Abastecimento

Crise hídrica amplia desafios da gestão de recursos naturais

Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo de Miranda Pinto explica desafios e oportunidades do Plano Nacional de Recursos Hídricos

A crise hídrica, que atinge alguns dos principais reservatórios do país, preocupa ambientalistas e diversos setores da economia. A ameaça no fornecimento de energia no Brasil e os impactos ambientais da transposição do Rio São Francisco são assuntos que ganham cada vez mais destaque no debate público.

Para analisar o Plano Nacional de Recursos Hídricos para o período de 2022 a 2040, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira entrevista Anivaldo de Miranda Pinto, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e membro titular do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH).

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Temas como governança hídrica e as estratégias para minimizar os riscos de futuros colapsos fazem parte do programa. O episódio conta com áudios do canal do Youtube Engenharia 360, canção Riacho do Navio, de Luiz Gonzaga, TV BrasilGov, Jornal da Record News, Últimos Acontecimentos HOJE, Programa Travessia e TV Cultura.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Google Podcasts, Youtube, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.


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Luiz Carlos Azedo: A carestia de volta

“Quanto tudo parecia dominado na política, o presidente Jair Bolsonaro sentiu o bafo quente do dragão da inflação, com a alta generalizada dos preços dos alimentos”

Poderia intitular a coluna com a frase famosa de James Carville, o marqueteiro do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. Em 1991, após vencer a Guerra do Golfo e resgatar a autoestima dos americanos depois da dolorosa derrotar no Vietnã, o presidente George Bush era o favorito absoluto nas eleições de 1992, ao enfrentar o desconhecido governador de Arkansas, Bill Clinton. Carville apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e cunhou a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!” Deu Clinton!

Quanto tudo parecia dominado na política, o presidente Jair Bolsonaro sentiu o bafo quente do dragão da inflação, com a alta generalizada dos preços dos alimentos, atribuída aos efeitos da pandemia na economia e ao câmbio, com o dólar cotado a R$ 5,31. Sua reação foi a de quase todos os governantes que subestimam a importância do equilíbrio fiscal e acreditam que podem controlar a alta dos preços com a mão pesada do Estado. Mandou o ministro da Justiça, André Mendonça, tomar medidas contra os supermercados. Deveria ouvir mais as ponderações da equipe econômica quanto aos gastos do governo, em vez de fritar em fogo alto o ministro da Economia, Paulo Guedes, que está virando um zumbi na Esplanada dos Ministérios e, agora, quer aumentar os salários dos ministros em plena crise fiscal. R$ 39 mil, fora as mordomias, considera muito baixo.

Ontem, Guedes disse que não vai mais negociar as reformas administrativa e tributária com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), porque o eixo da negociação agora é político, se referindo ao general Luiz Ramos, ministro da Secretaria de Governo, e aos líderes do Centrão, que compõem o dispositivo parlamentar de Bolsonaro. A frase tem até certa dose de ironia, diante da notícia de que a Secretaria Nacional do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, notificou representantes de supermercados e produtores de alimentos para pedir explicações sobre o aumento no preço dos alimentos da cesta básica.

“O aumento de valores foi notado, especialmente, em relação ao arroz que, apesar dos positivos volumes produtivos da última safra, sofreu diminuição da oferta no contexto global, o que ocasionou elevação no preço”, diz a nota da secretária do Consumidor, Juliana Domingues. Já vimos esse filme em outros momentos da vida nacional, como no Plano Cruzado, durante o governo José Sarney. A manipulação da economia com os objetivos eleitorais sempre cobra um preço muito alto. O problema é que emitiu sinais de que a conta pode vir antes das eleições de 2022.

Para a população, porém, chegou a galope. A inflação oficial divulgada, ontem, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi de 0,24%, mas revela uma alta de 2,44% em 12 meses, segundo o Índice de Preços para o Consumidor Amplo (IPCA). A inflação dos alimentos, porém, foi de 8,83%. O feijão preto, que subiu 28,9%; o arroz, 19,2%; e o óleo de soja, 18,6% no período, lideram a volta da carestia. A alface subiu 18,1%; o tomate, 12,3%; o feijão carioca, 12,1%; a batata inglesa, 9,7%; os ovos, 7,1%; o frango, 6,9%; a carne de porco, 4,2%. Outros produtos subiram até mais: manga, 61,63%; cebola, 50,40%; abobrinha, 46,87%; tainha, 39,99%; limão, 36,56%; morango, 31,99%; leite longa vida, 22,9%, atingindo em cheio o bolso da classe média.

