Ação contra a mudança global do clima

Fernando Gabeira: Trump e seus limites

Com a posse de Trump, começa uma nova fase no mundo, na medida em que ele é influenciado pela mudança de presidentes nos EUA. Até aqui a maioria dos analistas manteve uma postura de estudo e atenção. Os governos estão de orelha em pé. Até que ponto Trump presidente e Trump candidato são a mesma pessoa? Independentemente dos impulsos pessoais, as salvaguardas da democracia americana limitam seu poder.

No final de seu mandato, Obama conta com um aprendizado: ter conhecido os limites do possível, mesmo quando se ocupa um cargo dessa dimensão. São duas pessoas diferentes. Obama é um intelectual, com formação literária. Usava parte de suas noites para ler, era a forma de se distanciar do turbilhão das notícias, ganhar perspectiva. E, como ele próprio confessou, entrar no chinelo dos outros, viver outras vidas. Obama aprendeu sobre o ser humano com Shakespeare, que descreveu na cultura ocidental a integralidade do ser humano, com suas baixezas e loucuras, ridículos e algumas qualidades.

Trump é um empresário, e talvez seu arquétipo seja George Babbitt, o rechonchudo e próspero empresário, também um símbolo da cultura americana. Babbitt é um personagem de Sinclair Lewis, primeiro escritor americano a ganhar o Prêmio Nobel. Na casa de Babbitt, os filhos não iam estudar Belas Artes ou Literatura, mas se preparar para o mundo dos negócios. Trump tem experiência de televisão, maneja o Twitter, é um empresário de outra época. Apesar disso, tem oposição na indústria cultural.

Desde já, com boicotes à posse e críticas em Hollywood, o que posso deduzir é que a própria influência americana no mundo se fará com salvaguardas. De um lado, o desdobramento da política de Trump; de outro a crítica do universo cultural. As primeiras intervenções dos responsáveis pelo Pentágono e pela CIA já mostraram que eles divergem de Trump em dois temas essenciais da campanha: a relação com Putin e o muro na fronteira com o México. Para um deles, o status da Rússia permanece o mesmo no universo da vigilância americana. Para outro, o muro não é melhor saída para o problema dos clandestinos.

Apesar de todos os enigmas, Trump deve tentar satisfazer aos eleitores, abrindo empregos e buscando ressuscitar algumas industrias em declínio. O caminho deverá ser o protecionismo. E o impacto regressivo na estrutura do comércio mundial pode ser ruim. E além disso, os resultados internos também são duvidosos. Finalmente, Trump candidato nega o aquecimento global e o atribui à invenção dos chineses. Imaginem, os chineses custaram a aderir aos primeiros acordos internacionais. Só uma mente simples pode atribuir uma influência dos chineses em milhares de cientistas do mundo que trabalham com o tema e apontaram sua gravidade antes da própria burocracia comunista.

No Twitter fala-se de tudo, em 140 caracteres. Num mundo de notícias falsas, da pós-verdade, versões suplantam as evidências. Isso não significa que a realidade não venha cobrar sua conta. Não importa tanto descrever Trump. É sua atuação como presidente que vai influenciar temas sensíveis para a Humanidade: a imigração, o comércio internacional, o aquecimento do planeta.

Aqui no Brasil será preciso muita cautela, uma vez que Trump tem se fixado mais no México. Na América do Sul, apenas Nicolás Maduro o saudou com entusiasmo. Temos, em menor escala, o problema dos imigrantes, vivemos um momento de desemprego e, desde a queda de Dilma, o país se direcionava para intensificar as relações com os Estados Unidos. A crise econômica, a corrupção, cabeças cortadas, a violência urbana, tudo isso serve para projetar uma imagem negativa. Será preciso concentrar-se nesses problemas, e ter cabeça fria na relação com Trump. No momento em que o mundo dá essa reviravolta, creio que vai se entender uma fase de economia de opiniões brasileiras sobre o seu destino. Todos sabem que estamos ocupados demais em sair da maré negativa de quase uma década, agora acrescida dos horrores nos presídios. A expectativa sobre o que Trump fará como presidente é enorme. Grandes emoções podem vir, mas o foco é aqui dentro. Não se pode dançar com leveza com tantos espinhos nos pés.

Não estou propondo um desligamento do mundo. Apenas lembrando que neste momento o exame do que se passa não foge de um tema inescapável: isso nos ajuda ou não a sair da crise? O comércio com os Estados Unidos pode ser um elemento dinâmico. O Brasil já faz esforços nesse sentido, desde as eleições. Mas com as constantes referências de Trump à taxação de produtos estrangeiros, até isso para mim é um enigma. Num mundo de enigmas, só tenho certeza de que aqui estamos num buraco, sonhando em escapar dele.

* Fernando Gabeira é jornalista


Fonte: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/01/trump-e-seus-limites-fernando-gabeira.html


Poder não deve ser visto como propriedade pessoal, diz Ban a líderes mundiais

Em discurso na abertura do debate da Assembleia Geral nesta terça-feira (20), o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, fez um chamado em defesa da democracia nos países do mundo, afirmando que o poder deve ser fruto da confiança dos povos, e não encarado como propriedade pessoal de líderes políticos. Em sua fala a representantes dos 193 Estados-membros, Ban chamou de “covarde” o ataque contra comboios humanitários na Síria ocorrido na véspera, e disse que “patrocinadores da máquina de guerra” têm sangues nas mãos.

Em discurso na abertura do debate da Assembleia Geral nesta terça-feira (20), o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, fez um chamado em defesa da democracia nos países do mundo, afirmando que o poder deve ser fruto da confiança dos povos, e não encarado como propriedade pessoal de líderes políticos.

