Revista Política Democrática Online || Sérgio C. Buarque: Eficiência econômica e igualdade de oportunidades

Até os anos 30, o Estado detinha, na média dos países, apenas 6% do PIB. Atualmente, essa fatia passa de 30% na maioria das nações desenvolvidas e flutua entre 35% e 45% nas social-democracias da Europa.
Foto: Rodolfo Buhrer/Diário dos Campos
Foto: Rodolfo Buhrer/Diário dos Campos

Até os anos 30, o Estado detinha, na média dos países, apenas 6% do PIB. Atualmente, essa fatia passa de 30% na maioria das nações desenvolvidas e flutua entre 35% e 45% nas social-democracias da Europa

Na segunda metade do século XX, o capitalismo passou por uma transformação radical, quando o Estado passou a se apropriar de parcela crescente dos excedentes econômicos, ganhando, desta forma, papel ativo na economia e na sociedade. Até os anos 30, o Estado detinha, na média dos países, apenas 6% do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente, essa participação passa de 30% do PIB na maioria das nações desenvolvidas e flutua entre 35% e 45% nos países social-democratas da Europa, com poder enorme de investimentos e gastos na oferta de serviços públicos e em segmentos da competitividade, e grande capacidade de regulação do mercado.

Este fortalecimento do Estado acompanhou mudança mais profunda na economia capitalista: o aumento acelerado da produtividade do trabalho, decorrente das grandes inovações tecnológicas e organizacionais, gerando elevados excedentes econômicos. A velocidade e a extensão deste aumento do excedente econômico permitiram a elevação de salários, a redução da jornada de trabalho e o crescimento da parcela apropriada pelo Estado, sem comprometer a acumulação de capital. Na verdade, estes movimentos favoreceram a acumulação de capital pela formação de um mercado de massa e pela alta demanda dos elevados gastos públicos.

O desenvolvimento é um processo complexo e resultado de múltiplos fatores, circunstâncias históricas e escolhas políticas. Mas não seria exagero afirmar que o desenvolvimento depende, antes de tudo, da relação entre o Estado e o mercado e da forma como ambos atuam, com suas diferentes e complementares contribuições para a geração e a distribuição da riqueza. O mercado é o espaço de concorrência que favorece a eficiência econômica e estimula a inovação, fator decisivo para o aumento da produtividade do trabalho. A promoção da justiça social e da igualdade de oportunidades são responsabilidades do Estado, com o provimento dos serviços públicos à sociedade. Mas, para isso, o Estado depende da eficiência do mercado e de sua contribuição para o aumento da produtividade.

A crise e o atraso econômico e social do Brasil decorrem, em grande medida, da combinação perversa entre um Estado pesado, falido e incompetente, socialmente injusto e apropriado por corporações e grupos de interesses, e um mercado ineficiente e travado pelo protecionismo, pelos elevados encargos sociais e pelo caótico sistema de incentivos e subsídios que distorcem a concorrência. O Estado brasileiro foi se apropriando, nas últimas décadas, de parcelas crescentes da economia apesar da quase estagnação da produtividade de trabalho e, portanto, dos excedentes econômicos. Com cerca de 35% do PIB, o Estado brasileiro tem um peso muito próximo aos de países altamente desenvolvidos como a Alemanha, com 36,7% do PIB. A Coreia do Sul, com uma produtividade do trabalho três vezes superior à do Brasil, tem carga tributária de apenas 24,3% do PIB. Mesmo assim, o Índice de Desenvolvimento Econômico (IDH) sul-coreano alcançou 0,891, muito superior ao do Brasil (0,744), evidenciando a ineficiência do Estado brasileiro.

Qualquer proposta de desenvolvimento do Brasil deve contemplar, portanto, a reestruturação do Estado, com a reorientação dos investimentos e gastos públicos e o aumento da eficiência governamental, e a liberalização do mercado, com o destravamento do ambiente de negócios e a ampliação da concorrência. A reestruturação do Estado deve levar a menos Estado na economia (incluindo ampla privatização), com muito mais Estado na oferta de serviços públicos, privilegiando os ativos sociais, principalmente o conhecimento (educação e qualificação profissional). E a liberalização do mercado deve contemplar a reforma tributária e a abertura planejada da economia para aumentar a exposição à concorrência internacional, forçando a inovação, fator decisivo para o aumento da produtividade.

Para a retomada do desenvolvimento, o Brasil tem de lidar com passivos econômicos e sociais, especialmente a dramática deficiência da educação, ao mesmo tempo em que se prepara para os desafios das próximas décadas. De imediato, o Brasil deve equacionar a grave crise fiscal que está estrangulando a capacidade de investimento público, mesmo porque não pode aumentar a carga tributária, já muito alta e desproporcional à produtividade da economia. Mas, para estruturar o futuro, escapando da armadilha das emergências, o Brasil precisa de uma profunda reformulação do Estado, racionalizando e reorientando as despesas públicas, e de uma ampla liberalização do mercado para aumentar a eficiência econômica e elevar a produtividade do trabalho. Já estamos muito atrasados neste mundo em alta velocidade por caminhos tão fascinantes como incertos.

 

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