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Sérgio Amaral: O que fazer com a Apex?

O Brasil realiza uma cooperação técnica competente, mas é hora de pensar grande

A distribuição de diferentes agências responsáveis por comércio exterior no organograma administrativo do governo é quase sempre uma decisão difícil. Não se trata apenas da disputa corporativa por espaços e cargos, o que seria, dentro de certos limites, normal. Trata-se da necessidade de articular visões e interesses distintos, mas igualmente legítimos, no âmbito de um processo decisório que logre tirar o melhor proveito dos benefícios que o comércio exterior traz para produtores e consumidores, enfim, para o País.

O Ministério da Economia tende a privilegiar, no intercâmbio comercial, a contribuição para a eficiência da economia. O ministro do Comércio estará voltado para o potencial e as vulnerabilidades do setor produtivo. A diplomacia dirigirá o seu foco ao processo negociador e à remoção dos obstáculos para a exportação, e assim por diante.

Diferentes países já adotaram as mais diversas estruturas, quase sempre colegiadas, para a coordenação do comércio internacional. O Canadá inseriu as diferentes agências no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Poucos anos depois, no entanto, recriou a Secretaria de Comércio. A Grã-Bretanha reúne a maioria das funções numa agência de comércio que responde ao mesmo tempo aos Ministérios do Comércio e dos Assuntos Estrangeiros. A França reforçou recentemente a Ubifrance como órgão central para a promoção das exportações e atração de investimentos.

A China, por sua vez, favorece a centralização do comércio e dos investimentos no exterior num ponto focal, que articula os formuladores de política e negociadores com os dirigentes de empresas. Assegura assim uma visão de conjunto, como se tivesse o painel de bordo do piloto de um avião, que lhe permite monitorar as principais variáveis do intercâmbio econômico com o exterior.

A experiência mostra, assim, que não existe a priori um modelo único ou ideal, mas é preciso contar com um ou mais órgãos colegiados com a capacidade de fixar políticas e de articular as diferentes iniciativas que compõem a promoção das exportações e a atração de investimentos.

Tive a oportunidade de participar do desenho e da criação da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e fui mais tarde o seu presidente. Criada em 1995, a Camex tinha o objetivo de coordenar os ministérios envolvidos no comércio internacional.

Em 2001, como ministro da Indústria e do Comércio, autorizei a transferência de uma fatia dos recursos do Sebrae para a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), com a finalidade de preparar e apoiar as empresas, sobretudo as médias e pequenas, para a exportação. Sua criação, portanto, visou uma efetiva parceria entre o governo e o setor privado, que, por sinal, participa do rateio dos custos relativos à maioria das operações, sobretudo no exterior. Daí por que a composição de suas instância dirigentes deve associar ou alternar representantes dos setores público e privado.

Ao longo de mais de uma década, a Apex logrou resultados expressivos. O primeiro deles foi o de superar progressivamente as redundâncias que se manifestavam entre suas operações no exterior e os setores de promoção comercial de quase uma centena de consulados e embaixadas. O processo de fusão institucional em curso trará importantes sinergias para fortalecer uma complementaridade natural. A Apex tem certamente mais entrosamento e capilaridade com as empresas no Brasil; o Itamaraty, por sua vez, oferece o apoio local de sua ampla rede no exterior, assegurando assim a continuidade das ações e a familiaridade com o mercado local.

O centro de inteligência da Apex recrutou por concurso e treinou um contingente de profissionais qualificados, que desenvolveram novas metodologias para identificar oportunidades e barreiras à exportação para os principais mercados, que levam em conta não apenas a estrutura tarifária, mas igualmente toda uma panóplia de barreiras técnicas e licenças de caráter protecionista.

Alguns poderiam alegar que os recursos destinados à Apex são elevados ou mesmo excessivos. Podem até ser, se as funções da Apex e do setor de promoção comercial do Itamaraty, ora em processo de fusão, continuarem a concentrar-se nas rotinas de um tempo que já passou. Mas as dotações da Apex seriam inteiramente justificadas para atender a uma visão mais ampla e moderna da promoção econômica do Brasil no exterior, que venha a incluir igualmente a cooperação técnica e a promoção da imagem do Brasil no exterior, como já foi esboçado, mas não concretizado.

