Samy Dana: FGTS é mais uma tentação para gastar

A liberação das contas seria boa. Mas receber uma quantia inesperada costuma ser a senha para muitos gastarem mais do que deviam.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

A liberação das contas seria boa. Mas receber uma quantia inesperada costuma ser a senha para muitos gastarem mais do que deviam

A liberação das contas do FGTS, planejada pelo governo, é uma boa notícia. Se o dinheiro pertence aos trabalhadores, o mais lógico é que possam dispor ou investir os valores como quiserem. Os recursos nas contas vinculadas, que ficam presos na Caixa Econômica Federal, rendem só 3% mais TR ao ano, menos até do que a poupança e pior que a inflação, ou seja, o dinheiro é corroído pelo tempo…

Mas quem recebe uma quantia inesperada, como a liberação do Fundo, também precisa ficar alerta. Um dinheiro nessas condições é um convite aos gastos, seja um celular, aquela jaqueta desejada ou fazer uma viagem, explicam Greg Kaplan, Andreas Fuster e Basit Zafar, três economistas, em artigo publicado pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano).

Considere que você ganhou inesperadamente R$ 2 mil. Ou R$ 20 mil. O que faria com o dinheiro? Aplicando essas perguntas a 2.856 consumidores americanos como parte da pesquisa mensal do Fed sobre renda e trabalho, os três autores verificaram como cada um lidaria com essa situação. Foram quatro rodadas de entrevistas, de março de 2016 a março de 2017.

Há décadas os economistas tentam entender as situações que nos levam a consumir mais. A grande maioria dos estudos usa como base o momento da compra, em uma loja, um site ou outra situação. Mas, explica o artigo, também importa como ganhamos o dinheiro gasto. Muitos consumidores tratam de maneira diferente uma quantia que faz parte da renda mensal e um valor recebido de outra fonte, como um prêmio da loteria ou o dinheiro do FGTS.

A boa notícia é que nem uma em cada cinco pessoas (19%) pesquisadas pretendia gastar se o valor fosse de US$ 500, mas a média vai subindo conforme aumentam os valores. Se o ganho era de US$ 2.500, os gastadores somavam 27%. E, quando o valor passou para US$ 5 mil, 39%, ou seja, quase quatro a cada dez pessoas, se dispunham a gastar parte do dinheiro.

E quanto? Para quem iria receber US$ 500, era aceitável gastar até US$ 250 em um jantar fora, um celular ou outro mimo. Já quem ganharia US$ 2.500 considerou tudo bem gastar até US$ 1 mil. Os maiores gastadores foram os possíveis ganhadores de US$ 5 mil. Ainda que, proporcionalmente, o gasto fosse menor (30%), eles não viam qualquer problema em torrar até US$ 1.500.

As respostas mudaram quando os entrevistadores perguntaram a dois grupos como gastariam o dinheiro sabendo que só seria pago dali a três meses. Desta vez havia apenas duas opções, ganhar US$ 500 ou US$ 5 mil.

A proporção de gastos se mantém, mas é bem menor o percentual de pessoas dispostas a gastar. Foi perguntado ainda o que as pessoas fariam se, em vez de ganhar US$ 500 ou US$ 5 mil, pedissem o dinheiro emprestado. Só 8% disseram pretender gastar algum valor.

Os resultados completam alguns estudos recentes. Depois da crise de 2007-2008, por exemplo, o governo dos Estados Unidos pagou um bônus aos americanos para estimular o consumo. Parte das pessoas guardou o dinheiro, mas quem se dispôs a consumir gastou em média 75% do bônus, segundo pesquisa do Departamento do Trabalho.

Para nos convencer a gastar, é como se nosso cérebro tentasse nos convencer também de que o dinheiro fará menos falta. Pode parecer a solução para aquele gasto que você vinha adiando, mas que tal, então, como FGTS ou suas economias, esperar três meses antes de usar? Verá que muita coisa não era tão importante assim.

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