”, nos termos do presidente), que grita “vivas” toda vez que ouve uma barbaridade pulando da boca de sua excelência, que não usa máscaras e nem respeita o distanciamento social. Foto de Alan Santos, fotógrafo oficial da Presidência da República, publicada ontem pelo GLOBO, explica melhor do que estamos tratando.

Os negacionistas brasileiros foram contaminados pela ignorância porque se recusaram a entender, a aprender. Não quiseram saber. Estavam e continuam disponíveis toneladas de informações científicas e técnicas, que provam que as regras de prevenção evitam o contágio e que a vacinação garante a imunidade. A maioria simplesmente as ignorou, alguns preferiram buscar argumentos fraudulentos, mentirosos, incorretos para justificar sua alienação. Os primeiros são ignorantes genuínos, os demais são ignorantes ideológicos. Estes são os piores.

A turma genuína é composta por aspirantes a Eremildo, estão por todos os lugares e são facilmente identificáveis, são idiotas. Os ideológicos também estão espalhados por aí, mas são mais sofisticados. Usam as redes sociais, onde “compram” teorias conspiratórias, são traficantes de fake news, espalham ataques sempre infundados e injustificáveis contra máscaras, distanciamento e, agora, vacinas.

No reino da lorota em que se transformou a pátria armada, é fácil encontrar ouvidos que escutam e aceitam tudo. Por isso, muitos brasileiros dizem que não vão tomar a vacina por medo dos efeitos colaterais que ela pode produzir. Trata-se de uma barbaridade, concordam? Primeiro, porque nenhuma das vacinas testadas causa efeitos adversos. Segundo, porque a alternativa a um eventual desconforto é a contaminação com a Covid-19, talvez a morte. Seria como um paciente com câncer se recusar a fazer quimioterapia porque não quer ficar enjoado.

Enquanto isso

1 — As duas fileiras de autoridades presentes na cerimônia de divulgação do plano (?) de imunização no Planalto mostram em que terreno estamos pisando. O presidente e seus ministros generais não usavam máscara. Quase todos os demais estavam protegidos, inclusive os governadores convidados para o ato. Não era descuido. O que eles indicavam com o gesto era um método, uma orientação, um caminho. Se fossem palavras, seriam alinhadas assim: “Façam como nós, não usem máscara”.

2 — O ministro Pazuello disse, e a plateia aplaudiu, que a Anvisa vai usar todo o mês de janeiro para analisar as vacinas e que, “de meados de fevereiro em diante”, os brasileiros começarão a ser vacinados. Na terça, 964 brasileiros morreram pela doença. Até 15 de fevereiro serão mais 58.804 mortos. E o general não tem pressa.


Ascânio Seleme: Os candidatos

Decisão do STF de barrar por serem inconstitucionais as reeleições de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre inaugurou o lançamento de candidaturas nas duas casas

Congresso Nacional começa a viver os momentos de turbulência que antecedem a sucessão das mesas da Câmara e do Senado. A decisão do Supremo Tribunal Federal de barrar por serem inconstitucionais as reeleições de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre inaugurou o lançamento de candidaturas nas duas casas. Esta coluna não quer fazer juízo de valor, mas vai nomear cada um dos já lançados e acrescentar pequenas bios das suas trajetórias nas tramas da justiça. A elas.

CÂMARA

Arthur Lira (PP-AL), candidato do presidente Bolsonaro. Réu por desvio de dinheiro do erário e por enriquecimento ilícito; denunciado na Lava-Jato por lavagem de dinheiro; acusado pelo Ministério Público de Alagoas por desviar R$ 1 milhão através de rachadinhas durante mandato de deputado estadual; denunciado no STF por agressão à sua ex-mulher, que o acusou de participar de um esquema de corrupção em seu estado.

Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), foi ministro de Dilma e depois votou contra ela no processo de impeachment. Acusado pelo doleiro Alberto Youssef de receber mesada do PT para votar a favor das pautas do partido; citado na delação da Odebrecht por receber propina; denunciado pelo ex-procurador Rodrigo Janot por fazer parte da organização criminosa que assaltou a Petrobras.

