análise

Terceira via para as eleições 2022 tende a ser dominada por ex-bolsonaristas

A vaga aberta no segundo turno estará no campo da direita, não da esquerda

João Villaverde* / O Estado de S.Paulo

Há apenas uma vaga disponível no segundo turno das eleições presidenciais. E ela não está aberta para a esquerda. É importante ter isso claro quando o assunto é “terceira via em 2022”. O ex-presidente Lula estará lá: o PT terminou todas as eleições desde 1989 em primeiro ou segundo lugar.

Dado que o contingente de 35-38% do eleitorado simpático a Lula dificilmente mudará de opinião até outubro, a disputa se dará principalmente sobre os eleitores que já se desgarraram de Bolsonaro e aqueles que ainda podem abandoná-lo. Esse universo não costuma votar na esquerda, mas na direita. 

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Em lento derretimento popular, Bolsonaro se aproxima dos 20%. Quando a campanha adensar e diversos candidatos lembrarem o eleitorado da flagrante sabotagem da vacinação, as diversas crises institucionais por Bolsonaro provocadas e a inflação descontrolada, é razoável esperar perda adicional de votos. 

Ex-ministros de Bolsonaro, como Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta, trazem apelo a esse eleitorado (a “direita ex-bolsonarista”). Aceitaram trabalhar para Bolsonaro e romperam por razões distintas, mas seguem no mesmo campo.

Moro, que larga à frente nesse grupo, acredita que 2022 será uma repetição dos “símbolos” de 2018. Se ele estiver certo, bastará dobrar a aposta em sua canção de uma nota só (“corrupção, corrupção, corrupção”) e agregar os indefectíveis clichês eleitorais (“queremos educação de qualidade” etc).

No PSDB, a disputa inevitavelmente se dará contra Moro e Bolsonaro pela vaga final no segundo turno. O governador João Doria (SP), fez uma campanha abertamente bolsonarista em 2018. Desde então se distanciou, e seu esforço pela vacina é um trunfo eleitoral.

Já o governador Eduardo Leite (RS) foi menos bolsonarista, mas também correu nesta raia em 2018. Ao contrário das promessas não cumpridas de Paulo Guedes, Leite aprovou reformas previdenciária e administrativa, além de privatizações.

Ciro Gomes foi o primeiro a perceber que a vaga aberta no 2.º turno estará no campo da direita, não da esquerda. Por isso, calibrou sua campanha para a centro direita, mas é difícil imaginar que isso baste para convencer o eleitorado mais conservador. Resta ainda Simone Tebet, correndo por fora no MDB. 

*PROFESSOR E DOUTORANDO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO NA FGV-SP

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,terceira-via-para-2022-tende-a-ser-de-ex-bolsonaristas-leia-analise,70003909003


Um futuro na sombra: democracias na era digital

A transparência na era digital não é prioridade para os governos latino-americanos

fabrizzio Scrollini / El País

As promessas de reformas estruturais em prol da transparência que vários países latino-americanos —inclusive o Brasil— fizeram em fóruns internacionais parecem ter ficado muito longe. Em 2012, exercendo uma clara liderança internacional, o Brasil cofundou a Open Government Partnership—um grupo de Governos e organizações sociais dedicados a promover uma maior transparência. O Brasil prometeu uma série de reformas significativas e inovadoras na área de transparência e combate à corrupção. Entre suas primeiras conquistas está a aprovação de uma lei de acesso à informação pública e de uma política de dados abertos, permitindo a qualquer pessoa solicitar informações ao Estado e exigindo publicar informações fundamentais sobre sua gestão. A implementação deixou muito a desejar, mas nos últimos tempos contou com a oposição expressa do presidente do Brasil, que chegou a demitir funcionários por defenderem a veracidade dos dados sobre o desmatamento na floresta amazônica. O Brasil não está sozinho. No México, o presidente tem afirmado sistematicamente que não vê a necessidade de um órgão dedicado à promoção da transparência, sendo considerado caro e ineficiente. Em El Salvador, o Governo tem procurado limitar a lei de acesso como no Uruguai. A América Latina é uma região diversa, e nem todas as situações são comparáveis. Mesmo assim, as evidências do último Barômetro de Dados Abertos indicam que a transparência na era digital está, na melhor das hipóteses, pausada e, em muitos casos, diminuindo.

