RPD || Paulo Baía: O Brasil não conhece o Brasil

Brasil vive à beira do precipício como quem tenta fazer uma travessia em cima de uma corda bamba, à espera de um milagre, independente de uma política governamental, critica Paulo Baía.
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Brasil vive à beira do precipício como quem tenta fazer uma travessia em cima de uma corda bamba, à espera de um milagre, independente de uma política governamental, critica Paulo Baía

Não, o Brasil não quebrou. Milhões de pessoas todos os dias acordam sem nada para comer. Sem um tostão no bolso, vão para as ruas de nossas cidades com o intuito de “se virar”. A novidade dos últimos tempos é a ideia de que cada cidadão deve vir-a-ser um empreendedor com garantia de sucesso e estabilidade num padrão de sucesso dentro da lógica do mercado. O qual existe e funciona para o 1% da população brasileira que permanece no mesmo patamar em qualquer crise. Então, na atualidade, existem espalhados por todos os cantos do país os “empreendedores” de si mesmo. O que existe na realidade são biscateiros, camelôs, vendedores de doces em semáforos, procurando ganhar algo para o sustento e que lhes traga alguma condição de subsistência. Outros, mais aquinhoados na discrepância de nossa profunda desigualdade de renda e social, são trabalhadores aviltados pelas plataformas digitais com seus empregos ainda mais precarizados, dentro de uma lógica de deformidades trabalhistas aprovadas e que se tornaram recorrentes nos últimos quatro anos.

O Brasil está à beira do precipício como quem tenta fazer uma travessia em cima de uma corda bamba, em que cada um que se vire por si próprio, independente de uma política governamental. Vivemos ao Deus dará, sem imaginar acreditar em falsos profetas à espera de um milagre, a não ser os que acreditam no mito, que não saberemos até quando durará após o fim do auxílio emergencial. Afinal, para o Presidente da República, a pandemia sequer existiu, foi fabricada por mentes doentias que tinham a missão única de conspirar para derrubá-lo e impedir que seu governo fosse bem-sucedido.

As redes de proteção social do Estado brasileiro foram detonadas por um Parlamento que roda, roda, e a cada eleição permanece preso a seus próprios negócios e interesses. E, no caso atual, em conluio com um Poder Executivo subserviente ao 1% mais rico da população, que não pode perder em nenhuma situação, nem mesmo diante de uma peste mundial.

Não somos um país quebrado. Temos uma produtividade espantosa da maioria dos 220 milhões de habitantes. Levantem suas cabeças e prestem atenção às ruas, principalmente olhem para as nossas periferias. A produção de redes de proteção, de assistência, de criatividade, tem feito com que a roda gire e os faça existir numa afirmação permanente da vida. De forma independente dos ‘nãos’ em excesso, vindos tanto do poder legislativo como do executivo, com suas políticas que atuam para retirar e criar barreiras em que a população nunca sai do mesmo lugar em que deve permanecer – à margem. Contudo, debaixo da terra existe vida pulsando e criando novas possibilidades existenciais, que marcam novas formas de existir, para além de uma ideia de resistência. Pois a atuação dos líderes comunitários, das redes de artistas e de pensadores dentro das comunidades busca soluções concretas, com o desejo de reafirmar a vida e não lutar contra uma correnteza que deseja única e exclusivamente afogá-los.

Enquanto o 1% da população brasileira permanece sem dividir o eterno bolo, que só cresce em suas barrigas narcísicas, as favelas criaram grupos de apoio em que, através de uma rede de solidariedade, conseguem se reinventar e criar condições para atravessar as dificuldades. Existem diversas ações em andamento, mas gostaria de ressaltar a ação humanitária Mães da Favela. De acordo com pesquisa realizada pelo Data Favela e pelo Instituto Locomotiva, existem 5,2 no país milhões de mães faveladas. Deste número, em torno de 72% delas afirmam que, com a ausência de renda decorrente do isolamento, terão problemas na alimentação e, obviamente, não possuem poupança. E oito a cada 10 dizem que a renda já caiu, e as despesas aumentaram, com os filhos em casa sem ir às escolas. Com isso, criaram o vale-mãe – em que elas recebem 120 reais com pagamentos sendo feitos pelo celular através de uma empresa. Atualmente, a ação tem uma página na rede que se chama “mães da favela on”, denominada Fundo Solidário Covid-19 para as Mães da Favela, que já arrecadou R$ 169.120.680,00. Existem 65 mil pessoas mobilizadas para a entrega das cestas com 5 mil favelas atendidas, sendo cerca de 1.379.794 famílias atendidas e 5.519.056 pessoas impactadas, perfazendo uma média de 4 pessoas por família, num total de 18.227,552 toneladas de alimentos, média de 13,5 kg por cesta. De fato, a música está certa – O Brasil não conhece o Brasil.

*Sociólogo e cientista político.

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