Reação
O governo tenta reagir. Ontem, zerou a cobrança de impostos para importação de arroz. O presidente da Associação Brasileira de Supermercados, João Sanzovo Neto, foi chamado para uma conversa pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Na saída, disse que os supermercados não são os vilões da inflação da cesta básica, e que a margem de lucro das empresas é baixa por causa da grande competitividade do setor. “Nós temos todos os relatórios. Inclusive, as associações dos produtores têm informado o que oscilou de cada produto”. A previsão é de que os preços somente caiam em 2021, por causa da entressafra.

Bolsonaro acredita que pressão sobre os atacadistas e varejistas pode segurar os preços. “Tenho apelado para eles. Ninguém vai usar a caneta Bic para tabelar nada, não existe tabelamento, mas pedindo para eles que o lucro desses produtos essenciais nos supermercados seja próximo de zero. Acredito que a nova safra começa a ser colhida em dezembro, janeiro, de arroz em especial. A tendência é normalizar o preço”, avalia o presidente. Os especialistas veem de outra maneira: o dólar alto, a recuperação da economia chinesa, o auxílio emergencial e a entressafra são fatores objetivos que influenciam diretamente os preços. Mas há outros aspectos que exercem influência indireta, como as indefinições em relação às reformas tributária e administrativa, a dívida pública de 100% do PIB e o deficit fiscal de R$ 1 trilhão previsto para esse ano.

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Luiz Carlos Azedo: O bêbado e a borboleta

“Desafiar o novo coronavírus se tornou uma espécie de obsessão para o presidente da República, que se comporta como quem adquiriu imunidade contra a doença”

No livro O revólver que sempre dispara (Casa Amarela), Emanuel Ferraz Vespucci analisa as causas, os comportamentos e as consequências para a saúde de diversas dependências químicas, inclusive o alcoolismo e o tabagismo. É um livro despido de preconceito e, do ponto de vista clínico, como não poderia deixar de ser, serve de referência para os que lidam com o problema: usuários em busca de tratamento, seus familiares e terapeutas. O livro explica de maneira clara como as diversas drogas causam dependência física e psicológica, os problemas que acarretam e as maneiras de enfrentá-los, sem moralismo. A perda de controle sobre o álcool, a cocaína, o crack, a maconha, morfina, calmantes, inibidores de apetite e outros psicotrópicos é um problema muito mais amplo do que se imagina.

A dependência funciona como uma roleta russa. Em algum momento a bala que está no cilindro do rerólver será disparada, na medida em que o sujeito arrisca mais uma vez. Ou seja, o acaso tem um limite, quanto maior a frequência, maior a probalidade de ocorrência. Por causa da dependência, algo grave acontecerá na vida da pessoa, pode ser um acidente de carro, a perda do emprego, um surto psicótico, um infarto.

O que interessa aqui é a analogia da roleta-russa, ou seja, do revólver que sempre dispara. Durante a pandemia de Covid-19, por causa do risco de contaminação, sair de casa é uma espécie de roleta russa, mesmo que a pessoa utilize máscaras e luvas. Acontece que o presidente da República — com o objetivo declarado de desmoralizar a política de distanciamento social preconizada pelas autoridades médicas, inclusive seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e responsabilizar governadores e prefeitos pela recessão econômica — resolveu sair às ruas com frequência e, nesses passeios, visitar o comércio local para estimular proprietários e consumidores a manterem uma vida normal. Bolsonaro ignora uma epidemia que está matando mais de 100 pessoas por dia no Brasil, o equivalente a um desastre de grandes proporções.

Desafiar o novo coronavírus se tornou uma espécie de obsessão para o presidente, que se comporta como quem adquiriu imunidade contra a doença, como acontece com aqueles que já foram contaminados, se recuperaram e adquiriram anticorpos ou que, por qualquer outra razão, têm uma sistema imunológico mais robusto, geralmente mais jovens. Não se sabe se o presidente está imunizado; ele se recusa a revelar os resultados dos exames que fez. Bolsonaro age como um jogador compulsivo, o que não deixa de ser uma dependência, sem levar em conta que a maioria das pessoas não está preparada para lidar com o aleatório.

