aquecimento global

Maria Cristina Fernandes: Bolsonaro pode perder corrida pelo dinheiro para governadores

Presidente se mostrou no encontro como um aliado arrependido do trumpismo

Dezessete chefes de Estado e a presidente da Comissão da União Europeia falaram antes do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula dos Líderes pelo Clima. O presidente do país “detentor da maior biodiversidade do planeta”, como Bolsonaro definiu o Brasil, começou a falar quase duas horas depois de a conferência virtual ter começado. E não pôde, a exemplo de Angela Merkel (Alemanha), Emmanuel Macron (França), Ursula Leyen (UE) e Cyril Ramaphosa (Africa do Sul), saudar, com uma estocada da boa diplomacia, a volta dos Estados Unidos, anfitrião do encontro, ao esforço contra o aquecimento global.

Os americanos voltaram ao Acordo de Paris um mês depois da posse do presidente Joe Biden e três anos e sete meses depois de o ex-presidente Donald Trump tê-lo denunciado. Os líderes europeus e da África do Sul não deixaram passar a oportunidade de lembrar Biden do passado muito recente do país que agora se arvora à liderança global do ambientalismo na tentativa de reconquistar um viés de “superioridade moral” perdido na era Trump. Bolsonaro, porém, não pôde fazer o mesmo porque, de todos os 40 chefes de Estado convidados para a conferência, foi o mais estreito aliado de Trump.

E foi assim que o presidente brasileiro se mostrou no encontro. Como um aliado arrependido do trumpismo, incapaz até mesmo de adotar a linha de outros infratores das metas ambientais, como o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau. No comando de um país que, a exemplo do Brasil, não cumpriu o que havia acordado no Acordo de Paris, em 2015, Trudeau colocou o combate ao aquecimento global como prioridade que secunda o enfrentamento da covid-19. Como a pandemia nunca foi sua prioridade, Bolsonaro preferiu centrar seus esforços numa única mentira, a do empenho nacional pela redução dos gases do efeito-estufa.

Os argumentos foram os mesmos apresentados na carta enviada, na semana passada, ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. A carta parece ter sido tão pouco convincente que o presidente americano esperou a vez de David Kabua, presidente das Ilhas Marshall, país minúsculo do Pacífico que tende a desaparecer pelo avanço dos oceanos, mas não Bolsonaro. Biden deixou a sala da conferência virtual antes de o brasileiro começar a falar. A mensagem brasileira foi mais ponderada do que as da era Ernesto Araújo, mas distorce a responsabilidade do país pela emissão de gases estufa, traça meta de redução baseada numa pedalada (para trás) sobre as conquistas anteriores e comemora a matriz limpa do parque energético como feito de seu governo.

A conferência deixou claras as dificuldades de Bolsonaro em limpar a imagem do Brasil depois da devastação e do desmonte das instituições de fiscalização promovidas por seu governo. Por razões inversas, Biden também pisou em ovos em seu discurso, que abriu a conferência. Ciente de que uma parte importante do eleitor americano rejeita o discurso ambiental, falou mais em emprego do que em clima. Ancorou a necessidade de mudar a matriz energética do país com o desenvolvimento de novas tecnologias como meio para a geração de emprego. O temor do eleitorado se estende ao mercado. À tarde, de volta à tela, mal acabara de falar da necessidade do esforço conjunto para o financiamento das ambiciosas metas ali traçadas, as bolsas despencaram, alarmadas com aumento de impostos.

O presidente chinês, Xi Jiping, citado por Merkel, Macron e pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, em função dos esforços na pauta ambiental que precedem os dos EUA, também tratou de seus interesses sem subterfúgios. Ao enfatizar o multilateralismo, deixou claro que as conquistas não decorrerão do novo protagonismo americano mas do conjunto das nações. Xi insiste em se apresentar como liderança dos países em desenvolvimento propugnando o reconhecimento dos esforços que estes têm feito no sentido de buscar o desenvolvimento sustentável.

Todos os chefes de Estado exibiram esforços maiores do que aqueles que têm sido efetivamente feitos. E todos se comprometeram com metas ambiciosas para 2030 a serem acordadas na conferência das Nações Unidas sobre o clima, em Glasgow, em novembro. Nenhum deles, porém, enfrenta descrédito tão grande sobre a distância a ser percorrida entre os esforços e as metas quanto Bolsonaro.