Luciano Bivar (PSL-PE), presidente do partido que abriu as portas para Bolsonaro ser candidato em 2018. Em 2013, admitiu ter pago propina para a CBF para que o técnico da seleção Emerson Leão convocasse o jogador Leomar, que à época pertencia ao Sport, clube que Bivar dirigia; indiciado pela PF no esquema de laranjas do PSL nas eleições de 2018.

Marcos Pereira (Republicanos-SP), bispo licenciado da Igreja Universal, foi ministro do governo Temer. Ficou quase dois anos no cargo, mas se viu obrigado a renunciar ao posto quando seu nome apareceu na lista da Odebrecht como um dos beneficiários das propinas da empresa.

Elmar Nascimento (DEM-BA), deputado de segundo mandato. Acusado de ser um dos 81 parlamentares beneficiários do esquema da Odebrecht de distribuição de dinheiro para campanhas em caixa dois através da cervejaria Itaipava.

Baleia Rossi (MDB-SP), presidente nacional da sigla desde o fim da era de Romero Jucá. Foi acusado em 2016 pelo lobista Marcel Júlio como participante de um esquema de extorsão de fornecedores de merenda para escolas públicas de São Paulo. Mais tarde, o Coaf apresentou uma lista de envolvidos sem o seu nome.

Tereza Cristina (DEM-MS), ministra da Agricultura de Bolsonaro e deputada licenciada. Acusada de dar calote em cinco empréstimos que tomou de bancos e fundos de investimentos agropecuários, entre eles, um da JBS, para projetos rurais particulares.

SENADO

Fernando Bezerra (MDB-PE), ex-ministro do governo Dilma. Acusado de lavagem de dinheiro na Operação Turbulência para reeleição de Eduardo Campos em Pernambuco (parte do dinheiro teria sido usado na compra do avião que caiu em 2018 matando Campos); denunciado por receber propina da Camargo Corrêa nas obras da refinaria Abreu Lima; denunciado na Lava-Jato por receber R$ 20 milhões em propina.

Eduardo Braga (MDB-AM), ex-prefeito de Manaus, ex-governador do Amazonas, ex-ministro de Dilma. Suspeito na Lava-Jato por receber R$ 1 milhão em propina; acusado de ser dono oculto de um jato Citation de US$ 9 milhões (R$ 46,5 milhões), cujo prefixo é o sugestivo PP-MDB; denunciado pelo MP do estado por comprar terreno público por R$ 400 mil e vendê-lo três meses depois por R$ 13,1 milhões; conhecido nas planilhas da Odebrecht pelo apelido “Glutão”.

Nelsinho Trad (PSD-MS), ex-prefeito de Campo Grande. Teve R$ 101 milhões bloqueados em suas contas por envolvimento no maior escândalo do Mato Grosso do Sul, de desvios milionários da empresa de limpeza urbana da capital do estado, a Solurb; denunciado pelo MP estadual por fazer autopromoção com dinheiro público quando era prefeito.

Eduardo Gomes (MDB-TO), senador de primeiro mandato. Denunciado na Operação Sanguessuga por desvio de dinheiro do Ministério da Saúde destinado a compra de ambulâncias; acusado de fraudar licitações quando presidia a Câmara Municipal de Palmas; usou verbas indenizatórias do Senado para comprar “notícias” favoráveis a ele em jornais de Tocantins.

Antonio Anastasia (PSD-MG), ex-governador de Minas Gerais, ex-vice de Aécio Neves, a quem sucedeu. Citado na Lava-Jato como receptor de propinas. O ex-policial Jayme Oliveira Filho disse ter entregado dinheiro em BH a uma pessoa muito parecida com Anastasia. Alberto Youssef, de quem o policial era operador, negou que o dinheiro fosse para Anastasia. O processo acabou arquivado.

