Alberto Aggio

Debate na ABI:” Gramsci não pode tirar o País dessa crise”

Neste ano em que se completa 80 anos da morte do pensador italiano Antonio Gramsci, a Fundação Astrojildo Pereira e a Associação Brasileira de Imprensa realizaram a mesa redonda ‘Um pouco de Gramsci nessa crise não faz mal a ninguém’. O debate recebeu dezenas de pessoas no auditório Belizário de Souza, nesta terça-feira, dia 21 de agosto.

A mesa redonda foi aberta pelo presidente da ABI, Domingos Meirelles, e teve como mediador o Conselheiro da entidade e colunista político Luís Carlos Azêdo. O debate contou com a presença do tradutor e ensaísta Luíz Sérgio Henriques, do representante da Fundação Astrogildo Pereira Alberto Aggio e de Andrea Lanzi, do Partido Democrático Italiano.

O objetivo do encontro foi discutir a importância do legado intelectual de Antonio Gramsci, 80 anos depois da sua morte, e a contribuição de sua obra como instrumento de percepção e análise da atual crise brasileira. Ao contrário do pensamento marxista tradicional, que se dedicava ao estudo das relações entre política e economia, ele chamava a atenção para o papel da cultura e dos intelectuais nos processos históricos de transformação social.

Domingos Meirelles destacou as diferentes leituras da obra do pensador italiano e a lucidez com que se debruçou sobre as questões de sua época e observou na mesa debatedora os vários ‘Gramscis’ que apareceram nas diversas leituras que cada teórico fez sobre sua obra.”As temáticas levantadas pelo autor são muito atuais para entender o mundo pós-moderno. O encontro foi muito frutífero já que foi possível ouvir as diversas interpretações do pensamento de Gramsci sob diversas perspectivas”.

O diretor da Fundação Astrogildo Pereira, Alberto Aggio, lembrou que nesse momento em que se recorda os 80 anos de seu falecimento, é importante se pensar a recepção do pensador no Brasil. O ensaísta ressaltou que Gramsci é de leitura difícil já que escrevia em códigos e desde os anos 60 ele é discutido no país.

Para Aggio, toda a dificuldade de entendimento da teoria gramisciana é válida já que seu pensamento é extremamente desafiador. “Existem muitas interpretações a respeito do pensamento gramsciano, mas seguramente as mais aceitas e difundidas dão conta de que nele há uma perspectiva democrática importante e perspectivas culturais novíssimas que o marxismo do século XIX não comportava. Mais do que isso, Gramsci também foi um crítico aos caminhos que tomava a URSS e suas reflexões buscam uma saída em relação a esses descaminhos que, mais tarde, ficaram mais evidentes. Por tudo isso, vale a pena refletir sobre o pensamento do filósofo italiano. Ao discutirmos sobre drogas, temos de estudar a experiência de outros países, como, por exemplo, o Uruguai ou Portugal. Ao discutirmos sobre violência, teremos de considerar o que acontece em sociedades, como a americana, que permitem a difusão abusiva de armas. Nesta nossa longa viagem no interior da sociedade civil, marxistas de inspiração gramsciana poderão dizer alguma coisa em proveito da convivência democrática e civilizada entre pessoas de múltiplas e variadas inspirações”.

Luiz Sérgio Henriques fez uma reflexão sobre Gramsci como um teórico que convida toda a sociedade a um diálogo. Mas lembrou que o pensador, por si só, não vai salvar a sociedade e nem o Brasil, como nenhuma teoria ou religião. Mas que é um importante instrumento para refletir sobre a atual crise da esquerda no país. Trazendo Gramsci para o contexto político brasileiro, ele garantiu que o Partido dos Trabalhadores nunca se embasou na teoria gramisciana. “Ao chegar ao poder, a esquerda do PT construiu relações de poder equívocas, e deixou de lado o que a sociedade pensava. Ele não considerou as questões e necessidades da população. Mas o que mais se deve nos interessar mais nesse autor é a Democracia como uma utopia”.

Andrea Lanzi, do Partido Democrático Italiano, acentuou que apesar de considerar que Gramsci jamais pensaria a sociedade com a Revolução Industrial, os ideias de liberdade e igualdade, da Revolução Francesa e o pensamento Gramisciano ainda são referência para um movimento que queira reduzir as injustiças sociais.

 

 

 


Mesa redonda: Um pouco de Gramsci nessa crise não faz mal a ninguém

Evento busca explorar o pensamento gramsciano em paralelo com a crise política que assola o país atualmente

Germano Martiniano

Neste ano em que se completa 80 anos da morte de Gramsci, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realizará, no próximo 21 de agosto, às 18h, no Rio de Janeiro, o Seminário: Um pouco de Gramsci nessa crise não faz mal a ninguém. O evento, que conta com especialistas das obras do filósofo italiano, Alberto Aggio, Luiz Sergio Henriques e Andrea Lanzi, busca explorar o pensamento gramsciano em um paralelo com a crise política pela qual o país passa atualmente.

“A mesa redonda foi proposta para lembrarmos os 80 anos da morte de Gramsci. Isso é importante especialmente para nós, que somos os maiores divulgadores das interpretações e debates sobre o pensamento de Gramsci no Brasil por meio da coleção de livros (Brasil & Itália)”, disse Aggio, historiador e professor titular da UNESP.

Contexto
As conjunturas políticas atuais no Brasil têm despertado o interesse no debate em grande parcela da população, assim como tem feito que opiniões extremas, tanto a direita, quanto à esquerda, se fortaleçam. As redes sociais, por sua vez, têm sido “porta-voz” dessas manifestações, como também têm sido o palco de grandes dissidências.

Dentro deste contexto, no qual se vê Bolsonaro, na extrema direita, ganhar mais simpatizantes e, paralelo a isso, parte da esquerda, como PT, PCdoB e PSOL apoiar Maduro na Venezuela, é que o debate sobre a obra de Gramsci se faz mais importante. “Existem muitas interpretações a respeito do pensamento gramsciano, mas seguramente as mais aceitas e difundidas dão conta de que nele há uma perspectiva democrática importante e perspectivas culturais novíssimas que o marxismo do século XIX não comportava. Mais do que isso, Gramsci também foi um crítico aos caminhos que tomava a URSS e suas reflexões buscam uma saída em relação a esses descaminhos que, mais tarde, ficaram mais evidentes. Por tudo isso, vale a pena refletir sobre o pensamento do filósofo italiano”, acentuou Aggio.

Para dar início às reflexões que vão ser tratadas durante o Seminário, a FAP realizou uma entrevista com Luiz Sérgio Henriques, tradutor e ensaísta de Gramsci no Brasil, e que estará como um dos expositores no evento. Leia trechos a seguir:

FAP - A esquerda, atualmente, vive uma crise de identidade. Gramsci, que foi um vanguardista em sua época, já dava indícios em suas obras de que essa dicotomia clara entre capitalismo e socialismo, que ficou ainda mais evidente na Guerra Fria, acabaria?

