Sob Bolsonaro, desmonte da política ambiental do país foi inclemente

Brasil retroagiu cerca de dez anos na área desmatada na Amazônia, diz Bazileu Margarido, entrevistado da Edição 39 da RPD online
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Entrevista Especial – Bazileu Margarido

Equipe da RPD Online, com a participação especial de Benjamin Sicsu

O ano de 2021 representou, na prática, o desmonte da política ambiental e das instituições que atuam na área ambiental, consolidando um aprofundamento do que se viu nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro, critica Bazileu Margarido, ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), entrevistado especial da edição de número 39 (Janeiro/2022) da Revista Política Democrática online.

Mestre em Economia e ex-chefe de gabinete do Ministério do Meio Ambiente, Bazileu Margarido afirma que, na prática, o Brasil presenciou um desmantelamento orquestrado da política ambiental, das instituições, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes, de toda a estrutura, enfim, de fiscalização dos crimes ambientais, particularmente do desmatamento na Amazônia, com reflexos graves para o país.

O país vive hoje uma situação de extremo isolamento com relação ao meio ambiente, fato comprovado com Bolsonaro isolado na reunião do G20 e sua ausência na COP26, avalia Bazileu. Para ele, a sociedade civil pode ajudar a mudar essa realidade  reagindo à situação que nós temos hoje, em que o Poder Executivo promove um processo de desmantelamento da política ambiental e das instituições ambientais, que o poder Legislativo tende a aprovar com facilidade projetos de flexibilização da fiscalização das leis, do marco legal do meio ambiente. “Em uma palavra, o que a sociedade civil pode fazer em relação à política ambiental hoje vigente é denunciar”, completa.

“Vemos hoje uma ampliação enorme da consciência da sociedade em geral, seja no Brasil, seja no mundo, com relação aos temas ambientais”, avalia Bazileu. “Outro fator que vai ser cada vez mais importante, principalmente no Brasil, é através da pressão econômica”, completa.

Na entrevista à Revista Política Democrática online, Bazileu Margarido também comenta temas como o papel da sociedade civil em relação ao meio ambiente, eleições 2022 e projetos como o da Usina de Belo Monte e seus impactos, entre outros. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Revista Política Democrática Online (RPD): 2021 não foi exatamente um ano inesquecível, para o Brasil, na área de meio ambiente. Batermos recordes de desmatamento e não conseguirmos convencer a comunidade de nações de que seremos capazes de formular e acionar políticas públicas de combate a essa mazela. Qual é sua visão?  
Bazileu Margarido (BM): Agradeço à Fundação Astrojildo Pereira esta oportunidade de conversar sobre tema tão relevante para o momento atual do Brasil e do mundo, que é a questão ambiental, políticas ambientais para o Brasil e o mundo.  

2021 representou, na verdade, um aprofundamento do que nós vimos acontecer nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro – o desmonte da política ambiental e das instituições que atuam na área ambiental. Antes de iniciar o governo, em 2019,  já tinha havido uma sinalização nesse sentido quando, na própria montagem da equipe ministerial, o presidente revelou  publicamente sua intenção de transferir as atribuições do Ministério do Meio Ambiente a outros órgãos do governo. Não fosse a reação contrária do agronegócio, temeroso da repercussão da medida pelos parceiros comerciais do Brasil, este teria sido o título principal da reforma administrativa do novo governo. 

Na prática, no entanto, presenciou-se o desmantelamento orquestrado da política ambiental, das instituições, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes, de toda a estrutura, enfim, de fiscalização dos crimes ambientais, particularmente do desmatamento na Amazônia, através do PPCDAm, programa de proteção e controle do desmatamento na Amazônia. A operação foi tão paulatina como inclemente. Vários chefes de fiscalização do Ibama perderem seus cargos por terem exercido com competência o combate ao garimpo ilegal em Terras Indígenas no sul do Pará. No tocante ao setor madeireiro, os efeitos foram ainda mais impactantes. Estima-se que tenhamos retroagido cerca de dez anos na área desmatada na Amazônia. No primeiro ano de governo, registrou-se aumento de quase 35% no corte da madeira. No ano seguinte, quase 10% a mais. Em meados de 2020, a área desmatada superaria os 11 mil quilômetros quadrados, ilustração funesta do índice de uma década atrás. Até 2012, quando tivemos uma queda contínua do desmatamento na Amazônia, a gente tinha chegado a pouco mais de 4 mil e 500 quilômetros quadrados. Mais do que dobrou com relação aos menores índices que nós já tivemos no país. 