A situação da transparência nas sociedades latino-americanas apresenta vários desafios. Um primeiro aspecto básico é defender a relação íntima entre transparência e democracia. A democracia —por definição— implica o controle pelos cidadãos da execução dos recursos públicos, bem como limites ao poder do Estado. Graças à disponibilidade de dados, Ojo Público —meio digital no Peru— conseguiu criar um algoritmo para monitorar o risco de corrupção em mais de 200.000 contratos. No México, Poder e Serendipia monitoram os gastos do Governo na pandemia. No Paraguai, um simpático bot feito pela CED, uma empresa, tuíta sempre que vê uma irregularidade em um contrato. E no Brasil, a Fundação para o Conhecimento Aberto (uma ONG) monitora os gastos dos congressistas de forma automática. Esses tipos de projetos —criatividade, dados e tecnologia digital intermediários— aumentam a capacidade dos cidadãos de controlar o poder, e têm o potencial de gerar debates informados em nossas democracias. Em qualquer caso, Governos, empresas e mídia devem fazer um trabalho melhor no combate à desinformação. Os dados abertos são uma condição necessária, mas não suficiente, para democracias fortes na era digital.

Um segundo problema são as condições de desigualdade estrutural e complexidade social na América Latina. Os dados disponíveis não representam necessariamente a totalidade da sociedade nem tornam visíveis todos os problemas, como é o caso notório da violência de gênero. Na América Latina ainda é difícil saber a quantidade de feminicídios que ocorrem, e esta é apenas a ponta do iceberg desse fenômeno. A sub-representação em nossos dados de grupos indígenas, afro e outros grupos marginalizados significa que muitas vezes as decisões são tomadas às cegas. Por outro lado, a sua identificação em alguns casos, como o de pessoas LGTBQIA+, os coloca em claro risco de discriminação. É hora de levar a geração de dados mais a sério, quem você inclui e quem você exclui. E levar em consideração as consequências políticas dessas decisões.

Por fim, existe um desafio maior que requer a compreensão da complexidade para as democracias na era digital. Por um lado, a abertura de dados permite a criação de valor público, econômico e social. Mas nem todos os dados podem ser abertos e, à medida que a lacuna no acesso à internet diminui, uma geração inteira entra na era digital com seus direitos desprotegidos. A maioria dos países da América Latina não possui legislação adequada para proteger os dados das pessoas. As empresas —principalmente com sede no norte do mundo— coletam uma grande quantidade de dados e valores originários da região, sem que parte desse valor retorne para eles. A segurança dos dados de indivíduos, Governos e empresas ainda é um grande problema, abordada geralmente de uma perspectiva muito técnica. Muitos de nós investigamos novas maneiras de medir a aparência da governança democrática de dados no século 21. Esses desafios abrem uma oportunidade para que as democracias se reorganizem a partir de uma nova agenda baseada na geração de direitos, acordos institucionais e formas de participação cidadã. Um pacto renovado que considera novos desafios e aproveita a desestruturação social em benefício da maioria das pessoas. Em qualquer cenário futuro, a transparência deve continuar sendo uma marca registrada das democracias e daqueles que a defendem em tempos de incerteza.

Fabrizio Scrollini é diretor executivo da Iniciativa Latinoamericana por los Datos Abiertos (ILDA).

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-13/um-futuro-na-sombra-democracias-na-era-digital.html


Edição temática de revista da FAP reúne análises sobre papel dos municípios na segurança pública

Edição da Política Democrática impressa reúne sete análises aprofundadas sobre o tema

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O papel dos municípios na segurança pública é o tema da 56ª edição da revista Política Democrática impressa (140 páginas), produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada e Brasília e vinculada ao Cidadania. A publicação ainda não está disponível para venda na internet, somente para doação e empréstimo gratuito na Biblioteca Salomão Malina, mantida pela FAP, no Conic, em Brasília.