Luiz Sérgio Henriques - Gramsci descobriu ou redescobriu o continente da política. Estabeleceu um conjunto notável de conceitos (hegemonia, revolução passiva, guerra de posição e de movimento, reforma intelectual e moral, a distinção entre o plano corporativo e o ético-político, etc.), que nem sempre estavam disponíveis no marxismo ou no que se entendia como marxismo. Foi atrás de outros autores e de outras tradições, inclusive liberais. Sabe-se que suas relações com Croce, um liberal clássico notavelmente importante em sua época, foram complexas, feitas de assimilação, recusa e reelaboração. Quantos marxistas agem assim, hoje, em face de Habermas ou Rawls, para dar dois exemplos bem conhecidos? Mesmo tendo se educado no universo socialista (PSI) e tendo se firmado depois como um político comunista, no âmbito da III Internacional, aquele conjunto de conceitos, aplicados à história de seu país, à evolução do socialismo soviético e ao desenvolvimento global do capitalismo, permitiu análises bastante originais que o colocam além do universo bolchevique e o destacam como um clássico da política do século XX. Percebeu, precocemente, o enrijecimento stalinista sob a forma da “estatolatria”: assim caracterizado, o comunismo soviético não teria condições de desafiar um capitalismo que se renovava com o fordismo e o americanismo. Mais cedo do que se pensa, a contraposição entre o mundo comunista e o mundo capitalista ocidental estava resolvida em favor deste último. A partir daí podemos inferir que contraposições frontais entre “campos” antagônicos não são produtivas, porque acabam, mais cedo ou mais tarde, induzindo fanatismos unilaterais e soluções de força.

Podemos ver no pensamento gramsciano uma saída para essa crise de identidade?
A política gramsciana, que recorre à hegemonia (isto é, à persuasão permanente entre sujeitos autônomos e ao deslocamento da relação de forças num contexto de liberdades), aponta numa outra direção. O momento da força fica inteiramente subordinado ao do consenso. Sublinhar isso pode nos ajudar a evitar até mesmo as catástrofes civilizatórias que, infelizmente, estão à espreita. Mas, evidentemente, tudo isto já é por nossa conta. Vemo-nos obrigados a ir muito além de Gramsci. Mesmo sendo muito menores do que ele, ao subirmos em seus ombros veremos coisas que ele não viu nem podia ver. Estamos condenados a “trair” Gramsci. Se o repetirmos, teremos o mesmo triste fim de todos os sectários.

Como interpretar a realidade brasileira, perante toda crise política que vivenciamos, sob a perspectiva gramsciana? Quais partidos políticos mais se aproximam dos seus ideais?
Não devemos adotar a posição de “apóstolos gramscianos” diante do Brasil. Nosso país tem uma densa história própria – uma história intelectual, inclusive. As categorias gramscianas ou quaisquer outras devem ser postas a serviço da compreensão desta realidade, senão não nos servem em absoluto. Vivemos um momento de crise nacional. Um momento, aliás, que se prolonga mais do que esperávamos. Por sua vez, Gramsci não foi um político particularmente bem sucedido, tanto que morreu prisioneiro. Mas, no cárcere, soube se valer da “paciência do conceito”. O fascismo não era um episódio, um parêntese na história do seu país. Vinha de longe, derivava de questões não resolvidas, entre elas a própria forma como se fizera a “unidade” italiana, subordinando o sul da península (que, grosseiramente, poderíamos aproximar do Nordeste brasileiro). Os males brasileiros decorrem igualmente de questões que tratamos mal ao longo do tempo. Nossos períodos de democracia foram curtos, logo interrompidos por surtos duradouros de autoritarismo. Ainda pensamos muitas vezes nos quadros mentais da “estatolatria”. Os sindicatos dependem do imposto sindical getulista, quando deveriam expressar, sobretudo, a vida associativa dos trabalhadores. Os partidos, mesmo os de esquerda, estão pouco presentes na vida social e se transformam facilmente em máquinas eleitorais ou em lugares de reprodução automática de mandatos. O nexo entre partidos, políticos e cultura é frágil, quando sabemos que, hoje, sem reflexão e estudo sério a política não consegue formular boas saídas para a sociedade. Mesmo a cultura, que deve se aproximar da vida das pessoas e dos problemas da política, não pode ser de modo algum ser instrumentalizada por esta última (a política). Devemos cultivar um “cosmopolitismo moderno”, abrindo nossos horizontes e arejando nossa agenda. Ao discutirmos sobre drogas, temos de estudar a experiência de outros países, como, por exemplo, o Uruguai ou Portugal. Muitas vezes, como no filme de Fernando Grostein Andrade e Cosmo Feilding-Mellen, teremos pacientemente de ir “quebrando tabus”. Ao discutirmos sobre violência, teremos de considerar o que acontece em sociedades, como a americana, que permitem a difusão abusiva de armas. Nesta nossa longa viagem no interior da sociedade civil, marxistas de inspiração gramsciana poderão dizer alguma coisa em proveito da convivência democrática e civilizada entre pessoas de múltiplas e variadas inspirações.

Existe uma relação entre a socialdemocracia e o pensamento de Gramsci? O modelo social democrata, dos moldes dos países nórdicos, poderia ser uma solução para o Brasil?
O Brasil tem uma particularidade, uma especificidade densa, como disse acima. Não caberia reproduzir aqui o modelo clássico das socialdemocracias, que também está posto em questão neste nosso admirável novo mundo da globalização. Aliás, temos de ter o mundo como horizonte. Nossa economia deve se integrar competitivamente no cenário global, não se fechar como uma autarquia. Hoje, os reacionários são nacionalistas e até provincianos. Da socialdemocracia clássica devemos reter a preocupação central e mesmo obsessiva com saúde e educação universal. Há variados meios de obter isso, combinando ação pública e iniciativa privada, regulação estatal e mercado. E estamos muito atrasados nessas áreas, infelizmente. É inteiramente lícito que forças economicamente mais ou menos liberais, mais ou menos estatistas, disputem o comando do estado, respeitadas as regras da democracia política. Mas todas estas forças, além de cuidar do funcionamento da máquina econômica, garantindo que funcione bem e se reproduzam de modo sustentável, deveriam - por assim dizer - ter o conhecido índice Gini como referência. Ao cabo de um determinado ciclo, conseguimos nos tornar menos desiguais? O consumo coletivo - nos transportes, na saúde, na educação - ganhou fôlego e se estendeu seus benefícios ao conjunto da população, especialmente aos mais desfavorecidos? Como dizia uma faixa nas jornadas de junho de 2013, povo desenvolvido não é aquele em que o mais pobre anda de carro (ou nem sequer anda, a depender do engarrafamento...), mas sim aquele em que muitos cidadãos, das mais variadas origens sociais, trafegam lado a lado no metrô e em outros bons transportes de massa, em ambientes urbanos saudáveis para todos. Esta é uma lição da social-democracia nos seus melhores anos, que certamente temos de consultar no espírito daquele cosmopolitismo de novo tipo, atento de modo inteligente às mais variadas experiências.

