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Nas entrelinhas: Lula propõe aliança estratégica com o agronegócio

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A reforma agrária, a velha bandeira da esquerda brasileira, que remonta ao debate sobre a industrialização na década de 1930, partia da premissa de que monocultura agrícola, inclusive a agromanufatura açucareira, era uma das causas do nosso subdesenvolvimento. Havia até então a concepção de que somente a eliminação dos grandes latifúndios poderia desenvolver o capitalismo no campo, o que na verdade já existia desde o fim da escravidão. Achava-se que éramos um país de agricultura feudal.

Essa compreensão, por exemplo, ignorava o fato de que o Convênio de Taubaté havia mudado completamente a relação do Brasil com o mercado mundial de café, sendo um fator decisivo para a própria industrialização, principalmente em São Paulo, cujos cafeicultores acumularam muito capital e priorizaram os investimentos em atividades produtivas, em vez do patrimonialismo que predominou em outras regiões do país.

Fruto de um pacto entre os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, respectivamente Jorge Tibiriça, Francisco Sales e Nilo Peçanha, o Convênio de Taubaté fora assinado em 6 de fevereiro de 1906, garantindo a compra do café por um preço mínimo e a regulagem dos estoques para controlar os preços internacionais, mais ou menos como fazem hoje os países produtores de petróleo. Na ocasião, o presidente Rodrigues Alves não se dispôs a assumir o ônus desta política, porém, os estados assumiram a compra do café excedente.

Com a eleição de Afonso Pena, essa situação finalmente iria mudar, cabendo ao governo federal manter a política de valorização do café. Os resultados foram positivos. Na década seguinte, o lucro conseguido pelos cafeicultores iria aumentar consideravelmente devido ao crescimento da compra do produto no mercado internacional. A modernização das principais cidades do país, principalmente o Rio de Janeiro, tem tudo a ver com o êxito dessa política.

Nada disso, porém, abalou o dogma da esquerda de que o país não poderia se desenvolver sem reforma agrária e nacionalização das empresas estrangeiras, o chamado caminho da “revolução brasileira” (a democracia estaria em segundo plano). No começo da década de 1960, enquanto Francisco Julião e suas ligas camponeses defendiam a reforma agrária “na lei ou na marra”, o presidente João Goulart prometia realizar as reformas de base por decreto, à revelia do Congresso, o que foram fatores decisivos para o êxito do golpe militar de 1964.

Por pura ironia, o Estatuto da Terra, aprovado no governo Castelo Branco, viria a ser o instrumento da reforma agrária no ciclo de modernização conservadora da década de 1970. O governo Fernando Henrique Cardoso, tendo Raul Jungmann como ministro da Reforma Agrária, foi aquele que mais desapropriou terras, distribuiu títulos de propriedade e assentou trabalhadores rurais da história republicana, além de ter criado o Pronaf, o muito eficiente programa de financiamento de agricultura familiar do país.

Créditos de carbono

Desculpem-me esse longo parêntesis. O fato é que o Brasil se tornou o maior produtor de proteína animal do mundo e é um dos maiores produtores agrícolas do planeta. Com monocultura e grandes propriedades agrícolas, fez uma verdadeira revolução agrícola no campo, que hoje lidera a economia do país em termos de inovação e tecnologia embarcada. Não depende mais da expansão da área cultivada e dos pastos para aumentar a produção de alimentos, porém, precisa se preocupar com a questão ambiental. As atividades rurais predatórias, principalmente na Amazônia, são um anacronismo, que compromete o futuro de nossa integração à economia mundial, devido às retaliações que poderiam advir em razão da política mundial de combate aos gases do efeito estufa e ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono.

Assim como existe institucionalidade financeira na globalização, emerge da COP27 uma nova institucionalidade ambiental, que ditará os rumos das relações comerciais e das cadeias globais de produção. Por isso tudo, faz todo sentido a aliança estratégica com o agronegócio para combater o desmatamento e promover a nova economia proposta pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, em seu pronunciamento na COP27, no Egito.

Um grande passo seria regulamentar a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), que pode beneficiar grandes e pequenos produtores, ao remunerar ou recompensar quem protege a natureza (créditos de carbono) e mantém os serviços ambientais funcionando em prol do bem comum. De iniciativa dos deputados federais Rubens Bueno e Arnaldo Jordy, com as diversas alterações realizadas no Senado Federal e aperfeiçoamentos das duas casas legislativas, a Lei 14.119 definiu conceitos, objetivos, diretrizes, ações e critérios de implantação do programa.