Em função das regras impostas pelo Decreto nº 41.841 de 26 de fevereiro de 2021, publicado no DODF pelo Governo do Distrito Federal (GDF), que determinou a suspensão de atividades não essenciais por conta do combate à pandemia do novo coronavírus, a biblioteca se encontra fechada por tempo indeterminado, devendo retornar ao seu funcionamento normal assim que for autorizada pelo GDF.

Análises

A edição reúne sete análises aprofundadas sobre segurança pública, produzidas por 12 renomados especialistas na área. O intuito, de acordo com a fundação, é mostrar as principais vertentes e a complexidade do tema para orientar gestores a traçarem políticas públicas do setor em suas cidades, além de levantar o debate com todos os interessados no assunto.

A seguir, veja a relação de artigos e seus respectivos autores:


  • O papel dos municípios na segurança pública: um debate ainda urgente (Haydée Caruso e Carolina Ricardo);
  • Os municípios e o financiamento da segurança pública no Brasil (Ursula Dias Peres, Samira Bueno e Gabriel Marques Tonelli);
  • A Política de Segurança Pública no Município de Betim (MG), no biênio 2015-2016, relato de uma experiência pessoal (Luis Flávio Sapori);
  • Bases teóricas e práticas da Política Municipal de Segurança Cidadã de Canoas-RS (2009 a 2012) (Eduardo Pazinato);
  • As guardas na gestão da segurança pública municipal (Ana Paula Miranda);
  • Cultura policial e guardas municipais: um modelo de análise (Almir de Oliveira Junior e Joana Domingues Vargas);
  • A Senasp e os municípios: o papel da participação social e das guardas municipais na segurança pública (Almir de Oliveira Junior e Joana Luiza Oliveira Alencar)


Além das guardas

De acordo com o diretor do ICS-UnB (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília) e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Arthur Trindade Costa, “o papel dos municípios na segurança púbica não se resume à existência das guardas municipais”.

Costa, que também é coordenador de Núcleo de Estudos sobre Segurança Pública e assina a apresentação da revista, alguns municípios desenvolvem políticas sociais de prevenção de violências. “Em alguns lugares, estas políticas foram relativamente bem-sucedidas, como Canoas (RS), Diadema (SP) e Lauro de Freitas (BA)”, afirma.

Independentemente da forma como os municípios têm atuado na segurança pública, segundo o especialista, a participação deles se dá num contexto de inexistência de um marco regulatório que defina claramente as atribuições e prerrogativas dos entes federados.

Desarticulação

“O resultado disso é uma atuação descoordenada e desarticulada entre municípios, estados e União”, critica Costa, ressaltando que um dos fenômenos mais marcantes das últimas décadas foi o aumento da participação dos municípios na segurança pública.

Entre 2000 e 2015, de acordo com Costa, houve crescimento de 327% no total de gastos com segurança pública, que saltaram de cerca de R$ 1,1 bilhão para R$ 4,5 bilhões. “Entretanto, a participação municipal varia significativamente, de acordo com o estado”, analisa.

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RPD || André Amado: Há espaço para a criatividade

André Amado nos mostra, em seu artigo para a Revista Política Democrática, como os escritores discordam entre si quando atuam como críticos literários

A exemplo dos economistas e políticos, os críticos literários – ou, pior, os escritores que se debruçam sobre as obras de seus colegas – raramente concordam entre si. A maior evidência disso é a discussão entre a imaginação e a realidade como fonte alternativa da criação.   

Julio Cortázar afirma nunca ter escrito conto ou romance que se pudessem considerar exclusiva e totalmente realistas, porque, mesmo que assim fosse, o tema teria nascido da fantasia dele, inventado por ele. De sua parte, Julio Ramón Ribeyro iria mais longe e reconheceria que, ao descobrir a razão, se sentiu como um louco, pois foi quando abandonou os delírios e as fantasmagorias da imaginação, tornando a realidade insuportável. Não é outra a interpretação de Rosa Montero que elabora para a morte de Dom Quixote. Segundo ela, quando o fidalgo enfermo vislumbrou a luz da razão, isto é, raciocinou e concluiu que teria de renunciar à imaginação transbordante que o acompanhara toda a vida até então, preferiu morrer.   

