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Fernando Exman: Será ruim retaliar com Alcântara

Lançamento comercial só deve ocorrer em 2022

A intempestiva ação do presidente americano, Donald Trump, que ameaçou taxar produtos brasileiros chegou em péssima hora para os defensores do acordo de salvaguardas tecnológicas, assinado com os Estados Unidos, para viabilizar o Centro Espacial de Alcântara. Será negativo, contudo, se esse acordo passar a figurar em uma eventual lista de potenciais retaliações aos EUA.

Nada mais natural que a oposição aproveite a oportunidade de criticar o governo pelas concessões feitas aos americanos, sem que as esperadas contrapartidas tenham se concretizado. Talvez apenas o presidente Jair Bolsonaro e sua família acreditaram que o Brasil teria um tratamento privilegiado dos EUA, em razão de sua vitória na eleição do ano passado.

O acordo de salvaguardas tecnológicas não entra nesse balaio. Ele assegura que o Brasil se compromete a proteger as tecnologias americanas, as quais, segundo dados do governo, estão em aproximadamente 80% dos componentes utilizados em foguetes e satélites do mundo.

No Executivo, é visto como instrumento fundamental para o desenvolvimento do setor e para o estabelecimento de uma política espacial efetiva. E pretende ser utilizado também como vetor do desenvolvimento da região em que o Centro Espacial de Alcântara está localizado, no Maranhão.

A tramitação do acordo não foi absolutamente tranquila, mas conseguiu superar obstáculos ideológicos. Se tivesse demorado um pouco mais, poderia correr o risco de ter sua aprovação utilizada como refém ou até mesmo vítima colateral do recente estranhamento observado nas relações bilaterais.

Seria um erro do Congresso. Com a autorização do Legislativo em mãos, portanto, o Executivo começa a tomar as providências cabíveis.

Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes tem apreço pelo tema e o trata como prioritário. Ao Valor, ele detalhou o que se pode esperar a partir de agora: um grupo interministerial se debruçará sobre o assunto e definirá um “plano de negócios”.

Além do MCTIC, estarão envolvidas as pastas da Infraestrutura, da Cidadania, da Mulher, Família e Direitos Humanos, da Educação, da Saúde, da Agricultura e da Defesa. Representantes desses ministérios irão a Alcântara conversar com a comunidade quilombola local, integrantes dos governos estadual, municipal, universidades e empresários da região. Com a ajuda do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), formularão políticas de capacitação de trabalhadores e de empreendedores locais. Esse grupo também analisará as demandas de infraestrutura para a região e as necessidades do centro espacial, tanto para as suas instalações físicas quanto em relação a equipamentos.

Marcos Pontes costuma dizer que, em 30 anos, foi o único ministro a visitar o local para conversar com os moradores. Quer ouvir deles o que se pode fazer para aprimorar os serviços de saúde e educação da região. Defende melhorias no instituto federal lá instalado, e revela que o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) quer ter um braço em São Luís.

“Eu não gostaria de mexer na cidade de Alcântara. Lá é uma cidade histórica, tem ruínas lá dentro. As ruas são antigas, o estilo das casas. Aquilo ali pode ficar igual Paraty, pode ter restaurantes e barzinhos”, diz, defendendo que não se altere a estética local. Construção de prédios só com o mesmo estilo arquitetônico e para abrigar museus ou outros equipamentos públicos relacionados à cultura e à tradição. “A gente pode fazer uma estrada passando pelas vilas e construir, aí sim, um setor novo com prédios modernos, hotéis, restaurantes modernos e uma estrutura adequada e confortável.”

Para Pontes, Alcântara precisa ter logo internet de alta velocidade e um melhor fornecimento de água. Com isso, vai virar um polo de inovação ligado ao setor espacial.

“Estamos em um momento no planeta em que os países perceberam que isso é um bom negócio”, destacou o ministro, acrescentando que Portugal está fazendo um centro espacial e oceânico nos Açores e a Nova Zelândia está também apostando no setor.

Uma aposta comercial, sublinha. Não militar.
“Isso aqui é para ser um centro comercial. A ideia é ter empresas vindo para cá”, explicou. “O centro vai oferecer serviços de lançamento. Ele é operado pelo Brasil o tempo todo, com todo o controle das operações.”

O ministro explica com didatismo. De um lado, o Brasil terá como fornecedores empresas que possuem foguetes. A base terá seis plataformas, com distintas adequações técnicas. Com esse portfólio de lançadores, irá atrás de clientes que querem ter seus satélites lançados.

Assim, o país vai operar o lançamento, fazer a cobrança desse cliente e repassar parte do que cobrar para pagar o fornecedor. Usará o restante do dinheiro para desenvolver o programa espacial brasileiro e promover melhorias na infraestrutura local. Em relação ao programa espacial, o plano do ministro é direcionar os recursos principalmente para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que desenvolve sistemas espaciais. “Isso vai movimentar todo o parque industrial que apoia este setor.”