Simone Tebet (MDB-MS), senadora de primeiro mandato. Investigada por crime de responsabilidade em dois inquéritos que apuram fraude durante sua gestão na prefeitura de Três Lagoas (MS). Um deles foi arquivado por prescrição.

Rodrigo Pacheco (DEM-MG), senador de primeiro mandato. Defensor dos denunciados no mensalão, detrator da Lava-Jato e crítico do Ministério Público.

ATÉ HONDURAS

Com todo o respeito que aquele país da América Central merece, mas é bom notar que até mesmo a pequena Honduras (9,5 milhões de habitantes, PIB de US$ 49 bilhões e renda per capita de US$ 5,8 mil) vai começar a vacinação da sua população ainda este ano. Na capital, Tegucigalpa, as doses da vacina russa Sputnik começam a ser inoculadas na semana que vem. Alguém pode até dizer que a Sputnik não é segura, mas toda a família real de Dubai foi imunizada com ela.

O OSCAR BRASILEIRO

Daniel Day-Lewis leu cem livros sobre Lincoln para interpretar seu personagem no cinema. Assim que se trabalha. Quantos livros Bolsonaro e Pazuello leram sobre o coronavírus? O ator ganhou um Oscar por aquela interpretação. Que prêmio você daria ao presidente e ao seu ministro?

SAÚDE MENTAL

O governo resolveu revogar portarias que dão estrutura e recursos às políticas de saúde mental no Brasil. Parece que alguém mais, além do general Eduardo Paradão Pazuello, perdeu o juízo no Ministério da Saúde. Ou será que foi mais do mesmo?

HOTEL MUSEU

Nada contra um hotel no Jardim Botânico. Parques têm que ser usados e visitados pelas pessoas. São educativos e dão prazer e relaxamento aos visitantes. O maior parque do mundo, o Yellowstone, que se estende por três estados americanos em 8,9 mil quilômetros quadrados muito bem preservados, tem dez hotéis no seu interior. Todos geram renda e empregos e não atentam contra o meio ambiente. Agora, por que fazer logo no lugar do Museu do Meio Ambiente? Para reduzir o debate sobre a questão e suspender a movimentação de ideias e ideais preservacionistas. E para quê mais hotel no já abarrotado Rio de Janeiro? Aliás, Salles ajudaria muito se mandasse demolir o esqueleto do Gávea Tourist Hotel no Parque da Tijuca. Ou será que Eduardo Paes poderia se ocupar disso?

CANCÚN, NÃO

Por falar em hotel, é bom não se esquecer que ainda está muito bem viva a ideia maluca de Bolsonaro de querer transformar a baía de Angra dos Reis em uma “Cancún brasileira”. O que se quer fazer ali é uma agressão hedionda a um dos lugares mais preservados do planeta. A proposta é acabar com a estação ecológica e a APA de Tamoios e chamar investidores para erguer hotéis e resorts na área. Uma bobagem que não pode prosperar. E não vai, por que você acha que ainda tenha gente que acredite neste governo e invista numa furada dessas?

AINDA RODRIGO

O deputado Rodrigo Maia chegou a se coçar quando emissários de Bolsonaro o avisaram, há dois meses, que sua excelência pensava em lhe entregar um ministério. Poderia ser uma forma de agradecer ao presidente da Câmara por fazer nada com os mais de 30 pedidos de impeachment que recebeu. Mas, como revelou ontem o jornalista Fernando Rodrigues, do Poder 360, Paulo Guedes vetou Rodrigo num hipotético Ministério do Planejamento recriado. Pois é.

OS MITOS

Os políticos acreditam que o brasileiro gosta mesmo de líderes fortes e, melhor ainda, carismáticos. Muito provavelmente inspirados em outros modelos latinos, como o argentino, que até hoje vive sob a sombra de Juan Domingos Perón. Talvez seja por isso que políticos de direita (não falo do centrão das boquinhas, que não tem ideologia e está em qualquer governo) ainda acreditem em Bolsonaro, o mito de 2018. E esta também deve ser a razão para muitos bons quadros da esquerda continuarem teimando com Lula, o mito de duas décadas atrás.