Stephen King exploraria outro ângulo, mas na mesma linha. Comentaria que John Grisham escrevera sobre a Máfia, mas nunca trabalhou para ela, tudo não passando de pura invenção, na verdade o maior deleite do escritor de ficção. Vargas Llosa sofisticaria o debate ao identificar como o aspecto fundamental do método de Flaubert o roubo consciente da realidade real pela construção da realidade fictícia. E Jorge Luiz Borges encerraria este capítulo da discussão, com a sentença de que, em literatura, a realidade é o imaginado, na mesma toada, aliás, de Haruchi Murakami, que defenderia não ser o visível a única realidade.   

Mas, se, de um lado, Ernest Hemingway viria em apoio dos escritores acima citados, oferecendo a confissão de que inventara inventado cada palavra, cada incidente, de Adeus às armas e 95% de O sol também de levanta, Garcia Márquez, de outro, muito se divertia quando lhe dirigiam elogios por sua imaginação, porque, segundo o escritor colombiano, linha alguma de sua obra jamais deixou de basear-se na realidade.

Contemporizam esse confronto entre defensores da imaginação e do realismo aqueles que atribuíam ao escritor uma espécie de mediunidade. Rosa Montero chegou a afirmar que somos muitos dentro de nós, aforismo que P. D. James traduziria como a sensação de que os personagens e tudo que acontece com eles existem em algum limbo da imaginação, não cabendo, portanto, tentar inventá-los; antes, entrar em contato com eles e registrar sua história em preto e branco, um processo de revelação, não de criação.   

Stephen King terminaria, também, compartilhando à sua maneira desse ponto de vista. Para ele, não existe um Depósito de Ideias, uma Central de Histórias, uma ilha de Best-Sellers Enterrados. As boas histórias, segundo King, parecem vir quase literalmente de lugar nenhum, navegando até o escritor do vazio do céu, ideias, que, até então, podiam ser até dissonantes, mas que se juntavam e viravam algo sob o sol, faltando apenas não encontrar essas ideias, mas reconhecê-las quando aparecessem.   

Henry James simplifica a questão: a realidade já existe de antemão na consciência do criador, e Murakami poetiza: escondidas em uma tela branca, congelam-se várias possibilidades à espera daquele momento em que a mão e o talento do pintor haverão de reunir a existência e a não-existência. O nobelista espanhol acreditava que os livros se escrevem às vezes sozinhos, antes mesmo de serem escritos e até depois de receberem o ponto final. Como poeta, Mario Quintana poupa argumentos e considera que o verdadeiro criador se limita a mostrar tudo aquilo que os outros olhavam sem ver. E Michelangelo, embalado pela modéstia típica dos gênios, desmistifica: não faço esculturas, apenas retiro o excesso de pedras.   

Ah se os economistas e os políticos discordassem e convergissem com tamanha criatividade!   

*André Amado é embaixador aposentado e diretor da revista Política Democrática Online


RPD || André Amado: Os grandes escritores e o término de suas obras

André Amado analisa, como os grandes autores garantem, por meio da técnica literária, o interesse do leitor até o fim das tramas de suas histórias

Se dependesse de consenso, obra alguma dos grandes escritores terminaria. Vejam só.

Com a autoridade de ter sido o autor de A Room With A View (1908) e Howards End (1910) e reconhecido como o decano dos críticos literários, E. M. Foster estimava que as histórias devessem ter começo, meio e fim. Ilustrava com As Mil e Uma Noites, em que a narrativa seguia a cronologia de o jantar vir depois do almoço; a terça, depois da segunda; e a decadência, depois da morte.

Henry James (1843-1916) chamava o último capítulo de um livro de wind-up (arredondamento), quando se distribuíam prêmios, pensões, maridos, esposas, filhos, milhões, parágrafos acrescentados e comentários alegres. Já Italo Calvino (1923-85) dribla a ironia de James e distingue tipos diferentes de término das narrativas: quando o herói supera as adversidades, morre ou amadurece; e, no caso dos romances policiais, quando se descobre o culpado. De maneira geral, para Calvino, o final de um romance deveria ocorrer sempre que contribuísse para evitar a repetição, na mesma linha do que dissera Jane Austen (1775-1817): o romancista não tem como ocultar o momento em que a história acaba.