Isso teve obviamente reflexos em vários cenários. O Brasil, por exemplo, chegou à COP26, a convenção de mudanças climáticas, em uma situação de extremo isolamento com relação ao meio ambiente. Já tínhamos percebido isso um pouquinho antes, quando da reunião do G20, com a presença dos principais de chefes de Estado do mundo. No coquetel de abertura da reunião, o isolamento do Bolsonaro patenteou-se quando, depois de transitar como um fantasma entre os demais célebres convidados, terminou conversando com o garçom, tal como constrangedoramente registrado pelas câmeras de televisão.  

É, sem dúvida, um reflexo do negacionismo do presidente, de sua tendência de se aproximar no plano internacional de forças de extrema-direita e sua política ambiental. Pode ser que a COP26 se tenha prestado como um primeiro momento em que Bolsonaro percebeu de maneira clara a pressão internacional, no sentido de que o país não tem liberdade de fazer a bobagem que quiser ou simplesmente não dar satisfações ao mundo com relação aos seus atos no plano do meio ambiente. Foi, assim, constrangido a autorizar a assinatura de dois importantes documentos, um relativo à redução da emissão de gás metano, outro com relação à preservação das florestas. Ele não pôde reafirmar sua atitude negacionista nem reproduzir cenas já conhecidas, como transferir a culpa pelo desmatamento na Amazônia à atuação da população indígena. Claramente não houve mais espaço para isso.  

Mas tenho a impressão de que foi apenas um episódio. Logo após o encerramento da COP26, o mundo recebeu as imagens impactantes do garimpo ilegal praticamente fechando o Rio Madeira com cerca de 200 barcos enfileirados. As cenas transmitiam a desativação de toda a capacidade do país de combater os crimes ambientais e de implementar uma agenda ambiental proativa, agenda que tem de contemplar, também, ações voltadas para o desenvolvimento sustentável, particularmente – mas não apenas – no Norte do país. 

RPD: O maior dos problemas ambientais do Brasil hoje é a questão da Amazônia. Precisamos dar uma resposta para o mundo sobre essa questão e o combate efetivo ao desmatamento e a fiscalização terão de envolver a sociedade civil. Qual é sua visão a respeito? 
BM: De que maneira a sociedade civil pode ajudar nessa arena de combate ao desmatamento na Amazônia? Respondo: reagindo à situação que nós temos hoje, em que o Poder Executivo promove um processo de desmantelamento da política ambiental e das instituições ambientais, que o poder Legislativo tende a aprovar com facilidade projetos de flexibilização da fiscalização das leis, do marco legal do meio ambiente. Em uma palavra, o que a sociedade civil pode fazer em relação à política ambiental hoje vigente é denunciar.  

Dispomos de três grandes instrumentos para pautar uma política ambiental para a Amazônia. Um é de comando e controle, onde a sociedade pode colaborar quando é convocada. Mas, nos dias de hoje, quando o governo desorganiza a estrutura já existente, a sociedade não tem como atuar proativamente, tem que atuar amplificando as denúncias desse desmonte.  

O segundo instrumento muito importante é o ordenamento territorial. Na questão do ordenamento territorial, a sociedade tem uma situação muito mais reativa para não deixar passar os projetos que agravam a situação, e tem vários, principalmente na regularização de terras na Amazônia. Grileiros invadem, desmatam e, depois, vão buscar no poder público a legalização daquela situação provocada por atos ilegais, crimes ambientais. Os projetos que estão pressionando a agenda são os projetos que flexibilizam, que ampliam a possibilidade de regularização, de legalização desses atos ilegais. Nesse caso a sociedade também tem muito mais uma função reativa de impedir que esses projetos sigam em frente.  