O Brasil realiza, há varias décadas, uma cooperação técnica reconhecidamente competente. Muitas vezes, no entanto, parece mais voltada para cultuar as heranças do passado do que para construir as pontes para o futuro. Poucos talvez se deem conta de que a cooperação técnica é, e deve ser, a porta de entrada para a exportação de produtos e serviços, tecnologias e equipamentos. Um importante líder africano comentou certa vez em São Paulo que a África não precisa de compaixão, mas de investimentos, sobretudo no ramos do agronegócio, em que o Brasil desenvolveu uma tecnologia própria para as culturas de zona tropical.

Outro fator relevante é a adequada e continuada promoção da imagem do Brasil. De um país de oportunidades, de produtos de qualidade, com agregação de valor. De tecnologias e serviços apropriados para países em desenvolvimento. Vale lembrar, também, a promoção do turismo, que tecnicamente é a prestação de um serviço, que é feito no Brasil, e não no exterior.

É hora de pensar grande e ter ambições maiores. A sociedade brasileira já demonstrou a determinação de pôr a casa em ordem. Resta ajustar sua inserção internacional às demandas e oportunidades de um mundo global, em profundas transformações.

*EMBAIXADOR EM WASHINGTON, FOI MINISTRO DA INDÚSTRIA E DO COMÉRCIO EXTERIOR


O Globo: Presidente da Apex pede demissão e é primeira baixa do governo Bolsonaro

Estatuto de agência teria que ser mudado, porque Alecxandro Carreiro não é fluente em inglês e não tem experiência em comércio exterior

Por Gabriela Valente e Eliane Oliveira, de O Globo

BRASÍLIA — O governo Jair Bolsonaro teve a sua primeira baixa. O presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), Alecxandro Pinho Carreiro, não resistiu à pressão e pediu demissão do cargo com uma semana de trabalho. Para que ele ficasse à frente da entidade, o estatuto da agência teria de ser alterado porque o publicitário não é fluente em inglês e não tem experiência no setor público na área de comércio exterior. Destacava no currículo estampado na página da Apex apenas uma passagem pelo Sebrae, onde era estagiário há menos de uma década.

Carreiro passou o dia em reuniões para decidir quais respostas daria em relação ao seu currículo. No fim da tarde, se reuniu com o ministro das Relações Exterior, Ernesto Araújo, para quem se reporta na hierarquia do governo. No Twitter, o chanceler comunicou que ele deixaria o cargo e anunciou a indicação do embaixador Mário Vilalva para o cargo.

“O Sr. Alex Carreiro pediu-me o encerramento de suas funções como Presidente da Apex. Agradeço sua importante contribuição na transição e no início do governo. Levei ao presidente Bolsonaro o nome do embaixador Mario Vilalva, com ampla experiência em promoção de exportações, para presidente da Apex”, escreveu o chanceler.

Após ter trabalhado no Sebrae, foi integrante da equipe de marketing da Caixa Econômica Federal. Trabalhou no núcleo de mídia da Caixa. Menos de uma década depois, assume o comando da Apex. Ele era próximo do filho do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro.

O resumo do currículo de Carreiro, que está no site da agência, diz que ele é pós-graduado em gestão pública e que desempenhou funções de “alto nível em diversos órgãos da administração pública”. Na Secretaria Nacional de Portos, teria sido o responsável pela articulação ministerial. Anteriormente, teria atuado junto ao Sebrae Nacional em programas de empreendedorismo. O site diz ainda que ele trabalhou com consultoria estratégica, tanto no Legislativo, quanto no Executivo. No entanto não fala em trabalhos na área de comércio exterior.

Procurada, a Apex não se manifestou. Carreiro também foi procurado, mas não se pronunciou. A agência passou por uma reformulação no governo Michel Temer. Ela saiu da alçada do comércio exterior e passou a se reportar ao Itamaraty para usar as estruturas das embaixadas para promover as empresas nacionais.