Outros escritores seriam até mais contundentes. Atribui-se a Flaubert (1821-80), por exemplo, a sentença de que é burrice querer concluir uma história. Para Ricardo Piglia (1941-2017), sem finitude não há verdade, declaração quase idêntica à de Stephen Koch (1968-): se não houver final, não há história. Carlos Mastronardi (1901-76) arrematou: Não temos uma linguagem para os finais; talvez uma linguagem para os finais exija a total abolição das linguagens.

Alberto Manguel (1948-) acrescenta um complicador. Resgata a Divina Comédia para revelar o truque de Dante – o propósito da peregrinação é contar as aventuras. Vale dizer, a narrativa da viagem consiste em situar no final o começo. É o que também pensa Allan Poe. Em “Assassinatos na Rua Morgue” (1841), o desfecho da história determina a ordem e a causalidade dos eventos narrados no começo. Trata-se da técnica do closure (fechamento), pela qual o escritor se fixa no desfecho e constrói a narrativa de trás para frente, buscando, assim, assegurar-se do controle completo do desenvolvimento da trama e da santidade do mistério, que só poderá ser revelado no último momento, tornando-se quase um personagem invisível da trama.

Tudo bem. Enfim, o consenso parece formar-se: a retenção do segredo da história garante o interesse do leitor. Melhor técnica para o fechamento da obra, impossível. Só que Patricia Merivale e Susan Sweeny (1999) exploraram outras opções que batizaram de história metafísica de detetives, segundo a qual o objetivo da investigação não seria mais encontrar uma resposta clara para o enigma perfeito dado a priori, mas decifrar o sentido do próprio texto. Em “La Muerte y La Brújula”, Jorge Luiz Borges reforçaria a transgressão: desafia a estrutura da narrativa fechada, ao não resolver os mistérios e a suscitar outros mistérios igualmente impenetráveis.

Garcia-Roza (1936-2020) admirava Allan Poe e Borges e, por isso, convidou ambos para enriquecer sua visão da literatura. De um lado, recusou que o autor pudesse sozinho desfazer as intrigas e decodificar a trama das histórias. Para ele, existiriam tantos autores de uma obra quanto leitores. Daí não ser mais possível uma única interpretação. Ao leitor, a tarefa, portanto, de produzir sua própria interpretação. De outro, Garcia-Roza citava Poe (A essência de todo crime permanece oculta, “O homem da Multidão”, 1940) para ressaltar o conceito de inescrutabilidade, significante que não permitia simplificação. Em uma palavra, mistérios podem ser explicados, mas a interpretação de um enigma requer nova interpretação e, assim, sucessivamente, sem fim. Não há, pois, solução para o enigma. Nunca.

Como todo escritor de gênio, Ian McEwan não chega a celebrar o consenso sobre o término de uma obra, mas, de alguma maneira, nos explica porque a alternativa é até mais convincente. Em Atonement (2001), Briony demora a vida toda para entender que não tem como chegar a final algum para a história que está contando, o que, por sua vez, acaba afetando a própria forma final da obra que o leitor tem em mãos, na qual ele tampouco encontra um fim satisfatório, bem fechado, como aqueles das histórias fabulosas em que a Briony acreditava tão piamente, quando criança (Tatiana Souza, tese de doutorado apresentada à Universidade Estadual da Paraíba).

Podem-se encerrar as provocações reunidas neste artigo com a reflexão de Leyla Perrone-Moisés, segundo a qual um livro sobre a literatura contemporânea não pode ter conclusão, porque o contemporâneo é o inacabado, o inconcluso. Pode-se, ainda, recorrer ao bruxo do Cosme Velho e reviver o final inesquecível de Memórias Póstumas: Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.

*André Amado é embaixador aposentado e diretor da revista Política Democrática On-line


Murillo de Aragão: ‘O maior rival do presidente é o governo dele’

Paula Bonelli, do Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro não saiu enfraquecido do último pleito com a derrota dos candidatos que apoiou – discretamente – como Celso Russomanno, em São Paulo, e Marcelo Crivella, no Rio. A opinião é de Murillo de Aragão, mestre em Ciência Política e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Leciona ainda na Columbia University como professor adjunto, em Nova York. “Nesta eleição muita gente correu pra dizer que o Bolsonaro perdeu. Acho que houve exagero em relação a isso”, diz o cientista político.