O primeiro teste se dará no acesso ao fundo de US$ 1 bilhão, mobilizado a partir da coalizão de EUA, Noruega e Reino Unido e de empresas como Amazon, Airbnb, Bayer, Nestlé, Unilever, Boston Consulting Group, McKinsey, Salesforce e GKS (ver reportagem na página A5). É um dinheiro a ser destinado para o mundo inteiro e não apenas para o Brasil como desejava o Palácio do Planalto. E até mesmo os governos subnacionais estarão elegíveis. Como o pagamento se dará por meio de resultados, e não antecipadamente para armar a Guarda Nacional, como desejava o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, as chances de o governo federal são mais reduzidas do que, por exemplo, as do Consórcio Amazônia, que reúne os nove Estados da região.

Por meio um plano chamado “Recuperação Verde da Amazônia Legal”, os governadores apresentaram projetos como apoio na certificação de produtos sustentáveis para acesso aos mercados nacional e internacional, incentivo à pecuária intensiva, redução de carbono nas atividades de mineração e fomento ao turismo ecológico. Os desembolsos se dão mediante averiguação, por consultores independentes, do desempenho acordado. Depois de carregar sozinho o fardo da herança trumpista na cúpula, Bolsonaro ainda corre o risco de ser ultrapassado, em casa, pelos governadores, no acesso ao dinheiro.


Murillo de Aragão: Dificuldade em enxergar o óbvio

Estamos perdendo a capacidade de valorizar o que existe de bom

O Brasil é uma das últimas fronteiras do mundo para investimentos. Há necessidades gigantescas na área de infraestrutura e existe um mercado de mais de 200 milhões de pessoas educadas para o consumo.

As oportunidades existentes são únicas. Talvez nós, brasileiros, não tenhamos uma clara noção do nosso potencial devido à nossa irresistível vocação para falar mal do país. Na linha do que é ruim a gente mostra; o que é bom a gente esconde.

O setor imobiliário, por exemplo, pode avançar de forma extraordinária com a expansão do crédito. Somos uma das sociedades mais interconectadas do planeta, sistema que resistiu mesmo com o aumento de 50% do tráfego na internet durante a pandemia.

No campo ambiental, além de possuirmos uma das melhores matrizes energéticas do mundo, somos um dos maiores produtores de alimentos do planeta, mesmo com uma cobertura florestal que representa mais de 50% do território nacional. O agronegócio no Brasil, em sua imensa maioria, segue uma rígida legislação ambiental.

Com todo o fuzuê em torno das queimadas em nossas florestas, somos responsáveis por pouco mais de 3% das emissões globais de carbono. Os Estados Unidos, país campeão das narrativas em torno da defesa do meio ambiente, contribuem com mais de 14%. O pequeno Japão colabora com mais de 8% das emissões globais. E nenhum dos dois países é perseguido pela opinião pública mundial por questões ambientais.

 “No final das contas, temos imensos desafios a enfrentar, mas o Brasil é melhor do que parece”

No campo político, apesar da lentidão exasperante, fomos além do que a maioria dos países de nossa dimensão consegue em termos de reformas. E continuamos a avançar, com a nova lei de saneamento, a lei de recuperação judicial, o marco do gás e a autonomia do Banco Central.

Em 2019, tínhamos pouco mais de 700.000 investidores na bolsa de valores. Hoje são mais de 3 milhões de brasileiros. E esse número deve triplicar nos próximos anos. Temos mais de 300 fintechs em operação e um consistente processo de desbancarização em curso.

No campo institucional, os atritos entre os poderes da República representam mais a impossibilidade de uma hegemonia antidemocrática do que a possibilidade de uma ruptura institucional. O Brasil vive um sistema político compartilhado que ajuda a impedir a violência política arbitrando os conflitos.

No entanto, existe uma infeliz preponderância do conflito político estéril sobre a solução para nossos principais desafios. O desejo de destacar o atrito prevalece sobre a vontade de resolver nossos problemas. As good news de nosso país são soterradas pelas más notícias, fazendo com que percamos uma visão mais precisa da realidade.

No final das contas, temos imensos desafios a enfrentar, mas o Brasil é melhor do que parece. Isso, porém, não parece interessar a boa parte de nossa opinião pública nem às nossas autoridades, que se concentram mais no conflito do que nos desafios. Disse Clarice Lispector, “o óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar”.