NEGÓCIO NOVO

O mercado do direito autoral só se surpreendeu com o montante, não com a venda dos direitos autorais das músicas de Bob Dylan por US$ 300 milhões. No Brasil, investimentos no setor podem render até 13% ao ano, como mostrou em setembro a repórter Júlia Lewgoy, do Valor Investe. Significa quase cinco vezes mais do que paga a poupança. Mas é preciso saber como funcionam os direitos autorais de músicas para poder se movimentar por ali. Para isso é que estão sendo criados fundos específicos por bancos e fintechs. Trata-se de um novo negócio na praça.

AUDIÊNCIAS

A audiência da Fox News no verão americano foi a maior da história, superando todas as demais no cabo e ganhando até mesmo das emissoras de sinal aberto. Já por aqui, a Fox brasileira perdeu feio para a GloboNews.

IMPOSTOS E ARMAS

Bolsonaro vai zerar impostos para importação de armas a partir de 1º de janeiro. Neste caso, o presidente não surpreende mesmo. Agora, por que não zera também as alíquotas para seringas, já que os produtores locais dizem que não conseguem entregar o que o país precisa para a vacinação contra a Covid? Com a redução do imposto as indústrias poderiam contratar funcionários e produzir mais. Aliás, o que a Taurus, uma das maiores financiadoras da campanha de Bolsonaro em 2018, tem a dizer sobre a medida?

ULTRAJE

Não há outro nome para aquela ridícula exposição dos vestuários de Bolsonaro e Michelle no dia da posse.


Ascânio Seleme: E agora, Rodrigo?

O deputado salvou o presidente. O presidente degolou o deputado

Não se pode negar que o deputado Rodrigo Maia teve momentos importantes e positivos no exercício da presidência da Câmara. Foi mérito quase exclusivo seu a reforma da Previdência, no segundo semestre do ano passado, quando chamou para si, tocou e fez aprovar o projeto, enquanto o governo fazia corpo mole. É verdade também que, durante todo o mandato, trabalhou incansavelmente pela sua reeleição. Fez os entendimentos possíveis e engoliu todos os sapos para ficar sempre pronto para ser reconduzido ao cargo, embora soubesse ser inconstitucional. O mais grave foi ter se sentado em cima de pelo menos 30 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

O deputado sabe, como você e eu, que Bolsonaro cometeu uns dez crimes de responsabilidade nestes primeiros dois anos de mandato. Um deles poderia ser catalogado como hediondo, por atuar de maneira temerária em relação ao coronavírus. Crime em que agora está reincidindo com o retardamento do início da vacinação contra a Covid-19 por imprudência, inação e birra política. Também atentou contra a democracia ao dar apoio a manifestações públicas que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, inclusive em frente ao principal quartel do Exército. Numa delas, havia cartazes pedindo a prisão de Rodrigo Maia. E o que fez Rodrigo Maia? Nada.

Cabe exclusivamente ao presidente da Câmara dar início a um processo de impeachment. Embora ninguém pudesse exigir que desse andamento ao pedido de afastamento do presidente, o deputado ignorou sua atribuição constitucional. De maneira informal, repetiu a quem quisesse ouvir que não encaminharia o processo porque não daria em nada, já que não seriam alcançados os votos necessários para afastar Bolsonaro. Ora, deputado, convenhamos. Então, dane-se a Constituição? O presidente comete inúmeros crimes, e não se abre um processo porque faltam votos para ao final puni-lo?

Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Estados Unidos, abriu um processo de impeachment contra Donald Trump, mesmo tendo absoluta certeza de que ele não seria aprovado no Senado americano, que tinha maioria republicana. Corajosa, resoluta e politicamente responsável, cumpriu seu dever constitucional dando encaminhamento ao impeachment, que de fato acabou sendo barrado. Rodrigo Maia, não. Tratou de se preservar, talvez imaginando que, ao poupar Bolsonaro, não teria sua oposição quando chegasse a hora da eleição da Mesa da Câmara. Nancy Pelosi não perdeu um grama sequer de seu prestígio. Rodrigo Maia perdeu. Muito.