A mesa redonda terá transmissão ao vivo pelo canal no Facebook da FAP: https://www.facebook.com/facefap

Convite

 

 

 


Alberto Aggio: Venezuela rumo ao totalitarismo

Há três anos eu começava a publicar artigos de opinião no jornal O Estado de São Paulo. O primeiro artigo tinha como título "O impasse venezuelano". A situação era complicada mas havia uma expectativa de que o chavismo garantiria os mínimos espaços de democracia, com alternância de poder. Há um ano, o chavismo perdeu as eleições para a Assembléia Nacional. Apoiada em massivas manifestações, a oposição esperava que aquele seria o primeiro e um importante passo para alcançar o poder democraticamente.

Passado esse tempo, o chavismo, liderado agora por Nicolas Maduro, consuma um golpe com a eleição fraudulenta da Assembléia Constituinte, faz a sua instalação e anuncia mais do que um regime autoritário. Pelas informações que se tem, a questão da "dualidade de poderes" já foi resolvida em favor do chavismo. Não há mais nenhum impasse na Venezuela.

A conquista de um "poder constituinte" acaba com a Assembleia Nacional, reafirma a escalada contra qualquer questionamento no poder Judiciário (muitos juízes já estão buscando asilo no Panamá, Chile e EUA) e instaura um conjunto de medidas de cunho abertamente totalitário: cancelamento de passaportes, regularização de documentação apenas para os favoráveis à Revolução Bolivariana, imposição de medidas extraordinárias a todos os bens particulares de todos os venezuelanos, haverá nova moeda nacional (o Sucre) e será presa a pessoa que estiver com moeda estrangeira; além disso, estarão suspensas a internet e as pessoas terão que registrar seus aparelhos eletrônicos nas instituições competente do Estado, e assim por diante.

Está claro o resultado: a democracia foi cancelada na Venezuela; sequer há o que podemos chamar de autoritarismo, que via de regra regula fortemente os espaços públicos; com o chavismo nessa nova fase, instaura-se o totalitarismo, já que o controle revolucionário vai atingir violentamente a vida privada das pessoas; não haverá mais nem autonomia e muito menos liberdade para os indivíduos diante do Estado Chavista que sairá dessa Assembléia Constituinte.

Em tempos de globalização, pode-se divisar que a Venezuela terá um regime mais radical do que foi o cubano; terá algo parecido com a Revolução Cultural chinesa, nos idos dos 60, ou algo como a Coreia do Norte. É ai que chegamos. Esperamos que os democratas latino-americanos possam compreender essa situação e mobilizar esforços, com realismo e consenso, para enfrentar o totalitarismo chavista que, sem dúvida, romperá com qualquer perspectiva de unidade ou colaboração do conjunto da América Latina.

 


Alberto Aggio: A democracia corre risco no país

Os acontecimentos de ontem (18/07) na UFMG que envolveram o Senador Cristovam Buarque (PPS-DF) são muito preocupantes. Servem de alerta a todos os democratas do país e do mundo para uma escalada regressiva que ameaça nossa convivência democrática.

Hostilizado por militantes de uma esquerda ancilosada, com brados de “golpista” e “traidor”, o Senador Cristovam Buarque, que visitava a Reunião Anual da SBPC para divulgar um livro, foi impedido, à força, de fazer a divulgação de suas ideias. Esses militantes que combatem ideias com violência política foram assim educados por essa esquerda antidemocrática. Eles pensam a política a partir da relação amigo/inimigo e foram, pouco a pouco, transformando uma das mais importantes universidades do país numa madrassa similar àquelas comandadas pelo Exército Islâmico que infelicita o Oriente Médio. O acontecimento mancha a Reunião Anual da SBPC com a marca da intolerância.

Muitas vezes confunde-se, propositalmente, intransigência – coisa a que o petismo não é acostumado, a não ser retoricamente – com intolerância – sem dúvida, uma especialidade sua. A intransigência é a defesa de princípios, estratégias e ações concretas, voltadas para uma perspectiva republicana e universalista; ela não refuga ao debate democrático e valoriza o pluralismo de ideias. A intolerância é uma postura exclusivista que visa estabelecer um dono da verdade, recusa o debate, quer eliminar o outro, impedi-lo de falar, quer evitar a discussão e impor a acusação. A intolerância é a grande marca do PT que, hoje em baixa, quer atribuir o ódio e intolerância ao outro, especialmente aos democratas, esquecendo-se de tudo o que fez e, infelizmente ainda hoje, faz contra a democracia brasileira.

A intolerância petista e filopetista explodiu mais uma vez na bela capital mineira, logo nela, terra de espírito tolerante e que prega a convivência política entre diferentes, elementos positivos da nossa tradição da qual Minas Gerais é reconhecidamente o nosso epicentro.

Na “manifestação” de ódio ao Senador Cristovam não há nenhum saldo positivo a mencionar. O objetivo imediato do PT e de seus aliados continua a ser o estabelecimento de uma fronteira intransponível entre os interlocutores da cena política brasileira. A narrativa do impeachment como golpe ocupa o lugar central nessa formulação, impedindo qualquer terreno para o diálogo. Para isso ela conta com intelectuais – não por acaso da UFMG – que revelam claramente o objetivo mais estratégico dessas manifestações de intolerância, qual seja, minar a confiança do povo brasileiro nas instituições e, principalmente, na eleição como lugar central da construção da nossa democracia.

O sentido estratégico mais nefasto dessas manifestações é claro: tal como os militares no início da década de 1980, o PT quer impedir a realização das próximas eleições. Esse é o sentido estratégico: cancelar as eleições de 2018. E a senha desse movimento será dada pela suposta (ou “esperada”) ausência de Lula na cédula eleitoral da urna eletrônica. Nada mais explícito do que o título de uma matéria jornalística com o cientista político da UFMG, Juarez Guimarães, no Portal “Faca Afiada” – que dispensa apresentações: “Lula não será candidato, nem haverá eleições em 2018”!

O pano de fundo dessa formulação tresloucada é de que o impeachment instalou o Estado de Exceção no Brasil, suprimiu a normalidade democrática e cancelou as condições objetivas do pluralismo. Todos os que apoiaram o impeachment são, nessa leitura, mais do que golpistas, são autoritários. E o PT, apeado do poder, seria, supostamente, o lato democrático da sociedade, com Lula à frente, perseguido, sua principal vítima.

