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Aline Passos: O argumento mais relevante

Considero a pandemia o argumento mais relevante. Não é possível ir às ruas sem levar em consideração que estamos em plena curva ascendente de propagação do coronavírus. Há, no entanto, justaposta à crise sanitária, uma crise política, e é preciso também considerar que quem convocou as manifestações talvez integre a parcela da população para a qual combater o governo se tornou uma exigência incontornável, inclusive e sobretudo, por causa da crise sanitária.

Nós sabemos que, com quase 3 meses de isolamento social, permanecer isolado tem sido cada vez mais marcador de privilégio de classe. Dito isto, não sou eu que vou dizer a quem já está diariamente exposto ao contágio, porque submetido a condições precárias de existência, que não se manifeste por causa do risco de… contágio. Prefiro pensar que é hora de mobilizar redes de solidariedade. Distribuir máscaras, doar álcool em gel, providenciar isolamento para quem puder se isolar pós-manifestação, dentre outras coisas.

Todo esse debate me lembrou muito um trecho do livro "Black Blocs" de Francis Dupuis-Déri, em que se debatia por que imigrantes sem documentação e pessoas negras não costumavam participar dos blocos, pelo menos não lá, onde o autor pesquisava. A resposta sempre foi muito óbvia. Igualmente óbvia era a postura das pessoas em condições sociais privilegiadas que construíam, a partir dos seus privilégios, uma ética que os levava às ruas por entenderem que quanto menos vulnerável você é, mais obrigado a se colocar na linha de frente da batalha você está.

Isso me diz algo sobre a situação que vivemos hoje. É um recado para quem teve o privilégio do isolamento social, do acesso a equipamentos de proteção individual e não pertence, não é responsável e nem coabita com pessoas dos chamados grupos de risco. A bola está com vocês.

Sobre o argumento do perigo de agentes infiltrados que vão insuflar a polícia a agir de forma truculenta, mal consigo escrever, tamanha a bobagem. Se fosse por isso ninguém se manifestaria jamais e junho de 2013, por exemplo, nem teria existido. O que inibe P2 é mais, não menos, gente na rua.

No que concerne ao risco de golpe, sobretudo após o tocador ter tangido o gado para o curral: talvez seja mesmo uma indicação de incremento significativo da repressão. Só que esta hipótese, uma vez colocada, não resolve o problema. Afinal, diante do risco de fechamento do regime, isso é mais ou menos motivo para ir às ruas? Se, de fato, avalia-se que a boiada já passou e já houve golpe, isso é mais ou menos motivo para ir à ruas?

Em todo caso, fiquei bastante incomodada com posicionamentos públicos de intelectuais e parlamentares que, com conforto material a partir de carreiras consolidadas e estáveis, ao invés de procurarem os convocantes das manifestações de forma discreta para avaliar os riscos, correram às redes sociais e demais meios de comunicação para desautorizá-los. Se considerarmos o perfil de quem convocou as manifestações, a postura dos intelectuais e parlamentares se torna ainda mais problemática, porque vertical, paternalista, preconceituosa.

Não está dado a qualquer habitante de gabinete dizer a uma torcida organizada (TO) que não se manifeste. Muito menos ir a público orientar as pessoas a abandonarem os convocantes nas ruas numa hora dessas. No limite, se avaliaram que era melhor não ter manifestação, que chamassem as TOs para uma conversa e tentassem convencê-las a retirar, elas próprias, a convocatória.

Sr. Luiz Eduardo Soares, se existia alguém que possuía uma rede importante de contatos, capaz de fazer as preocupações com a pandemia e a repressão chegarem ao destino correto para avaliação e convencimento, sem expor os convocantes aos escrutínios mais espúrios e ao abandono iminente, este alguém era o Sr. Espero que reavalie sua postura, e diante do estrago já causado, dirija-se a manifestação mais próxima. Leve máscara e álcool em gel.

Por fim, advogados e advogadas antifascistas, preparemo-nos. Há dentre nós os que poderão e deverão estar nas ruas, independente de concordar ou não com a convocatória. Há os que deverão estar de plantão e plenamente disponíveis aos manifestantes. Haverá os necessários para, nos dias e meses seguintes, acompanharem procedimentos e processos.

Alerta geral: não fica ninguém para trás.