Publicado em VEJA de 28 de abril de 2021, edição nº 2735


Ricardo Noblat: Como de hábito, Bolsonaro mente da manhã à noite

Quem o pariu que o embale

O presidente Jair Bolsonaro acordou e foi dormir ontem mentindo, que é o que ele sempre sabe fazer de melhor.

De manhã, mentiu ao mundo na abertura da Cúpula do Clima ao dizer que “o Brasil está na vanguarda no enfrentamento ao aquecimento global”. Não está, já esteve.

Mentiu à noite nas redes sociais ao recomendar a cloroquina como remédio eficaz contra a pandemia do coronavírus.

A MM (mentira matinal) parece ter sido bem aceita por diplomatas que servem ao presidente Joe Biden, o organizador e anfitrião da cúpula. Eles gostaram do tom do discurso de Bolsonaro.

A MN (mentira noturna) pode ter agradado os devotos que a escutam como prova de coerência, mas somente a eles.

“Eu tomei um negócio ano passado, não vou citar o nome para não cair a live, mas se eu tiver um problema, vou tomar de novo”, prometeu Bolsonaro.

O desmatamento só cresce. Ao contrário do que disse, ele não está dobrando o orçamento das atividades de fiscalização ambiental.

À falta de vacinas porque o governo não as providenciou a tempo, o vírus segue matando. A culpa, segundo Bolsonaro, é de governadores e prefeitos que adotam medidas de isolamento.

Como o discurso da manhã foi lido, Bolsonaro não se enrolou. Como nas redes sociais ele improvisa, foi uma confusão só.

“Impressionante como só se fala em vacina”, reclamou Bolsonaro, que em seguida comparou a doença do vírus com os cânceres de mama e de próstata que ele considera tão mortais quanto.

Bolsonaro tomou emprestado aos governos que antecederam ao seu as ações em prol da preservação da natureza no Brasil.

Escondeu que o país é o campeão em perdas de florestas no mundo. Só de 2019 para 2020, foram eliminados 1,7 milhão de hectares de floresta primária no Brasil.

Isso é mais do que três vezes o que perdeu o segundo colocado, a República Democrática do Congo.

Comprometeu-se a eliminar “o desmatamento ilegal até 2030, com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal” em vigor há 9 anos. Malandragem pura e direto na veia.

Na prática, pediu 19 anos de carência para cumprir a lei. E joga tudo nas costas dos próximos quatro governos.

Chega ou quer mais?


Bernardo Mello Franco: Bolsonaro vende um Brasil imaginário na Cúpula do Clima

Jair Bolsonaro tentou vender um Brasil imaginário na Cúpula de Líderes sobre o Clima. Nas palavras do presidente, o país está “na vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global”. Nem parecia o chefe do governo que mutilou a fiscalização ambiental e permitiu o avanço do desmatamento da Amazônia.

Na defensiva, Bolsonaro sustentou que o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta e promoveu uma “revolução verde” no campo. Se tudo vai bem, o mundo estaria perdendo tempo ao se preocupar conosco.

O capitão abusou da boa-fé dos estrangeiros. Sem corar, ele disse ter determinado o “fortalecimento dos órgãos ambientais”. Na vida real, seu governo pilota uma operação de desmonte, executada pelo ministro Ricardo Salles.

No início da semana, mais de 400 servidores do Ibama denunciaram que as atividades de fiscalização estão paralisadas. Eles explicaram que uma nova instrução normativa inviabilizou a aplicação de multas aos infratores.

É verdade que houve uma mudança de estilo na fala de Bolsonaro. No passado recente, ele ameaçou abandonar o Acordo de Paris, espalhou mentiras contra o movimento ambientalista e declarou que poderia trocar a saliva pela pólvora se Joe Biden chegasse à Casa Branca.

Ontem o capitão se disse “aberto à cooperação internacional” e adotou um tom dócil ao se dirigir ao novo presidente americano. Para seu azar, o democrata já havia deixado a reunião quando ele começou a rastejar diante da câmera.

A distância entre o discurso e a prática não foi o único problema que impediu o presidente de ser levado a sério. Numa reunião em que diversos líderes prometeram sacrifícios para reduzir as emissões de gases poluentes, Bolsonaro estendeu o pires e pediu dinheiro.

“Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostas a atuar de maneira imediata”, afirmou.