Segundo informações prestadas pelo governo para convencer os parlamentares, este mercado movimenta cerca de US$ 350 bilhões por ano e pode atingir cerca de US$ 1 trilhão. Marcos Pontes estima que o Brasil possa arrecadar no início das operações aproximadamente R$ 300 milhões por ano.

“Não é pouco?”, pergunta o ministro, para então emendar a resposta: “Não. Para se ter uma ideia, no nosso programa espacial inteiro eu consigo colocar R$ 150 milhões no ano. É o dobro”.

O governo acredita que fazer esse “plano de negócios” funcionar tomará 2020. Lançamentos de treinamento ocorrerão em 2021. “Imagino que em 2022 é uma boa e otimista expectativa de a gente ter um primeiro lançamento comercial. Tem que ser realista com a coisa”, diz o ministro, que já avalia se haverá necessidade de assinatura de acordos de salvaguarda com outros países.

Depois de tantos avanços e retrocessos, as autoridades estão otimistas com as perspectivas do programa. Estão de olho no espaço, mas com os pés no chão.


Rubens Barbosa: Vitória do PT, prejuízo para o Brasil

Atraso de duas décadas do programa espacial foi o preço da atitude ideológica do partido

O resultado mais importante da visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington, na semana passada, foi a assinatura do Acordo de Salvaguarda Tecnológica (AST), que torna possível o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Com isso se tornam viáveis significativas perspectivas comerciais para o Brasil entrar num mercado anual de mais de US$ 12 bilhões, em especial no de satélites de pequeno porte.

O AST entre o Brasil e os Estados Unidos, proposto inicialmente por Brasília, foi assinado em abril de 2000 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas foi inviabilizado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), como oposição no Congresso Nacional e, depois, como governo.

A principal reclamação do PT era a de que não havia transferência de tecnologia para o Brasil e nossa soberania ficaria afetada porque equipamentos entrariam em território nacional sem interferência das autoridades alfandegárias brasileiras. Além da questão da soberania, criticada ainda recentemente pelo ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores Celso Amorim, as principais objeções do PT ao acordo referiam-se à proibição do uso da receita dos lançamentos no desenvolvimento de veículos lançadores; ao impedimento de o Brasil cooperar com países que não fossem membros do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, na sigla em inglês); à possibilidade de veto político unilateral de lançamentos e à obrigatoriedade de assinar novos acordos de salvaguardas com outros países. Como foi sempre esclarecido às lideranças do PT, o acordo não é de transferência de tecnologia, mas de proteção de informações confidenciais na prestação de serviços. Todos esses aspectos criticados pelo PT foram agora satisfatoriamente negociados e superados.

Por minha iniciativa quando chefiei a Embaixada do Brasil em Washington, no segundo semestre de 2003, foi reaberta a negociação com o Departamento de Estado sobre os pontos que contavam com a forte e vocal oposição do PT. O processo avançou, para surpresa de muitos, e as cláusulas de divergência foram eliminadas. Em abril de 2004, as maiores objeções políticas para a ratificação do acordo estavam superadas. O governo brasileiro teria de propor formalmente algumas mudanças menores que seriam aceitas pelo governo norte-americano. Com esses avanços o acordo poderia ser ratificado pelo Congresso brasileiro, mas os governos do PT não deram seguimento ao assunto.

Vale lembrar, ainda no primeiro governo do presidente Lula da Silva, a assinatura de um acordo de salvaguardas com a Ucrânia. Bastante similar ao firmado com os Estados Unidos, o acordo foi submetido ao Congresso e rapidamente aprovado. Apesar de estar em vigor, o entendimento com a Ucrânia não teve nenhuma consequência comercial para o Brasil, em vista das dificuldades econômicas por que passa esse país. Esse foi um dos exemplos de descoordenação do governo petista, pois, sem o AST, o acordo com a Ucrânia não poderia ser levado adiante porque o veículo lançador daquele país precisava de autorização do governo de Washington.

No governo Dilma Rousseff, em 2013, ao final da visita do presidente Barack Obama ao Brasil, e em 2015, durante a visita do então ministro da Defesa, Jaques Wagner, a Washington, houve referências ao interesse de ambos os lados em retomar as discussões sobre o AST, sem nenhuma ação do governo brasileiro nesse sentido. Somente no governo de Michel Temer os entendimentos avançaram concretamente e puderam agora ser completados pelo governo Bolsonaro, atendidas as preocupações de ambos os governos.

O preço dessa atitude ideológica do PT foi o atraso do programa espacial brasileiro por duas décadas. Vitória do partido e prejuízo para os interesses brasileiros.

Apesar do interesse das empresas norte-americanas, as conversações com os Estados Unidos não foram fáceis, pelas preocupações com a não proliferação de veículos lançadores de satélites prevista no programa espacial brasileiro.

O interesse brasileiro é de tornar possível um centro de lançamento competitivo, o que permitirá a entrada do Brasil no nicho de mercado de satélites de telecomunicações e de meteorologia. Não haverá dificuldades internacionais para o estabelecimento da base pelo fato de o Brasil ser membro do MTCR. O tratamento que o Brasil receberá será idêntico ao dispensado a outros países, como a Rússia e a China, que assinaram acordos de salvaguardas com os Estados Unidos.