Teoria do caos

É aí que chegamos a O andar do bêbado (Zahar), o instigante livro do físico Leonard Mlodinow, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, sobre o acaso na vida das pessoas, ou melhor, sobre como funciona a aleatoriedade. O novo coronavírus se multiplica como um “Efeito Borboleta”, descoberto em 1960, pelo matemático Edward Lorenz, base para a Teoria do Caos. Mostra como pequenas alterações nas condições iniciais de grandes sistemas podem gerar transformações drásticas e significativas.

Lorenz, que também era meteorologista, realizava cálculos relacionado a padrões climáticos num computador. Em vez de colocar 0,000001, conforme fez na primeira vez, ele colocou 0,0001, alterando completamente o resultado da simulação, como se o bater de asas de uma borboleta na Austrália provocasse um furacão no Caribe. Foi o que aconteceu com o coronavírus na Alemanha e na Coreia do Sul, países que mais bem monitoraram a epidemia e conseguiram mantê-la sobre controle, com testes em massa e hospitalização dos contaminados. No primeiro caso, bastou que uma pessoa contaminada usasse o saleiro num almoço de família para a epidemia se propagar; no segundo, um único paciente, de 30 casos confirmados, escapou do isolamento e disseminou a doença.

Na Sexta-feira da Paixão contabilizamos 1.056 mortes e 19.638 casos confirmados, 44 dias após o primeiro caso registrado no país e 24 dias depois do registro da primeira morte. São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Amazonas estão em risco de colapso do sistema de saúde pública. Numa hora em que o país precisa de coesão social e alinhamento das políticas de combate ao novo coronavírus, para evitar o colapso do sistema de saúde, Bolsonaro aposta na autoimunizaçao pelo contagio e num medicamento de eficácia limitada nos tratamentos, a hidroxicloroquina, para evitar as mortes, e prega a retomada imediata das atividades econômicas, com adoção do chamado isolamento seletivo ou vertical. Essas apostas foram feitas em outros países, como os Estados Unidos, Inglaterra e Japão, e fracassaram.

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Luiz Carlos Azedo: Uma homenagem póstuma

“Bolsonaro enquadrou Mandetta e responsabiliza governadores e prefeitos pelo desemprego, embora tenham a dura tarefa de conter a epidemia na ponta”

Escrevo antes do pronunciamento de Bolsonaro de ontem à noite, em cadeia de tevê. Pela live que compartilhou no Twitter, a conversa que teve com Luiz Henrique Mandetta obrigou o ministro da Saúde a flexibilizar geograficamente a política de distanciamento social, levando em conta a progressão da doença nos estados. É um perigo, mas Mandetta hasteou a bandeira branca e bateu continência para o presidente da República. Na entrevista coletiva que deu à tarde, deixou isso claro: “Quem comanda este time aqui é o presidente Jair Messias Bolsonaro”, disse. “Tivemos nossas dificuldades internas, isso é público, mas estamos prontos, cada um ciente de seu papel nesta história.”

Não sei qual o acordo que fizeram, mas essa é a ordem natural das coisas num sistema de poder no qual o vértice é o presidente da República. A propósito, Norberto Bobbio, após o assassinato do primeiro-ministro Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, escreveu uma série de artigos sobre a crise italiana, reunidos numa coletânea publicada no Brasil, intitulada As ideologias e o poder em crise, em tradução de Marco Aurélio Nogueira. Destaco dois deles: a política não pode absolver o crime, no capítulo sobre Os fins e os meios, e Quem governa?, em O mau governo.

A referência a Bobbio veio ao caso devido a uma passagem da entrevista do ministro Mandetta. Em certo momento, no chamamento que fez à união de todos contra a epidemia, disse que as autoridades médicas precisam da ajuda de todos, inclusive das milícias e dos traficantes. O ministro não é nenhum ingênuo, deve ter algum motivo para ter falado isso, mesmo sabendo que seria duramente criticado por essa referência ao crime organizado. A grande dúvida é se fez um apelo dramático por puro desespero, pois estamos num momento crucial do crescimento exponencial da epidemia, ou se realmente houve um pacto do governo Bolsonaro com as milícias e os traficantes.