Só faltou apresentar a conta de US$ 1 bilhão em troca da preservação da Amazônia, como fez na véspera o ministro Salles.


José Goldemberg: Movimento ambientalista é de esquerda ou direita?

É preciso redobrar esforços para evitar que o aquecimento global seja ‘politizado’ de novo

Preocupações com a preservação do meio ambiente datam da mais remota Antiguidade. Platão, há 2.500 anos, comparou o desmatamento na Grécia do seu tempo com “o esqueleto de um homem doente: toda a gordura e a carne tenra se foram, deixando apenas a moldura nua da Terra”.

Alguns governantes, ao longo da História, se deram conta das consequências negativas da destruição das florestas. Os antigos egípcios penalizavam quem cortasse árvores e na civilização inca essa prática era punível com a morte.

Apesar disso, a expansão do Império Romano varreu as florestas de quase toda a Europa e da Inglaterra. O mesmo foi feito pelos colonizadores portugueses, que devastaram a Mata Atlântica até esgotar a produção de pau-brasil.

A situação começou a mudar no século 16, por diversas razões: em alguns países, como a Áustria, um reflorestamento foi feito por questões econômicas; em outros, pelo interesse dos aristocratas europeus em preservar as florestas em torno dos seus castelos para garantirem espaço para suas caçadas. Aliás, essa é a razão pela qual Londres tem hoje tantos parques. Na enorme expansão da conquista do território da América do Norte, reservas naturais foram criadas até por motivos estéticos, sob a influência de intelectuais como Thoreau.

Surgiram no século 19 as primeiras associações ambientalistas do mundo, como a Open Society, na Inglaterra, em 1865, o Sierra Club, nos Estados Unidos, em 1892, e a Audubon Society, também dos Estados Unidos, em 1905.

O caráter básico delas era a conservação da natureza, o que levou à criação, em 1952, da União Internacional para a Conservação da Natureza.

No fundo, eram todas elas organizações inspiradas em nobres propósitos, bem aceitos pelo establishment e próximas da “direita”, mas pouco eficazes em evitar a degradação ambiental decorrente da industrialização selvagem do século 19, devida à utilização de carvão em grande escala. Nos países menos desenvolvidos, a expansão colonial dos séculos 19 e 20 levou a degradação ambiental ao resto do mundo.

Foi só a partir da metade do século 20 que surgiram na Europa e nos Estados Unidos movimentos sociais e organizações que começaram a questionar seriamente os modelos de desenvolvimento econômico que levavam à degradação ambiental. Esses movimentos, que se organizaram em parte pela repulsão à Guerra do Vietnã, acabaram se expandindo para a luta contra o apartheid na África do Sul, a discriminação racial nos Estados Unidos, a cruzada contra o uso da energia nuclear, depois do acidente de Chernobyl, e a emancipação feminina, que a pílula anticoncepcional acelerou.

Algumas dessas organizações, como o Greenpeace, introduziram um tipo de ativismo que não existia no movimento ambientalista do início do século 20, que era até então tolerado pela “direita”. Por essa razão a revolução cultural dos anos 1970 ganhou aspectos mais próximos do que se rotula como “esquerda” do movimento ambientalista, crítico da economia capitalista dos países do Ocidente e da economia dos países da área socialista, uma vez que a União Soviética não revelou preocupações maiores com a preservação ambiental do que seus adversários ocidentais na guerra fria.

O que estamos presenciando agora neste início do século 21 é um movimento de “contracultura” ao que se poderia considerar exageros da revolução cultural dos anos 70. Ele se manifesta no renascimento da valorização da família, no nacionalismo e nas restrições à entrada de imigrantes de Estados islâmicos e africanos, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. Neste país em particular, a eleição de Donald Trump tem sido interpretada como uma reação ao “politicamente correto” dos anos de Bill Clinton e Barack Obama.

Ele se manifesta também por meio de ideologias evangélicas cristãs (não católicas), baseadas na sua interpretação pessoal dos Evangelhos, e atrai também grupos de protestantes, mórmons e judeus. Eles têm em comum um forte apoio à economia de mercado (sem controle governamental), questionam a Teoria da Evolução, são contrários à manipulação genética, eutanásia, homossexualidade, educação sexual, ao aborto; e são céticos em relação ao aquecimento global, além de terem uma forte suspeita das elites científicas que questionam as interpretações literais da Bíblia.