No seu ver, há outro termômetro político para se fazer este tipo de avaliação: partidos do “centrão bolsonarista”, como Republicanos, PP e PSD, tiveram bom desempenho na conquista de prefeituras. “Hoje, o maior rival do presidente é o próprio governo dele. Se Bolsonaro organizar direitinho, é o grande favorito para ganhar a eleição”, acredita. Afirma que o presidente é bem avaliado pela população. “Ele tem quase 70% de aprovação entre ótimo, bom e regular. Ninguém leva pau na faculdade por tirar regular. É importante reconhecer que o presidente atravessou esse ano e manteve um nível elevado de popularidade.”

As candidaturas alternativas a de Bolsonaro, com chances de vitória, ainda são incertas, de acordo com o consultor político que enxerga João Doria com potencial, depois da vitória de Bruno Covas, e Guilherme Boulos se consagrando como liderança da esquerda. A seguir, os principais trechos da entrevista de Aragão concedida à repórter Paula Bonelli.

Nesta eleição, quem saiu fortalecido e quem perdeu?
Tiveram claramente alguns vencedores. O Doria é um porque fez o Bruno Covas que se elegeu. O PSDB conquistou 179 prefeituras em São Paulo. Já o Republicanos teve um aumento extraordinário de prefeitos eleitos, mas perdeu na capital paulista e no Rio de Janeiro. O PP e PSD, do centrão bolsonarista, também venceram várias prefeituras. Outro que ganhou duplamente foi o Boulos.

Ele venceu?
Boulos sai de um papel periférico para o estrelato. E perdeu a eleição o que é bom para ele, se ganhasse era uma roubada. Teria que lidar com essa caminhada que está fazendo da esquerda radical para esquerda racional e administrar invasão de prédio. Isso ia destruir toda a narrativa de ser um prefeito confiável ou teria que renegar o seu passado muito cedo. O Rodrigo Maia é outro que venceu porque se engajou na campanha do Eduardo Paes, no Rio; fez um gesto muito emblemático de visitar o Ciro Gomes em Fortaleza e Doria em São Paulo. Sai fortalecido principalmente tendo em vista sua campanha ou do seu candidato à sucessão da Câmara. Agora, vou falar do Bolsonaro. Dentro desse negócio que eu chamo de “bolsocentrismo” no Brasil, que fica todo mundo olhando para ele. Nesta eleição muita gente correu pra dizer que o Bolsonaro perdeu. Acho que há um exagero em relação a isso. Ele apoiou quase que discretamente o Russomanno e o Marcelo Crivella que perderam. Agora, perderam por causa do Bolsonaro?

O índice de abstenção nesta eleição foi de 29,5%.
A abstenção tem várias razões. A pandemia afetou a presença dos eleitores isso é inquestionável. Além disso, a eleição municipal traz uma agenda que é meio de síndico de prédio. Não foi polarizada como vimos em 2018. E o outro ponto central é que sem a Lava Jato marcando presença forte na mídia, acusando o centro político, desinflamou a polarização que existia. Também houve um certo continuísmo em muitas capitais importantes.

Como avalia os cotados para concorrer à Presidência da República em 2022?
Tem o Lula que juridicamente não pode ser candidato. Consideram que o Fernando Haddad saiu queimado da eleição porque de certa forma se omitiu não sendo candidato. O Ciro Gomes em Fortaleza foi feliz, seu candidato ganhou, o PDT cresceu. Então, são quatro nomes na esquerda: Lula, Haddad, Ciro e Boulos. No centro há dois nomes: Luciano Huck e Doria. O Sergio Moro desagrada os partidos PSDB, PT, o MDB, o DEM por causa da Lava Jato e os bolsonaristas devido a sua passagem pelo governo. O ACM Neto talvez seja um nome para concorrer pela experiência e o recall por causa do avô. Ele sai de Salvador, que é uma prefeitura grande, com uma aprovação incrível. E é do DEM, não tem mandato, pode passar dois anos aí visitando o Brasil.