Em países como Costa Rica, Colômbia, EUA, Holanda, Canadá, China, Equador, Zimbábue, Bolívia, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Venezuela, República Dominicana e Austrália já existem disposições normativas que regulam a gestão do PSA. Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, e diversos municípios brasileiros, dispõem de normas jurídicas específicas para implementar uma nova política ambiental e financiar o desenvolvimento sustentável, em parceria com o agronegócio. É mais uma ferramenta de combate às iniquidades e injustiças sociais no campo.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-propoe-alianca-estrategica-com-o-agronegocio/

Cristovam Buarque: Aliança para salvar Brasília

Muitas vezes, a política promove alianças eleitoreiras e em outras, patrióticas. Não é fácil reunir em um mesmo projeto políticos com divergências anteriores. Quando isso ocorre, em geral, estão sacrificando princípios, programas e ideias em função de interesses puramente eleitorais.

Em ocasiões distintas, políticos adversários deixam de lado as divergências para se unirem em defesa de interesses maiores do país ou da cidade. São alianças para salvar a comunidade da crise que atravessa.

O Brasil viu isso quando Prestes, depois de anos preso e sabendo que sua esposa fora enviada para a morte na Alemanha, se uniu a Getúlio Vargas para trazer de volta a democracia; ou quando Mandela se uniu a De Klerk para acabar com o apartheid na África do Sul. São alianças salvadoras. Brasília está precisando de uma dessas.

Governos anteriores do Distrito Federal deixaram uma imagem negativa na política e um desastre fiscal nas finanças. O último governo, além de péssima imagem moral, deixou as contas públicas absolutamente falidas, diante dos compromissos assumidos, irresponsavelmente, para obter votos e se reeleger.

O Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha é o símbolo perfeito desse desastre. Uma obra sem sintonia com as necessidades da população, foco de corrupção de dirigentes, tanto nas prioridades, quanto no comportamento. Gastos de quase R$ 2 bilhões no estádio, no lugar de escolas, saneamento e saúde. Apropriou-se de parte disso sob a forma de propina, segundo a Polícia Federal.

Lamentavelmente, o estádio é uma entre dezenas de outras medidas imorais que destruíram o bom funcionamento da nossa cidade e a credibilidade de nossos políticos. O governador atual assumiu uma cidade com compromissos que não tem como cumprir, sejam aqueles determinados por seu antecessor, sejam alguns que ele prometeu na campanha eleitoral de 2014.

O resultado é que seu governo se arrasta há dois anos e meio no pântano das dificuldades fiscais — todos recursos são para pagar salários e outros poucos custeios. Apesar de receber mais de R$ 13 bilhões do Fundo Constitucional, que o resto do Brasil, inclusive estados pobres, nos transferem anualmente, agora não temos como pagar os salários de nossos servidores em dia.

Quando o governador assumiu, em 2015, deveria ter chamado todas as lideranças políticas, inclusive, os seus opositores, para tentar encontrar um caminho, com apoio de todos, e enfrentar as dificuldades. No lugar disso, preferiu se isolar com um pequeno grupo de auxiliares, que se consideram em condições de resolver todos os problemas. Fracassaram.

Brasília precisa superar sua dupla tragédia: fiscal e moral. Equilibrar suas contas, usar seus recursos para servir à cidade e ao seu povo e recuperar a credibilidade de seus dirigentes. Isso não será tarefa de nenhum líder carismático, de nenhum partido. Exige uma aliança de todos que tenham sentido de responsabilidade e respeito aos interesses públicos.

A aliança para salvar Brasília não deve abrir mão de convicções e não pode ter preconceitos: deve unir todos os políticos, independentemente de suas posições no passado, desde que respeitem princípios como:

— Não estarem sob suspeitas de corrupção;

— Terem responsabilidade no uso dos recursos públicos, não apenas pela ética no comportamento, mas também na responsabilidade do respeito pelas contas do erário;

— Entender que a gestão pública eficiente é um dos maiores compromissos necessários para servir bem à população;

— Não aparelhar e usar a máquina governamental para beneficiar seus partidos;

— Respeitar o mérito dos escolhidos para cargos e comprometer-se com a austeridade que elimine as chamadas mordomias e vantagens pessoais;

— Em nenhum momento cair na demagogia de prometer mais do que poderá fazer. Não se submeter às reivindicações de grupos corporativos, seja de empresários, seja de igrejas, seja de sindicatos de servidores;

— Definir um programa claro para corrigir os graves problemas na saúde, no emprego, na educação, na mobilidade, na segurança, no crescimento da economia e, obviamente, no equilíbrio fiscal.

Em termos políticos, os últimos que governaram Brasília contribuíram para que a população tivesse uma visão negativa do Distrito Federal. É preciso que nossas lideranças tenham grandeza e se unam pela cidade em uma aliança patriótica.