O deputado passou dois anos tratando de ficar bem com todos, inclusive com o Planalto. Embora vez por outra demonstrasse irritação com os arroubos do presidente e dos seus três zeros, jamais se distanciou de Bolsonaro. Só percebeu que estava tratando com um inimigo perigoso agora, quando o PTB bolsonarista arguiu a constitucionalidade da sua reeleição. Rodrigo ainda acreditou que o tribunal haveria de ver nele uma barreira contra a escalada autoritária de Bolsonaro, autorizando sua recondução. Não viu. E por que veria, se ele nada fez quando efetivamente pôde impedir o presidente?

Bolsonaro livrou-se de Rodrigo Maia. Descartou-o como se descarta uma garrafa vazia. O presidente queria e precisava livrar-se dele porque também só pensa na sua própria reeleição. O deputado seria uma sombra incômoda. Melhor ter um aliado incondicional no cargo, mesmo que seja um corrupto notório. Bolsonaro, que trabalha a favor de um segundo mandato desde que assumiu o governo, poderia ter sido afastado do primeiro, não fosse a inércia de Rodrigo Maia. O deputado salvou o presidente. O presidente degolou o deputado.

Rodrigo agora desce para a planície, volta ao chão do plenário que não pisa há cinco anos. Será, mesmo assim, um deputado influente, líder de um partido que se reinventou e que fez uma boa eleição municipal. Mas, no futuro, ainda terá de lidar com uma tarefa complicada, de explicar para a história por que não cumpriu a missão que a ele estava reservada.


Ascânio Seleme: Crime sem perdão contra os brasileiros

Muitas das dezenas de milhares de mortes que vão ocorrer nos primeiros meses do ano que vem devem ser atribuídas às estúpidas diretrizes políticas de Bolsonaro

Morrerão 44.545 brasileiros de Covid nos meses de janeiro e fevereiro do ano que vem, mantida a média atual de 775 óbitos registrados em 24 horas. Muitas destas pessoas poderiam ser salvas se o governo de Jair Bolsonaro não fosse negacionista e, por consequência, deliberadamente ineficiente. O Ministério da Saúde anunciou que vai iniciar a vacinação no Brasil apenas em março, acrescentando que somente um terço dos brasileiros serão imunizados em 2021. Além disso, descartou três das quatro vacinas que foram testadas no Brasil.

Difícil dizer quantas exatamente, mas muitas das dezenas de milhares de mortes que vão ocorrer nos primeiros meses do ano que vem devem ser atribuídas às estúpidas diretrizes políticas de Bolsonaro, obedecidas cegamente pelo imprevidente ministro Eduardo Pazuello. Se a vacinação começar na verdade somente no final de março ou no início de abril, como informam fontes do Ministério da Saúde, o número de mortos até que se comece o processo de imunização vai passar dos 65 mil. O lamentável é que o mais provável seja mesmo o pior cenário, dada a estupenda inoperância governamental.

A Inglaterra começa a vacinação muito provavelmente antes do Natal. Outros países europeus iniciam o processo massivo de imunização na primeira semana de janeiro. Na Argentina, do “inimigo” Alberto Fernández, a vacinação começa na primeira quinzena de janeiro. Também México, Chile, Peru e Costa Rica, para ficar apenas aqui na nossa região, começam a vacinar suas populações entre o fim de dezembro e o início de janeiro de 2021. Todos estes países compraram a vacina do laboratório Pfizer, que o governo brasileiro se recusa a considerar alegando que a estocagem a temperaturas muito baixas é complicada. No Equador deve ser mais complicado que aqui, mas lá também as vacinas da Pfizer começarão a ser administradas em janeiro.