Uma vítima dessa descrença no conhecimento científico é a recusa em aceitar o fato notório de que a atividade humana é a causa principal do aquecimento global, o que favorece grupos econômicos importantes nos países produtores de combustíveis fósseis e, principalmente, empresas de petróleo e de carvão.

Existe, porém, um elemento novo que surgiu nesse debate, com o trabalho dos cientistas de grandes universidades americanas como Princeton, Universidade da Califórnia, e também de alguns pesquisadores brasileiros. Esses cientistas analisaram as causas da degradação ambiental, como certos tipos de tecnologias – comuns a todos os países industrializados, capitalistas ou comunistas – e o uso de combustíveis fósseis. E identificaram os verdadeiros vilões, os responsáveis pelos problemas.

Esses trabalhos tiveram o mérito de “despolitizar” o debate e abrir caminho para a adoção de tecnologias limpas, como o uso de energias renováveis. Exemplo de sucesso nessa área foi a melhora da qualidade do ar, da água e a disposição do lixo, cujas consequências positivas são visíveis a olho nu.

Contudo o aquecimento global é mais difícil de explicar, porque não é visível, seus impactos não são imediatos – somente se dão no longo prazo – e combatê-lo tem custos elevados. É por essa razão que é preciso, nesse caso, um esforço redobrado dos cientistas para evitar que o tema do aquecimento global seja novamente “politizado” e deixar muito claro que não é sensato adiar as medidas que poderão resolvê-lo.

*Professor emérito da USP, foi ministro do Meio Ambiente


Arnaldo Jordy: O desafio do clima

Os países membros da ONU estão na Alemanha neste momento para Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP 23). Em pauta, os crescentes aumentos de temperatura no mundo, o aumento do nível do mar e do número de tempestades, secas, inundações, furacões e outros desastres naturais que podem ser consequência do aquecimento global. Documento da Organização Meteorológica Mundial revela que a ocorrência de eventos climáticos extremos tem acompanhado a curva de crescimento das emissões de gases-estufa e o aumento da média da temperatura global.

Conter o aquecimento, no entanto, enfrenta outra barreira, que deverá ser um dos pontos centrais de discussões na COP 23, a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, por iniciativa do governo de Donald Trump, repetindo o que George W. Bush fizera com o Protocolo de Kyoto, e a consequente desidratação do fundo global de financiamento das ações contra o aquecimento, que é formado, proporcionalmente, pelas contribuições dos países que mais jogam dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, sobretudo EUA e China.

No Brasil, o desmatamento contribui para o cenário preocupante. Os números sobre a Amazônia divulgados em outubro mostram uma queda no ritmo da devastação, mas não escondem que a área desflorestada da região continua aumentando ano após ano, e indicam que ainda estamos muito distantes de cumprir as metas às quais o Brasil se propôs em redução do corte de árvores e da emissão de CO2 na atmosfera.

O Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – detectou 16% de queda na taxa de desmatamento na Amazônia no período entre 1º de agosto de 2016 a 31 de julho de 2017, em relação ao período anterior, após dois anos de aumento consecutivo. No Pará, a taxa de desmatamento da floresta caiu 19%.

Esses números, divulgados em meados de outubro, significam, entretanto, que somente no Pará, foram derrubados em um ano 2.413 quilômetros quadrados de floresta, equivalentes a 340 campos de futebol. Em todos os Estados da Amazônia, a área derrubada foi de 6.634 quilômetros quadrados de corte raso, ou quase 930 campos de futebol. No período anterior de doze meses, a floresta perdeu 7.893 quilômetros quadrados de vegetação. Esses números se repetem ano após ano, com variações para cima e para baixo, a ponto de hoje a área devastada na Amazônia já ser maior que os territórios de Alemanha e Portugal juntos. São mais de 750 mil quilômetros quadrados de devastação, segundo levantamento feito pelo IBGE, com aumento de 50% nos últimos 20 anos.

O ritmo da devastação é constante e apesar da queda ser uma boa notícia, ainda estamos longe de cumprir a meta estabelecida pelo governo federal em 2009, que é de limitar o desmatamento anual a 3,5 mil quilômetros quadrados em 2020, daqui a somente dois anos.

Em comunicado, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam – constata que o Brasil ainda não provou que é capaz de cumprir a sua parte no Acordo de Paris, que é o compromisso global pela redução das emissões de gases do efeito estufa. O Brasil emitiu, em 2017, mais de 330 milhões de toneladas de CO2 em decorrência do desmatamento.