A viabilização comercial do Centro de Lançamento de Alcântara e sua atualização tecnológica dependerão de recursos financeiros que virão de empresas que alugarem espaços dentro dele para efetuarem os lançamentos de seus satélites.

A estratégica localização geográfica da base de Alcântara, situada a apenas dois graus de latitude sul, quase na Linha do Equador, permitirá o lançamento de foguetes com 13% de economia de combustível em relação ao consumido em Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, e 31% se comparado com Baikonur, no Casaquistão. Mais de 80% dos satélites comerciais são de propriedade de empresas americanas e sem o acordo nenhum satélite poderia ser lançado de Alcântara. A base só poderá tornar-se viável comercialmente quando o acordo de salvaguardas tiver sido ratificado.

Espera-se que o Congresso Nacional ratifique esse acordo no mais breve prazo possível. E que as discussões sejam feitas sem a carga ideológica que tem prevalecido nos últimos 20 anos.

Igualmente importante é que a partir de agora o governo federal acelere e complete as mudanças na governança do setor e defina uma estratégia de longo prazo, que dê previsibilidade às eventuais empresas interessas, não só dos Estados Unidos, mas de outros países, com França, Israel e Japão.

*PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)


Eliane Cantanhêde: Soberania e autoestima

Será que Bolsonaro confundiu o centro de Alcântara (MA) com base militar? Tomara!

Os primeiros quatro dias foram suficientes para apontar a principal fonte de problemas na “nova era”: Jair Messias Bolsonaro, que não só surpreendeu como chocou militares, diplomatas e políticos ao lançar a ideia de uma base militar americana em território brasileiro no futuro. Um prato feito para a oposição.

Bolsonaro podia falar o que quisesse na campanha, mas precisa aprender que não pode mais como presidente. Qualquer palavra e vírgula fora do lugar podem dar confusão. Aliás, já deram, quando ele jogou ao vento não só uma, mas três ideias que ou estão só na sua cachola ou não foram adequadamente discutidas com quem de direito nem estão prontas para virar decisão de governo. Acabou desautorizado em público por auxiliares e criticado intramuros até pelos sempre disciplinados militares.

Dentre as três ideias, a mais explosiva foi a de oferecer de mão beijada para o governo Donald Trump a instalação de uma base militar dos EUA em solo brasileiro. Como assim?

Essa questão, delicadíssima, envolve soberania, defesa, segurança e amor próprio nacional, além de relações internacionais, particularmente regionais. Até por isso, militares ficaram de cabelo em pé, diplomatas demoraram a acreditar no que ouviam e não falta quem lembre que é expor o Brasil e, por extensão, toda a América do Sul, como alvo de confrontos entre os EUA e China ou Rússia, por exemplo.

Na hipótese (remotíssima, claro) de uma guerra entre eles, chineses e russos estariam tentados a jogar uma bomba na base? Ou seja, no Brasil e na América do Sul? Em tese, poderia ser.

De tão esdrúxula, a proposta foi recebida por diplomatas e militares como um “equívoco” do presidente, que teria confundido o Centro de Lançamento de Alcântara (MA) com uma base militar. O que está em estudo é um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (TSA em inglês) para permitir o uso comercial de Alcântara em lançamento de satélites, aliás, não apenas pelos EUA, mas também por outros parceiros. Base militar é outra coisa, totalmente diferente. É abrir mão do controle de uma parte do território para um outro país, no caso os EUA.

Quando a Venezuela ameaçou sediar uma base russa, em 2009, gerou uma gritaria estridente não só do Brasil, mas de toda a região. Se condena uma base russa na Venezuela, ou uma americana no Equador, por que permitir que o Brasil hospede uma dos EUA?

O único registro de base militar estrangeira no Brasil foi na Segunda Guerra, quando Getúlio Vargas autorizou, em 1942, que os americanos usassem o geograficamente estratégico Rio Grande do Norte para reabastecimento de aeronaves e decolagem rumo à África. Outros tempos...

Hoje, ceder território para uma base militar estrangeira é de uma subserviência constrangedora, que os militares e os diplomatas não podem aceitar em nenhuma hipótese. Aliás, nem eles nem o Congresso Nacional a quem, pelo artigo 49, inciso II da Constituição, cabe aprovar qualquer tipo de base temporária em solo nacional. Nessa, Jair Bolsonaro não apenas deu palanque para o ex-chanceler Celso Amorim – inimigo número 1 da “nova diplomacia” –, como pode unir oposição, situação, esquerda e direita. Contra o governo.

O secretário da Receita, Marcos Cintra, e depois o ministro Onyx Lorenzoni vieram a público desmentir, ops!, tentar explicar as declarações de Bolsonaro sobre IR, IOF e idade mínima de aposentadoria.

Já o chanceler Ernesto Araujo não se fez de rogado e, em Lima, não excluiu a possibilidade de uma base americana, “dentro de uma agenda mais ampla com os EUA”, e foi além. Na sua opinião, “não haveria problema numa base”. Isso é que é alinhamento automático! Com os Estados Unidos e com os erros do chefe.