“De fato, em muitos lugares, vemos líderes reescrevendo constituições, manipulando eleições e tomando outros passos desesperados para se agarrar ao poder”, disse Ban. “Os líderes precisam entender que ficar no poder é um ato de confiança, garantido pelo povo, não uma propriedade pessoal”, completou.

Ban chamou líderes mundiais a servir à população, dar voz à sociedade civil e defender direitos de reunião e livre expressão. “Não subverta a democracia; não roube os recursos de seu país; não prenda e torture seus críticos”, disse.

“Peço a todos vocês que se unam a mim hoje dizendo ‘sim’ para um maior espaço à sociedade civil e uma mídia independente, e ‘não’ para a violação das liberdades de reunião e expressão”, declarou.

Guerra na Síria

Em seu último debate da Assembleia Geral no cargo de chefe da ONU, Ban declarou estar “profundamente preocupado” com os conflitos cada vez mais longos e mortíferos globalmente, em especial com a guerra na Síria.

Ele lembrou que, atualmente, 130 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária no mundo, das quais dezenas de milhões são crianças e jovens. “Conflitos armados ficaram mais prolongados e complexos. Falhas de governança levaram sociedades ao limite. A radicalização ameaçou a coesão social — precisamente a resposta que os extremistas violentos desejavam”.

Ban criticou o governo sírio, que segundo ele matou mais do que qualquer outra parte no conflito do país e continua a bombardear bairros habitados por civis e “torturar sistematicamente milhares de presos”.

“Patrocinadores poderosos que continuam alimentando a máquina de guerra também têm sangue nas mãos. Presentes nesta Assembleia hoje estão representantes de governos que ignoraram, facilitaram, financiaram, participaram ou mesmo planejaram e cometeram atrocidades contra todos os lados do conflito na Síria e contra civis sírios.”

O chefe da ONU chamou de “repugnante” e “covarde” o bombardeio aparentemente deliberado de segunda-feira (19) contra um comboio humanitário do Crescente Vermelho sírio em Orum al Kubra, que deixou ao menos 20 mortos.

“As Nações Unidas foram forçadas a suspender os comboios de ajuda humanitária como resultado desse ultraje”, disse Ban. “A equipe humanitária que entrega ajuda emergencial é formada por heróis. Aqueles que os bombardearam são covardes”, completou.

Sobre o tema dos refugiados, Ban chamou de “importante progresso” a assinatura na véspera da Declaração de Nova York para Refugiados e Migrantes, mas salientou que é necessário cumprir as promessas feitas.

“Muito frequentemente, refugiados e migrantes enfrentam ódio. (…) Digo a líderes políticos e candidatos: não entrem na matemática política cínica e perigosa segundo a qual você terá mais votos dividindo a população e multiplicando o medo. O mundo precisa se levantar contra mentiras e distorções da verdade, e rejeitar todas as formas de discriminação”, declarou.

Na próxima segunda-feira, Ban viajará à Colômbia para a assinatura do acordo de paz entre governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), pondo fim a um dos mais longos conflitos armados do mundo. “As Nações Unidas irão apoiar o povo colombiano em cada passo do caminho”, disse.

O secretário-geral também mencionou o conflito entre Israel e Palestina. Ele lembrou que, um ano atrás, os palestinos ergueram sua bandeira na sede da ONU, no entanto, as perspectivas de uma solução de dois Estados para a guerra “estão diminuindo a cada dia” com a ocupação israelense chegando a seu 50º ano.

“Como amigo tanto dos povos israelenses como palestinos, me dói o fato de esta última década ter sido perdida. Dez anos perdidos para a expansão ilegal de assentamentos. Dez anos perdidos para a divisão entre palestinos, crescente polarização e desesperança”, disse Ban.

Segundo o chefe da ONU, substituir uma solução de dois Estados é a ruína: “significa negar a liberdade e um futuro justo aos palestinos, empurrando Israel para mais longe de sua visão de democracia judaica rumo a um maior isolamento global”.

O aquecimento global e as mudanças climáticas também foram citados por Ban como um dos principais desafios da humanidade atualmente. Nesse sentido, o secretário-geral pediu que os países ratifiquem até o fim do ano o Acordo de Paris para o clima.

“Peço a vocês, líderes, que façam o Acordo de Paris entrar em vigor antes do fim deste ano. Precisamos de apenas mais 26 países, representando apenas 15% das emissões de gases do efeito estufa”, disse.

Igualdade de gênero

O discurso de Ban também mencionou conquistas das Nações Unidas ao longo dos dez anos de seu mandato, entre elas a criação da ONU Mulheres, da qual se disse orgulhoso.

“Tenho orgulho de a ONU Mulheres ter sido criada durante meu mandato, que é agora nossa estabelecida defensora da igualdade de gênero e do empoderamento, com vistas a um planeta ’50-50’. Eu nomeei mais mulheres a posições seniores nas Nações Unidas do que nunca — e estou orgulhoso de poder me considerar um feminista”, disse Ban.

https://twitter.com/UN_Spokesperson/status/778222598152945664

Segundo ele, é necessário fazer mais para acabar com a profunda discriminação e violência crônica contra mulheres, para avançar em sua participação na tomada de decisões, e garantir que cada menina tenha o início de vida que merece.

O debate geral anual da 71ª sessão da Assembleia Geral da ONU teve início nesta terça-feira, contando com a participação de chefes de Estado e de Governo dos 193 Estados-membros das Nações Unidas. O encontro continua até o dia 26 de setembro.

A 71ª sessão regular da Assembleia Geral teve início oficialmente uma semana antes, nesta terça-feira (13), na sede da ONU em Nova York.


Fonte: nacoesunidas.org