De maneira irresponsável, o PT visa aprofundar a divisão do país e leva-lo para a beira do abismo. O que aconteceu com o Senador Cristovam Buarque é apenas um pequeno sinal de que a democracia no Brasil corre um sério risco. Os traços da violência política típica do fascismo começam a atravessar o umbral do Estado Democrático que construímos. É preciso, democraticamente, resistir a essa investida!

* Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp


Alberto Aggio: É preciso reinventar a esquerda no país

Política é uma paixão que deve ser vivida para fortalecer a vida, para dar sentido à ela, diz o professor e historiador Alberto Aggio. "Um sentido positivo, desafiador, de inconformismo e de busca de realismo para atuar"

Germano Martiniano

A vida política brasileira anda bastante conturbada. De um lado se vive uma crise econômica, com quase 14 milhões de desempregados. Por outro lado, o Brasil também passa por uma crise ética na política, que não é de agora, mas que tomou proporções inimagináveis com as revelações da Operação Lava-Jato. Esta é a realidade que cerca os 120 participantes e que será debatida durante o II Encontro de Jovens Lideranças, evento organizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que será realizado na Colônia de Férias Kinderland, em Paulo de Frontin (RJ), entre os dias 11 a 15 de julho.

Para dar mais força à importância do debate dessa realidade vivida hoje em todo o Brasil, a FAP idealizou a palestra “Da revolução à democracia: uma esquerda a inventar”, que será ministrada pelo professor e historiador Alberto Aggio. “A discussão da esquerda é intrínseca à discussão da crise que o país vive”, disse Aggio.

O historiador, que defende a necessidade de se reinventar a esquerda brasileira, é o entrevistado de hoje na série de entrevistas especiais que a FAP está publicando com os palestrantes do II Encontro. Confira, a seguir, alguns trechos da entrevista:

FAP: Qual a importância de se discutir este tema com os jovens?

Alberto Aggio - A discussão da esquerda é intrínseca à discussão da crise que o país vive. Infelizmente, foram os governos de esquerda comandados pelo PT que colocaram o país na crise que ele está. Assim, é inevitável fazer essa discussão. Contudo, não se deve discutir apenas a partir do PT e de seus governos. Todos sabemos que a esquerda vive hoje uma crise de significados, de projeto e, principalmente, em relação às respostas à crise que o país enfrenta. Depois do PT não há como não se pensar numa reinvenção da esquerda no país.

FAP: por que a necessidade da esquerda se reinventar? O crescimento de movimentos de extrema direita é reflexo de um esgotamento da esquerda?

Alberto Aggio - Não creio que uma coisa esteja diretamente ligada à outra. Acho que a extrema direita cresce porque os dilemas contemporâneos envolvem todas as forças políticas e as respostas que essas forças têm que dar a uma mudança de época que estamos vivendo no mundo, na humanidade. É uma espécie de mutação antropológica o que estamos passando. Se a esquerda não se reinventa, ela se inabilita a ser um ator capaz de dar respostas à essa crise.

FAP: como você vê a esquerda no Brasil atualmente?

Alberto Aggio - A esquerda brasileira passa por um realinhamento em função do desastre que foram os governos do PT, em especial os de Dilma Rousseff. As alternativas que têm sido apresentadas, de certa forma, querem refazer o caminho do PT, desde suas origens. Em certo sentido, reconstruir o PT. Isso não tem sentido, o Brasil já é outro, o mundo já é outro. A esquerda que apoiou o PT carregou muitos elementos autoritários que já deveriam estar fora de discussão. Ela simpatiza com Cuba, com o chavismo, ainda guarda a perspectiva anti-imperialista que, num contexto de globalização, não faz mais sentido. Pensa ainda que a luta de classes é o motor da história e que devemos projetar uma revolução para o nosso país. Por outro lado, não valoriza a democracia que nós construímos, suas instituições e, por isso, não tem uma postura positiva de reformas dessas instituições e, portanto, da sociedade. Por outro lado, outros grupos de esquerda foram sufocados com o predomínio no PT e hoje são francamente minoritários. É o caso de uma esquerda democrática que pense a construção de uma sociedade moderna no país por meio da política e da cultura democrática. Diante da crise de referências, a esquerda não pode se projetar no país, senão, como uma força de centro-esquerda, que proponha um governo de centro-esquerda, reformista e democrático. Quem permanecer junto com o lulismo e sua narrativa não estará credenciado a fazer isso.

FAP: muitas pessoas consideram as reformas propostas pelo governo Temer como sendo de direita. Por outro lado, o mundo do trabalho está se modificando, a população brasileira envelhecendo, desta forma a esquerda não pode negar essa situação. Qual sua avaliação?

Alberto Aggio - As reformas de Temer não são nem de esquerda nem de direita. São, em primeiro lugar, emergenciais em função do descalabro que o petismo promoveu no Estado brasileiro. Por outro lado, elas avançam em alguns pontos que tocam numa necessária reforma estrutural do Estado. Em termos genéricos, pode-se dizer que ela é tímida como reforma à esquerda se pensarmos que ela nem projeta uma reforma tributária que valorize as necessidades básicas da população mais carente, que atinja os preços da cesta básica e também do desenvolvimento regional. A direita também deve imaginar que são reformas tímidas porque ela objetiva uma postura mais radical de diminuição do Estado e até de extinção da ação do Estado em alguns casos. A narrativa que visa estabelecer que as reformas de Temer são de direita, que retiram direitos, faz parte da narrativa petista de combate ao impeachment. Ela se situa num campo de reação e de revanche ao impeachment, visando sair da defensiva em que o PT foi colocado. Assim, não vejo como não estar no campo de discussão das reformas e apoiá-las naquilo que significa um avanço para o país. Acho essa a posição mais correta.

FAP: Qual mensagem você daria ao jovens que vão participar do II Encontro?

Alberto Aggio - Olha, o Encontro de Jovens é um momento importante, mas é apenas um momento. Pode-se extrair dele, além dos afetos que eventualmente possam ser gerados, um conjunto de questões para pensar a política em termos democráticos. Política é uma paixão que deve ser vivida para fortalecer a vida, para dar sentido a ela, um sentido positivo, desafiador, de inconformismo e de busca de realismo para atuar. Para os jovens que estarão lá, espero que essa seja uma descoberta valiosa.