A terceira agenda, em que a sociedade vem atuando de maneira importante, tem iniciativas muito importantes: é a área do desenvolvimento sustentável. Não adianta apenas fiscalizar, coibir, usar os mecanismos de comando e controle. É necessário também propor uma agenda de como é possível fazer, o que é possível, como aproveitar aquela riqueza, aquela biodiversidade enorme da Amazônia em prol do desenvolvimento, em prol da melhoria da qualidade de vida.

Acho que é uma grande agenda. Temos experiências importantes nessa área, na área de bioeconomia. As pesquisas e os projetos da sociedade em torno de iniciativas de aproveitamento da biodiversidade da Amazônia estão ganhando cada vez mais espaço na mídia, na academia e na sociedade civil. Eu acho que é uma agenda de importante atuação da sociedade. Carlos Nobre tem trabalhos importantíssimos, riquíssimos nessa área. Tem muito trabalho no Instituto Escolhas. Tem muitos trabalhos na área do desenvolvimento sustentável. Acho que é um espaço importante de atuação da sociedade civil. 

RPDBelo Monte foi uma agressão? Ou foi uma necessidade? Deve ser mantida? É um modelo de futuro? É uma vergonha do passado?  
BM: Belo Monte é um projeto equivocado do ponto de vista ambiental e do ponto de vista econômico. É uma hidrelétrica implantada em regiões ainda preservadas na bacia do Xingu e que atinge áreas e populações indígenas. Mas também, do ponto de vista econômico, Belo Monte é uma hidrelétrica de baixíssima eficiência. São mais de 11 gigawatts instalados para gerar uma potência média de 4,5 — se não me engano. É uma das hidrelétricas menos eficientes que temos. A montagem do consórcio para construção de Belo Monte foi uma iniciativa majoritariamente estatal. A modelagem econômica, no seu início — depois o BNDES conseguiu passar algumas ações para a frente —, era majoritariamente estatal porque as empresas privadas não viam em Belo Monte um bom negócio. Um custo altíssimo, uma hidrelétrica que custou mais de 30 bilhões de reais, e uma eficiência muito baixa.  

Temos um problema de difícil solução nessa agenda das hidrelétricas. A Amazônia é uma grande planície. Há poucas áreas de declive. Qualquer barragem inundará uma área enorme, e isso impacta o meio ambiente. Em Belo Monte, esse impacto foi bastante reduzido pelo uso de turbinas a fio d´água, que aproveitam mais a vazão do rio do que a altura da barragem. Mas isso fez com que a usina tivesse um lago proporcionalmente pequeno em relação ao projeto original e uma capacidade de acumulação baixa. Gera, assim, energia quando o rio tem alta vazão, isto é, no período de inverno amazônico, de dezembro a março. No período de seca há uma forte redução da energia gerada. Essa situação se aplica a todas as hidrelétricas que se planejam construir na Amazônia. A topografia da região exigirá grandes lagos de contenção, porque a água represada se espalha na planície, cobrindo uma área que inviabiliza o projeto. E a tecnologia disponível que permite a redução do lado, aproveitando a força da vazão,  ainda é de baixa eficiência, porque produz apenas em um período do ano, durante o período de vazante a produção da hidrelétrica é baixíssima. 

Temos, no entanto, outras opções de geração de energia no País, a eólica e a solar, que são as tecnologias que mais crescem no mundo nos últimos cinco anos.  

RPDE a biomassa? Há projetos na região Norte, de aproveitamento do dendê, com perspectivas bastante promissoras. E, diferentemente das opções eólica e solar, a tecnologia envolvida é nacional. O custo indireto disso para o país não nos é mais vantajoso? 
BM: A geração de energia partir de biomassa tem um potencial enorme. O país é um país agrícola. Isso tem crescido no aproveitamento do bagaço da cana, por exemplo, mas ainda está em um ritmo lento. Toda produção agrícola gera resíduos passíveis de geração de energia. A palha do arroz tem uma capacidade significativa de geração de energia. Na região Norte, em particular no Amazonas e Pará, vi projetos para aproveitamento de resíduos das serrarias. Um bom aproveitamento da madeira está na ordem de 45%, 50% de toras que viram tábuas. Todo o restante é resíduo, serragem, que pode ser aproveitado economicamente para geração de energia. É um potencial enorme disponível.  