Para combater o desmatamento, é fundamental valorizar e equipar órgãos como o Ibama para fiscalizar e combater a atividade ilegal, o desflorestamento criminoso e outras atividades que prejudicam a floresta, como a mineração clandestina. É preciso deixar claro que não queremos que a Amazônia deixe de produzir alimentos, nem tenha outras atividades produtivas, mas é totalmente possível desenvolver a agricultura e a pecuária, por exemplo, nas áreas que já estão desmatadas.

O Pará tem cerca de 23 milhões de hectares de áreas já alteradas pelo homem, das quais mais de 16 milhões são pastagens, algumas de baixíssima produtividade. Portanto, é possível aumentar a produção sem avançar sobre a floresta. De acordo com o Ipam, na Amazônia há quase 80 milhões de hectares já desmatados e destes, pelo menos, 15 milhões de hectares (3% do bioma) estão subutilizados ou abandonados e podem ser recuperados para a produção.

Também tem que haver incentivo a novos arranjos produtivos que deixem a floresta em pé, como programas de sequestro de carbono, serviços ambientais e outros, que precisam de recursos. Tudo é uma questão de aplicar planejamento, ciência e tecnologia em favor da produção e da preservação, já que as riquezas contidas na mata nativa hoje também são inestimáveis para o nosso futuro e a própria ciência. Basta usarmos esses recursos com sabedoria.

* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS do Pará e líder do partido na Câmara

 

Fonte: http://www.pps.org.br/2017/11/11/arnaldo-jordy-o-desafio-do-clima/


chaminés de indústrias soltando fumaça no espaço

José Eli da Veiga: Aquecimento global, a humanidade com prazo de validade

Publicado no Jornal da USP, em 09/02/2017

Nas colunas anteriores, o professor José Eli da Veiga abordou oito dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. Retomando o tema na primeira coluna deste ano, o professor fala sobre o sétimo dos ODS, que trata de energias renováveis.

Para o professor, o esforço feito até aqui para resolver o problema do aquecimento global está aquém do necessário. “É certeza que um dia a espécie humana se extinguirá, e há cenários que permitem vislumbrar uma aceleração. A primeira ameaça são os arsenais nucleares e a segunda é a elevação das temperaturas”, enfatiza.

aquecimento global
Relatório do Programa Apollo Global para combater a mudança climática mostrou que, desde 1980, despencou de 11% para 4% a participação do conjunto dos projetos energéticos no orçamento global de pesquisa – Foto: Andrey Armyagov/Nasa

Brasil ratifica o Acordo de Paris

Em cerimônia realizada no dia 12 de setembro, segunda-feira, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), o presidente Michel Temer oficializou a ratificação do Acordo de Paris pelo Brasil. Entre as autoridades governamentais presentes, o Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, e o Ministro das Relações Exteriores, José Serra, também falaram, além do Presidente.

O Observatório do Clima foi convidado a falar na cerimônia, em espaço cedido à sociedade civil no evento. Em sua intervenção, o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, reafirmou que a ratificação do Acordo é um primeiro e importante passo, mas é necessário transformar palavra em ação e mudar os rumos das políticas públicas brasileiras acerca da agenda do clima: “Trabalhar pela meta de um grau e meio significa tirar a mudança climática do escaninho das políticas ambientais e torná-la parte integrante do planejamento do desenvolvimento nacional”, afirmou. “O que nós vimos ao longo do tempo, porém, é que no Brasil o planejamento passa ao largo da questão do clima e frequentemente joga contra a emergência climática”. Isso não se justifica em um país com potencial imenso em redução de emissões com ganhos econômicos em florestas, agropecuária e energia.

Exemplos de políticas contraditórias com a agenda do clima, como o planejamento de novas termelétricas a carvão e a continuidade da aposta brasileira no petróleo, bem como a flexibilização do licenciamento ambiental, foram citados por Rittl, que apontou que, neste cenário, as metas brasileiras, a respeito do desmatamento, também são consideradas insuficientes: “Nossa meta hoje se conforma em zerar apenas o desmatamento ilegal, apenas na Amazônia, apenas em 2030. Não há justificativa econômica ou ética pra continuarmos a conviver com a tragédia da perda de nossa vegetação nativa”, defendeu.