 


Vídeo: Seminário sobre Gramsci em Roma

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) participou, nos dias 18 a 20 de maio, do Seminário Hegemonia e Modernidade, em Roma, Itália. O evento, organizado pela Fundazione Gramsci, teve o objetivo de “realizar uma discussão envolvendo os estudiosos do pensamento de Gramsci em diversas partes do mundo”. A FAP foi representada por meio de dois de seus dirigentes, especialistas em Gramsci no Brasil, Alberto Aggio e Luiz Sérgio Henriques (que também é tradutor do filósofo). O convite da organização do evento, para que a Fundação Astrojildo Pereira integrasse o seminário, foi um forte reconhecimento das atividades de publicação e tradução do pensamento de Gramsci realizado pela FAP e de seus comentadores aqui no Brasil. Confira, abaixo, o vídeo com um resumo dos debates.



Alberto Aggio: A disjuntiva gramsciana

De um lado, o Gramsci da ‘política democrática’ e, de outro, o Gramsci da ‘política revolucionária’

Neste ano relembramos os 80 anos da morte de Antonio Gramsci, líder político comunista, reconhecido como um dos mais importantes pensadores da Itália. Depois da derrota do fascismo e do fim da 2.ª Guerra, suas ideias ajudaram a fertilizar o terreno que redundaria na construção da moderna República Italiana. Encarcerado por Mussolini em 1926, Gramsci não pôde ver essa tarefa realizada. Sem ter nunca publicado um livro, a difusão do seu pensamento se deve a seus editores, depois do resgate das notas que escreveu na prisão. Desse resgate resultaram as diversas edições dos famosos Cadernos do Cárcere, editados no Brasil desde a década de 1960.

Bastante conhecido no Brasil, o texto gramsciano presta-se a infindáveis polêmicas em torno da interpretação e dos usos dos seus conceitos. Muitos o veem como um ameaçador seguidor de Marx e Lenin, um revolucionário comunista sem mais. Outros o admiram por sua capacidade de perceber as mudanças de sua época, anunciando os traços da complexidade social que viria a se edificar com mais vigor bem depois de sua morte.

O pertencimento de Gramsci ao marxismo e ao comunismo é patente, ainda que ele seja reconhecido como um formulador original e considerado um “clássico da política”. Inicialmente, foi visto como um “pensador da cultura nacional-popular” e um “teórico da revolução nos países avançados”, de cuja obra se extraíram os conceitos que o tornaram um autor assimilado em grande escala. Recentemente, a partir de uma “historicização integral” da sua trajetória, visando a apanhar simultaneamente vida e pensamento (Giuseppe Vacca), aliada à recepção e ao tratamento de fontes inéditas ou até ignoradas, vem emergindo uma nova inserção de Gramsci na política do século 20. Essa perspectiva analítica tem permitido a superação dos diversos impasses e bloqueios que marcaram por longos anos os estudos gramscianos.

Mesmo na prisão, Gramsci continuou sendo um homem de ação. Tudo o que escreveu, das reflexões anotadas nos cadernos à correspondência com familiares e amigos, indica que ele permaneceu atuando como um dirigente político. Nessa condição, procurou fazer chegar à direção do Partido Comunista Italiano (PCI) suas avaliações do cenário italiano e mundial, bem como seus questionamentos a respeito de algumas orientações do PCI que lhe pareciam equivocadas. É desse comprometimento que emergem os termos de uma “teoria nova”, hoje reconhecida no mundo da política e dos intelectuais.

Nos Cadernos do Cárcere foi se sedimentando um novo pensamento, com o qual Gramsci imaginava poder mudar as orientações do movimento comunista. Do texto de Gramsci se pode apreender uma superação clara do bolchevismo, notadamente em relação à concepção do Estado, à análise da situação mundial, à teoria das crises e à doutrina da guerra como parte intrínseca da revolução.

Não foi por acaso que dessas reflexões emergiu a proposta de luta pela convocação de uma Assembleia Constituinte. Isso implicava deslocar o PCI da preparação da revolução proletária para a conquista da Constituinte. Em outras palavras, estrategicamente a luta pela democracia deixava de ser pensada apenas como fase de transição para o socialismo e assumia autonomia plena. No mundo do comunismo da década de 1930 tratava-se de um ato de ruptura. Assim, o ponto de chegada dos Cadernos foi a elaboração de uma nova visão da política como luta pela hegemonia, o que, em termos objetivos, representaria a adoção de um programa reformista de combate ao fascismo e, com ele, a reconstrução da nação italiana.

Essa nova teoria, dramaticamente elaborada no interior das prisões fascistas, resultava do enfrentamento dos impasses que o atormentavam como dirigente político: a derrota para o fascismo e a perda de propulsão do movimento comunista soviético, bloqueado pelo “estatalismo” e pelo autoritarismo. Os conceitos de Gramsci, tais como “hegemonia”, “guerra de posições”, “revolução passiva”, “transformismo” e “americanismo”, entre outros, evidenciam uma linguagem própria, não mais bolchevique ou leninista, de quem, mesmo na prisão, pensava de maneira inovadora os desafios que estavam postos diante da construção política da modernidade no Ocidente.

Em meio às lutas pela democracia, diversas gerações de intelectuais brasileiros que se aproximaram do pensamento de Gramsci buscaram uma tradução dos seus conceitos para nossas circunstâncias. Da década de 1970 para cá, parecia haver consenso na assimilação dos conceitos do pensador sardo, mas a realidade não confirmou essa tese.

Hoje há uma disjuntiva explícita: de um lado, o Gramsci da “política democrática”, ou seja, da política-hegemonia, enquanto “hegemonia civil”, não mais “proletária” ou “socialista”; de outro, o Gramsci da “política revolucionária”. Na primeira “leitura”, a revolução não é mais o centro da elaboração política e a perspectiva se deslocou no sentido de exercitar o conceito de revolução passiva até seus limites, isto é, acionar permanente e intransigentemente a política democrática visando a inverter a longa “revolução passiva à brasileira” (Werneck Vianna), de marca autoritária e excludente, e dar-lhe novo direcionamento.

Aqui estamos diante de uma tradução do Gramsci que se descolou da sua originária demarcação revolucionária e se distanciou de um marxismo que ainda tem como referência uma época histórica de revoluções. É isso que lhe dá o viço ainda hoje. Inversamente, o “outro” Gramsci permanece prisioneiro de uma representação construída a partir de um duplo sentido: representação de classe, como o fora anteriormente, numa perspectiva revolucionária, e, noutro sentido, como representação da conservação e difusão de um imaginário revolucionário do qual se querem resguardar os signos e significados de uma época revolucionária terminada há décadas.

 


Para Alberto Aggio, origem da crise que o País atravessa está no modelo adotado por Dilma Rousseff

Ao fazer um balanço do ano e das perspectivas para 2017 a pedido do Portal do PPS, o professor de História e diretor da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), Alberto Aggio, entende que a origem da grave crise econômica, política, ética e institucional que o País atravessa não está no governo de transição do presidente Michel Temer, mas no modelo adotado pela ex-presidente Dilma Rousseff, afastada do cargo pelo processo de impeachment que se arrastou por oito meses.