Mas temos hoje uma presença maior na implantação de projetos de energia solar e energia eólica. Em eólica, ainda temos alguma capacidade instalada no país na cadeia de insumos da indústria, como a fabricação de pás. Mas nós poderíamos, se tivéssemos apostado nessas fontes de energia com mais intensidade, com maior capacidade de planejamento, ter uma participação mais importante. 

RPDO que poderia ser feito para que o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, ocupasse lugar de destaque nas escolhas do eleitorado? 
BM: Essa é sempre uma dificuldade, alvo de muitos debates. A agenda de florestas, de emissões, é muito mais premente, muito mais importante. É uma agenda que, pela sua dimensão, sua importância, sua relevância, pelos impactos que gera no Brasil, na sociedade civil que atua nessa agenda de meio ambiente, atrai muito as atenções. É natural que assim seja.  

O desafio é transformar isso em voto. Já houve épocas em que esse tema despertou mais as atenções do eleitor, do voto em si. Como trazer o meio ambiente para o dia a dia das pessoas? Hoje os impactos das mudanças climáticas são um fator importante porque as pessoas estão mais conscientes dos problemas, pois está afetando o nosso dia a dia.  

Mas é preciso ainda relacionar as mudanças climáticas à experiência no âmbito do consumo. E, dentro dessa agenda do consumo consciente, há ainda a questão dos resíduos, que também afeta o dia a dia das pessoas. As pessoas convivem com o problema do descarte ilegal perto de suas casas. A consciência com relação a seu próprio consumo, não só adquirir os produtos de que você precisa, mas como descartar os resíduos desse consumo, isso também é algo que faz parte da vivência diária das pessoas. A cada dia isso tem tido uma atenção maior por parte da sociedade. 

Usina Hidrelétrica binacional de Itaipu. A maior do mundo desde a inauguração, em 1984, até o ano de 2012, produz até 14.000 megawatts. Foto: Alexandre Marchetti/Itaipu Binacional
Vista aérea da usina de Belo Monte, a segunda maior do país: capacidade para 11.233 megawatts. Foto: Divulgação
Hiderlétrica Ilha Solteira, em São Paulo. Em operação desde 1973. Foto: Henrique Manreza / Manreza Imagens / Divulgação / CTG Brasil
Hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins, no Pará, pode produzir até 8.535 megawatts e foi inaugurada no mesmo ano que a de Itaipu, 1984. foto Rui Faquini
Usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Com capacidade instalada de 3.750 megawatts, ela está em operação no Rio Madeira, na Bacia Amazônica, desde 2013. Foto: Divulgação/PAC
No mersmo Rio Madeira, está a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, instalada no rio Madeira, em Porto Velho (RO). Ela tem capacidade para 3.568 MW. Foto: Divulgação / Ibama
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Usina Hidrelétrica binacional de Itaipu. A maior do mundo desde a inauguração, em 1984, até o ano de 2012, produz até 14.000 megawatts. Foto: Alexandre Marchetti/Itaipu Binacional
Vista aérea da usina de Belo Monte, a segunda maior do país: capacidade para 11.233 megawatts. Foto: Divulgação
Hiderlétrica Ilha Solteira, em São Paulo. Em operação desde 1973. Foto: Henrique Manreza / Manreza Imagens / Divulgação / CTG Brasil
Hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins, no Pará, pode produzir até 8.535 megawatts e foi inaugurada no mesmo ano que a de Itaipu, 1984. foto Rui Faquini
Usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Com capacidade instalada de 3.750 megawatts, ela está em operação no Rio Madeira, na Bacia Amazônica, desde 2013. Foto: Divulgação/PAC
No mersmo Rio Madeira, está a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, instalada no rio Madeira, em Porto Velho (RO). Ela tem capacidade para 3.568 MW. Foto: Divulgação / Ibama
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RPDUma questão sobre a qual se conhece muito pouco é o que pensa o brasileiro sobre a questão ambiental. Poucas pesquisas foram feitas a esse respeito. Precisamos estudar com mais rigor o que o brasileiro das várias regiões acha do meio ambiente.  Como você vê esse mundo novo, onde cada vez mais as pessoas se comunicam e provavelmente se comunicam mais em questões ambientais? E como elas podem interferir nas políticas públicas que devem ser exercidas e executadas para melhoria da vida do cidadão brasileiro? 
BM: Esse é um tema ótimo. Quando a gente faz uma avaliação mais ampla desses temas todos, eu acho que a conclusão a que se chega claramente é que há uma ampliação da consciência da sociedade em geral em torno dos temas ambientais, principalmente por conta das mudanças climáticas. Como já disse, isso passou a fazer parte do cotidiano das pessoas. Então há uma ampliação enorme da consciência da sociedade em geral, seja no Brasil, seja no mundo, com relação aos temas ambientais.  