Não seria a primeira que vez que isso aconteceria, com consequências desastrosas, porque favorece a expansão do crime organizado na sociedade e sua infiltração na política. Por outro lado, é muito fácil fazê-lo, pela via das relações perigosas nos sistemas de segurança pública e penitenciário. Ministro-chefe da Casa Civil, o general Braga Netto, ex-interventor no Rio de Janeiro, conhece bem essas conexões. Qual é a lógica perversa por trás desse raciocínio? Todos sabemos que a epidemia ainda não chegou ao povão, está na classe média alta, e só agora registra os primeiros casos de mortes nas favelas e periferias das grandes cidades e regiões metropolitanas conurbadas, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Manaus. Na prática, isso significa toque de recolher e dura punição nas favelas e nas periferias, numa hora em que o presidente da República pressiona pela flexibilização da política de isolamento social.

Quem governa?
Governos monolíticos nas democracias não existem, ainda mais num sistema federativo e de equilíbrio entre os poderes. Bolsonaro enquadrou Mandetta e responsabiliza governadores e prefeitos pelo distanciamento social e o desemprego. Mas sabe também que os governadores e prefeitos, que têm a dura tarefa de conter a epidemia na ponta, contam com o apoio do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) para agir com autonomia, na esfera de suas competências. Por mais que queira, não existe correlação de forças para Bolsonaro intervir nos estados. É assim que funciona na democracia.

O Estado brasileiro é ampliado, cada ministério é um subgoverno que se relaciona com os demais poderes e esferas de poder com relativa autonomia, além de terem imbricações com agências privadas e grandes setores empresariais. Mas é daí que veio a reação para garantir o funcionamento do sistema de saúde, com produção de suprimentos de proteção individual, equipamentos e aparelhos de saúde para ampliar a capacidade de absorção de pacientes pelos hospitais. Existe um grande business na área da saúde, cujas políticas públicas foram capturadas por grande fornecedores, muitos dos quais importadores, e também algumas máfias, que desviaram recursos ao longo dos anos. Agora, chegou a hora de verdade: os profissionais de saúde estão no comando, o governo está sendo obrigado a inventar um novo orçamento da Saúde e a recriar a indústria do setor.

Nesse aspecto, foi patética a constatação de que os hospitais federais do Rio de Janeiro não têm profissionais para atuar contra a epidemia, assim como os hospitais universitários. O governo federal é responsável por 5% da capacidade hospitalar do país, porém, deveria entrar com mais força, principalmente na montagem de hospitais de campanha e na contratação de profissionais para atuar junto às comunidades de periferia e regiões remotas da Amazônia e nos sertões do Nordeste, resgatando o Programa Mais Médicos.

Finalmente, uma homenagem póstuma ao sanitarista Sérgio Arouca, grande idealizador do SUS, que liderou milhares de profissionais de saúde que hoje estão na linha de frente do combate à epidemia. Lembro-me de duas conversas com ele: na primeira, me disse que a emergência era o ponto mais fraco do sistema, subestimada pela cultura dos sanitaristas; na segunda, lamentou não ter conseguido levar adiante seu programa de agentes comunitários de saúde no Rio de Janeiro, sem os quais seria impossível erradicar a dengue e conter epidemias mais graves nas comunidades pobres.

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Luiz Carlos Azedo: A guerra do leite

“Bolsonaro, para atender os aliados. sinaliza que o ministro Paulo Guedes não tem carta branca em matéria de abertura da economia”

O ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu a queda de braço com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e a bancada do agronegócio em relação à alíquota de importação do leite, o primeiro round de uma série de disputas da equipe econômica com os setores da economia que apoiaram Jair Bolsonaro na campanha eleitoral e querem mais proteção econômica em troca do apoio no Congresso. Segundo o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), o governo deve publicar até amanhã a medida que aumentará o imposto de importação de leite em pó da União Europeia e da Nova Zelândia, compensando o fim da taxa antidumping que era adotada pelo Brasil até a semana passada e foi extinta por Guedes. No Twitter, o presidente Jair Bolsonaro comemorou o aumento do imposto.

A decisão tomada por Bolsonaro para atender os aliados sinaliza que o ministro Paulo Guedes não tem carta branca em matéria de abertura da economia. O decreto deve considerar a antiga taxa antidumping, de 14,8% para o leite da União Europeia, mais os 28% da taxa atual de importação, o que somaria 48%, que era cobrada sobre o leite em pó importado desde 2001. No caso da Nova Zelândia, havia um adicional de 3,9%. O pretexto é compensar os efeitos do dumping, ou seja, a suposta concorrência desleal ao vender para o Brasil um produto abaixo de seu preço de custo, causando prejuízo à produção local.