Para o historiador, Dilma optou por um “projeto econômico ultrapassado e de perpetuação de poder sustentado na corrupção” que resultou na perda de confiança do governo e desembocou nas manifestações pró-impeachment pelas ruas do País, ainda em 2015.

O principal objetivo a ser atingido pelo governo Temer, na sua avaliação, é o de “rearranjar o país” para 2018 e realizar as reformas para a retomada da economia. Aggio diz também que o governo de transição, como o anterior, sofre de um crise ética e está refém do “velho patrimonialismo pelo qual multidões saíram às ruas desde 2013”.

No entanto, o professor considera que o atual governo “é legitimamente constitucional e demonstra capacidade de realizar os ajustes” que o País precisa. Sobre 2017, Aggio projeta um ano com tantas turbulências como foi 2016. Veja abaixo.

Origem da crise

Quem argumenta que a crise existente hoje no Brasil tem como sua principal razão o governo de Michel Temer parece que viveu fora dele, pelo menos, nos últimos 10 anos. Desconhece o que se passou e o que se passa aqui. A crise e sua profundidade aguda – a ponto de até alguns dizerem que se nós não fizermos nada, nosso caminho será muito parecido ou pior do que o da Grécia –, derivam dos descaminhos adotados na economia e na política pelos governos petistas, especialmente pelo de Dilma Rousseff.

Projeto ultrapassado

Quando tudo já indicava que um projeto de tipo nacional-desenvolvimentista, com o Estado, nucleando as iniciativas e áreas de investimento de recursos públicos, intimamente vinculado a capitais nacionais (os chamados “campeões nacionais” do petismo) e internacionais, era um projeto já ultrapassado frente aos ditames da globalização e, em sua obrigatória seletividade, nefasto a um desenvolvimento mais equilibrado e competitivo da nossa economia, a ex-presidente Dilma fez uma escolha fatal que gerou a crise em que nos metemos.

Corrupção

Agregada a essa crise econômica, as revelações de um sistema mafioso de poder, sustentando nível de corrupção de recursos públicos jamais vistos, encheu de indignação uma sociedade cada vez mais informada e ela desceu às ruas. O projeto de Dilma e do PT se tornaria então insustentável e seu principal aliado, o PMDB, de Michel Temer, resolveu pular fora do barco.

Manifestações

Multidões nas ruas passaram a demandar o impeachment de Dilma e gradativamente o PMDB, que havia contribuído (e muito) com a sua eleição, foi abandonando o governo. Temer foi eleito legitimamente junto com Dilma e, portanto, não é verdade que ele não teve voto algum. Talvez se possa dizer mesmo que foi o PMDB que elegeu e reelegeu Dilma. Reelegeu, tomou posse e governou, como fazia no período anterior; mas, já dava mostras de insatisfação com as orientações da ex-presidente.

Impeachment

Após o impeachment e a assunção definitiva de Michel Temer, o país pôde começar a se reorganizar. Mas, os déficits e as disfunções acumuladas durante os últimos governos revelaram-se de tal monta que se tornou cada vez mais evidente que a travessia até bom porto, com a recuperação da economia e o retorno ao diálogo saudável entre as forças políticas, seria cheia de obstáculos e necessitaria de paciência e sobriedade. É nisso que estamos nesse final de 2016 e, provavelmente, será o que irá perdurar em 2017.

Governo de transição

O de Temer é um governo de transição cujo objetivo central é rearranjar o país para se chegar a 2018. É a tal travessia, pinguela, corda-bamba ou seja lá o nome que se dê. Para realizar esse objetivo, deve fazer reformas, e algumas ele já está fazendo e o Congresso tem aprovado, com mudanças maiores ou menores. A base parlamentar é essencial para Temer e configura-se seu principal ativo político.

Crise ética

Mas a crise ética que vem do governo petista também está presente nesse governo de transição. A composição do pessoal governante do Executivo vem apresentando diversos problemas ao governo em razão da trajetória anterior do seu “núcleo duro”, quase todo ele comprometido com problemas de corrupção que foram levantados pela operação Lava-Jato, dentre outras. Diversos ministros tiveram que ser substituídos, evidenciando que o problema é mais grave e profundo: a resiliência do velho patrimonialismo a solapar a res republica, pelo qual multidões saíram às ruas desde 2013. Este é um déficit que o governo Temer não conseguiu superar e que se configura como seu maior problema. As manifestações massivas de rua que têm ocorrido esse ano atacaram esse problema. Aquelas que se voltam a combater aspectos das reformas que o governo está colocando em marcha foram pouco massivas e, regra geral, descambaram para a violência. O que é negativo para o debate em torno das reformas, que não têm consenso garantido, nem dentro da base governista.

Retomada do crescimento

O governo Temer é legitimamente constitucional e demonstra capacidade de realizar os ajustes necessários para que se retome o crescimento. Talvez isso não ocorra com a velocidade que todos esperamos, mas parece não haver outro caminho. Mas esse governo (e nenhum outro) pode dar as costas à necessidade de transparência e lisura na administração pública, em defesa do que é patrimônio de todos. O país mudou e contesta com vigor a privatização do Estado, seja ela de que natureza for. E esse é um embate de natureza estrutural que está apenas começando.

2017

Não parece ser um ano com menores turbulências do que foi o de 2016. Estamos num percurso complicado e complexo. Por ora não há nem sarneização nem dilmização de Temer e “Diretas Já” tem a ver com outro tempo da história do Brasil; só faz sentido na cabeça de passadistas que se recusam a aceitar que a sociedade brasileira já é outra. A partir de uma posição de intransigência democrática e republicana, o país precisa se unir e buscar um novo horizonte para realizar essa travessia.


Fonte: pps.org.br


"Um lugar no mundo", de Alberto Aggio

O CRH/FFCH e os Departamentos de Ciência Política e História da Universidade Federal da Bahia, organizam lançamento e debate de livro "Um lugar no mundo", do autor Alberto Aggio.

Dia: Terça-feira, 6 de dezembro de 2016
Horário: 14h
Local: Auditório do CRH - Estrada de São Lázaro, 197 Federação - Universidade Federal da Bahia Salvador/BA
Debatedor: Prof. Muniz Ferreira (Departamento de História da Universidade Rural do Rio de Janeiro)

*Com a presença de Alberto Aggio.

