RPD || Andrei Meireles: Queiroz e outros fantasmas do passado que assombram Bolsonaro

Decisão do presidente do STJ, que concedeu prisão domiciliar ao faz-tudo Queiroz, dá um alívio temporário ao presidente Jair Bolsonaro. A investigação é a mais avançada sobre o passado que atormenta o governo Bolsonaro desde a divulgação, antes até mesmo da sua posse.
Foto: STJ
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Decisão do presidente do STJ, que concedeu prisão domiciliar ao faz-tudo Queiroz, dá um alívio temporário ao presidente Jair Bolsonaro. A investigação é a mais avançada sobre o passado que atormenta o governo Bolsonaro desde a divulgação, antes até mesmo da sua posse

Como habitual nos últimos recessos do Judiciário, o clã Bolsonaro voltou a ganhar algum fôlego com decisão controvertida de um ministro plantonista que não é o juiz natural da causa. Dessa vez, a canetada na quinta-feira (9) foi do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, que acatou pedido da defesa e transferiu Fabrício de Queiroz do presídio em Bangu 8 para prisão domiciliar. Decisão extensiva a Márcia de Aguiar, mulher de Queiroz, que estava foragida, a pretexto de que, fora da cadeia, ela não poderia cuidar do marido, em casa.

O que dizem seus colegas no STJ é que o ministro João Noronha concedeu os benefícios ao casal Queiroz na expectativa de melhorar suas chances na disputa por uma das duas vagas a ser indicada pelo presidente Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal. Com certeza, ele ganhou pontos.

Fabrício Queiroz virou fantasma que assombra os Bolsonaros. Ele sempre foi uma espécie de faz tudo para a família presidencial, cuidava desde a arrecadação à segurança do clã. Montou e operou o esquema das rachadinhas – devolução de parte dos salários por funcionários remunerados com dinheiro público – nos gabinetes parlamentares dos Bolsonaros. O de maior escala foi no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro em seus mandatos como deputado estadual, no Rio de Janeiro.

Essa é a investigação mais avançada sobre o passado que atormenta o governo Bolsonaro desde a divulgação, antes até mesmo da sua posse. Motivo principal das seguidas pinimbas do presidente da República com a Polícia Federal, que foi a matriz de todas as crises com o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.

Em julho do ano passado, em outro recesso do Judiciário, o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, também com canetada polêmica, gerou pandemônio na Justiça ao suspender, a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, centenas e centenas de investigações, inquéritos e processos baseados nos relatórios do Coaf. Seis meses depois, a medida foi revogada em uma decisão quase unânime do Supremo, inclusive com o surpreendente voto favorável do próprio Toffoli. Assim, voltou a andar o inquérito das rachadinhas no Rio de Janeiro.

Serviu apenas para atrasar as investigações e trazer para a ribalta Frederick Wassef, um desses advogados que opera mais nos bastidores do que nos tribunais. A decisão do STF foi a senha para Wassef esconder Queiroz em sua casa em Atibaia, passar a monitorar os passos de sua família e tentar controlar outras pistas soltas no passado dos Bolsonaros.

Com sua disciplina militar, e medo real de represálias, Fabrício Queiroz parece não ter perfil para delação premiada. Os investigadores sabem disso. A expectativa deles era conseguir a colaboração da mulher dele, Márcia de Aguiar, ou de sua filha mais velha, Nathalia Queiroz. Márcia escapou de uma prisão preventiva se escondendo durante semanas. A canetada do ministro João Noronha, que também a colocou em prisão domiciliar com o inacreditável argumento de que, assim, ela poderia “cuidar do marido”, pelo menos adia qualquer tentativa dos investigadores, de obterem sua confissão.

As provas já de posse do Ministério Público são suficientes para denúncia consistente contra Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz, e todos os demais envolvidos no escândalo da rachadinha. Portanto, a colaboração de Queiroz nesse caso não é decisiva. Ele pode ser problema bem maior para a família Bolsonaro do que nesse esquema de corrupção, que, infelizmente, é generalizado nos parlamentos, em todo o país. Queiroz é o elo exposto de uma ligação ainda não esclarecida com as criminosas milícias policiais no Rio de Janeiro. Essa é uma sombra que também assusta os aliados, principalmente os militares.

A preocupação no entorno dos Bolsonaros, após a decisão do ministro Noronha, é o advogado Frederick Wassef. Ele se sente credor da família e recusa todos os conselhos para submergir. Vaidoso, adora holofotes. Em suas seguidas entrevistas, vem apresentando teses delirantes sobre a morte do capitão miliciano Adriano Nóbrega e as ameaças a Fabrício Queiroz “por forças ocultas”. O que mais incomoda o governo é sua dificuldade em dar uma versão crível sobre a sua atuação, em seu papel de “anjo” para os Bolsonaros. Ele não consegue explicar, por exemplo, quem lhe autorizou a comandar a operação clandestina para esconder Queiroz em suas casas em São Paulo.

Outra sombra do passado que acua Bolsonaro é o avanço em diversas frentes sobre o exército de robôs que ajudou a elegê-lo e faz guerra permanente contra todos os seus adversários. Nos inquéritos e na CPI sobre fake news em Brasília, e nas medidas profiláticas tomadas pelas redes sociais Facebook e Instagram, a tropa montada pelo filho Carlos Bolsonaro, o 02, está sob intenso tiroteio.

Todos esses imbróglios, somados à demissão de Sérgio Moro, que entrou no governo como avalista do combate à corrupção e saiu atirando em Jair Bolsonaro, estão causando rombo no apoio popular ao presidente. Nos números absolutos nas pesquisas de opinião pública, a queda nem foi tão expressiva. Mas, se lidas com atenção, elas mostram que o tombo só não foi maior porque os desiludidos com Bolsonaro foram em parte momentaneamente substituídos por um contingente de pessoas satisfeitas com o pagamento do auxílio emergencial durante a pandemia. Só que é uma ajuda transitória.

*Andrei Meireles é jornalista.

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