A decisão contraria a ideia de menos intervenção do Estado na economia e mais liberdade para o mercado, além de ser controversa quanto à importação de leite em pó, que é baixíssima. Não há comprovação de dumping da União Europeia, pois as importações estão na faixa de US$ 1.000 por dia, um valor considerado baixo; não houve importações da Nova Zelândia. O leite em pó importado contribui com apenas 2,4% do consumo nacional. Na verdade, o que existe é o temor de que ambos aproveitassem o fim da alíquota para “inundar” o mercado brasileiro de leite em pó. “Não tenho dúvida de que é preciso abrir a economia, mas essa abertura tem de ser gradual, cuidadosa, para não desmobilizar o setor produtivo nacional”, pondera o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), ex-secretário de Agricultura de São Paulo.

A mudança de rumo gerou tensão no governo. A ministra da Agricultura lidera a reação do agronegócio à redução dos subsídios no crédito agrícola com a mudança do modelo de financiamento em estudos na equipe econômica. Guedes procurou Tereza Cristina pessoalmente, em seu gabinete, na segunda-feira à noite, e despachou o secretário executivo da Economia, Marcelo Guaranys, e o secretário especial de Comércio Exterior, Marcos Troyjo, para uma reunião com a bancada ruralista na manhã de ontem. Já chegaram derrotados, Bolsonaro apoiou a bancada.

Ao atender produtores de leite insatisfeitos com a revogação da taxa antidumping, porém, o presidente da República arranha a credibilidade da abertura da economia, porque põe em dúvida o modelo que será adotado pelo governo. Mesmo na Frente Parlamentar do Agronegócio há questionamentos sobre a eficácia, a médio e longo prazos, do excesso de proteção. Além disso, outros setores econômicos em dificuldade com a concorrência, como as indústrias têxtil e de calçados, começam a atuar no sentido de manter subsídios e fechar a economia.

Previdência

Outro sinal de “devagar com o andor” em relação à política econômica foi a decisão de Bolsonaro sobre a idade mínima para aposentadoria no país. A equipe econômica defendia 65 anos para homens e mulheres; o presidente da República reduziu para 62 anos para homens, e 57 para mulheres, com validade até 2022, no fim de seu mandato. A proposta facilitará a vida do governo no Congresso, mas terá repercussão negativa junto aos agentes econômicos. O projeto de reforma da Previdência somente será finalizado depois de Bolsonaro deixar o Hospital Alberto Einstein, em São Paulo, onde se recupera de uma pneumonia e da operação de retirada da bolsa de colostomia, o que pode acontecer hoje ainda. A equipe econômica quer garantir uma economia de R$ 1 trilhão em 10 anos e criar mecanismos de ajustes automáticos no sistema de previdência, sem necessidade de novas emendas constitucionais. Na versão encaminhada a Bolsonaro, quem ganha mais pagará mais, com alíquotas de 7,5% a 14%.

Paz no Senado

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), fechou acordo com os líderes das bancadas para a composição das comissões permanentes da Casa. O MDB ficará com a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Comissão Mista de Orçamento e de Educação. PSD, Assuntos Econômicos (CAE) e Relações Exteriores (CRE); o PSDB, Desenvolvimento Regional (CDR) e Fiscalização e Controle (CFC); PT, Direitos Humanos; Rede, Meio Ambiente; PSL, Agricultura; DEM, Infraestrutura; Podemos, Assuntos Sociais; PP, Ciência e Tecnologia; PRB e PSC se revezarão na Comissão Senado do Futuro.

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Luiz Carlos Azedo: Caiu a ficha

Como o governo, deputados e senadores foram surpreendidos pela greve dos caminhoneiros e, mais ainda, pelas consequências dramáticas para o abastecimento e os serviços públicos

Parece que caiu a ficha de que o governo Temer e a cúpula do Congresso são sócios da crise e não adianta ninguém tirar casquinha, porque a situação é desastrosa. Estão em risco a economia do país e a estabilidade política. Ontem, Temer e os presidentes do Senado, Eunício de Oliveira (MDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), divulgaram uma nota na qual se comprometem a colocar em prática o acordo feito com os caminhoneiros: “Neste momento, os poderes Executivo e Legislativo estão unidos na defesa dos interesses nacionais. Assumem o compromisso de aprovar e colocar em prática, no menor tempo possível, todos os itens do acordo”. Maia vinha se estranhando com Temer; Eunício, com Maia. Enquanto isso, caminhoneiros radicalizados dificultam a normalização do abastecimento e pregam uma intervenção militar.