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Alberto Aggio: As múltiplas vigências do populismo

Foi Isaiah Berlin que, em maio de 1967, numa conferência proferida em Londres, chamou atenção para o fato de que o “complexo de Cinderela” rondava o conceito de populismo. Mobilizando os componentes da fábula, Berlin afirmava que a essência do populismo, seu núcleo fundamental, não se encontrava na realidade, mas no comportamento intelectual de se buscar, por toda a parte, o chamado “populismo puro, verdadeiro, perfeito”, tal como o príncipe que, naquela estória, sapato em punho, vagueava errante em busca do pé da donzela que o encantara. Mesmo que sua ocorrência se tivesse dado em um único lugar, não importando sua vigência no tempo, o que se buscava pelo nome de populismo era, na verdade, a realização de um “ideal platônico”. Por ser assim, o populismo “realmente existente” seria sempre uma versão incompleta ou uma perversão. Apesar desse imenso déficit analítico, o populismo continuou a ser, nas ciências sociais ou na linguagem política, uma referência conceitual para caracterizar lideranças, movimentos ou regimes políticos, da mesma forma que, sem assumir-se como tal, correntes políticas diferenciadas continuariam a expressar a perspectiva de sua realização por meio de estratégias variadas de ação política.

A pré-história do conceito registra que o neologismo nasceu da tradução para o inglês do movimento narodnik na Rússia da segunda metade do século XIX. No mesmo período, ele também seria utilizado, em menor escala, para identificar o movimento político de pequenos e médios produtores rurais no hinterland norte-americano. Depois da Rússia, a América Latina é a “grande pátria do populismo”, escreveu José Aricó. Foi nela que o conceito fincou raízes e se generalizou, a ponto de ser a denominação de um período da sua história.

Como conceito, o populismo resultou de um movimento reflexivo que visava explicar a inadaptação das camadas populares, advindas do campo, à vida urbana que se impunha de maneira irrefreável na América Latina desde a década de 1930. A teoria sociológica registrou uma conexão entre a atitude mental de reação à modernidade dessas camadas populares e os fenômenos de natureza pré-democrática que derivavam da inexperiência política do conjunto da sociedade latino-americana na transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna. Os líderes que tiveram o respaldo político dessas camadas populares e se tornaram os principais protagonistas dos processos de superação da forma política de dominação oligárquica foram chamados de populistas, ainda que nenhum deles tenha assumido tal identidade.

O populismo emergiu num cenário de crise do liberalismo e de ascensão de massas, na América Latina e no mundo. Enquanto governos ou regimes, o populismo orientou sua política para a construção de uma sociedade industrial e moderna, politicamente orientada pelo Estado, ao mesmo tempo em que normatizou a “questão social”, incorporando as massas ao mundo dos direitos. Superou o liberalismo das oligarquias por meio de uma “fuga para frente” cujo objetivo foi o de realizar transformações sem rupturas violentas, evitando o que havia ocorrido nos processos capitalistas e socialistas de industrialização retardatária. O populismo promoveu a superação do atraso, sem revolução, garantindo, pela primeira vez, que o tema da cidadania fosse equacionado pela política nesta parte do Ocidente. Se aprofundarmos essa leitura, a “era do populismo” poderia ser compreendida por meio da categoria gramsciana da “revolução passiva”, abrindo novas perspectivas de interpretação.

Seja como for, o populismo interditou a via de passagem “clássica” à modernidade, caracterizada pela integração autônoma das classes populares às estruturas políticas da democracia liberal de perfil europeu. Ao invés disso, conectou desenvolvimento econômico e espaços institucionalizados de integração político-social de massas, reservando ao Estado um papel central. Essa configuração foi compreendida pelas ciências sociais como a principal razão de a sociedade latino-americana expressar claros limites para vivenciar a modernidade. Um diagnóstico poderoso e de muitas implicações: mais do que um conceito, o populismo era, no fundo, uma teoria explicativa a respeito dos descaminhos da modernidade latino-americana. Esta visão acabou produzindo uma cristalização cognitiva, fazendo com que a palavra populismo se generalizasse como representação de um passivo insuperável.

A história tratou de questionar essa interpretação. A luta política contra os regimes autoritários, especialmente no Brasil, deslocou o populismo do centro da política latino-americana, recusou a centralidade do Estado e promoveu a autonomia da sociedade civil em sua dinâmica de expansão da cidadania. No plano mundial, a globalização alterou a relação entre política e mercados. Tudo isso parecia enterrar definitivamente o populismo como um constructo ideológico passível de ser mobilizável apenas na “era dos Estados Nacionais”, mas anacrônico no contexto de globalização. Nessas circunstâncias, a política democrática começava a agregar novos valores à “revolução passiva”, agora em registro positivo, invertendo os vetores de sua orientação, com a mudança dirigindo a conservação.

A trajetória do populismo no século XX foi, em certo sentido, democratizadora, ainda que, em geral, avessa ao constitucionalismo e ao liberalismo. Contudo, a partir do início do século XXI, a mesma conjuntura que viu o avanço das amplas liberdades, do pluralismo e da alternância de poder nas democracias latino-americanas recém-saídas do autoritarismo também produziu uma espécie de “revanche do populismo” que, hoje, se expressa na moldura do bolivarianismo. Nela se supõe a emergência de uma forma de política na qual a relação entre governantes e governados abriria passagem para a construção de uma democracia direta e participativa, superior à democracia representativa, entendida como obsoleta e ineficiente. O populismo do século XXI busca uma identidade integral entre a instituição do “povo-sujeito” e a política, anulando a ideia de representação bem como a noção de “governo do povo”, entendida como uma contradição em termos.

Para Laclau, a razão populista e a razão política são idênticas, o que desloca para o plano secundário a deliberação racional vigente nas democracias ocidentais. Essa radicalização contraposta à modernidade, avessa ao individuo e sua expressão autônoma, que dá sustentação ao populismo do século XXI, sintetizada por Félix Patzi, ex-ministro da educação da Bolívia, como “uma espécie de autoritarismo baseado no consenso”.

Laclau realiza uma simbiose entre a teoria do populismo e as expectativas decantadas pelo marxismo quanto a uma revolução promotora da unificação, como dissemos acima, entre a razão do povo e a razão política. Por isso, faz sentido ele afirmar que hoje “há um fantasma que assombra a América Latina: esse fantasma é o populismo”. A paráfrase de Marx é imediatamente reconhecível e pode-se deduzir que Laclau pensa em reservar ao “populismo atual” um lugar idêntico ou semelhante ao que Marx imaginava para o comunismo na Europa dos idos de 1848.

Mas, ao contrário de Laclau, pelo menos até agora, o que se pode anotar é que o populismo dos dias que correm é visivelmente uma força regressiva no político. Hoje, no interior da moldura do bolivarianismo, nele predominam o autoritarismo, a intolerância e o antipluralismo. Onde é possível, afronta os direitos humanos, suprime as liberdades, reprime opositores, persegue juízes e jornalistas. Onde a ordem constitucional democrática é mais legitimada, a resistência é maior.