Acha que Luciano Huck é um bom nome?
As celebridades às vezes não viram votos. O Luciano Huck tem que sustentar politicamente a popularidade dele. Doria, como disse o Fernando Henrique Cardoso, precisa nacionalizar a sua campanha. A do Fernando Henrique foi nacionalizada pelo Plano Real. Ninguém o conhecia. Ele autografava nota de um real a pedido das pessoas nas ruas.

O que vai pesar na decisão dos partidos para definir candidatos?
Essas candidaturas também dependem de como o Bolsonaro vai desempenhar. Vamos imaginar que consiga fazer o PIB crescer 2,5% ao ano e não se meta em nenhuma confusão nova – as confusões que ele tem são as que já estão aí sendo digeridas pelo noticiário – ele pode aglutinar forças em torno da sua reeleição. Hoje, tem quase 70% de aprovação entre ótimo, bom e regular. Ninguém leva pau na faculdade por tirar regular. É importante reconhecer que o presidente atravessou esse ano e manteve um nível elevado de popularidade. Então, se o Bolsonaro vai mal, aí aparece um monte de candidato, se vai muito bem, esse centrão aí, que na verdade são vários partidos que se aglutinam, pensará duas vezes antes de sair contra ele. Será que vale a pena eu ir lá pra ser rabo de tubarão na chapa do Doria, se eu posso ter um lugar vip aqui com o Bolsonaro? Eles são muito pragmáticos. A política no Brasil é muito regionalizada, cada um pensa sobretudo no seu feudo político.

Então, a candidatura alternativa ao presidente ainda é incerta?
Ela ainda não apareceu e vai depender muito do espaço que o Bolsonaro vai dar. Hoje o maior rival do Bolsonaro é o próprio governo dele. Se o presidente organizar direitinho é o grande favorito para ganhar a eleição.

Pela lógica do continuísmo…
É, mas um continuísmo com sucesso. Porque muita gente atribui o continuísmo ao controle da máquina. E não é bem assim. No dia que o Brasil elegeu o Lula pela primeira vez provou que ninguém manda no eleitorado brasileiro.

Acha que as pautas de costume perderam espaço nesta eleição de algum modo?
As pautas de costume continuam sendo apoiada por quase 30% da população brasileira, não são respaldadas pela maioria. O Bolsonaro virou presidente não foi por causa dessa turma, mas em razão do centro, que não queria o PT. Quem elegeu o presidente foram os eleitores de centro. O Brasil é arbitrado pelo centro. Não existe uma cultura partidária no País. A maioria vota no menos pior.

Covas no discurso da vitória falou que a era do negacionismo e do obscurantismo tinha acabado. O que achou?
A política é palco. Covas era um vice-prefeito que virou prefeito, enfrentou uma grave doença e a pandemia. E é eleito. Ele se sente um super-homem e ele é.

Há uma corrida pela vacina contra covid-19 entre Bolsonaro e Doria.
É evidente que há uma preocupação política. Houve aquele momento em que o governo federal ia assinar um protocolo com o Instituto Butantan para comprar a vacina Coronavac, aí Bolsonaro desautoriza o ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Ele pensou que poderia se enfraquecer. Foi uma reação mais intempestiva dele naquele momento, e que ficou ruim. Mas um dia os governos federal e estaduais proporcionarão a vacina para quem quiser, já que o próprio Supremo Tribunal Federal arbitrou que saúde pública é também competência de estados e municípios. Isso dá grande autonomia.

Vetada pela Constituição, a reeleição dos presidentes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre está sendo julgada no STF. É tapetão?
Claro que é um tapetão, mas a judicialização da política está colocada. Não podemos criticá-la quando é contra o nosso pensamento. Esse chamamento à Justiça para interferir e interpretar medidas que poderiam ser decididas no âmbito legislativo, se transformou em uma realidade no Brasil por conta da fragmentação partidária que dificulta o consenso.

Quais são s pontos negativos do governo Bolsonaro?
As narrativas de meio ambiente, das minorias, equívoco na política externa, mas na economia eles vão bem. E as brigas internas que vazam periodicamente comprometem um pouco a imagem do governo.