Além do negacionismo declarado de Jair Bolsonaro, seus subalternos dobram-se à sua orientação ou são demitidos, como foram Luiz Mandetta e Nelson Teich. Por isso, o ministro Pazuello, um general que temporariamente tirou a farda mas jamais conseguirá vestir um avental, fala e faz apenas o que seu chefe mandar. “Obedece quem tem juízo”, disse o desajuizado general que, indo pela cabeça do presidente, trabalha contra os interesses do seu ministério, contra a saúde pública, o que é crime. Na Anvisa, o presidente é outro militar, o almirante Antônio Barra Torres, que também bate continência para qualquer barbaridade que o capitão lhe disser.

Não foi por outra razão que a Anvisa tentou atrasar os testes da CoronaVac em São Paulo, em novembro. Jamais se justificaria a paralisação dos trabalhos em razão do suicídio cometido por uma das pessoas que estavam sendo testadas pelo Instituto Butantan. Mas foi o que a Anvisa fez. No final, foi um vexame protagonizado por um militar e dois subalternos curvados como ele. Na ocasião, o governador de São Paulo identificou corretamente o movimento como uma ação política do Planalto. Mas João Doria tinha desde então o antídoto para o caso de a má vontade da Anvisa perseverar e mais adiante ela se recusar a certificar a vacina, que já está em sua última fase de testes.

Desde meados de novembro, o governador já informava que se três agências estrangeiras do porte da Anvisa liberarem a vacina, ela pode ser usada em qualquer outro país por acordo global aprovado pela OMS. Medicamentos testados pela FDA americana, por exemplo, são importados pelo Brasil com prévia anuência da Anvisa, mesmo sem testagens ou estudos adicionais. Por isso, São Paulo vai ignorar a orientação do governo e iniciar a vacinação com a CoronaVac no estado ainda em janeiro, desafiou Doria na quinta-feira.

O problema é que Bolsonaro é um estorvo. Ele fará o que for preciso para sabotar a vacina de São Paulo, que terá 40 milhões de doses prontas para serem administradas até o dia 15 de janeiro. Evitar que São Paulo saia na frente é tudo o que o presidente negacionista mais deseja. Não estranhem se ele mandar a Polícia Federal ocupar o Instituto Butantan para impedir a produção ou a distribuição das vacinas. Seria um absurdo, claro. Bolsonaro não deve ser tão alucinado assim. O resultado seria catastrófico, e o crime imperdoável já cometido se agravaria e se tornaria doloso.

Seringas

Fabricantes dizem que vão precisar de sete meses para entregar as 200 milhões de seringas necessárias para imunizar os brasileiros. Fala sério. Aumentem a linha de produção em quatro turnos, façam novas fábricas, adaptem outras. Estamos em guerra. Logo depois do ataque japonês a Pearl Harbor, o presidente Franklin Roosevelt mandou que a indústria americana produzisse, em dois anos, 185 mil aviões, 120 mil tanques, 55 milhões de canhões antiaéreos e 18 milhões de toneladas de navios. Tudo foi produzido no prazo dado. Agora, claro, no caso das seringas é preciso haver a ordem, que até agora não foi dada pelo inoperante governo brasileiro.

Revalidando remédios

Um trabalho publicado em 2003 pela Escola de Medicina de Harvard informa que 90% dos remédios continuam sendo eficientes mesmo 15 anos depois de expiradas suas datas de validade. A questão virou assunto no Brasil quando descobriu-se que seis milhões de doses do teste para coronavírus, que foram abandonadas pelo ineficiente Ministério da Saúde em um galpão de São Paulo, têm data de validade até janeiro do ano que vem. Segundo a FDA, a seríssima similar da Anvisa nos EUA, excluídos o trinitrato de glicerina, a insulina e os antibióticos líquidos, a maioria dos medicamentos duram muito, mas muito mais do que estabelecido pelos laboratórios fabricantes.