Alberto Aggio é historiador e professor titular da UNESP


Fonte: revistasera.info


Alberto Aggio: Gambiarra no centro do mundo

Os Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro, ao contrário de alguns prognósticos, não arrastaram para nossas terras o flagelo do terrorismo. Talvez seja a confirmação da suposição de que o Brasil está mesmo fora da tenebrosa rota que o terrorismo vem traçando em várias partes do mundo ou que as medidas tomadas no plano da segurança, antes e durante a realização dos Jogos, revelaram-se eficazes. Ao que parece, nesse quesito fomos tão vitoriosos quanto os melhores atletas que por aqui desfilaram, e, ao final, respiramos aliviados. O fato é que as Olimpíadas nos colocaram no centro do mundo e, nessa posição, integrados a sistemas de segurança globalizados, conseguiu-se afastar a terrível ameaça que ronda o início do século XXI.

Em termos esportivos, o Brasil marcou sua posição: não somos potência olímpica, mas também não somos residuais. Como sempre, para além do talento individual, tivemos vitórias inesperadas de atletas emergentes, a confirmação do favoritismo em alguns esportes e o fracasso, até inesperado, em outros. No final, foram atestadas as nossas deficiências de financiamento e apoio técnico, sem os quais é impossível avançar para a elite do esporte mundial. A conquista da inédita medalha de ouro no futebol masculino é um êxito a ser comemorado, mas não há razões para ilusões. São resultados que denotam mais uma vez a anemia da nossa política esportiva.

Depois das confusões iniciais, correções na organização do megaevento parecem ter contentado o público presente. Mas os custos das inúmeras construções bem como o seu custeio posterior permanecerão como um passivo de não pouca monta. A renovação urbanística do centro do Rio de Janeiro reafirmou a opção por transformar o Rio numa cidade turística global. As mudanças em termos de mobilidade urbana e de segurança foram bem recebidas por turistas e cariocas, embora, no primeiro caso, haja dúvidas quanto à manutenção da sua eficiência e, no segundo, já se sabe, infelizmente, o que esperar depois da retirada das forças nacionais de segurança. Por tudo isso, tem razão Fernando Gabeira quando afirma que “a Olimpíada foi produto de um delírio do passado, realizado com os pés no chão da aspereza do presente”.

O espetáculo de abertura dos Jogos causou certo frisson na opinião pública e entre os intelectuais. Qual Brasil deveria ser apresentado ao mundo e aos próprios brasileiros? Diante de distintas e sempre inconclusas interpretações do Brasil, que elementos essenciais e significativos deveriam orientar a coreografia de imagens, canções, sons e danças daquela abertura? A competência dos criadores produziu um resultado visualmente vibrante e surpreendentemente consensual. Tudo foi muito bem projetado, ensaiado e executado. Um espetáculo de entretenimento, com muito boa técnica e, dizem, parcos recursos por conta da crise.

O toque destoante foi a qualificação dada por seus criadores à concepção que orientou o espetáculo. Sua síntese norteadora estava na palavra “gambiarra”: o Brasil seria então um “país-gambiarra”. Na encenação, foram valorizadas as transformações ocorridas na sociedade brasileira a partir de uma leitura acomodada da nossa trajetória moderna, mas que vem em boa hora. Contudo, mesmo que o espetáculo não tivesse sido projetado para exercitar a reflexão, essa louvação ao “jeitinho brasileiro” como prática e método reiterável, esse elogio ao paliativo, ao remendo, não é apenas um exagero, trata-se de um desserviço. Uma louvação extremamente perigosa, especialmente nessa hora em que o país necessita ser reinventado e não glorificado por meio de uma interpretação mítica sobre ele. Onde há glorificação não há pensamento crítico. Afinal não é isso que se quer para as nossas escolas?

As críticas pontuais feitas ao espetáculo de abertura evitaram enfrentar a nossa crise atual em toda sua profundidade. Não conseguiram abarcar as razões pelas quais a nossa modernidade está hoje empacada pela ineficiência do Estado diante das demandas da Nação, sem mencionar a hemorragia que a corrupção impõe aos recursos públicos. Em meio à encenação se poderia bradar, com satisfação: “Yes, nós (ainda) temos modernismo”. Mas não será um “tropicalismo revisitado” que terá o condão de nos dar a chave para o futuro, retomando os velhos temas da “questão nacional”, que hoje já não é o essencial para nós, uma sociedade imersa nos desafios de uma nova era histórica, marcada pela globalização, com seu cosmopolitismo, suas interdependências e sua irrefreável mudança tecnológica. Efetivamente, nenhuma gambiarra nos serve nessa hora; nenhuma gambiarra deve salvar um governo corrupto que arrasou a economia do país e impôs sacrifícios imensos a trabalhadores e insegurança total a empreendedores.

Uma parte da encenação é bastante significativa. Nela, um menino, isolado e reflexivo, singelamente se senta ao lado de uma muda de árvore, indicando que devemos, com urgência, salvar a natureza. Ele não traz consigo um livro ou um computador, ou os dois. Foi uma oportunidade estética perdida, num país que, nos últimos anos, viu crescer o analfabetismo em algumas das suas regiões. Para os brasileiros fora do Maracanã, aquele “pouquinho de Brasil” (“que canta e é feliz”), que estava lá dentro, não satisfaz. É preciso que definitivamente deixemos de ser conservadores: nossa política, se quiser ser democrática, deve superar o recado contido na estética da abertura dos Jogos.

Ao invés da consagração de “utopias retóricas” – perdoem-me a redundância –, seria mais produtivo um reencontro com a realidade. A história é mundial há séculos e a globalização cristalizou essa tendência, sem que haja possibilidade de retorno. Nosso tempo é este e nele estão as possibilidades do país e não em uma imagem edulcorada de si mesmo, projetando uma especialização passiva e fugaz diante do mundo. (Revista Será  – 09/09/2016)

Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp


Fonte: pps.org.br


Alberto Aggio: De novo as ruas?

As manifestações que ocorreram no final de semana contra o governo foram mal compreendidas pelo Presidente Temer e até mesmo por políticos experientes, como o ministro José Serra. Ambos deram palpites infelizes e, equivocadamente, mais tarde, se convocou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para amenizar. As manifestações tiveram alguma importância e impacto apenas em São Paulo. Pelo número de manifestantes, se fizermos um cômputo nacional, seu significado fica bastante comprometido. Houve manifestações muito pequenas no Rio de Janeiro, Curitiba e Salvador. Não há noticia de manifestações em importantes capitais, como Recife, Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza, Natal, Goiânia. Se nos referirmos a cidades importantes, como Guarulhos, Santos, Juiz de Fora, Ribeirão Preto, Campinas, Joinville, Ilhéus, Caruaru, para mencionarmos apenas algumas, o fracasso é retumbante.