Mais importante ainda, há uma ampliação da consciência junto à juventude. Hoje o jovem está no mínimo sensibilizado pelo tema. Se ele não está engajado em uma ação efetiva, ele no mínimo está sensibilizado. Essa força que vem do engajamento e da conscientização do jovem vai amadurecer com o tempo. Eu acho que o cenário é de ampliação da consciência. Ele pode, no Brasil, não se transformar em voto em curto prazo, ter uma dificuldade, ou a gente precisa elaborar estratégias para impulsionar esse voto em torno dessa temática. Mas de maneira geral o que a gente assiste, participa é a ampliação da consciência da sociedade civil no mundo, e a COP26 foi outro exemplo extraordinário. A juventude deu um show na COP. As cenas da COP que mais se apresentaram pelo mundo foram as ações da juventude. Acho que nós não podemos deixar isso de lado. A juventude tem todas essas ferramentas na mão para usar os recursos digitais de engajamento para a mobilização da sociedade.  

Outro fator que vai ser cada vez mais importante, principalmente no Brasil, é através da pressão econômica. Já estamos assistindo aos grandes gestores de fundos de investimento fazerem uma pressão danada: “nós não financiamos”. Temos um exemplo no Brasil muito forte. O governo federal ensaiou uma política de revitalização da indústria do carvão, de geração de energia do carvão, principalmente no sul de Santa Catarina. A atividade carvoeira ali é importante. O BNDES falou: “sinto muito, mas eu não financio”. Se ele financiasse, ia receber uma represália a nível internacional, não conseguiria acessar fundos em lugar nenhum.  

Pelo lado financeiro, os grandes investidores serão cada vez mais seletivos. A bolsa de valores está sentindo isso, ainda não na dimensão necessária, mas está crescendo a agenda de ESG, ou seja governança social e ambiental, nas empresas. Essa agenda está crescendo cada vez mais. Alguns acham que muito disso tem uma parcela de greenwashing, que é só para inglês ver, mas o fato é que os investimentos estão sendo cada vez mais seletivos.  

Convém analisar também o reflexo disso no comércio internacional. Principalmente na Europa, os produtos vindos de atividades predatórias vão perder espaço. Tivemos um exemplo agora no final do ano passado com a carne brasileira, com grandes redes de supermercado na Europa tirando os produtos da prateleira: “não entra mais carne vinda de desmatamento aqui nas nossas prateleiras”. Isso vai se expressar também e de maneira importante a partir da taxação do carbono. As principais medidas legais que tinham que ser aprovadas no Parlamento Europeu já foram aprovadas. Hoje a Europa tem uma agenda de implementação, e essa agenda de implementação vai crescer com o tempo. À medida que isso for implementado efetivamente, e o produto brasileiro vindo do desmatamento parar na alfândega e ter que voltar para trás, ou ter que pagar uma taxa de carbono para entrar, que vai encarecer o produto, isso vai começar a ter impactos no Brasil e forçar atitudes para que o poder público, iniciativa privada e sociedade adotem medidas para responder a essa questão.  

É uma questão do crescimento da consciência da sociedade que pressiona a agenda. A pressão econômica, principalmente pressão internacional, vai fazer a gente se mexer, mesmo se tratando de governos negacionistas, como o atual, que seja somente até o final deste ano. Essa é a mensagem de otimismo tem de ser muito reforçada. É só até o final deste ano. 

*Bazileu Margarido é engenheiro de produção e mestre em economia. Foi presidente do Ibama (2007-2008), secretário de Fazenda de São Carlos-SP (2001-2002), chefe de gabinete da ministra de meio ambiente Marina Silva de 2003 a 2007 e atualmente é assessor econômico da liderança na Rede no Senado.

** Entrevista produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2022 (39ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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