Simplíssimo

O inacreditável presidente do Brasil produziu outra de suas costumeiras asneiras esta semana. Numa entrevista na terça explicou por que ainda não cumprimentou o presidente eleito dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden. “Teve muita fraude lá”, explicou o simplíssimo do alto da sabedoria que subtraiu do extraordinário ministro Ernesto Araújo.

Campeão de rachadinhas

O candidato de Bolsonaro para presidir a Câmara, deputado Arthur Lira, é um velho conhecido da Justiça. O indigitado é réu em processos por desvios de recursos públicos e enriquecimento ilícito, foi denunciado por lavagem de dinheiro na Lava-Jato e responde a ação no Supremo por violência doméstica. Não bastasse isso, o “Estadão” publicou na quinta-feira matéria do repórter Breno Pires relatando desvios de mais de R$ 1 milhão dos contracheques de funcionários do gabinete de Lira em Alagoas. Trata-se de um campeão de falcatruas no estado, o que não é pouca coisa em se tratando da terra de Fernando Collor e Renan Calheiros. Mas o deputado pode ficar tranquilo, Bolsonaro já mandou avisar que sua família considera que denúncias de rachadinha são sacanagem da imprensa. Sua excelência anunciou ainda que vai criar ministérios para trocar por votos em favor de Lira.

FLA incompetente

Era mito, era miragem, a famosa competência da diretoria do Flamengo. Em 2019, ao ganhar quase tudo, criou-se uma aura de infalibilidade em torno dos cartolas rubro-negros. Mas, bastou Jesus, Rafinha e Mari saírem para a verdade vir à tona. As contratações dos substitutos e reforços foram todas erradas. Na área administrativa, o novo departamento médico do clube fracassou. Além disso, os dirigentes do Flamengo flertaram com Bolsonaro e fizeram pouco caso do coronavírus. Foi um horror. Mas antes da casa cair, um deles acabou eleito vereador. Se depender do torcedor, terá um mandato só.

26 dias

Este é o prazo que falta para a gente não precisar mais falar ou pensar no bispo Marcelo Crivella. O carioca deve se sentir aliviado, como se acordasse de um pesadelo. Ou como se estivesse se levantando da cadeira do dentista depois de um demorado tratamento de canal. Isso não quer dizer que o Rio agora vai automaticamente voltar a dar certo. O voto de confiança que o carioca deu a Eduardo Paes foi carregado de cobranças. O prefeito eleito terá de comprovar sua capacidade de gerir situações emergenciais. O jovem secretariado indicado tem tudo para funcionar bem, mas não custa lembrar que 2021 não vem com a dinheirama pré-olímpica. De todo modo, só não precisar mais ouvir aquela vozinha de pastor de Crivella já é um ganho.

Banalidade

São cada vez mais corriqueiros os ataques armados em pequenas cidades brasileiras, como os de Criciúma e Cametá. Nenhuma dúvida, a violência no interior não tem mais medida, embora não surpreenda tanto os moradores das grandes cidades. No Rio, aqueles ataques foram comparados aos que sofremos cotidianamente por aqui. Foi Antonio Tabet quem notou primeiro: “A madrugada em Criciúma foi o que os cariocas chamam carinhosamente de quarta-feira à tarde na Tijuca”.

Herança

Na cidade maravilhosa, aliás, o tráfico segue os passos da milícia e do bicho e também começa a se transformar em capitanias hereditárias. Julia Fernandes, a filha do traficante Elias Maluco, foi presa quarta-feira pela Polícia Civil no estouro de uma boca de fumo. Outro filho do traficante, Diego Pereira da Silva, o Maluquinho, comandava o tráfico na favela do Dique, em Vigário Geral, até ser preso em fevereiro deste ano. Parece que outros filhotes do assassino de Tim Lopes já assumiram o lugar dos irmãos presos.


Ascânio Seleme: Cidades sitiadas

Comunidades e bairros inteiros são dominados por traficantes, milicianos ou bandos organizados

Na semana em que assistimos ao renovado espetáculo da democracia, quando se demonstrou mais uma vez a força e a integridade das instituições nacionais com a eleição de prefeitos de 5.567 municípios brasileiros, duas cidades, no interior de Santa Catarina e do Pará, foram barbaramente atacadas por grupos de criminosos que causaram pânico na madrugada.