A empresária Letícia Catel, apoiadora do então candidato Jair Bolsonaro durante a campanha, também foi indicada para assumir a diretoria de negócios da Apex. Embora seu nome ainda não tenha sido publicado no Diário Oficial, Letícia - que é do ramo industrial e especialista em comércio exterior - esteve ontem na agência, onde participou de reuniões.

Letícia trabalhou na equipe de transição. Fez assessoria para o então futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Junto com ela, foi indicado para a Apex, para assumir a diretoria de gestão, o estrategista político Marcos Coimbra.


Aloysio Nunes Ferreira: A Apex no Itamaraty

Vincular agência às Relações Exteriores foi acerto

Estive nos últimos dias à frente da delegação brasileira na Feira de Importações de Xangai, com os ministros Marcos Jorge de Lima (Indústria, Comércio Exterior e Serviços) e Blairo Maggi (Agricultura), o embaixador Roberto Jaguaribe e representantes de aproximadamente 90 empresas brasileiras.

Pude confirmar, uma vez mais, o acerto de uma das primeiras decisões do presidente Temer na área externa: a incorporação da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) ao Ministério das Relações Exteriores.

O Brasil fez bonito em Xangai porque os técnicos da Apex e os diplomatas exerceram suas atribuições em estreita coordenação. Enquanto a agência mobilizou --com o apoio do Mdic (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e Fiesp-- empresas competitivas nas áreas de alimentos e bebidas, serviços, bens de consumo e equipamentos médicos, a diplomacia viu a relação madura construída com a China refletida no usufruto pelo Brasil da condição de país homenageado na Feira.

Nossos empresários contaram com espaço diferenciado para promover seus produtos e serviços em um mercado consumidor cujo valor no próximo quinquênio é estimado em US$ 10 trilhões, para não mencionar o potencial para captação de investimento e ingresso em cadeias globais de valor.

Antes de 2016 tal coordenação não existia. Era corrente a duplicação de iniciativas e custos. Não foram poucas as vezes em que a Apex e o Itamaraty montaram estandes distintos em feiras internacionais.

A Apex chegou a estabelecer escritórios em dez países onde as embaixadas brasileiras já dispunham de setores de promoção comercial ativos e bem aparelhados.

Hoje não se bate mais cabeça. A Apex aproxima o tecido produtivo nacional do serviço de identificação de importadores e de mapeamento de oportunidades de comércio e investimentos realizado pelos 114 Secoms (Setores de Promoção Comercial) espalhados pelo mundo.

Seminários, participação em feiras, rodadas de negócios e inteligência comercial são desenvolvidos a quatro mãos, o que não teria sido possível sem que a Apex e a rede de Secoms estivessem sob a mesma instância de coordenação, que busca atender ao conjunto da economia brasileira --desde o agronegócio e a indústria até o setor de serviços, das pequenas e médias até as grandes empresas.

Os resultados falam por si sós. Em 2017, a agência coordenou com os Secoms mais de 160 ações em 41 países. Em 2018, até setembro, foram 193 iniciativas em 64 países. Nesses dois anos de trabalho conjunto, mais de 16 mil empresas receberam apoio para atuação em 227 mercados, sendo quase 5.000 exportadoras.

O valor das vendas por elas realizadas somou mais de US$ 115 bilhões. Na área de investimentos, 38 projetos foram incentivados, o que representou US$ 3,4 bilhões em aporte direto de capital.

Afirmo sem inibição que parte do mérito pela notável recuperação do comércio exterior e pelo elevado índice de investimentos estrangeiros é da Apex no Itamaraty.

Isso coincide com uma acentuada redução do custo Brasil --reconhecido há pouco em relatório do Banco Mundial-- e com um empenho sem precedentes de negociação de acordos comerciais a partir de um Mercosul reconstruído.

Avançamos muito nas tratativas com a União Europeia, iniciamos negociações com o Canadá, a Coreia do Sul, Singapura e a EFTA (Associação Europeia de Livre-Comércio), e articulamos uma ambiciosa aproximação com a Aliança do Pacífico.

São espaços que se abrem para um país dotado de um arcabouço institucional bem mais racional e eficaz para a promoção de exportações, captação de investimentos e internacionalização de suas empresas.

*Aloysio Nunes Ferreira, ministro das Relações Exteriores e senador licenciado (PSDB-SP)