Apesar da nota, o clima no Congresso é de apreensão e perplexidade. Como o Palácio do Planalto, deputados e senadores foram surpreendidos pelo vigor da greve dos caminhoneiros e, mais ainda, pelas consequências dramáticas do movimento para o abastecimento da população e funcionamento dos serviços públicos. Os políticos estão descolados da sociedade e demonstram incapacidade de respostas positivas para situações complexas e graves.

Resultado: o país ainda não saiu do sufoco causado pela greve dos caminhoneiros, e os petroleiros já anunciam uma paralisação de 72 horas, com apoio das centrais sindicais. Detalhe: fora da data-base, com o objetivo de inviabilizar a normalização do abastecimento de combustível. É uma greve política, na linha do “Fora, Temer!”, cuja intenção imediata, a deposição do governo, não difere em nada da “intervenção militar” defendida pelos caminheiros que permanecem em greve: derrubar o governo.

O Caroço
Quem quiser que se iluda, tem caroço nesse angu. Análise realizada pela AP/Exata — Inteligência em Comunicação Digital — no Twitter sobre as redes nos primeiros dias da greve dos caminhoneiros mostra que o movimento foi deflagrado pelas hashtags #TemerAbaixaAGasolina e #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros. Em meia hora, foram realizados 2.772 tweets. O monitoramento do fluxo em tempo real revelou um perfil específico muito influente: @JqTeixeira. Trata-se de um perfil fake, que dissemina ideias conservadoras, a partir de uma elevada carga moral e da defesa do militarismo. “Personagem do bom pai de família honesto, cristão e patriota”, um perfil fictício, a conta possui mais de 207 mil seguidores e está sendo investigada pelos órgãos de inteligência.

A conta não tem conteúdo pessoal, costuma partilhar e publicar com regularidade assuntos de teor político de extrema direita. Possui ainda outros perfis, com centenas de milhares de seguidores, nos quais realiza igual tipo de posts sobre as mesmas temáticas. As publicações e os perfis já foram suspensos mais de uma vez por Twitter e Instagram, mas depois retornaram.

O post que turbinou a greve foi o seguinte: “Sextou? Não vai ter álcool no bar nem cigarro. O X beicon acabou. Não há munição pro revólver. Del Rey com tanque vazio. Prostitutas paralisadas. É o fim da sexta-feira como a conhecemos. Que Deus nos proteja. #TemerAbaixaAGasolina”. Após 447 compartilhamentos, com 51 comentários, o tweet viralizou. O engajamento foi mecanizado, promovido por perfis de interferência: fakes, robôs e perfis militantes. As redes sociais foram operadas para transformar a greve num movimento de desestabilização do governo.

Joaquin Teixeira também publica ocasionalmente posts em apoio ao deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). A AP/Exata encontrou vários elos em comum. O ritmo de publicações do perfil é similar em ambas as contas, registrando aproximadamente 100 tweets semanais. E tem relação com a formação de comunidades em torno da hashtag #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros. No começo da greve, em meia hora, foram realizados 4.192 tweets. Essa rede é muito mais orgânica que a anterior, visto que o protagonismo de influência está dividido em vários perfis, entre os quais Patriotas Caminhoneiros, que defende a intervenção militar; Caminhoneiros Brasil; Brasil Caminhoneiro; Caminhoneiros; e Blog do Caminhoneiro, que propagam vídeos e material publicitário sobre a greve. Após a reunião do governo com os caminhoneiros, na quinta-feira passada, essas páginas imediatamente difundiram vídeos dizendo que o movimento continuaria.

Apesar de as interações da hashtag #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros serem predominantemente orgânicas, houve interferência de perfis de apoio a Jair Bolsonaro, anti-PT e de “direita”, mas perfis de “esquerda”, anti-Temer e pró-PT também aderiram à comunidade. Essa convergência entre radicais de direita e de esquerda nas redes se materializa agora com a anunciada greve dos petroleiros, com apoio das centrais sindicais CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB. Se a greve for bem-sucedida, a crise de abastecimento recrudescerá.

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