Antônio Fausto

Antônio Fausto: Gorbachev e a democracia

 Há trinta anos era extinta a URSS e caía seu presidente, Mikhail Gorbachev, qualificado estadista soviético, que iniciou uma era de mudança reformadora, a partir de 1985. Precedida por quase setenta anos, desde a Primeira Guerra Mundial e tomada do poder por via revolucionária, uma guerra civil devastadora, intervenção estrangeira, desordem econômica, desemprego e fome. Uma ditadura pessoal   de trinta anos, implacável e facinorosa, que militarizou a vida social e criminalizou a atividade política.

Na década de vinte, a Nova Política Econômica-NEP foi uma oportunidade perdida de recuperação, com a introdução de mecanismos de mercado. A par da construção forçada de uma grande economia industrial capaz de enfrentar a invasão nazista e de ganhar a guerra contra a Alemanha, ao lado das potências ocidentais.

A sucessão de Stálin, após 1953, dividiu o círculo próximo do ditador e teve um desfecho sangrento, com a execução do chefe da polícia, famoso por sua crueldade e ambição de poder.

 O novo governo, liderado por Nikita Kruschev, antigo comissário político do Exército, em Stalingrado, teve o mérito histórico da denúncia dos crimes e do culto à personalidade do ditador, de uma anistia parcial de presos e perseguidos políticos e de outras medidas liberalizantes do regime.

Abrandamento dos “gulagui” (campos de prisioneiros e trabalho forçado) e da censura da imprensa, da literatura e das artes. Escritores até então perseguidos, puderam publicar seus livros. Kruschev lançou a política de coexistência pacífica com os antigos aliados da Segunda Guerra Mundial e conteve os impulsos belicistas e autoritários do Maoismo, na China.

Mísseis em Cuba
Seu maior erro político, no campo internacional, foi a colocação de mísseis em Cuba, que por pouco não levou a uma guerra nuclear com os Estados Unidos, implicando em queda do governo e restauração mitigada da Nomenclatura, a casta dirigente da URSS, desde os tempos de Stálin, a cujos integrantes o povo chamava, sarcasticamente, de “magnatas”. O governo Kruschev foi a primeira tentativa, embora malograda, de reforma democrática e modernização do sistema soviético.

Atraso e dependência de importações na Agricultura, baixa produtividade   da Indústria e dos Serviços, ganhos imerecidos e burocracia, conjugados ao retorno do autoritarismo e da censura, repressão de dissidentes, estendidos aos países do Leste europeu, com intervenções militares na Hungria, Tchecoslováquia, Polônia e até mesmo no Afeganistão. Construção do Muro de Berlim. Foi o chamado período de estagnação, que levou inquietação às elites dirigentes internas e divisão do movimento socialista e democrático internacional.

O historiador I. Afanassiev escreveu: “Nosso sistema gerou uma categoria de indivíduos sustentados pela sociedade, mais interessados em receber do que dar. Consequência de uma política de igualitarismo que invadiu totalmente a sociedade soviética. O Homo soviéticos é ao mesmo tempo lastro e freio. De um lado se opõe à reforma, por outro, constitui a base de apoio para o sistema existente”. Nesse aspecto, muito parecido com as corporações do serviço público brasileiro.

Gorbachev
Em meio às perdas na competição com o Ocidente, assume o governo e a liderança política da URSS, Mikhail Gorbachev, que passou a representar os anseios reformistas de parcela significativa da Sociedade e dos próprios grupos dirigentes. Pela primeira vez, em sete décadas de sistema soviético, é colocada a questão da legalidade, do Estado de direito e da construção socialista com democracia, racionalidade econômica, sem o igualitarismo improdutivo vigente até então.

Segue-se ampla anistia, com extensão póstuma, o desmantelamento dos “gulagui”, abolição da censura aos meios de comunicação e uma reforma constitucional democratizante e modernizadora.

Na Economia e Administração Pública, a Perestroika (reestruturação), a busca da produtividade e eficiência aproximadas do capitalismo desenvolvido. Mecanismos de mercado, redução gradual do planejamento centralizado e dos subsídios fiscais e monetários.

Suspensão do financiamento e da tutela política das chamadas democracias populares do Leste europeu, da Alemanha Oriental e de Cuba. Retirada de tropas do Afeganistão e demais países.

A tentativa de golpe militar da ala conservadora da Nomenclatura, a debandada das repúblicas soviéticas e outros eventos políticos levaram à queda de Gorbachev e à dissolução da URSS. Mas a contribuição de seu governo ao socialismo com democracia, legalidade e racionalidade econômica lhe confere um protagonismo histórico vitorioso ante o futuro da luta dos trabalhadores e demais classes avançadas por liberdades políticas, justiça social, paz e cooperação entre os povos e defesa do meio-ambiente.

*Antonio Fausto é administrador