Pelo lado do governo brasileiro, o Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, salientou o compromisso da gestão em assegurar uma economia de baixo carbono, reforçando a importância de tratar políticas ambientais como aliadas, e não entraves, do desenvolvimento econômico. “Caminhamos no rumo certo para colocar a produção e a geração de riqueza do mesmo lado do respeito ao meio-ambiente”, afirmou. O Ministro informou também que o primeiro ciclo de revisão da INDC brasileira, conjunto de metas específicas do país para cumprir os objetivos do Acordo, deve ocorrer em 2020.

Para o Observatório do Clima, o Brasil poderia já promover ajustes nas metas, por conta da publicação do 3º. Inventário Nacional de Gases de Efeito Estufa. E precisa indicar desde já que vai fazer mais e revisar seu grau de ambição em 2018. “As metas brasileiras foram importantes para sentar à mesa e negociar o Acordo de Paris. Mas para cumprir com o objetivo do Acordo, precisamos fazer muito mais”, acrescentou Rittl.

Na semana passada, o Observatório do Clima reportou com exclusividade que as emissões do Brasil para o Acordo de Paris poderiam ser ainda menores do que as calculadas pelo governo, de acordo com cálculo do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa). Se o governo corrigisse a INDC e cumprisse com as políticas prometidas, o Brasil poderia chegar a 2030 emitindo menos do que a estimativa oficial.

Matéria publicada no portal Observatório do Clima.


Fonte: cidadessustentaveis.org.br


Terra bate recorde de calor pelo 11º mês em agosto

Parece notícia velha, mas aconteceu de novo. E vai continuar acontecendo enquanto o mundo não conseguir conter suas emissões de gases de efeito estufa. Pelo 11º mês consecutivo, a Terra bateu recordes históricos de calor no mês de agosto, conforme divulgou na quarta-feira (14), a agência espacial americana (Nasa).

É o agosto mais quente dos últimos 136 anos, seguindo uma tendência que vem se repetindo mês a mês, ano a ano, como um sinal inequívoco do aquecimento global provocado por ações dos seres humanos.
Em relação ao período de base (valor da temperatura média entre 1951 e 1980) para agosto, a temperatura média da Terra no mês passado foi 0,98°C mais quente. Foi ainda 0,16°C mais alta que o agosto mais quente registrado até então, o de 2014.

Desde outubro de 2015 que a temperatura vem quebrando recordes sucessivos no monitoramento que começou a ser feito em 1880. Mantendo o ritmo pelos próximos meses, 2016 deverá ser o novo ano mais quente da história, superando 2015, que, por sua vez, bateu 2014.

"Ressaltamos que as tendências de longo prazo são as mais importantes para a compreensão das mudanças em curso que estão afetando nosso planeta", afirmou Gavin Schmidt, diretor do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Nasa.

São Paulo

E o calorão parece ter continuado pelo mês de setembro, ao menos se forem tomadas como exemplo as temperaturas registradas na capital paulista. Apesar de para esta quinta-feira (15), a previsão ser de clima ameno, a cidade vem passando por dias anormalmente quentes e secos.

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Gráfico mostra o aumento de temperatura em agosto durante anos

A madrugada de quarta-feira (14), foi a mais quente em São Paulo desde 20 de abril, com temperatura mínima de 21,9°C. O valor, apesar de não ser um recorde, supera em muito a média histórica de temperaturas mínimas na madrugada para o mês, que é de 14,8°C. A terça à tarde também já havia registrado as mais altas temperaturas desde o dia 18 de abril, com 32,4°C.

O calor vem acompanhado de secura. Na tarde de terça, a umidade relativa do ar foi muito baixa, em torno de 19% no começo da tarde. Valores nessa faixa vêm sendo registrados desde o fim de agosto.

A relações-públicas Solange Branco, 47, que sofre com rinite, conjuntivite e outras alergias, até de pele, conta que vem sofrendo muito nos últimos dias. Tanto que resolveu fugir para Rio na terça-feira. "Minha vida vira o caos no inverno. Tenho umidificador em casa e costumo controlar as alergias com homeopatia. Mas nesses dias secos, quando vem a crise, aí tenho de tomar anti-histamínico todos os dias."

De acordo com previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), nesta quinta-feira a temperatura cai (fica entre 14°C e 23°C) e a umidade sobe para até 95%.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

Matéria publicada no portal UOL.


Fonte: cidadessustentaveis.org.br