O que se viu nos dois casos foi outro tipo de espetáculo, este cotidiano. O do desespero, da intimidação da população e das forças policiais locais, da violência desmedida em assaltos a banco. De quantos ataques desses você consegue se lembrar? Cinco, dez, vinte? Nesta semana foram dois, ambos com tiros, reféns e terror no meio da noite.

Se pequenas cidades não conseguem dormir em paz, o que se passa em metrópoles como Rio, São Paulo, Belo Horizonte ou Fortaleza é ainda mais alarmante. Não se trata somente de Criciúma ou Cametá, o Brasil todo está sob ataque há décadas. As cenas vistas em Santa Catarina e no Pará são parte da paisagem em todos os cantos do país. As notícias de violência no interior já nem surpreendem, tão banais se tornaram.

Nas grandes cidades, comunidades e bairros inteiros são dominados por traficantes, milicianos ou bandos organizados. Em lugares como o Complexo do Alemão, a polícia não entra, a menos que protegida por caveirões. Mesmo assim, apenas em rápidas incursões e até um determinado ponto.

No Rio, segundo o Mapa dos Grupos Armados, 3,7 milhões de cariocas vivem em áreas dominadas pelo crime. A milícia controla 57,5% da região, e o tráfico domina outros 15,4% do território municipal. Quem manda não é Marcelo Crivella e não será Eduardo Paes, aos quais restam 27,1% da cidade. Quem manda são militares de baixa patente que viraram milicianos ou descamisados que controlam bocas de fumo, todos armados com fuzis e metralhadoras.

O mencionado Complexo do Alemão é um exemplo de como se podem desocupar regiões tomadas por bandidos. O método para retomar áreas dominadas se conhece. Trata-se de anunciar o dia, preparar um conjunto de forças de dissuasão imbatível (com apoio das Forças Armadas) e subir o morro. Os bandidos fogem como baratas, já se viu isso.

O problema vem a seguir: é a manutenção do controle do espaço retomado do tráfico ou da milícia por meio da presença efetiva do estado nas comunidades. Isso ainda não se viu. No Rio, e em todo o país, a melhor forma de combater a violência é oferecendo melhores serviços à população. Povo educado e saudável tem mais oportunidades, é menos violento e comete menos crimes.

No Brasil ocorre exatamente o contrário. Não bastassem as cenas de violência produzidas por traficantes, milicianos, assassinos e ladrões armados até os dentes, a principal autoridade do país fez de conta que não lhe diziam respeito os dois ataques que ganharam enorme espaço no noticiário nacional, disputando em tamanho com a Covid-19 e as eleições municipais.

Jair Bolsonaro, o homem que daria um jeito na bandidagem do Brasil, criou o Ministério da Justiça e Segurança Pública e nomeou para o cargo o ex-juiz Sergio Moro, que preferiu se ocupar com política no seu ano e meio no cargo. Depois de demitir Moro, instalou no seu lugar um sonso.

O presidente do Brasil tem ainda um outro problema que, ao contrário de inibir o crime, o deixa à vontade. Sua proximidade ancestral com a milícia do Rio mostra abertamente o caminho que adotou. E ele não trata da defesa das cidades e dos cidadãos, mas dá guarida aos irmãos de farda que saem por aí a controlar comunidades pela força.

Também é muito grave a defesa intransigente que o presidente faz da liberação das armas e da suspensão do rastreamento de armas e munições. A primeira não atende a um suposto fazendeiro desguarnecido que pretende defender suas terras, ou ao pobre cidadão que tenta proteger sua casa, como quer fazer crer sua excelência. Apenas ampara a indústria. O fim do rastreamento beneficia milicianos, traficantes, assassinos e os ladrões dos bancos de Criciúma e Cametá.